Saranel Ishtar
Usuário
[Sarah fã do Frodo] [Marialva]
Essa história é o meu romance. Não sei ainda que tamanho vai ter, pois ainda estou no fim do 3° capítulo, mas já tenho o roteiro mais ou menos na minha cabeça. Trata-se de uma moça que vive entre o fim da Idade Média e o início do Renascimento, e que tem a cabeça bem diferente das mulheres de sua época: seria considerada uma feminsita dos tempos de Leonardo da Vinci. A história não tem nome ainda, pke depois do 5° capítulo, mais ou menos, vai acontecer algo com a moça que vai mudar totalmente seu destino e o cenário inicial vai ser completamente descartado. Por isso, está sob o nome provisório de Marialva, que é o nome da personagem. Sempre que eu digitar um novo capítulo eu posto ele aki. Vai ser tipo uma novela (embora o enredo seja diferente das novelas que a gente vê hj na Globo.)
Espero que curtam!^^
Marialva
Cap.1 - O casamento
O dia estava especialmente quente. Marialva abanava-se sem parar.Também, pudera: aquelas saias, sedas, vestidos, anáguas! Todos uns em cima dos outros! E aquele dia de julho estava insuportável! Fatigada, Marialva decidiu sair um pouco à sacada, para ver se alguma aragem a aliviava, ou pelo menos o movimento do mundo exterior, se a aragem não viesse.
Marialva é uma moça de 17 anos, prestes a completar 18. Era considerada rebelde e espirituosa pelos que a conheciam. Ela odiava os enormes e pesados vestidos que sua condição de moça rica lhe impunha.. Davam pouquíssima mobilidade, apertavam a cintura, arrastavam-se no chão. Só serviam para esquentar nos dias frios. Mas nos dias de calor, como este, para nada eles serviam. “Por mim andaria apenas com algo que me vestisse minimamente!”, pensava ela.
O asco aos vestidos longos e vastos não era a única causa de sua rebeldia: ela também odiava a repressão que a mulher em sua sociedade sofria. Ninguém admitia nem tocava no assunto, mas as mulheres eram como objetos de troca: quase não saiam de casa; viviam à margem de algum homem sempre: ou o pai, ou o irmão, ou o marido, ou qualquer outro homem que a sociedade lhe arranjasse; eram obrigadas a se casar com quem o pai ou o tutor lhes escolhesse, sem opção de poder mudar a escolha. Que fariam as mulheres? Para que serviriam ao mundo, senão apenas para gerar filhos e olhar a casa? Isso sem contar a violência doméstica que as mulheres sofriam. Os maridos podiam bater nas esposas, contanto que não incomodassem os vizinhos! E além disso havia até mesmo piadas a respeito de eventuais violências à mulher. Ela não se conformava com isso.
E o pior disso tudo é que uma sombra vivia pairando sobre sua cabeça: o casamento. Seu pai era típico, conservador. Com certeza gostaria que ela se casasse com um “bom partido” que, é óbvio, ele escolheria. E com a sua idade a grande maioria das moças já era casada, muitas até já eram mães de 2 ou 3 filhos, ou até mais. Ela mesma conhecia várias meninas que casaram-se com menos de 12 anos. Seu pai deveria estar lhe arranjando um casamento, e só lhe avisaria pouco tempo antes da data da cerimônia. Para as outras meninas isto seria algo normal, e talvez elas tenham aprendido a se conformar com seu destino certo; mas por mais que as pessoas tentassem lhe incutir uma mentalidade mais conformada e “correta”, por mais que seu pai ralhasse, por mais que sua mãe lhe implorasse, por mais que ela gerasse comentários alheios, não conseguia mudar seus hábitos e seu modo de pensar. Só não cedia às roupas. Estas ela tinha que usar conforme os costumes lhe exigiam. Seu pai já havia ameaçado-a. Que ao menos ela mantivesse as aparências! Ela havia com isso se conformado, não totalmente, mas ao menos consentido. Não havia tido coragem para contestar. Se contestasse, que seria dela? Poderia até mesmo ser expulsa de casa após muita insistência, e o que seria da vida?
Estava ela na sacada, quando chega sua mãe.
-Filha, tenho uma notícia a dar-te.
-Sim, minha mãe,
Marialva estava com mau pressentimento. Achava que desta vez viria algo ruim. A notícia de seu casamento, por exemplo.
-Sei que és uma moça de dura cerviz, mas terás de demonstrar que tens bom caráter. Ouça, teu pai arranjou-te um casamento. Sei que irás contestar, mas teu pai não quer saber. Ele não está com paciência hoje, portanto é melhor para ti mesma aceitar. Ademais, todas as moças casam-se. Freira é que não havias de ser! Portanto, conforme-te.
Marialva ficou pálida. Era exatamente o que ela havia pensado! Se alguém soubesse, era capaz até de indicá-la como bruxa! E ela poderia até ser morta! Mas isso não lhe espantava. O que mais a abalou foi a notícia tão indesejada do casamento. Que faria ela? ? Ou casava ou seria moça rejeitada, desgraçada pelo pai desde cedo! Que destino teria??
-Está bem, minha mãe. Afinal, já está na hora de eu endireitar meu comportamento.
Não era isso que estava escrito em seu semblante. Mas na hora do desespero, do que não saber o que falar, Marialva decidiu concordar com a decisão do pai, para ao menos ter tempo para pensar no que fazer.
A mãe, conhecendo tão bem o caráter questionador da filha, estranhou esta aceitação assim, de primeira hora. Achou bom a filha não sublevar-se, mas decidiu ficar atenta ao comportamento da moça.
-Queres mesmo casar? A cerimônia é daqui há quinze dias! Não terás tempo para armar algo, menina! Ademais, tu não és de aceitar imposições assim, inda mais casamento de arranje, que aparentemente é teu terror!
-Decidi mudar, minha mãe. Só irei arranjar confusões se não aceitar e revoltar-me. É melhor para mim e para nossa família. Meu pai não iria fazer algo para meu mal, estou certa.
A mãe continuava a desconfiar.
-Olhe que mentir é um pecado grave! Teus modos e tua fronte dizem coisas que teus lábios não dizem. Todavia, mesmo que por dentro não queiras, é boa coisa que por fora aceites; assim, já vais acostumando-te ao teu caminho. E como disseste, é a melhor coisa que fazes. Vou-me agora; mais tarde eu, tu e algumas criadas veremos os preparativos do casamento que nos cabem. Venho avisar-te. Até logo!
-Até logo, mãe.
Assim que a mão fechou a porta, Marialva começou a chorar copiosamente. Quinze dias! Em quinze dias seu destino estaria ancorado com o de um homem do qual ela nem sabia o nome! E para sempre, ou até que um dos dois morresse, mas isto poderia demorar a acontecer! E a moça não era má para desejar a morte a alguém que ela nem conhecia, apesar de esse alguém ser a pessoa que iria mudar toda a sua vida sem ela querer. Mas ele poderia estar sendo obrigado a fazer isto também. Quem sabe fosse muito jovem e ainda não tivesse controle sobre si. Se este fosse o caso, o pai havia lhe arranjado o casamento, assim como ocorreu com ela. E talvez não fosse um marido mau. Talvez nem lhe batesse. Talvez até lhe amasse! E quem sabe ela também não poderia amá-lo com o tempo?
Mas logo a ilusão se desvaneceu. E se ele fosse velho? E mau, como esses que batem nas esposas, aliás a maioria? E se tivesse amantes?! E se a tratasse como uma mera reprodutora? A última hipótese seria a mais provável. A menina já havia aprendido que a vida não era nem um pouco
sonho. Não era permitido idealizá-la, pois devaneios , se misturados à realidade machucam muito, pois nunca são reais. A vida trata de nos esmigalhar os sonhos perante os olhos. Não, ela não teria um marido bom. Todos estavam contaminados pela sociedade. Por que justo o cônjuge dela seria diferente do que o das outras? Ela não era superior, nem imune a desgraças.
Ah, como Marialva detestava as canções trovadorescas! Eram muito falsas! Enquanto elas falavam da mulher como uma suserana, uma senhora com pleno poder sobre o homem que a ama, nas casas a situação era totalmente inversa! A mulher era eterna vassala do homem, não vassala através do amor, mas sim da tirania marital! A eterna serva submissa, sempre tendo que dizer sim e abaixar a cabeça! A eterna inferior, pecadora, maldita, reduzida a nada, era isso a mulher! Que desgraça ter nascido sob o jugo dos homens! Ela, que não teria nem o direito de se apaixonar! Nem de escolher! Mas também, apaixonar-se para quê, se todos os homens são iguais? Ela queria mesmo é que a situação fosse outra, e que ela pudesse se casar por amor, com um homem que a amasse e a respeitasse como igual. Mas isto era impossível para ela. Tinha certeza de que na sociedade em que vivia isto era impossível. E talvez não existisse homem assim no mundo inteiro, portanto era melhor parar de ter sonhos impossíveis e encarar a realidade.
Neste instante, alguém bate à porta. A bela jovem enxuga as lágrimas com um lenço, olha-se no espelho para ver se seu rosto está apresentável e sem vestígio de choro e abre a porta. Era seu pai.
-Minha filha, finalmente ouviste minhas palavras! - bradou o pai, e abraçou a filha com afeição.
-Finalmente endireitaste teu caráter revolto!, continuou ele; Tua mãe disse-me que aceitaste o casamento! Assim é que se faz, filha minha! O noivo virá visitar-nos daqui há três dias. É um homem mui afável, educado, nobre; tenho certeza de que gostarás dos modos dele, assim como eu gostei. Venha, está na hora de comermos! Logo após tu, tua mãe e mais algumas amas vão escolher os preparativos! Já vi tudo, falta só teu toque! Vamos que hoje é dia de comemoração! Minha filha vai casar!
Marialva não via o pai feliz assim há muito tempo. Deveras, ele só andava aborrecido, por causa do caráter dela, e só lhe dava sermões, conselhos ásperos, reclamações e se demonstrava zangado. Não era à toa que a aparente mudança de comportamento dela fosse causar tanta alegria.
A família fez a refeição e logo após a moça e a mãe foram chamar as criadas para verem os preparativos. Primeiramente foram ver o vestido. Contataram as costureiras e foi escolhido um belíssimo vestido: azul, com detalhes em branco e vermelho, longo e vasto com uma cauda que arrastava-se no chão. O véu seria triplo. A primeira fazenda poderia tanto estar para trás quanto cobrindo o rosto da noiva. Era branco e preso à cabeça por uma grinalda vermelha. A mãe e as aias acharam perfeita a escolha. Mas Marialva não. Havia escolhido que, assim pensava ela, mais agradaria seu pai e sua mãe. Pois, afinal, a cerimônia seria do agrado de seus pais, e não dela, portanto tudo teria que ser conforme o gosto deles. Logo após foram vistos outros detalhes, que são muitos para serem relatados aqui e pouco importantes para o andamento de nossa história. No fim do dia, os preparativos já estavam praticamente prontos. A família comeu alguma coisa e durante a refeição conversou a respeito do casamento prestes a ser realizado.
-Meu pai, gostaria de saber mais a respeito de meu noivo antes de conhecê-lo pessoalmente. O senhor concederia-me este mimo?
-Sim, filha minha. Que queres saber a respeito daquele que vai desposar-te?
-Quantos anos tem ele, meu pai?
-Hum...não lhe indaguei a idade,mas ele aparenta estar próximo dos trinta. É bom assim, minha filha. Homens maduros são os melhores esposos. Ele é de boa família,te dará as melhores condições de vida e tu serás a dama mais aclamada telhas abaixo!
-Suponho que ele seja bem educado – disse a mãe.
-Sim, ele o é! – replicou o marido – Estudou com os melhores preceptores em seus dias de tenra idade, sabe latim, francês, inglês e outras línguas mais das quais não me recordo agora. Sabe escrever muito bem, com um primor que não se encontra nem nas melhores universidades! E além disso é de uma condição invejável! Todas as donzelas gostariam de casar-se com ele! Serás mui invejada, filha minha!
Todas as donzelas gostariam de ser desposadas por ele. Menos Marialva. Ela não o conhecia, mas seu pressentimento lhe avisava que ele não seria nem um pouco desejável a ela. Ela tentava não demonstrar, mas estava muito abalada. De uma hora a outra, ela havia tornado-se uma moça comprometida, que seria obrigada a se casar. Não tinha mais liberdade. Seria arrebatada de sua casa e iria morar e ser esposa de um homem que ela teria visto apenas uma vez na tal visita que aconteceria dali há três dias! Será que apenas ela conseguia enxergar que tamanha desgraça era isto?! Que tamanho controle, que tamanha tirania era aquela? E o pior é que muitas mulheres achavam que aquilo estava certo! Rebaixavam-se à mera condição que os homens lhes impunham. Sentia-se sozinha no mundo. Comeu mais um pouco, perdeu o apetite e decidiu ir deitar-se.
-Com licença, meu pai. Com licença, minha mãe.Irei deitar-me, já estou com sono.
-Já, minha filha? É tão cedo! Não queres saber mais acerca de teu futuro esposo? – respondeu o pai.
-Acho melhor conhecê-lo bem no dia da visita, através de suas próprias palavras.
-Façais como quiser, filha. Mas não queres ficar um pouco mais em nossa companhia? Estamos tão felizes com por tua repentina mudança, filha minha! Conseguiste transformar meu mau humor em felicidade!
-Não estou me sentindo muito bem, meu pai. Irei deitar-me para ver se amanhã acordo bem disposta. Porém, estou feliz por poder estar fazendo a felicidade de meus progenitores. Afinal, é para isso que servem os filhos: para fazerem a felicidade de seus pais. – e então sorriu um sorriso que mesmo forçado parecia verdadeiro.
-Então está bem, filha. Vá dormir e amanhã conversamos mais, está bem? – disse o pai, afável como não era há muito tempo.
-Boas-noites, mãe; boas-noites, pai; - disse a moça, indo ao seu quarto.
Logo após ela ter ido embora, a mãe disse ao pai:
-Engana-te se pensas que ela se regenerou por completo. Eu vejo que o semblante dela está triste e não aceita a idéia do casamento. Ela finge para nós e para outros que está contente.
-E tu pensas que eu não percebi? Reparei, sim, nossa filha, no íntimo, na quer casar-se. Mas deixa estar, que se ela diz que aceita o casamento já é boa coisa. Ao menos ela está esforçando-se em nos agradar, e – porque não? – em mudar verdadeiramente. Afinal, ela sabe que este casamento é seu destino certo. Portanto, é melhor que logo se molde à sua nova condição.
Sim, foi o que eu também reparei nela. Acho que mesmo sem ser verdadeira, sua aceitação é motivo de felicidade. Ela já demonstra assim que quer endireitar-se. Mas devemos ter cuidado: ela pode estar aceitando união apenas para nos fazer pensar que ela mudou, e na verdade pode estar tramando algo para livrar-se do casamento. – e nesta hora baixou a voz – Talvez tenha até aceitado o casamento apenas para ganhar tempo!
O marido a interrompeu com uma gargalhada desarrazoada:
-Mas quê! A Alvinha, tramar algo?! Santo Deus, mulher! Por mais espirituosa que seja! Ela não seria capaz de fazer mal a uma mosca! Quanto mais o mal tão grande de lograr seus pais desta forma! E em 15 dias o que ela vai fazer? Fugir? Para onde? Para ser freira precisaria pagar a taxa. Com que dinheiro? Não lha damos dinheiro! Compramos-lhe as coisas necessárias e os mimos eventuais pessoalmente. E para a casa de meretrício é que não haveria de ser! A menina tem virtude e vergonha na cara de sobra para fazer tal coisa! Fora isso, tens alguma outra hipótese? Que mais a moça poderia fazer?
A mulher pensou um pouco e disse:
-Nunca sabe-se o que se passa na cuca de uma menina da idade de Marialva. Devemos ficar de olho nela. Suas atitudes e pensamentos são revoltos!
-Não te avexes, mulher, que a qualquer sinal de rebeldia eu tomarei as devidas providências. Ela sabe que se principiar a amotinar-se vai ter as sanções devidas de minha parte. E eu não serei parcial!
Assim acabou o colóquio dos pais de Marialva à mesa.
Logo que entrou no quarto, Marialva deixou cair a máscara de semi-hipocrisia da qual ela havia revestido-se o dia todo, desde quando soube que se casaria em breve. Diante das paredes que lhe vedavam a intimidade, ela podia ser o que realmente era, sem ter que dar satisfações à sociedade e aos pais. Ela mentira. Não tinha sono, nem estava passando mal fisicamente. Retirou-se para não ouvir os elogios do pai feitos ao seu futuro marido. Não queria mais ouvir falar do casamento, pelo menos por aquele dia. Seu espírito estava cansado e como que enfermo. A porta do quarto era grossa, por isso ela não ouviu o que os pais conversaram. Apenas ouviu a gargalhada estrepitosa do pai, e mesmo assim abafada. “Devem ter percebido meu verdadeiro intento.”, pensou ela. “Não são tolos, e eu não sou atriz. Ademais, minha mãe já desconfiava de minha completa aceitação desde a hora em que deu-me a notícia do repentino noivado. É claro que eles perceberam!Apenas quiseram participar junto a mim de minha encenação.”
E, ao pensar assim, sentiu vontade de chorar, por causa de sua mísera condição. “Não, não posso deixar-me enfraquecer.”, pensou ela.”Afinal, esta será minha condição até o fim de meus dias, ou até o fim dos dias de meu noivo. Portanto, tenho que conformar-me com ela o mais rápido possível. Chorar não adiantará nada.”
Todavia, Marialva não conseguia sentir-se melhor, e então despiu-se, vestiu sua roupa de dormir, deitou-se na cama e, num profundo pesar, dormiu, na esperança de que ao menos nos sonhos ela poderia aliviar-se e sentir-se livre do destino que lhe fora imposto.
Essa história é o meu romance. Não sei ainda que tamanho vai ter, pois ainda estou no fim do 3° capítulo, mas já tenho o roteiro mais ou menos na minha cabeça. Trata-se de uma moça que vive entre o fim da Idade Média e o início do Renascimento, e que tem a cabeça bem diferente das mulheres de sua época: seria considerada uma feminsita dos tempos de Leonardo da Vinci. A história não tem nome ainda, pke depois do 5° capítulo, mais ou menos, vai acontecer algo com a moça que vai mudar totalmente seu destino e o cenário inicial vai ser completamente descartado. Por isso, está sob o nome provisório de Marialva, que é o nome da personagem. Sempre que eu digitar um novo capítulo eu posto ele aki. Vai ser tipo uma novela (embora o enredo seja diferente das novelas que a gente vê hj na Globo.)
Espero que curtam!^^
Marialva
Cap.1 - O casamento
O dia estava especialmente quente. Marialva abanava-se sem parar.Também, pudera: aquelas saias, sedas, vestidos, anáguas! Todos uns em cima dos outros! E aquele dia de julho estava insuportável! Fatigada, Marialva decidiu sair um pouco à sacada, para ver se alguma aragem a aliviava, ou pelo menos o movimento do mundo exterior, se a aragem não viesse.
Marialva é uma moça de 17 anos, prestes a completar 18. Era considerada rebelde e espirituosa pelos que a conheciam. Ela odiava os enormes e pesados vestidos que sua condição de moça rica lhe impunha.. Davam pouquíssima mobilidade, apertavam a cintura, arrastavam-se no chão. Só serviam para esquentar nos dias frios. Mas nos dias de calor, como este, para nada eles serviam. “Por mim andaria apenas com algo que me vestisse minimamente!”, pensava ela.
O asco aos vestidos longos e vastos não era a única causa de sua rebeldia: ela também odiava a repressão que a mulher em sua sociedade sofria. Ninguém admitia nem tocava no assunto, mas as mulheres eram como objetos de troca: quase não saiam de casa; viviam à margem de algum homem sempre: ou o pai, ou o irmão, ou o marido, ou qualquer outro homem que a sociedade lhe arranjasse; eram obrigadas a se casar com quem o pai ou o tutor lhes escolhesse, sem opção de poder mudar a escolha. Que fariam as mulheres? Para que serviriam ao mundo, senão apenas para gerar filhos e olhar a casa? Isso sem contar a violência doméstica que as mulheres sofriam. Os maridos podiam bater nas esposas, contanto que não incomodassem os vizinhos! E além disso havia até mesmo piadas a respeito de eventuais violências à mulher. Ela não se conformava com isso.
E o pior disso tudo é que uma sombra vivia pairando sobre sua cabeça: o casamento. Seu pai era típico, conservador. Com certeza gostaria que ela se casasse com um “bom partido” que, é óbvio, ele escolheria. E com a sua idade a grande maioria das moças já era casada, muitas até já eram mães de 2 ou 3 filhos, ou até mais. Ela mesma conhecia várias meninas que casaram-se com menos de 12 anos. Seu pai deveria estar lhe arranjando um casamento, e só lhe avisaria pouco tempo antes da data da cerimônia. Para as outras meninas isto seria algo normal, e talvez elas tenham aprendido a se conformar com seu destino certo; mas por mais que as pessoas tentassem lhe incutir uma mentalidade mais conformada e “correta”, por mais que seu pai ralhasse, por mais que sua mãe lhe implorasse, por mais que ela gerasse comentários alheios, não conseguia mudar seus hábitos e seu modo de pensar. Só não cedia às roupas. Estas ela tinha que usar conforme os costumes lhe exigiam. Seu pai já havia ameaçado-a. Que ao menos ela mantivesse as aparências! Ela havia com isso se conformado, não totalmente, mas ao menos consentido. Não havia tido coragem para contestar. Se contestasse, que seria dela? Poderia até mesmo ser expulsa de casa após muita insistência, e o que seria da vida?
Estava ela na sacada, quando chega sua mãe.
-Filha, tenho uma notícia a dar-te.
-Sim, minha mãe,
Marialva estava com mau pressentimento. Achava que desta vez viria algo ruim. A notícia de seu casamento, por exemplo.
-Sei que és uma moça de dura cerviz, mas terás de demonstrar que tens bom caráter. Ouça, teu pai arranjou-te um casamento. Sei que irás contestar, mas teu pai não quer saber. Ele não está com paciência hoje, portanto é melhor para ti mesma aceitar. Ademais, todas as moças casam-se. Freira é que não havias de ser! Portanto, conforme-te.
Marialva ficou pálida. Era exatamente o que ela havia pensado! Se alguém soubesse, era capaz até de indicá-la como bruxa! E ela poderia até ser morta! Mas isso não lhe espantava. O que mais a abalou foi a notícia tão indesejada do casamento. Que faria ela? ? Ou casava ou seria moça rejeitada, desgraçada pelo pai desde cedo! Que destino teria??
-Está bem, minha mãe. Afinal, já está na hora de eu endireitar meu comportamento.
Não era isso que estava escrito em seu semblante. Mas na hora do desespero, do que não saber o que falar, Marialva decidiu concordar com a decisão do pai, para ao menos ter tempo para pensar no que fazer.
A mãe, conhecendo tão bem o caráter questionador da filha, estranhou esta aceitação assim, de primeira hora. Achou bom a filha não sublevar-se, mas decidiu ficar atenta ao comportamento da moça.
-Queres mesmo casar? A cerimônia é daqui há quinze dias! Não terás tempo para armar algo, menina! Ademais, tu não és de aceitar imposições assim, inda mais casamento de arranje, que aparentemente é teu terror!
-Decidi mudar, minha mãe. Só irei arranjar confusões se não aceitar e revoltar-me. É melhor para mim e para nossa família. Meu pai não iria fazer algo para meu mal, estou certa.
A mãe continuava a desconfiar.
-Olhe que mentir é um pecado grave! Teus modos e tua fronte dizem coisas que teus lábios não dizem. Todavia, mesmo que por dentro não queiras, é boa coisa que por fora aceites; assim, já vais acostumando-te ao teu caminho. E como disseste, é a melhor coisa que fazes. Vou-me agora; mais tarde eu, tu e algumas criadas veremos os preparativos do casamento que nos cabem. Venho avisar-te. Até logo!
-Até logo, mãe.
Assim que a mão fechou a porta, Marialva começou a chorar copiosamente. Quinze dias! Em quinze dias seu destino estaria ancorado com o de um homem do qual ela nem sabia o nome! E para sempre, ou até que um dos dois morresse, mas isto poderia demorar a acontecer! E a moça não era má para desejar a morte a alguém que ela nem conhecia, apesar de esse alguém ser a pessoa que iria mudar toda a sua vida sem ela querer. Mas ele poderia estar sendo obrigado a fazer isto também. Quem sabe fosse muito jovem e ainda não tivesse controle sobre si. Se este fosse o caso, o pai havia lhe arranjado o casamento, assim como ocorreu com ela. E talvez não fosse um marido mau. Talvez nem lhe batesse. Talvez até lhe amasse! E quem sabe ela também não poderia amá-lo com o tempo?
Mas logo a ilusão se desvaneceu. E se ele fosse velho? E mau, como esses que batem nas esposas, aliás a maioria? E se tivesse amantes?! E se a tratasse como uma mera reprodutora? A última hipótese seria a mais provável. A menina já havia aprendido que a vida não era nem um pouco
sonho. Não era permitido idealizá-la, pois devaneios , se misturados à realidade machucam muito, pois nunca são reais. A vida trata de nos esmigalhar os sonhos perante os olhos. Não, ela não teria um marido bom. Todos estavam contaminados pela sociedade. Por que justo o cônjuge dela seria diferente do que o das outras? Ela não era superior, nem imune a desgraças.
Ah, como Marialva detestava as canções trovadorescas! Eram muito falsas! Enquanto elas falavam da mulher como uma suserana, uma senhora com pleno poder sobre o homem que a ama, nas casas a situação era totalmente inversa! A mulher era eterna vassala do homem, não vassala através do amor, mas sim da tirania marital! A eterna serva submissa, sempre tendo que dizer sim e abaixar a cabeça! A eterna inferior, pecadora, maldita, reduzida a nada, era isso a mulher! Que desgraça ter nascido sob o jugo dos homens! Ela, que não teria nem o direito de se apaixonar! Nem de escolher! Mas também, apaixonar-se para quê, se todos os homens são iguais? Ela queria mesmo é que a situação fosse outra, e que ela pudesse se casar por amor, com um homem que a amasse e a respeitasse como igual. Mas isto era impossível para ela. Tinha certeza de que na sociedade em que vivia isto era impossível. E talvez não existisse homem assim no mundo inteiro, portanto era melhor parar de ter sonhos impossíveis e encarar a realidade.
Neste instante, alguém bate à porta. A bela jovem enxuga as lágrimas com um lenço, olha-se no espelho para ver se seu rosto está apresentável e sem vestígio de choro e abre a porta. Era seu pai.
-Minha filha, finalmente ouviste minhas palavras! - bradou o pai, e abraçou a filha com afeição.
-Finalmente endireitaste teu caráter revolto!, continuou ele; Tua mãe disse-me que aceitaste o casamento! Assim é que se faz, filha minha! O noivo virá visitar-nos daqui há três dias. É um homem mui afável, educado, nobre; tenho certeza de que gostarás dos modos dele, assim como eu gostei. Venha, está na hora de comermos! Logo após tu, tua mãe e mais algumas amas vão escolher os preparativos! Já vi tudo, falta só teu toque! Vamos que hoje é dia de comemoração! Minha filha vai casar!
Marialva não via o pai feliz assim há muito tempo. Deveras, ele só andava aborrecido, por causa do caráter dela, e só lhe dava sermões, conselhos ásperos, reclamações e se demonstrava zangado. Não era à toa que a aparente mudança de comportamento dela fosse causar tanta alegria.
A família fez a refeição e logo após a moça e a mãe foram chamar as criadas para verem os preparativos. Primeiramente foram ver o vestido. Contataram as costureiras e foi escolhido um belíssimo vestido: azul, com detalhes em branco e vermelho, longo e vasto com uma cauda que arrastava-se no chão. O véu seria triplo. A primeira fazenda poderia tanto estar para trás quanto cobrindo o rosto da noiva. Era branco e preso à cabeça por uma grinalda vermelha. A mãe e as aias acharam perfeita a escolha. Mas Marialva não. Havia escolhido que, assim pensava ela, mais agradaria seu pai e sua mãe. Pois, afinal, a cerimônia seria do agrado de seus pais, e não dela, portanto tudo teria que ser conforme o gosto deles. Logo após foram vistos outros detalhes, que são muitos para serem relatados aqui e pouco importantes para o andamento de nossa história. No fim do dia, os preparativos já estavam praticamente prontos. A família comeu alguma coisa e durante a refeição conversou a respeito do casamento prestes a ser realizado.
-Meu pai, gostaria de saber mais a respeito de meu noivo antes de conhecê-lo pessoalmente. O senhor concederia-me este mimo?
-Sim, filha minha. Que queres saber a respeito daquele que vai desposar-te?
-Quantos anos tem ele, meu pai?
-Hum...não lhe indaguei a idade,mas ele aparenta estar próximo dos trinta. É bom assim, minha filha. Homens maduros são os melhores esposos. Ele é de boa família,te dará as melhores condições de vida e tu serás a dama mais aclamada telhas abaixo!
-Suponho que ele seja bem educado – disse a mãe.
-Sim, ele o é! – replicou o marido – Estudou com os melhores preceptores em seus dias de tenra idade, sabe latim, francês, inglês e outras línguas mais das quais não me recordo agora. Sabe escrever muito bem, com um primor que não se encontra nem nas melhores universidades! E além disso é de uma condição invejável! Todas as donzelas gostariam de casar-se com ele! Serás mui invejada, filha minha!
Todas as donzelas gostariam de ser desposadas por ele. Menos Marialva. Ela não o conhecia, mas seu pressentimento lhe avisava que ele não seria nem um pouco desejável a ela. Ela tentava não demonstrar, mas estava muito abalada. De uma hora a outra, ela havia tornado-se uma moça comprometida, que seria obrigada a se casar. Não tinha mais liberdade. Seria arrebatada de sua casa e iria morar e ser esposa de um homem que ela teria visto apenas uma vez na tal visita que aconteceria dali há três dias! Será que apenas ela conseguia enxergar que tamanha desgraça era isto?! Que tamanho controle, que tamanha tirania era aquela? E o pior é que muitas mulheres achavam que aquilo estava certo! Rebaixavam-se à mera condição que os homens lhes impunham. Sentia-se sozinha no mundo. Comeu mais um pouco, perdeu o apetite e decidiu ir deitar-se.
-Com licença, meu pai. Com licença, minha mãe.Irei deitar-me, já estou com sono.
-Já, minha filha? É tão cedo! Não queres saber mais acerca de teu futuro esposo? – respondeu o pai.
-Acho melhor conhecê-lo bem no dia da visita, através de suas próprias palavras.
-Façais como quiser, filha. Mas não queres ficar um pouco mais em nossa companhia? Estamos tão felizes com por tua repentina mudança, filha minha! Conseguiste transformar meu mau humor em felicidade!
-Não estou me sentindo muito bem, meu pai. Irei deitar-me para ver se amanhã acordo bem disposta. Porém, estou feliz por poder estar fazendo a felicidade de meus progenitores. Afinal, é para isso que servem os filhos: para fazerem a felicidade de seus pais. – e então sorriu um sorriso que mesmo forçado parecia verdadeiro.
-Então está bem, filha. Vá dormir e amanhã conversamos mais, está bem? – disse o pai, afável como não era há muito tempo.
-Boas-noites, mãe; boas-noites, pai; - disse a moça, indo ao seu quarto.
Logo após ela ter ido embora, a mãe disse ao pai:
-Engana-te se pensas que ela se regenerou por completo. Eu vejo que o semblante dela está triste e não aceita a idéia do casamento. Ela finge para nós e para outros que está contente.
-E tu pensas que eu não percebi? Reparei, sim, nossa filha, no íntimo, na quer casar-se. Mas deixa estar, que se ela diz que aceita o casamento já é boa coisa. Ao menos ela está esforçando-se em nos agradar, e – porque não? – em mudar verdadeiramente. Afinal, ela sabe que este casamento é seu destino certo. Portanto, é melhor que logo se molde à sua nova condição.
Sim, foi o que eu também reparei nela. Acho que mesmo sem ser verdadeira, sua aceitação é motivo de felicidade. Ela já demonstra assim que quer endireitar-se. Mas devemos ter cuidado: ela pode estar aceitando união apenas para nos fazer pensar que ela mudou, e na verdade pode estar tramando algo para livrar-se do casamento. – e nesta hora baixou a voz – Talvez tenha até aceitado o casamento apenas para ganhar tempo!
O marido a interrompeu com uma gargalhada desarrazoada:
-Mas quê! A Alvinha, tramar algo?! Santo Deus, mulher! Por mais espirituosa que seja! Ela não seria capaz de fazer mal a uma mosca! Quanto mais o mal tão grande de lograr seus pais desta forma! E em 15 dias o que ela vai fazer? Fugir? Para onde? Para ser freira precisaria pagar a taxa. Com que dinheiro? Não lha damos dinheiro! Compramos-lhe as coisas necessárias e os mimos eventuais pessoalmente. E para a casa de meretrício é que não haveria de ser! A menina tem virtude e vergonha na cara de sobra para fazer tal coisa! Fora isso, tens alguma outra hipótese? Que mais a moça poderia fazer?
A mulher pensou um pouco e disse:
-Nunca sabe-se o que se passa na cuca de uma menina da idade de Marialva. Devemos ficar de olho nela. Suas atitudes e pensamentos são revoltos!
-Não te avexes, mulher, que a qualquer sinal de rebeldia eu tomarei as devidas providências. Ela sabe que se principiar a amotinar-se vai ter as sanções devidas de minha parte. E eu não serei parcial!
Assim acabou o colóquio dos pais de Marialva à mesa.
Logo que entrou no quarto, Marialva deixou cair a máscara de semi-hipocrisia da qual ela havia revestido-se o dia todo, desde quando soube que se casaria em breve. Diante das paredes que lhe vedavam a intimidade, ela podia ser o que realmente era, sem ter que dar satisfações à sociedade e aos pais. Ela mentira. Não tinha sono, nem estava passando mal fisicamente. Retirou-se para não ouvir os elogios do pai feitos ao seu futuro marido. Não queria mais ouvir falar do casamento, pelo menos por aquele dia. Seu espírito estava cansado e como que enfermo. A porta do quarto era grossa, por isso ela não ouviu o que os pais conversaram. Apenas ouviu a gargalhada estrepitosa do pai, e mesmo assim abafada. “Devem ter percebido meu verdadeiro intento.”, pensou ela. “Não são tolos, e eu não sou atriz. Ademais, minha mãe já desconfiava de minha completa aceitação desde a hora em que deu-me a notícia do repentino noivado. É claro que eles perceberam!Apenas quiseram participar junto a mim de minha encenação.”
E, ao pensar assim, sentiu vontade de chorar, por causa de sua mísera condição. “Não, não posso deixar-me enfraquecer.”, pensou ela.”Afinal, esta será minha condição até o fim de meus dias, ou até o fim dos dias de meu noivo. Portanto, tenho que conformar-me com ela o mais rápido possível. Chorar não adiantará nada.”
Todavia, Marialva não conseguia sentir-se melhor, e então despiu-se, vestiu sua roupa de dormir, deitou-se na cama e, num profundo pesar, dormiu, na esperança de que ao menos nos sonhos ela poderia aliviar-se e sentir-se livre do destino que lhe fora imposto.