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Literatura de entretenimento, mais vendidos, escritores nacionais, etc.

Ana Lovejoy

Administrador
Ontem saiu na folha uma matéria comentando sobre o "estranho" fenômeno que ocorre no mercado editorial brasileiro: autores nacionais são sucesso na não-ficção, mas mal aparecem nos mais vendidos de ficção. Link aqui >> http://www1.folha.uol.com.br/ilustr...os-brasileiros-nao-emplacam-boas-vendas.shtml

Dessa matéria, chamou minha atenção os seguintes trechos:

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Sobre os quais comentei no twitter e depois mais detalhadamente no meu bró >> http://www.anica.com.br/2013/01/03/ficcao-nacional/

A questão é que hoje de manhã apareceram outros dois textos que parecem mostrar um outro lado da história (ou pelo menos um lado que confirme o que eu achava ser só uma desculpa, não sei). O primeiro é um do Hatoum no estadão (link via Pips):

Há poucos meses atrás, na Feira do Livro de Guadalajara, vi uma cena que, de algum modo, diz muito sobre a literatura e a solidão, essas irmãs siamesas.

A Feira estava cheia de gente, mas não necessariamente de leitores. Ao visitar o estande de uma editora, vi um escritor de língua espanhola, sentado diante de uma mesinha, à espera de leitores. Ele tinha um ar desolado e conversava com uma mulher. Quando eu passava perto dos dois, ele perguntou à mulher onde estavam os leitores. Ela sorriu e apontou para uma fila de leitores excitados, que queriam comprar a edição espanhola de Cinquenta Tons de Cinza, o best-seller do momento.

É improvável que os leitores dessas historinhas de sexo e violência - ou sexo com violência - leiam romances de Conrad, de Dostoievski ou de Graciliano Ramos. Quantos se aventuram a ler Coração das Trevas, Crime e Castigo ou Infância? Para a maioria dos leitores, um livro de ficção é puro entretenimento, algo que não convida a pensar nas relações humanas, no jogo social e político, na passagem do tempo e nas contradições e misérias do nosso tempo, muito menos na linguagem, na forma que forja a narrativa. Talvez por isso o poeta espanhol Juan Ramón Jiménez tenha afirmado que a poesia é a arte da imensa minoria. Isso serve para a literatura e para todas as artes. Os poucos, mas felizardos espectadores da peça O Idiota, dirigida por Cibele Forjaz, sabem disso.

Flaubert costumava lamentar a época em que viveu: a crença entusiasmada e cega no progresso e na ciência, as batalhas fratricidas na França, a carnificina das guerras imperialistas, e a idiotice e bestialidade humanas, que ele explorou com ironia em sua obra. Em uma carta de sua vasta correspondência, escreveu que o ser humano não podia devorar o universo. Referia-se ao consumismo crescente na segunda metade do século 19.

O que o "Ermitão de Croisset" diria dos dias de hoje, quando a propaganda insidiosa na tevê não poupa nem as crianças e tudo gira em torno da vida de celebridades, de uma fulana famosa que teve um bebê, de sicrano que se separou de beltrana ou traiu uma fulaninha? Qual o interesse em saber que a princesa da Inglaterra está grávida?

Essas baboseiras são ainda mais graves num país como o Brasil, cuja modernidade manca ou incompleta exclui milhões de jovens de uma formação educacional consistente.

No começo da década de 1990, quando eu passava uma temporada em Saint-Nazaire, um jovem operário entrou no meu apartamento para consertar o vazamento de uma tubulação. Quando passou pela sala, viu um romance em cima da mesa e exclamou:

Ah, Stendhal. Li vários livros dele, e o que mais aprecio é esse mesmo: A Cartuxa de Parma.

E onde você os leu? Quando?

Aqui mesmo, ele disse. Na escola secundária.

Era uma das escolas públicas daquela pequena cidade no oeste da França.

Nicolas Sarkozy e outros presidentes conservadores tentaram prejudicar o ensino de literatura e ciências humanas na escola pública francesa, mas nenhum deles teve pleno êxito. Aprender a ler e a pensar criticamente é um dos preceitos de uma sociedade democrática, e esse mandamento republicano ainda vigora na França. O que os prefeitos e secretários de Educação dos quase 5.700 municípios brasileiros dizem a esse respeito?

A precariedade da educação pública é um dos problemas estruturais da América Latina. Até mesmo a Argentina, que já foi uma exceção honrosa, começa a padecer desse mal.

Comecei essa crônica evocando a solidão de um escritor em Guadalajara. Melhor assim: a solidão está na origem do romance moderno, é um de seus pilares constitutivos e faz parte do trabalho da imaginação do escritor e do leitor.

O tempo se encarrega de apagar todos os cinquenta tons de cinza, e ainda arrasta para o esquecimento os crepúsculos, cabanas e toda essa xaropada que finge ser literatura. Enquanto isso, Coração das Trevas, publicada há mais de um século, é uma das novelas mais lidas por leitores de língua inglesa.

O segundo foi uma curiosa resposta do José Roberto Torero para uma crítica que recebeu no Rascunho (publicada no próprio Rascunho):

O Rascunho de outubro [#150] trouxe uma resenha de nosso livro O evangelho de Barrabás. Seu nome era Diversão e nada mais, e seu autor, Rodrigo Casarin.
Como se pode supor pelo título, ela não foi exatamente elogiosa. Mas tinha alguns pontos interessantes, que poderiam render um bom debate. Por conta disso, achamos (José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta) que a crítica merecia resposta, ou, antes, que o autor e seus leitores mereciam alguns esclarecimentos.
Comecemos pela estrutura. A resenha afirma que: “a estrutura de O evangelho de Barrabás (…) é bastante simples e linear. Fica claro que o objetivo de Torero e Pimenta era simplesmente contar uma história, somente isso”.
Enxergamos aí dois problemas. Em primeiro lugar, os evangelhos do Novo Testamento têm estrutura linear e, se assim é a matriz, assim deve ser a paródia. Em segundo, não há nenhum problema em ser linear. Este tipo de estrutura não é bom ou mau, profundo ou superficial por natureza. Muitos grandes livros, como A metamorfose, têm uma estrutura linear. Não há que ser um imitador de Faulkner para ser profundo.
Quanto ao humor, o crítico diz que: “Os autores perdem a mão até mesmo nas próprias passagens cômicas, que tão bem constroem em outras ocasiões. Pecam pela graça na hora errada. Nos raros momentos de drama, as piadas tornam-se desnecessárias”.
Na verdade, acreditamos que ocorre o inverso. Uma piada num momento dramático evita o sentimentalismo e, em certo sentido, aumenta o tom trágico. Por exemplo, há um trecho em que Barrabás vê uma fileira de cadáveres pregados em cruzes e, na última, encontra sua mãe. Então vem um cachorro e arranca o dedão do cadáver. Isto não é uma simples piada. É a morte sendo tratada com indiferença pelo cão, é a dor da perda sendo substituída pela fome, é o luto sendo pisado pela urgência da vida, coisas que são ainda mais tristes.
Diversão e um pouco mais
Mas passemos à parte principal da crítica, que pode ser resumida nestas duas frases: “Pequenas marcas em O evangelho de Barrabás poderiam proporcionar grandes interpretações aos mais entusiasmados” e “Todavia, por mais que alguns leitores adorem descobrir mensagens implícitas, não é nenhum tipo de (…) análise da presença divina ao longo dos tempos (…) que o livro de Torero e Pimenta se propõe a fazer”.
Rodrigo vê pistas de grandes interpretações, mas não vai atrás delas. O fato de não tentar se aprofundar nas evidências que ele mesmo notou é estranho. É como ver a ponta de algo e, em vez de cavar, jogar terra por cima.
Um exemplo da descrença do autor: Rodrigo levanta a hipótese de que a primeira frase (“Eram os dias em que Joazar governava o Templo, Herodes governava a Judéia, Otávio Augusto, o mundo, e Deus, tudo”) poderia querer dizer que era o tempo em que Deus estava acima de tudo. E era exatamente esta sua idéia. Mas ele diz que a frase não queria dizer nada, que não se deve ver pêlo em ovo. Ou seja, tropeça no acerto, mas acaba pulando por cima dele.
Nossa preocupação é entender por que isso acontece. Obviamente não é apenas culpa de Rodrigo. Não se trata de um crítico mal intencionado, com rusgas pessoais com os autores, etc… Ele leu o livro deste jeito por algum motivo.
Nosso palpite é que o livro esconde demasiadamente suas referências. Poderíamos tê-lo enchido de pés de página, apontando para cada correlação com os evangelhos. Talvez fosse o mais apropriado para um tempo de leitura rápida, no qual o leitor não procura, ou mesmo não crê em significados profundos. Valeria a pena incluir pedantes explicações aqui e ali apenas para mostrar domínio sobre o assunto? Talvez sim.
De qualquer modo, com um pouco mais de atenção, ou de crença nos autores, Rodrigo poderia ter enxergado “algumas mensagens implícitas”. Por exemplo:
1) Os companheiros de Barrabás na cadeia não são apenas personagens divertidas. São seus mentores. E, se seus mentores são um mágico, um falsário, um ator e um pregador meio maluco, há aí uma tese sobre o que é ser um profeta.
2) Maria Magdalena não é apenas “uma moça que se envolve com diversos homens (…) por sempre acreditar que o atual parceiro é o verdadeiro profeta”. Ela é mais que isso, é o paradigma da mente do fiel, propensa a entregar seu corpo, sua alma e seus bens a vendedores de esperanças.
3) No momento em que os fiéis disputam quem foi o mais abençoado após uma pregação de Barrabás é possível ler a cena ao nível da piada, mas também podemos reconhecer aí uma referência à vaidade que move os crentes a declarar que a graça divina se manifesta em suas vidas.
4) Outros episódios aparentemente escritos para provocar gargalhadas, como a chuva de porcos endemoninhados, a cidade atapetada de peixes, as reclamações de Lázaro quanto à sua ressurreição e a nova versão da parábola do filho pródigo ganham valor quando lidas como complemento ou continuação da narrativa bíblica. Entendemos que nestes capítulos a paródia alcança um de seus efeitos mais desejados, que é o de inverter o sentido de uma situação preservando seus elementos constitutivos.
5) E, com um pouco de fé, o leitor poderia notar um debate sobre a intolerância religiosa (presente na relação dos romanos com os judeus, em que ambos julgam ter as melhores divindades), e uma reflexão a respeito do casamento da religião com a espada, indicado no discurso do sumo sacerdote Anás, que mostra como os deuses foram sendo dizimados um após o outro à medida que um novo poder militar surgia e subjugava o anterior.
E vamos parar por aqui, que ficar desvendando os sentidos do livro é, para os autores, algo como deixar os encanamentos de uma casa à mostra.
Por fim, a conclusão de Rodrigo é que “os autores contam uma história que visa divertir de maneira fácil o leitor, nada mais”.
Não concordamos. Nossa intenção era fazer um livro com dois níveis de leitura. Um realmente mais divertido, e outro mais profundo, falando da fé e dos fiéis. Se um bom leitor, como deve ser Rodrigo, não chega a este segundo nível de leitura, certamente temos alguma culpa. Mas não haverá também um pouco de responsabilidade do leitor que pula sobre as pistas que encontra no caminho? O pior cego não é aquele que não quer ler?
Em verdade, vos dizemos: sempre haverá leitores que apenas se divertirão com um livro, mas, por outro lado, também haverá outros que, com algum cuidado, poderão reconhecer no mesmo livro dimensões mais interessantes. Bem-aventurados sejam. Os últimos, não os primeiros.


Dei destaque para a conclusão dos dois textos porque nos dois casos a conclusão parece apontar para o mesmo caminho: o da desvalorização da literatura de entretenimento. Considerando o texto (e tantos outros que já apareceram por aí, logo trago aqui uma citação do Jurado C sobre o assunto), gostaria de saber a opinião de vocês sobre o assunto: o pessoal das editoras está certo e escritores só se preocupam em escrever para seus pares (e a crítica), esquecendo do público - e por isso não aparecendo nas listas dos mais vendidos?
 
Pelo que conheço de escritores, nem eles mesmos sabem para quem escrevem. Diferente de público que blogs, sites e afins procuram, o escritor escreve porque tem vontade e deleta porque também tem vontade. Creio que alguns procuram uma razão maior nas suas palavras, o que pode alcançar (Paulo Coelho) ou afastar (Thomas Pynchon) o público.

Creio que se, por exemplo, Areia nos Dentes fosse lançado numa época onde Zumbis não estavam se destacando, talvez fosse ignorado pelas pessoas. É um livro bacana e cheio de referências - também divertido e não é cabeção. Mas creio que foi escrito por pura diversão e obsessão.

Um dos casos de puro entretenimentoé O paraíso é bem bacana, de André Sant'Anna. Não tem nada de cabeção dentro dele, é um livro de puro entretenimento e é genial em tudo.

Uma das ficções que poderiam ser mais populares por aqui é o Ficção de Polpa - que não chega ao grande público apesar de todos os elogios.
 
"Literatura de entretenimento" - odeio esse termo. :P

Nossa intenção era fazer um livro com dois níveis de leitura. Um realmente mais divertido, e outro mais profundo, falando da fé e dos fiéis.

Muito bom, Torero. É bom ver autores defendendo amplamente a ideia de que seus livros vão muito além do óbvio - assim sendo, a profundidade/densidade de um texto não anula a ideia de que ele possa entreter o leitor. O problema é que temos uns leitores tapados... e escritores metidos, isso é fato.
 
Última edição:
Há muitos fatores envolvidos aí, mas o Hatoum tocou na questão principal, mas se desviou feio com essa diatribe no final. Para mim a questão principal é a educação. Simplesmente não há público ou mercado consumidor de literatura no Brasil (e de certa cultura?), nunca houve massa consumidora. Com 70% da população de analfabetos funcionais, sem bibliotecas, sem livrarias, sistema de ensino que forma para a desleitura... Isso resulta nas tiragens absurdas de 5 mil exemplares no país com a 5º maior população do mundo e em escritores que não conseguem viver só de escrever. Os escritores de ficção realmente escrevem para ninguém (ou para os amigos escritores). Um problema parecido envolve os quadrinhos nacionais na minha opinião.

O Karl Erik Schollhammer analisa a questão do "mercado" nas primeiras décadas desse século XXI no livro Ficção brasileira contemporânea. Lá ele diz que o governo continua sendo o principal comprador de livros no país por causa dos programas escolares e que houve só um ligeiro aumento nas vendas nos últimos anos (em números já não muito expressivos) se excluirmos o governo, aumento ainda em que a parte da ficção estrangeira ou nacional é desprezível. (Pena não ter o livro aqui comigo para detalhar mais a coisa).

Daí somos "vítimas" dos produtos que vêem da indústria cultural do exterior já prontos e com muito marketing de séries, filmes, jogos, internet, destinados a uma certa classe média urbana relativamente letrada e com poder aquisitivo maior... O lucro é muito mais garantido. (Talvez haja também uma pitada de preconceito contra o "nosso" nisso tudo? Mas como a indústria cultural nacional é muito fraca a qualidade acaba sendo pior mesmo).

Quanto à não-ficção, não acho que seja tanto a proximidade com a nossa realidade ou com o público quanto a propaganda também. O marketing começa já com o nome de quem escreve (escreve?): padres, pastores (que contam com a propaganda gratuita da própria rede de TV), "famosos" com espaço na mídia. Fica muito mais fácil de se vender também.

Dá para resumir também dizendo que por vários motivos os consumidores se "entretêm" com outras coisas mais baratas e acessíveis como televisão e internet e dificilmente vêem literatura como entretenimento.
 
Última edição:
Vejo isso como um problema da nossa sociedade de modo geral: a coisa vai ficando setorizada, vão se formando grupos que se segregam mesmo que inconscientemente... Basta ver o Facebook.

Mas existem algumas coisas que devem ser ponderadas. Acho que a primeira delas é a de que essa realidade já está mudando... Há cinco anos atrás eu podia falar que a literatura estava em crise. Hoje, por exemplo, não dá pra falar isso, e o Granta é algo bem simbólico a esse respeito. Nós já temos um time de elite na prosa brasileira e é só uma questão de tempo para ganharmos outros símbolos como um Nobel de Literatura, para citar um exemplo mais corriqueiro. A conjetura geopolítica do Brasil nesse século não me deixa mentir.

Outra coisa que eu também acho interessante mencionar é que essa abordagem da literatura brasileira como algo hermético, de escritores com linguagem difícil... Como a própria Anica citou no blog dela, artistas como o Galera não possuem uma linguagem inacessível. Mesmo porque estamos ainda viciados com alguns campos do saber do século XX... Por exemplo, o desenvolvimento da linguística. Temos a tendência de analisar uma obra pela forma que ela usa o vernáculo, e apenas com base nisso dizer se ela é ou não revolucionária, se é ou não hermética (por exemplo, as análises Concretistas dos poemas). Mas isso é um pouco falso no final das contas, visto que a utilização da língua por uma obra é um dos aspectos de sua linguagem, por mais que os termos se pareçam. Eu considero o desenvolvimento narrativo que o Galera vem desenvolvendo, como disse no tópico do Barba ensopada de sopa, revolucionário. Em especial pela relação entre narrador e personagens: você tem um movimento que parece recorrer às técnicas intensificadoras modernas até o momento em que ele... Simplesmente não para. Em que ele continua, em que ele vai excluindo o leitor desse universo e criando uma espécie de corrida de 100 metros, sei lá.

Enfim. Isso também é linguagem. E a tendência da arte do século XXI será justamente isso: se o pessoal espera que o livro do século XXI vai ser um novo Ulysses, eu recomendo que, pelamordeDeus, leiam o Ulysses e parem de achar que o Ulysses é só neologismos e "técnicas narrativas ousadas"! Ousado foi o Machado, que escreveu um maldito capítulo só com reticências, caramba! Ousado foi o Cervantes, que parodiou até a medula a literatura de cavalaria!

Outra coisa que gostaria de reiterar é a de que a literatura de qualidade nunca vai estar no mesmo patamar da literatura que vende. Não sei onde a Folha tirou isso. Alguém manda uma carta pra Folha e lembra que estamos numa sociedade capitalista? É ingênuo você querer comparar um best seller com um long seller. Cézanne no final do século 19 fala de um artista que ele conheceu num sarau que havia vendido 35 mil exemplares. Enquanto isso, Charles Baudelaire havia vendido 300.

É claro que a arte que se preocupa em fazer algo mais trabalhado e honesto não vende tanto... Além das razões econômicas, vejo nisso um pouco de coragem. Um livro bom não é um livro que apenas te faz viajar; ele dá um jeito de te dar um soco no estômago, ou, como diz o Arnaldo Jabor sobre a poesia do João Cabral, ele mostra a riqueza que nos falta. A pessoa precisa ter coragem para ler uma obra que a desafie...

Além do mais, e voltando a essa ideia de linguagem acessível, isso vai depender do que se considera como sendo acessível. Esse poema de Manuel Bandeira (não sei se é essa a estrofação):

COMENTÁRIO MUSICAL.

O meu quarto de dormir a cavaleiro da entrada da barra.
Entram por ele dentro
Os ares oceânicos,
Maresias atlânticas:
São Paulo de Luanda, Figueira da Foz, praias gaélicas da Irlanda...

O comentário musical da paisagem só podia ser o sussurro sinfônico da vida civil.
No entanto o que ouço neste momento é um silvo agudo de sagüim:
Minha vizinha de baixo comprou um sagüim.

A "linguagem" desse poema é acessível... Mas posso dizer que ele é inacessível porque "leio e não entendo nada"? Na verdade, vai depender do que você considera como sendo acessível... Esse poema pra mim é super acessível, pois ele comunica diretamente com minha sensibilidade. Sempre que sinto que estou sozinho no mundo, por mais completo que esteja por "Maresias atlânticas", é quando esse poema pode me fazer lembrar que existe o Outro, que sempre existirá esses "ares oceânicos" que se confundem com a vida alheia e que sempre estarão por desbravar.

Um poema desses é uma lição de vida, pois ele se acessa diretamente com a nossa vida. Mas pra entrar em sua esfera é preciso querer ler e querer aprender, é preciso abrir as vísceras e não apenas ler um livro para passar o tempo, fugir da realidade, descansar ou seja lá o quê. A arte quando tem qualidade, nos catapulta em direção à vida, e não nos faz fugir dela: ela nos dá coragem de encarar a vida, por mais dura que ela seja.

Acho que desviei um pouco do assunto do tópico. Não sei. Basicamente, o que quero falar é que pode até ser que existam autores que escrevem só para si próprios, como eu até mesmo acho que existem. O academicismo que rondou a poesia de uns tempos pra cá foi osso... A poesia contemporânea ainda é muito acadêmica. Ela não soube se emancipar como a prosa soube. Mesmo porque, a questão poética deixou de ser em verdade uma questão poética. A atitude até certo ponto covarde da poesia marginal fez com que o poeta marginal se distanciasse muito do público... Por isso, quando argumentam que a poesia de hoje não presta, citam letras de músicas e não poemas (sei que isso parece paradoxal, mas existe diferença sim): pois, muito provavelmente, o referencial de poesia dessa pessoa não era um poeta marginal como o Godoy, que queria "ficar de fora do círculo comercial" (ou seja lá que expressão análoga), mas sim um Chico Buarque ou um Caetano Veloso (não questiono a qualidade deles; na verdade, sei que são bons poetas; mas acho que deu pra entender onde quis chegar, né?).

Em relação à prosa, eu realmente desconheço direito como está a situação, mas, folheando o Granta, são poucos os textos que buscam uma utilização mais radical da língua (como o do Vinícius Jatobá)... Se bem que a arte contemporânea de qualidade é uma arte que se utiliza dos instrumentos disponíveis com inteligência. Sempre foi assim. O que eu uso pra escrever é o que eu tenho em mãos, ora essa (e até mesmo o que eu invento é feito com o que tenho em mãos)!

Não é porque a Luísa Geisler escreve um conto com uma espécie de refrão, que consiste numa palavra que mais parece um espirro, que ela é "inacessível", que tá "querendo criar moda". Ela apenas está utilizando bem os instrumentos narrativos que ela escolheu a seu dispor... Da mesma forma como Camões usou-se dos instrumentos que tinha ao seu, como o silogismo no soneto ou a paráfrase virgiliana na poesia épica. E da mesma forma como esse mesmo Camões criou novos instrumentos a partir destes, e por aí vai...
 
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O mesmo problema vem ocorrendo sob outras formas em outras partes do globo. Essa matéria aqui do site "about.com" fala um pouco de como o desequilíbrio ou conjuntura no ecossistema de um mercado pode impedir que se sobreviva a partir de um produto novo ou lançamento. O caso do qual o texto fala são os mangás produzidos fora do Japão em que autores locais não conseguem estabelecer um ciclo sustentável de crescimento em que possam viver apenas de sua profissão.

Making a Living in Manga Part 5: If They Can in Japan, Why Can't We...?

"...in Making a Living in Manga Part 1, we outlined 9 reasons why the manga-making ecosystem in North America is broken."

http://manga.about.com/b/2012/12/04...a-part-5-if-they-can-in-japan-why-cant-we.htm

Parte da causa e da insegurança no mercado de trabalho está no fato de que as profissões do mundo, executadas por seres humanos, estão atualmente em risco (até mesmo os cargos públicos já não são estáveis como antigamente) e uma das ameaças é a automatização e robotização da sociedade em que se torna aceitável apenas um tipo de imagem padronizada a ser oferecida como atraente para o público.

A instabilidade social promovida pela ausência de competição entre modelos, ausência de projetos de fomento e projetos de reconhecimento público penetra tanto a indústria de entretenimento quanto a visão que as pessoas possuem de bens de entretenimento e bens essenciais.

Existe apenas estímulo ao automatismo da absorção passiva de rótulos, de que pessoas de carne e osso devam ser todas iguais ao "homer simpson" em estado vegetativo. Que aprendam a cultivar várias ignorâncias enquanto não entendem o que está ocorrendo no mundo do entretenimento.

No final, na hora de escolher a forma do entretenimento o público fica treinado a absorver passivamente rótulos e imediatamente tasca um rótulo no tipo de produto (ou pessoa) que gosta. Não dá chance para a descoberta própria, se isola e se transforma em mais um boneco automático na mão da babá-eletrônica (que hoje não é mais apenas a TV, mas também a publicidade de internet visível ou oculta).
 
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É por aí, a questão passa pela Educação. Como estamos num contexto cuja diretriz educacional do nosso país se baseia na tríade ler, escrever e contar, sem maiores preocupações com a interpretação e o desenvolvimento de um pensamento abstrato, uma vez que os mesmos são desnecessários na preparação de mão de obra, objetivo final do precário ensino de que dispomos, a leitura deixa de ser formação, em seu sentido mais amplo, e passa a simples entretenimento, quando muito. Some-se à isso o apelo constante da Indústria da Cultura de Massas e tá feita a cama onde se dorme o sono esplêndido.

Agora, só pra não deixar passar: a resposta do Torero ao crítico foi caprichada. Dá a impressão que guardou o melhor de si para defender o livro, que é fraco pra cacete.
 
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