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Literatura: uma bebida doce e edificante ou uma taça de medo e horror?

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Melian

Período composto por insubordinação.
O narrador do livro E do Meio do Mundo Prostituto Só Amores Guardei ao Meu Charuto*, de Rubem Fonseca, define a literatura do seguinte modo:

Eu disse que para alguns escritores a literatura deve ser doce e edificante, isto é, suficientemente açucarada e boa para agradar paladares delicados e refinar moral e espiritualmente o leitor, mas que o escritor não era um confeiteiro de bolos nem um pedagogo, os bons escritores, como Sade, enchiam o coração e as mentes dos leitores de medo e horror, porque a vida era isso, medo e horror.

Há alguns anos, quando li esse livro, me lembrei bastante do Schopenhauer, que definia a vida como “um constante sofrimento”. Para ele, apenas a arte representava uma trégua temporária. O pessimismo de Schopenhauer tem a ver com metafísica (sempre ela!), uma interpretação do cosmos. Não é um pessimismo do senso comum, do tipo, “olha, eu acho que as coisas não vão dar certo”. O entendimento do Schopinho (sou íntima dele!) é o seguinte, o que comanda o mundo é a vontade. Mas a VONTADE para Schopenhauer não é a minha vontade, a sua vontade ou a vontade de cada uma das pessoas.

A vontade, para nosso querido filósofo, é uma força cósmica, uma força metafísica, que está em tudo: na pedra, na cadeira, no meu sapato, na sua cabeça. A vontade humana é a manifestação dessa vontade-força. É como se o mundo manifestasse todo o seu movimento em uma força que tem a característica da nossa vontade. É como se o mundo estivesse sendo impulsionado por uma força que é o retrato da vontade humana, embora não seja a vontade humana (sacaram? Eu também não saquei.)

A vontade não tem um objetivo. Ela não é a razão. A razão tem objetivo, a vontade MUDA. E se a vontade não tem objetivo, ela é caótica. Ora, em um mundo caótico, sem ‘télos’ – objetivo -, é claro que as coisas ruins vão acontecer. Se o mundo tivesse uma determinação, e tivesse um objetivo posto pela razão, a razão poderia programar as coisas, para que as coisas todas fossem boas, mas como não é, você precisa aceitar o fato de que o percurso do mundo não é necessariamente bom., é permeado por coisas boas e ruins (Jura?). Ora, se tem coisas ruins, eu não posso ficar muito otimista, não.

Usar os pressupostos filosóficos de Schopenhauer para fazer um paralelo com a definição de literatura proposta pelo narrador do livro do Rubem Fonseca parece não ter sido uma boa ideia, né? Eles parecem sugerir que, como a vida é um barril de caos, do qual extraímos medo e horror, a literatura deve espelhar essa realidade, e nos servir taças de medo e horror (Schopz não sugere nada, eu é que sugeri, mas relevem, ok?).

Tudo bem, esqueçam-se de Schopenhauer, concentrem-se em Hegel! Para ele, quem comanda o mundo é a razão. E ela organiza tudo para que aconteçam coisas boas. Nessa perspectiva, a literatura poderia ser uma taça de uma aconchegante bebida, doce e edificante. (Vocês sabem que Hegel não falou isso, mas, até aí, Clarice Lispector não falou a metade do que a internet diz que ela falou, então, está ok).

Eu não gosto de ser taxativa, porque acredito que a literatura pode ser tanto doce e edificante como causadora (catalisadora?) de medo e terror. Por ora, eu prefiro considerar a literatura como o que acontece ENTRE esses extremos. Ela está no meio do oceano, mas só pode ser compreendida por quem está à margem.


*Amo o título! A propósito, ele foi retirado de versos do "Poema do Frade", do maravilhoso Álvares de Azevedo, poeta que habita o meu coração byroniano.
 
Gosto dessa sua visão, Cléo! Também acho que ela está entre esses dois extremos, mesmo porque a realidade e a nossa experiência da realidade está entre esses extremos. Posso dizer que o mundo é um vácuo atormentado, um sistema de erros, como o Drummond disse, e minha visão se corrobora quando leio um tabloide sensacionalista. O problema é que quando eu ouço a notícia de uma mulher que salva um animal de rua, eu meio que entro em crise. Enfim. Vai saber. O Blake escreveu canções da inocência e da experiência. Num conjunto temos poemas fofinhos a respeito de um cordeirinho e no outro temos um poema terrível em que o Eu Lírico basicamente se indaga Quem foi capaz de criar uma máquina de matar. Esse espanto diante do mundo, esse espanto diante de uma coisa tão bonitinha quanto um cordeirinho saltitante e diante de uma coisa tão terrível quanto um tigre capaz de estraçalhar uma corça; no final das contas esse espanto é, muito provavelmente, o que move a arte e a estada humana neste planetinha azul.
 
(sacaram? Eu também não saquei.)

(Schopz não sugere nada, eu é que sugeri, mas relevem, ok?).

(Vocês sabem que Hegel não falou isso, mas, até aí, Clarice Lispector não falou a metade do que a internet diz que ela falou, então, está ok).

Eu estava relendo este tópico, e fiquei impressionada (e preocupada com a minha sanidade, claro) com o fato de que eu escrevi tudo isso sem ingerir uma única gota de álcool. Não bebo, nem mesmo vinho seco (que eu acho uma delícia), há um bom tempo e, honestamente? Não sinto falta. Enquanto eu tiver minha taça - ora edificante, ora horripilante - de literatura, ficarei bem.
 
Sua definição de vontade como uma força cósmica sem razão nem objetivo, um caos que tende ao horror, me fez lembrar de Lovecraft. Que talvez lesse Schopenhauer. Fico com eles. Garçonete, me vê uma taça de medo e horror e um pastel de frango.
:beer:
 
Olha, se essas fossem as duas únicas opções, eu acho que já teria desistido de ler há muito tempo.
Tampouco eu tenho uma resposta pra o que seja. E acho que é essa falta de resposta é a resposta mesmo. A literatura (a arte como um todo) não se define, porque ela não se limita. Pode ser pelo horror, pode ser pela edificação, pode ser por algo entre ambos, ou por algo completamente diferente, pode ser por algo que quem lê nem faz ideia, mas esse rompimento de limites está lá, e a roda nunca para de girar. A literatura (e a arte) é a roda que nuca para de girar. E isso não significa absolutamente nada.
 

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