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Liev Tolstói

Eu comecei a ler Guerra e Paz duas vezes. A primeira era uma edição condensada, quando eu descobri tava na metade do livro (que tinha umas 400pgs), aí desisti. Depois eu fui atrás, mas a bibliotecária falou que só tinham o volume 2 e 4 (aqueles da pocket), aí que eu desisti mesmo. Mas fui atrás do filme (Um dos mais longos que já assisti). Ainda comprarei essa edição da Cosac.
 
De qual obra?
A Editora 34 não lançou "Guerra e Paz"...
A menos não consta no catálogo online.
 
Gostei muito do texto do Chatov, porém acho que uma veneração e admiração pela personalidade de Tolstói é algo perigoso.

Tolstói foi, é inegável, um dos maiores escritores de todos os tempos (em meu ver é o único que sustenta uma competição com Shakespeare). A sua personalidade, porém, suas opiniões mais íntimas, eram monstruosas. Tolstói era um egocêntrico de proporções épicas; era também uma presença terrível para com aqueles que o cercavam. Todo o amor que ele professava pela humanidade era, ao que parece pelo estudo de sua vida, mera retórica. Sua esposa lhe disse uma vez que ele era daquele tipo de gente que diz amar a todos e a toda a humanidade, mas que na realidade não consegue nem mesmo amar aqueles que estão ao seu redor.

Já li várias biografias de Tolstói, bem como seus diários, e devo confessar que a imagem criada através desses textos não é a de um velho bonzinho. Mesmo as memórias de Górki mostram a verdadeira face do "Santo de Iasnaiá Poliana". A verdade é que Tolstói, quando jovem, queria ser o rapaz mais elegante de todos, o mais forte de todos, o mais inteligente de todos e o mais belo de todos. Quando começou a escrever, queria ser o melhor escritor de todos, e, após realizar grandes coisas na literatura, passou a querer competir com os santos, para ser literalmente idolatrado pelas pessoas.

Vou citar aqui um resumo, da autoria de Carlos U. Pozzobon; é um resumo do capítulo sobre Tolstói da maravilhosa obra "Os Intelectuais", de Paul Johnson. Johnson denuncia tais intelectuais que prezavam suas ideias e filosofias acima dos próprios seres humanos. Ainda quero citar aqui todo o capítulo escrito por Johnson, porém enquanto ainda não pego o livro na biblioteca, vou citar o resumo de Carlos Pozzobon (coletado no seguinte endereço: http://carlosupozzobon.blogspot.com.br/2011/10/os-intelectuais-paul-johnson-harper-row.html#!/2011/10/os-intelectuais-paul-johnson-harper-row.html):

Leon Tolstoi (1828 – 1910)

Tolstoi é um caso típico da alienação do gênio e da irrascibilidade como criação artística. Johnson considera Tolstoi o mais ambicioso dos intelectuais que ele examinou. Servindo no exército, ainda jovem, Tolstoi escreveu:
“devo me acostumar com a ideia de que sou uma exceção, de que tanto estou à frente da minha época ou que eu sou uma dessas naturezas inadaptáveis, incongruentes, que nunca ficará contente (p. 110)”.

A força interior de Tolstoi provinha do fato de já ter nascido um escritor. Desde sua adolescência, a observação das pessoas e da natureza lhe predizia que sua missão seria a literatura. Mas ele entrava em conflito com seu próprio talento. Em pouco tempo suas preocupações lhe dispersavam do foco principal, acabando por descaracterizar toda a sua vida. Compulsivo, perdia somas incríveis de dinheiro no jogo, pois sua obsessão fatal era a roleta. Mesmo provindo de uma família de proprietários de terra, com centenas de camponeses vivendo na servidão, sua impulsividade com as próprias ideias não o permitia pensar nas consequências dos seus atos.

Sua vida pode ser cronometrada em uma fase mais criativa, e uma senilidade prolongada e de criações secundárias, algumas beirando o ridículo. Na fase literária mais importante, na década de 1860, Tolstoi escreveu ‘Guerra e Paz’ e, na década seguinte, ‘Ana Karenina’. Nos trinta anos seguintes de sua longa vida ele fez uma grande quantidade de coisas às quais atribuía prioridade moral mais importante. Para os aristocratas de todos os tempos, o ato de escrever é algo destinado aos seus inferiores.

Tal como Byron, que nunca considerou a poesia sua tarefa mais importante, Tolstoi trocou a literatura pela profecia, e se dedicou a causas tão extravagantes como criar uma nova religião e resolver o problema social da Rússia pela educação dos camponeses. No primeiro caso, chegou a atribuir-se o papel de um novo Messias. No segundo caso, chegou a fundar 70 escolas para camponeses no qual ele próprio assumiu o papel de pedagogo e educador. Conforme o seu entusiasmo por uma atividade ocupava toda a sua mente, o desprezo pelo que tinha feito lhe parecia uma coisa natural. A um poeta amigo chegou a dizer – em uma dessas fases – que escrever histórias era uma coisa ‘estúpida e vergonhosa (p. 114)’.

Johnson considera Tolstoi um caso típico da prática do auto-engano. Querendo fazer o que não estava moralmente qualificado, ele conduziu sua família para um “deserto de confusões (p. 114)”. Tinha um padrão de personalidade que Johnson descobriu como constitutivo dos intelectuais: apego pelo bem geral da humanidade e desprezo pelos indivíduos que lhe estão próximos. Do ponto de vista sexual, sua vida foi de uma devassidão alarmante. Somente um sentimento de culpa muito forte podia fazer alguém ser devasso e profeta ao mesmo tempo, um tema que depois seria explorado por André Gide.

Johnson descreve em detalhes as pessoas com quem Tolstoi se relacionava sexualmente, pois ele guardava suas confidências em um livro de anotações. Aos 34 anos casou-se com Sonya Behrs, que tinha apenas 18 anos. Tolstoi não acreditava no casamento, apesar de acreditar na família, e no último minuto, antes da cerimônia de suas núpcias, pegou sua noiva Sonya e saiu em lua-de-mel sem ir à cerimônia. Segundo Johnson, eles tiveram um dos piores (e mais bem registrados) casamentos da história.

"É uma das características dos intelectuais acreditar que segredos, especialmente os sexuais, são danosos. Tudo deve ser ‘aberto’. A tampa deve ser descoberta em cada uma das caixas de Pandora. Marido e mulher devem revelar tudo um ao outro... Tolstoi iniciou pedindo que sua esposa lesse seus diários, que tinham anotações de quinze anos passados. Ela ficou pálida ao descobrir que ele continha detalhes de toda a sua vida sexual, incluindo visitas a bordeis e cópulas com prostitutas, ciganas, mulheres nativas, suas próprias servas, e até mesmo amigas de sua mãe (p. 119)”.

Com esse comportamento, Johnson considera Tolstoi um monstro sexual. Sonya ficou 12 vezes grávida durante 22 anos. A maior parte dos filhos morreu nos primeiros meses de vida. Mas o pior de tudo é que ele tinha considerações variáveis sobre a sexualidade. Em certo momento, ele assumia posições extremamente conservadoras sobre as mulheres, contrariando as manifestações europeias de sua época sobre a emancipação feminina. Achava que as mulheres deveriam ser impedidas de ter uma profissão. Depois achava
“impossível querer que uma mulher avaliasse os sentimentos de seu amor exclusivo na base de um sentimento moral. Ela não faz isso, porque ela não possui um sentimento moral real, isto é, aquele que se coloca acima de tudo (p. 117)”.

Entretanto, em outras passagens, justificava a prostituição como uma profissão natural de uns poucos ‘chamados honráveis’ para as mulheres:
“Devemos permitir o intercurso sexual promíscuo, como muitos ‘liberais’ sugerem? Impossível! Seria a ruína da vida familiar. Para resolver o problema, a lei do desenvolvimento criou uma ‘ponte de ouro’ na forma da prostituta. Pense apenas em Londres sem suas 70.000 prostitutas! O que seria da decência e moralidade, como a vida familiar sobreviveria sem elas? Quantas meninas e mulheres permaneceriam castas? Não, eu acredito que a prostituição é necessária para a manutenção da família (p. 118)”.

Mas, à medida que avançamos no livro Intellectuals, vamos descobrindo que por trás da escolha do método existe um Johnson que viu em Tolstoi alguém que contrariava seus próprios objetivos de vida. Enquanto Johnson se tornou um escritor de grande sucesso, pela linha conservadora de seus temas cuidadosamente selecionados para lhe garantir prestígio, e com isso adquirir proventos financeiros muito superiores para os padrões de um simples jornalista, ele encontrou em Tolstoi, o aristocrata arrependido de seu próprio talento, alguém que na sua loucura associou o ato de escrever ao dinheiro (suas novelas haviam lhe recuperado financeiramente do passado de jogatina dissipativa e da venda de suas terras) que desprezava e ao casamento que detestava. Tolstoi detestava dinheiro. Na sua velhice, desempenhava o papel de conselheiro e guia espiritual. Johnson acha que a dificuldade em lidar com dinheiro tem alguma origem no caráter contraditório e destrambelhado dos Intellectuals.

Ora, Tolstoi era um russo profundamente enraizado de misticismo, aliás, uma herança acentuada desde sempre no caráter russo. Devido a esta tradição da cultura russa, sua fama fez com que centenas de pessoas peregrinassem até a sua casa – chamada Yasnaya Polyana – na região de Tula, a 14 km da cidade, para pedir conselhos. Alguns queriam uma benção, outros milagres para suas doenças. Convencido de sua missão redentora, Tolstoi os atendia, pregava o amor e a não violência, fazendo dele uma espécie de profeta da Rússia, na virada do século. Com suas longas barbas brancas, era visto como uma esperança de libertação para os milhões de camponeses ainda em estado de servidão. Nessa fase de sua vida, Tolstoi em vez de assumir o papel de escritor e orientador, encarnou a figura de seu amado povo camponês russo. Vestiu-se e viveu como um camponês: bombeava água para a casa, cortava lenha para a cozinha, limpava os quartos com as crianças, e fazia até sapatos para elas e botas para si mesmo. Mas não sendo um homem de persistência, tempos depois abandonava tudo. Sonya reclamava de seu caráter intempestivo, descuidado, que depois de algum tempo deixava as coisas em estado pior do que antes, como ocorreu com os cavalos que comprara, que morriam por maus tratos ou se esmilinguiam pelo esforço excessivo.

Um de seus trabalhos da última fase – quando seu talento literário tinha sido carcomido pelas preocupações messiânicas – foi uma crítica que escreveu sobre a obra de Shakespeare, acusando-o de mau escritor. Muitos anos depois, em 1947, George Orwell respondeu com outro artigo, (http://en.wikipedia.org/wiki/Lear,_Tolstoy_and_the_Fool) em que contesta Tolstoi com uma lição imperdível. Para Orwell, é insuficiente dizer se um escritor é bom ou mau conforme nossos gostos, ou o gosto de uma quantidade expressiva de pessoas. O que torna um escritor “grande” é a persistência de sua obra. E se Shakespeare sobreviveu durante 3 séculos e meio como um grande dramaturgo e poeta, isto por si só já garante a qualidade de sua obra. E com esse mesmo argumento arremete contra Tolstoi dizendo que obras como Anna Karenina e Guerra e Paz certamente merecerão o mesmo destino das obras de Shakespeare, mas não o artigo em que fala injustamente contra o bardo inglês. Para ele, a humanidade haveria de esquecer Tolstoi em sua tolice. E tal veredicto realmente aconteceu. Tolstoi permaneceu com suas obras mestres e desapareceu com suas tolices. Esse tem sido o destino de muitas obras de escritores que primam pela inconstância e pelas inquietações perturbadoras.


Não quero aqui ferir a reputação de Tolstói. Como eu disse antes: ele é, a meu ver, um dos maiores gênios literários da humanidade (maior mesmo do que Dostoiévski). Porém é preciso ter em mente que a sua imagem de velinho sábio, sereno, bondoso e gentil, é uma grande farsa.

Ah! E não acho que seja justo criticar a esposa de Tolstói (como sempre vejo muitos fazendo). Ela foi a peça fundamental na criação de Guerra e Paz e Anna Kariênina: era ela quem copiava e recopiava os maniscritos dos livros por infinitas vezes (e isso ao mesmo tempo em que cuidava das crianças e da casa, visando não perturbar o gênio em sue escritório, para que ele pudesse produzir com toda a calma e concentração que merecia). Existem um capítulo maravilhoso na biografia de Tolstó escrita por Henri Troyat, entitulada "O Grande Trabalho": nesse capítulo ele descreve o processo de criação de Guerra e Paz, e nele é possível verificar o quão importante foi Sônia Tolstói para o surgimento dessa obra magistral.

Ainda quero postar novas informações sobre a personalidade de Tolstói; é um tópico interessante.

Abraços.
 
Tendo em vista eu ter assistido o filme Anna Karênina, fiquei com vontade de ler o livro em questão.
 

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