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[L] [Sarah fã do Frodo] [Marialva]

[Sarah fã do Frodo] [Marialva]

Essa história é o meu romance. Não sei ainda que tamanho vai ter, pois ainda estou no fim do 3° capítulo, mas já tenho o roteiro mais ou menos na minha cabeça. Trata-se de uma moça que vive entre o fim da Idade Média e o início do Renascimento, e que tem a cabeça bem diferente das mulheres de sua época: seria considerada uma feminsita dos tempos de Leonardo da Vinci. A história não tem nome ainda, pke depois do 5° capítulo, mais ou menos, vai acontecer algo com a moça que vai mudar totalmente seu destino e o cenário inicial vai ser completamente descartado. Por isso, está sob o nome provisório de Marialva, que é o nome da personagem. Sempre que eu digitar um novo capítulo eu posto ele aki. Vai ser tipo uma novela (embora o enredo seja diferente das novelas que a gente vê hj na Globo.)
Espero que curtam!^^


Marialva

Cap.1 - O casamento

O dia estava especialmente quente. Marialva abanava-se sem parar.Também, pudera: aquelas saias, sedas, vestidos, anáguas! Todos uns em cima dos outros! E aquele dia de julho estava insuportável! Fatigada, Marialva decidiu sair um pouco à sacada, para ver se alguma aragem a aliviava, ou pelo menos o movimento do mundo exterior, se a aragem não viesse.
Marialva é uma moça de 17 anos, prestes a completar 18. Era considerada rebelde e espirituosa pelos que a conheciam. Ela odiava os enormes e pesados vestidos que sua condição de moça rica lhe impunha.. Davam pouquíssima mobilidade, apertavam a cintura, arrastavam-se no chão. Só serviam para esquentar nos dias frios. Mas nos dias de calor, como este, para nada eles serviam. “Por mim andaria apenas com algo que me vestisse minimamente!”, pensava ela.
O asco aos vestidos longos e vastos não era a única causa de sua rebeldia: ela também odiava a repressão que a mulher em sua sociedade sofria. Ninguém admitia nem tocava no assunto, mas as mulheres eram como objetos de troca: quase não saiam de casa; viviam à margem de algum homem sempre: ou o pai, ou o irmão, ou o marido, ou qualquer outro homem que a sociedade lhe arranjasse; eram obrigadas a se casar com quem o pai ou o tutor lhes escolhesse, sem opção de poder mudar a escolha. Que fariam as mulheres? Para que serviriam ao mundo, senão apenas para gerar filhos e olhar a casa? Isso sem contar a violência doméstica que as mulheres sofriam. Os maridos podiam bater nas esposas, contanto que não incomodassem os vizinhos! E além disso havia até mesmo piadas a respeito de eventuais violências à mulher. Ela não se conformava com isso.
E o pior disso tudo é que uma sombra vivia pairando sobre sua cabeça: o casamento. Seu pai era típico, conservador. Com certeza gostaria que ela se casasse com um “bom partido” que, é óbvio, ele escolheria. E com a sua idade a grande maioria das moças já era casada, muitas até já eram mães de 2 ou 3 filhos, ou até mais. Ela mesma conhecia várias meninas que casaram-se com menos de 12 anos. Seu pai deveria estar lhe arranjando um casamento, e só lhe avisaria pouco tempo antes da data da cerimônia. Para as outras meninas isto seria algo normal, e talvez elas tenham aprendido a se conformar com seu destino certo; mas por mais que as pessoas tentassem lhe incutir uma mentalidade mais conformada e “correta”, por mais que seu pai ralhasse, por mais que sua mãe lhe implorasse, por mais que ela gerasse comentários alheios, não conseguia mudar seus hábitos e seu modo de pensar. Só não cedia às roupas. Estas ela tinha que usar conforme os costumes lhe exigiam. Seu pai já havia ameaçado-a. Que ao menos ela mantivesse as aparências! Ela havia com isso se conformado, não totalmente, mas ao menos consentido. Não havia tido coragem para contestar. Se contestasse, que seria dela? Poderia até mesmo ser expulsa de casa após muita insistência, e o que seria da vida?
Estava ela na sacada, quando chega sua mãe.
-Filha, tenho uma notícia a dar-te.
-Sim, minha mãe,
Marialva estava com mau pressentimento. Achava que desta vez viria algo ruim. A notícia de seu casamento, por exemplo.
-Sei que és uma moça de dura cerviz, mas terás de demonstrar que tens bom caráter. Ouça, teu pai arranjou-te um casamento. Sei que irás contestar, mas teu pai não quer saber. Ele não está com paciência hoje, portanto é melhor para ti mesma aceitar. Ademais, todas as moças casam-se. Freira é que não havias de ser! Portanto, conforme-te.
Marialva ficou pálida. Era exatamente o que ela havia pensado! Se alguém soubesse, era capaz até de indicá-la como bruxa! E ela poderia até ser morta! Mas isso não lhe espantava. O que mais a abalou foi a notícia tão indesejada do casamento. Que faria ela? ? Ou casava ou seria moça rejeitada, desgraçada pelo pai desde cedo! Que destino teria??
-Está bem, minha mãe. Afinal, já está na hora de eu endireitar meu comportamento.
Não era isso que estava escrito em seu semblante. Mas na hora do desespero, do que não saber o que falar, Marialva decidiu concordar com a decisão do pai, para ao menos ter tempo para pensar no que fazer.
A mãe, conhecendo tão bem o caráter questionador da filha, estranhou esta aceitação assim, de primeira hora. Achou bom a filha não sublevar-se, mas decidiu ficar atenta ao comportamento da moça.
-Queres mesmo casar? A cerimônia é daqui há quinze dias! Não terás tempo para armar algo, menina! Ademais, tu não és de aceitar imposições assim, inda mais casamento de arranje, que aparentemente é teu terror!
-Decidi mudar, minha mãe. Só irei arranjar confusões se não aceitar e revoltar-me. É melhor para mim e para nossa família. Meu pai não iria fazer algo para meu mal, estou certa.
A mãe continuava a desconfiar.
-Olhe que mentir é um pecado grave! Teus modos e tua fronte dizem coisas que teus lábios não dizem. Todavia, mesmo que por dentro não queiras, é boa coisa que por fora aceites; assim, já vais acostumando-te ao teu caminho. E como disseste, é a melhor coisa que fazes. Vou-me agora; mais tarde eu, tu e algumas criadas veremos os preparativos do casamento que nos cabem. Venho avisar-te. Até logo!
-Até logo, mãe.
Assim que a mão fechou a porta, Marialva começou a chorar copiosamente. Quinze dias! Em quinze dias seu destino estaria ancorado com o de um homem do qual ela nem sabia o nome! E para sempre, ou até que um dos dois morresse, mas isto poderia demorar a acontecer! E a moça não era má para desejar a morte a alguém que ela nem conhecia, apesar de esse alguém ser a pessoa que iria mudar toda a sua vida sem ela querer. Mas ele poderia estar sendo obrigado a fazer isto também. Quem sabe fosse muito jovem e ainda não tivesse controle sobre si. Se este fosse o caso, o pai havia lhe arranjado o casamento, assim como ocorreu com ela. E talvez não fosse um marido mau. Talvez nem lhe batesse. Talvez até lhe amasse! E quem sabe ela também não poderia amá-lo com o tempo?
Mas logo a ilusão se desvaneceu. E se ele fosse velho? E mau, como esses que batem nas esposas, aliás a maioria? E se tivesse amantes?! E se a tratasse como uma mera reprodutora? A última hipótese seria a mais provável. A menina já havia aprendido que a vida não era nem um pouco
sonho. Não era permitido idealizá-la, pois devaneios , se misturados à realidade machucam muito, pois nunca são reais. A vida trata de nos esmigalhar os sonhos perante os olhos. Não, ela não teria um marido bom. Todos estavam contaminados pela sociedade. Por que justo o cônjuge dela seria diferente do que o das outras? Ela não era superior, nem imune a desgraças.
Ah, como Marialva detestava as canções trovadorescas! Eram muito falsas! Enquanto elas falavam da mulher como uma suserana, uma senhora com pleno poder sobre o homem que a ama, nas casas a situação era totalmente inversa! A mulher era eterna vassala do homem, não vassala através do amor, mas sim da tirania marital! A eterna serva submissa, sempre tendo que dizer sim e abaixar a cabeça! A eterna inferior, pecadora, maldita, reduzida a nada, era isso a mulher! Que desgraça ter nascido sob o jugo dos homens! Ela, que não teria nem o direito de se apaixonar! Nem de escolher! Mas também, apaixonar-se para quê, se todos os homens são iguais? Ela queria mesmo é que a situação fosse outra, e que ela pudesse se casar por amor, com um homem que a amasse e a respeitasse como igual. Mas isto era impossível para ela. Tinha certeza de que na sociedade em que vivia isto era impossível. E talvez não existisse homem assim no mundo inteiro, portanto era melhor parar de ter sonhos impossíveis e encarar a realidade.
Neste instante, alguém bate à porta. A bela jovem enxuga as lágrimas com um lenço, olha-se no espelho para ver se seu rosto está apresentável e sem vestígio de choro e abre a porta. Era seu pai.
-Minha filha, finalmente ouviste minhas palavras! - bradou o pai, e abraçou a filha com afeição.
-Finalmente endireitaste teu caráter revolto!, continuou ele; Tua mãe disse-me que aceitaste o casamento! Assim é que se faz, filha minha! O noivo virá visitar-nos daqui há três dias. É um homem mui afável, educado, nobre; tenho certeza de que gostarás dos modos dele, assim como eu gostei. Venha, está na hora de comermos! Logo após tu, tua mãe e mais algumas amas vão escolher os preparativos! Já vi tudo, falta só teu toque! Vamos que hoje é dia de comemoração! Minha filha vai casar!
Marialva não via o pai feliz assim há muito tempo. Deveras, ele só andava aborrecido, por causa do caráter dela, e só lhe dava sermões, conselhos ásperos, reclamações e se demonstrava zangado. Não era à toa que a aparente mudança de comportamento dela fosse causar tanta alegria.
A família fez a refeição e logo após a moça e a mãe foram chamar as criadas para verem os preparativos. Primeiramente foram ver o vestido. Contataram as costureiras e foi escolhido um belíssimo vestido: azul, com detalhes em branco e vermelho, longo e vasto com uma cauda que arrastava-se no chão. O véu seria triplo. A primeira fazenda poderia tanto estar para trás quanto cobrindo o rosto da noiva. Era branco e preso à cabeça por uma grinalda vermelha. A mãe e as aias acharam perfeita a escolha. Mas Marialva não. Havia escolhido que, assim pensava ela, mais agradaria seu pai e sua mãe. Pois, afinal, a cerimônia seria do agrado de seus pais, e não dela, portanto tudo teria que ser conforme o gosto deles. Logo após foram vistos outros detalhes, que são muitos para serem relatados aqui e pouco importantes para o andamento de nossa história. No fim do dia, os preparativos já estavam praticamente prontos. A família comeu alguma coisa e durante a refeição conversou a respeito do casamento prestes a ser realizado.
-Meu pai, gostaria de saber mais a respeito de meu noivo antes de conhecê-lo pessoalmente. O senhor concederia-me este mimo?
-Sim, filha minha. Que queres saber a respeito daquele que vai desposar-te?
-Quantos anos tem ele, meu pai?
-Hum...não lhe indaguei a idade,mas ele aparenta estar próximo dos trinta. É bom assim, minha filha. Homens maduros são os melhores esposos. Ele é de boa família,te dará as melhores condições de vida e tu serás a dama mais aclamada telhas abaixo!
-Suponho que ele seja bem educado – disse a mãe.
-Sim, ele o é! – replicou o marido – Estudou com os melhores preceptores em seus dias de tenra idade, sabe latim, francês, inglês e outras línguas mais das quais não me recordo agora. Sabe escrever muito bem, com um primor que não se encontra nem nas melhores universidades! E além disso é de uma condição invejável! Todas as donzelas gostariam de casar-se com ele! Serás mui invejada, filha minha!
Todas as donzelas gostariam de ser desposadas por ele. Menos Marialva. Ela não o conhecia, mas seu pressentimento lhe avisava que ele não seria nem um pouco desejável a ela. Ela tentava não demonstrar, mas estava muito abalada. De uma hora a outra, ela havia tornado-se uma moça comprometida, que seria obrigada a se casar. Não tinha mais liberdade. Seria arrebatada de sua casa e iria morar e ser esposa de um homem que ela teria visto apenas uma vez na tal visita que aconteceria dali há três dias! Será que apenas ela conseguia enxergar que tamanha desgraça era isto?! Que tamanho controle, que tamanha tirania era aquela? E o pior é que muitas mulheres achavam que aquilo estava certo! Rebaixavam-se à mera condição que os homens lhes impunham. Sentia-se sozinha no mundo. Comeu mais um pouco, perdeu o apetite e decidiu ir deitar-se.
-Com licença, meu pai. Com licença, minha mãe.Irei deitar-me, já estou com sono.
-Já, minha filha? É tão cedo! Não queres saber mais acerca de teu futuro esposo? – respondeu o pai.
-Acho melhor conhecê-lo bem no dia da visita, através de suas próprias palavras.
-Façais como quiser, filha. Mas não queres ficar um pouco mais em nossa companhia? Estamos tão felizes com por tua repentina mudança, filha minha! Conseguiste transformar meu mau humor em felicidade!
-Não estou me sentindo muito bem, meu pai. Irei deitar-me para ver se amanhã acordo bem disposta. Porém, estou feliz por poder estar fazendo a felicidade de meus progenitores. Afinal, é para isso que servem os filhos: para fazerem a felicidade de seus pais. – e então sorriu um sorriso que mesmo forçado parecia verdadeiro.
-Então está bem, filha. Vá dormir e amanhã conversamos mais, está bem? – disse o pai, afável como não era há muito tempo.
-Boas-noites, mãe; boas-noites, pai; - disse a moça, indo ao seu quarto.
Logo após ela ter ido embora, a mãe disse ao pai:
-Engana-te se pensas que ela se regenerou por completo. Eu vejo que o semblante dela está triste e não aceita a idéia do casamento. Ela finge para nós e para outros que está contente.
-E tu pensas que eu não percebi? Reparei, sim, nossa filha, no íntimo, na quer casar-se. Mas deixa estar, que se ela diz que aceita o casamento já é boa coisa. Ao menos ela está esforçando-se em nos agradar, e – porque não? – em mudar verdadeiramente. Afinal, ela sabe que este casamento é seu destino certo. Portanto, é melhor que logo se molde à sua nova condição.
Sim, foi o que eu também reparei nela. Acho que mesmo sem ser verdadeira, sua aceitação é motivo de felicidade. Ela já demonstra assim que quer endireitar-se. Mas devemos ter cuidado: ela pode estar aceitando união apenas para nos fazer pensar que ela mudou, e na verdade pode estar tramando algo para livrar-se do casamento. – e nesta hora baixou a voz – Talvez tenha até aceitado o casamento apenas para ganhar tempo!
O marido a interrompeu com uma gargalhada desarrazoada:
-Mas quê! A Alvinha, tramar algo?! Santo Deus, mulher! Por mais espirituosa que seja! Ela não seria capaz de fazer mal a uma mosca! Quanto mais o mal tão grande de lograr seus pais desta forma! E em 15 dias o que ela vai fazer? Fugir? Para onde? Para ser freira precisaria pagar a taxa. Com que dinheiro? Não lha damos dinheiro! Compramos-lhe as coisas necessárias e os mimos eventuais pessoalmente. E para a casa de meretrício é que não haveria de ser! A menina tem virtude e vergonha na cara de sobra para fazer tal coisa! Fora isso, tens alguma outra hipótese? Que mais a moça poderia fazer?
A mulher pensou um pouco e disse:
-Nunca sabe-se o que se passa na cuca de uma menina da idade de Marialva. Devemos ficar de olho nela. Suas atitudes e pensamentos são revoltos!
-Não te avexes, mulher, que a qualquer sinal de rebeldia eu tomarei as devidas providências. Ela sabe que se principiar a amotinar-se vai ter as sanções devidas de minha parte. E eu não serei parcial!
Assim acabou o colóquio dos pais de Marialva à mesa.
Logo que entrou no quarto, Marialva deixou cair a máscara de semi-hipocrisia da qual ela havia revestido-se o dia todo, desde quando soube que se casaria em breve. Diante das paredes que lhe vedavam a intimidade, ela podia ser o que realmente era, sem ter que dar satisfações à sociedade e aos pais. Ela mentira. Não tinha sono, nem estava passando mal fisicamente. Retirou-se para não ouvir os elogios do pai feitos ao seu futuro marido. Não queria mais ouvir falar do casamento, pelo menos por aquele dia. Seu espírito estava cansado e como que enfermo. A porta do quarto era grossa, por isso ela não ouviu o que os pais conversaram. Apenas ouviu a gargalhada estrepitosa do pai, e mesmo assim abafada. “Devem ter percebido meu verdadeiro intento.”, pensou ela. “Não são tolos, e eu não sou atriz. Ademais, minha mãe já desconfiava de minha completa aceitação desde a hora em que deu-me a notícia do repentino noivado. É claro que eles perceberam!Apenas quiseram participar junto a mim de minha encenação.”
E, ao pensar assim, sentiu vontade de chorar, por causa de sua mísera condição. “Não, não posso deixar-me enfraquecer.”, pensou ela.”Afinal, esta será minha condição até o fim de meus dias, ou até o fim dos dias de meu noivo. Portanto, tenho que conformar-me com ela o mais rápido possível. Chorar não adiantará nada.”
Todavia, Marialva não conseguia sentir-se melhor, e então despiu-se, vestiu sua roupa de dormir, deitou-se na cama e, num profundo pesar, dormiu, na esperança de que ao menos nos sonhos ela poderia aliviar-se e sentir-se livre do destino que lhe fora imposto.
 
li a metade depois eu leio o resto... não dá pra dizer muita coisa pois até onde eu li a história ainda não tinha avançado muito, mas está bem escrita.
 
Parei, voltei, parei de novo...e o que saiu foi isso daí, que é quase todo o 2° capítulo, falta um pouco para o 2° acabar, mas não resisti e postei mesmo assim.
PS: Por que Marialva está aparecendo em laranja?
PS2: Por que os parágrafos não aparecem?

Cap.2 – A visita

No dia seguinte, Marialva acordou pensando ter saído de um pesadelo. Seria mesmo verdade que ela iria se casar dentro de duas semanas? Ou havia sido apenas um sonho ruim, que tinha tido nuances mais reais que a maioria dos sonhos, bons ou ruins? Logo ela soube que a realidade era pior que um pesadelo:
-Acorda, filha minha! Temos que avisar as pessoas do teu casamento! Teu pai já viu boa parte dos convidados outrora, mas faltam aqueles que tu queres convidar! Tuas conhecidas tuas primas... e eu também gostaria de convidar umas amigas de minha estima. Vamos, filha! Vista-se rapidamente e venha comer, que logo trataremos disto!
O peso da realidade caiu sobre a cabeça da jovem como se fosse uma bigorna feita do chumbo mais denso. Não era sonho: ela iria se casar dentro de duas semanas. Aquele era o limtadíssimo tempo que ela teria de liberdade, e relativa, pois nestes últimos dias de desafogo ela teria que ouvir falar em tempo integral do casamento, sua prisão doméstica. Nesse curto espaço de tempo, ela seria constantemente lembrada de que logo sua liberdade estaria extinta, acabada, estraçalhada, para toda a eternidade. Que tamanho martírio! E era duro pensar que todas as senhoras casadas passaram e passam por ele, e que as mocinhas solteiras, em sua inocência infantil, não sabem que terão que passar um dia por tal tormento. E a voz de sua mãe acabava de lhe tirar um dos únicos consolos que ela teria dali em diante: dormir e sonhar com um mundo diferente para si.
-Sim, mãe, já irei. Mas antes deixe que eu ore um pouco a Deus, para que Ele garanta meu futuro como bem-aventurado.
-Sim, filha mas vá depressa!
A mãe saiu e fechou a porta do quarto. Marialva pegou o terço, ajoelhou-se diante de um crucifixo bem trabalhado que estava pendurado na parede que dava para a cabeceira de sua cama e começou a rezar as orações em latim que ela sabia de cor desde a mais pueril infância.
A mocinha era religiosa e acreditava em Deus. Ia sempre à igreja com sua mãe, ou sem ela, e sempre rezava quando acordava. Preferia orar de manhã, e não à noite, à hora de dormir como fazia a maioria, pois à noite o sono invade as mentes e faz da oração um simples gesto mecânico. De manhã a mente está clara e descansada, completamente apta para as santas orações. Mas ela via muitos erros na igreja. Achava que as rezas repetidas eram superficiais e que os ícones eram apenas estátuas materiais. Achava que não havia mão humana que conseguisse representar as imagens de um santo ou de Cristo como elas realmente eram, e que representá-las era bobagem, pois não é preciso ter a imagem de um ser superior para crer em sua santidade e existência. Felizes os que crêem, porém não vêem, foi o que disse Jesus, e era nisto que Marialva baseava-se. Também achava que não haveria necessidade de se decorar orações e repeti-las ao Criador, se este sabia de tudo. O importante, segundo ela, era expressar por meio de palavras humildes e sinceras o que se sente, e dizer a Deus, não para que ele saiba do que se sofre ou se passa no coração, pois isto Ele sabe com certeza, mas para dar-Lhe uma prova de humildade, de confissão do coração, de confirmação do erro ou do acerto. Porém, ela tinha que rezar as orações repetidas e decoradas, somente para não provocar cada vez mais comentários. E não expressava seu descontentamento com a superficialidade da igreja, pois isto poderia lhe custar a vida. As pessoas eram perseguidas e mortas por qualquer motivo. Ela soube, horrorizada, que certas mulheres eram mortas apenas por terem cabelos vermelhos, por terem nascidos vesgas ou por trabalharem com ervas, sob acusação de bruxaria. Não era possível que a igreja não enxergasse que isto era uma carnificina inútil! Por que, então, a pratica? E, além de tudo, sujava o nome de Deus quando afirmava cometer tais atrocidades em nome d’Ele! Era uma blasfêmia sem precedentes! Por isso, Marialva passou a ter ódio da igreja, um ódio velado, que ela guardava só para si, para preservar sua própria vida, mas era explosivo, sem, contudo, afetar em nada o amor que ela tinha por Deus, pois ela achava que a igreja havia separado-se d’Ele a partir de quando principiou a fazer tais coisas, como uma mulher que prostitui-se sem remorsos de magoar o marido, e ainda faz tal ato sujo dizendo que o marido a aconselhou a fazê-lo.
Após rezar as orações repetidas, que ela dizia apenas da boca para fora e no íntimo orava com suas próprias palavras, principiou a orar do modo que ela achava verdadeiro. E disse assim:
-Deus meu, Pai e Rei de todas as criaturas viventes, ajuda-me a suportar tal provação. Am mim não é permitido pedir-Lhe que livre-me do doloroso jugo, mas peço-te apenas, amado Pai, que console-me e dê-me forças para suportar minha sina. Que eu me conforme e meu espírito se aquiete, e que eu não revolte-me tanto ante às injustiças praticadas pelos homens, não só contra minha pessoa, mas contra todos os meus semelhantes. Obrigada, Senhor, por ouvir esta tua serva desconsolada. Amem.
-Filha, depressa!! Venha logo fazer o desjejum! – a voz da mãe interrompeu o enlevo espiritual da moça
-Já estou indo, minha mãe! – Marialva deixou o terço em cima de uma cômoda onde ela guardava alguns objetos pessoais e vestiu a roupa apropriada para sair à casa das conhecidas. Como sempre, a achou muito apertada na cinta e incômoda, mas não podia fazer outra coisa senão vesti-la. Assim o fez, e foi ter com seus pais. Durante o desjejum ela tentou demonstrar-se alegre, porém toda aquela alegria soava falsa. Assim ficou ela também, ao visitar as pessoas que decidiu convidar ao seu casamento.
O dia decorreu todo assim, com ela passando um sofrimento tremendo em sua tortura de espera e tendo que fingir ser o que não era e estar como não estava. Só gostaria de dissimular bem no dia da visita do futuro marido. Estava em constante desespero. Não parava de sentir-se desgraçada, e fingia estar bem com dificuldade. O dia seguinte foi tormento igual. Ela orou com mais fervor ainda e passou pela tortura da impotência de não poder mudar sua situação o dia todo, somando-se o fato da expectativa da indesejada visita que aconteceria no dia seguinte.
No dia da visita, Marialva acordou mais desanimada que nunca. Olhou-se no espelho e sentiu-se feia.Fez sua oração, vestiu-se, penteou-se e foi à mesa, onde seus pais faziam o desjejum.
-Filha, arruma-te bem hoje e faça-te encantadora! Hoje teu noivo irá conhecê-la pessoalmente, portanto tens de provar que o que eu disse a ele é verdade! Dês o melhor de si! Sejais séria e ao mesmo tempo afável. Comportada e receptiva a um tempo só.
-Está bem, meu pai, farei tudo o que estiver ao meu alcance.
-Tu estás com o rosto muito cansado, com ar de fadiga, filha! Não dormiste direito? – disse a mãe
-Sim, minha mãe, não dormi muito bem. – mentiu a moça. O que a deixou daquele jeito foi o tormento emocional do casamento vindouro que ressaltou-se à noite passada
-Pois então temos que consertar isto! Terás que ficar formosa hoje, e como nunca! Vamos, coma logo que eu e as aias iremos dar um novo ar a essa fronte cansada!
Marialva, como se estivesse doente, não tinha vontade de comer, nem de arrumar-se, nem de dar um trato ao seu rosto, nem nada. Queria sair, esquecer que tinha visita do noivo, anulá-la! Queria anular o casamento! Se ele morresse, estaria livre! Não precisaria mais se casar! Mas logo ela abafou esse pensamento funesto. Não deveria desejar semelhante coisa a alguém. E se ele morresse, seu pai lhe arranjaria outro casamento logo, de qualquer maneira. Ela não estaria livre nunca de seu destino, a não ser que ela pudesse mudar de lugar, de país, de mundo, onde ela pudesse casar com quem ela quisesse. Mas como isto não era possível, ela teve que comer rápido e ir cuidar do rosto para a recepção do noivo.
E assim ela o fez. Comeu rápido e logo após foi com a mãe chamar as aias para que elas fizessem alguma pasta para revitalizar o rosto de Marialva. Elas fizeram tudo o que estava ao seu alcance e tudo o que a sabedoria que elas tinham lhes permitia. Passaram a manhã inteira cuidando não só do rosto da jovem, mas dos cabelos e do vestuário, para que ela ficasse o mais bonita possível. Mas sem muitos exageros, pois senão o noivo a acharia muito artificial.
- Que cuidados demasiados, minha mãe! É apenas uma visita! Não o casamento!
- Sim, filha, mas é como o dito diz: a primeira impressão é a que fica. Ele tem que ter a melhor impressão de ti, filha. E tu serás a que mais poderá fazer neste aspecto., demonstrando-te amável e simpática, sem ser no entanto banal e pueril. Como disse teu pai à mesa.
- Sim, mãe, mas tanta preocupação com beleza? O mais importante é o que somos no interior. Um dia a beleza vai-se embora e a velhice toma seu lugar. Mas a sabedoria guarda-se até o dia de nossa morte.
- Sim, Alvinha, eu sei, mas os homens apegam-se muito à beleza, e ela não faz mal a ninguém. Se tu a tens, atrai mais para si a atenção. E tu és linda. Tens mais é que aproveitar e ressaltar. Tua beleza de caráter só depende de ti, mas na beleza exterior nós podemos ajudar! Coloque um chapéu mais bonito! Este, que ressalta teus cabelos! Isto, assim está bem! Tens de aprender a te arrumar, filha! Eu não viverei para sempre! Vamos, vamos, logo ele chegará! Teu pai disse que ele viria cedo! Faça de tudo para não desmanvhar o penteado! Fique linda até a hora de ele chegar! Vá!
Marialva tinha asco à futilidade da mãe e das aias, mas não disse nada. Foi sentar-se numa poltrona da sala de visitas, para esperar a hora do noivo chegar.
-Por que não esperas na sacada, filha minha? Assim vês logo como ele é, e demonstras entusiasmo pela sua pessoa. Agradarás a ele, tenho certeza! – disse-lhe o pai.
-Está ventando lá fora, meu pai. Minha mãe tem medo que desmanche o penteado.
-Ora vamos! Sei que por ti não tinhas nem se arrumado e o receberia com roupa de casa. Um pouco de vento não vai deixá-la menos bela.
-Está bem, meu pai.
Então, Marialva foi à sacada. Estava linda e bem arrumada, mas todos os tratamentos, bálsamos e artifícios não seriam suficientes para tirar o ar de desânimo do rosto dela. OIhava para a rua, observando o movimento das pessoas. Todo homem que passava com roupas belas ela olhava com olhos suspeitos. Qualquer um deles poderia ser seu noivo. Assim ficou ela por um tempo, que mais tarde ela não saberia dizer quanto foi. Até a hora em que seu pai lhe avisou:
-Filha, teu noivo é aquele no cavalo cinzento! Veja, aquele com as vestimentas esverdeadas! – ele aproximou-se da sacada para apontar o homem. Ela não o viu muito bem por causa da distância. Mas viu que ele era envelhecido e aparentava ter m ais idade do que deveria ter.
“Se ao menos não for tão ruim quanto os maridos de minhas conhecidas, eu ficarei feliz”, pensou a donzela.
-Acene para ele, filha – disse o pai, assim que o noivo foi aproximando-se da residência. Ela ensaiou um sorrisinho fingido e acenou, com ânimo muito forçado.
-Brígida! Abra a porta ao convidado! – bradou a mãe de Marialva a uma das criadas.A ama assim o fez, e os anfitriões desceram para recebê-lo. Estavam alegres e receptivos, mas Marialva estava sendo fingida. Mal pôde disfarçar o desânimo ao vê-lo mais de perto.
-Seja bem-vindo à minha humilde residência, senhor Pedro Soares! É com muita honra que o recebo aqui em minha casa. Esta é minha filha, sua futura esposa, dona Marialva dos Santos Ribeiro.
Pedro fez uma reverência e beijou a mão da moça. Ela retribuiu com outra reverência.
Pedro Soares tinha cabelos castanhos e olhos esverdeados. Os cabelos eram ondulados e com uns fios grisalhos. Tinha algumas rugas em torno dos olhos, o nariz um pouco adunco e barba, também grisalha. De estatura mediana, parecia ser forte. Estava muito bem vestido, com roupas muito belas e bem trabalhadas. Eram esverdeadas, como ela já havia visto da sacada, e tinham detalhes em dourado. Os pais de Marialva, especialmente a mãe, haviam ficado impressionados com o futuro marido de sua filha, pois parecia ter muita classe e elegância. Porém, a moça não havia ficado impressionada. Sabia que os homens mais ricos, via de regra, eram os mais tiranos.
-Venha, senhor Pedro! Vamos à sala palrar um pouco, venha! Marialva está ávida para saber mais sobre vossa senhoria! Não é mesmo, filha?
Novo sorriso fingido.
-Sim, meu pai, estou! Vamos, senhor?
-Vamos, senhora Marialva.
A família guiou Pedro até a sala de estar. Era grande, com quadros de família de antepassados não muito distantes, como avós ou bisavós dos pais da donzela, que quiseram ter suas figuras retratadas para a posteridade, para que suas imagens permanecessem mesmo após suas mortes, como faziam vários ricos. Na sala havia poltronas, cerca de 4 ou 5, de 1 ou 2 lugares. Era bastante mobília para uma só sala, pois nem as famílias ricas tinham muitos móveis. Além destas, havia um tapete muito bem trabalhado e belo. Fora colocado naquele dia mesmo, por ocasião da visita do noivo de Marialva. O tapete costumava ficar guardado para ocasiões especiais. Os pais da noiva sentaram-se numa poltrona de dois lugares, defronte à poltrona onde a jovem e Pedro se sentaram. Os quatro conversaram muito, principalmente, é óbvio, sobre o casamento vindouro.
-Ah, senhor Pedro, minha filha Marialva estava com muita ânsia de casar-se! Queria tanto ser logo uma senhora casada! Via as rapariguitas, mais novas que ela, sendo desposadas, e sentia uma inveja! Ficou tão feliz ao saber que ia casar que até queria saber mais sobre o senhor até mesmo antes desta visita!
“Será que é necessário levar a mentira a este ponto? Fingir estar de conforme é uma coisa; fingir ser o antônimo do que sou é totalmente diferente! Não creio que tenhamos de ser tão hipócritas!”, pensou ela. Quando estava pensando estas coisas, ouviu uma voz dizendo:
-Não é verdade, filha?
-Hã? Ah sim, meu pai, é sim! Quero muito casar-me. E gostaria muito, mesmo, de saber mais a respeito do senhor Pedro através de suas próprias palavras, como disse o senhor.
-E o que gostaria de saber ao meu respeito, bela dama Marialva?
-Hum...bem, o senhor já é um homem maduro. Estou enganada?
-Tenho trinta e cinco anos, senhora.
-Sei que esta pode parecer uma pergunta estranha e um pouco ousada, senhor, mas o senhor esperou bastante tempo para casar-se, não?
-Não, senhora; eu sou viúvo e agora caso-me novamente. Minha primeira esposa morreu há cinco anos.
-Se permite-me perguntar, do que sua pobre esposa morreu? – indagou o pai da atual noiva
-Minha primeira esposa morreu de uma doença desconhecida, dessas que surgem repentinamente sem se entender porquê.
Nesse momento, Marialva gelou. Ela ouvira falar, há algum tempo atrás, de um homem rico, muito rico, que havia matado a própria esposa envenenada, mas que usava a desculpa de que ela havia sido acometida por uma doença estranha, que a havia matado de uma hora para outra. Como ele era rico, ninguém questionava-o nem acusava-o, pois ele deveria ter muito poder em mãos. Era coincidência demais a esposa de Pedro Soares ter morrido assim também, de uma doença fulminante. E ele parecia, de qualquer modo, não demonstrar nem sequer resquício de pesar ao falar da morte repentina dela. Está certo que os casamentos eram realizados sem amor, mas ao menos o pesar pela morte de um ser humano ela presumia que as pessoas deviam sentir. Porém, as doenças estavam ficando tão comuns, e tantos morriam através delas, que as pessoas acostumaram-se às mortes. Mesmo assim, a forma de Pedro falar da morte da mulher era estranhamente indiferente e casual.
Na época do incidente, Marialva ainda era uma menina desligada e pouco preocupada com o mundo fora do qual ela vivia, portanto não se importara muito com o boato do assassinato de uma mulher que ela não sabia quem era. Havia ficado chocada, é lógico, com tal brutalidade, se a história do envenenamento fosse verídica, mas não havia prestado muita atenção nos nomes, nem nos mínimos detalhes, mas por isso não lembrava se o nome do suposto assassino da esposa era Pedro Soares ou não. Mas o incidente do envenenamento ocorrera na mesma época da morte da esposa dele. Isto era de se estranhar! Eram muitas coincidências juntas. Poderia ser apenas um boato, mas ela poderia estar prestes a se casar com um homem que havia matado a primeira mulher! Neste caso, ela correria risco de vida também! Sabe-se lá se no futuro ele quereria matá-la, como fez à outra!
-É realmente triste, mas Marialva tem uma saúde muito boa! - disse o pai a Pedro – Com certeza ela irá ser sua esposa até o fim de sua vida!
-Sim, eu vejo isso através de sua aparência. Ela tem as faces coradas, é mui formosa e apresenta ares de quem não adoece facilmente.
-Oh, sim! Nem resfriado esta menina pega! É tão difícil ficar constipada que não me lembro qual foi a última vez que isto lhe aconteceu!
-Mas além de saúde, também aprecio várias outras qualidades na mulher. Por exemplo, admiro muito as moças prendadas, com talento para cuidar da casa.
-Ah, isto ela tem de sobra! Sabe olhar a casa como muitas mulheres casadas não sabem! As criadas a obedecem melhor do que a mim, imagine o senhor uma coisa dessas! – disse a mãe.
“Será que eles não se apercebem que Pedro Soares não é tão tolo para acreditar nas hipocrisias deles? Nem se eu fosse a moça mais desejosa de casar deste mundo eu teria tantas qualidades!”, pensou a jovem.
-Que bom, minha senhora, que sua filha é tão dada a coisas da casa, pois quaro muito uma esposa assim. Também almejo muito ter filhos, pois não os tive com minha primeira esposa. Gostaria de herdeiros, pois se não são os filhos, a quem se deixa tudo o que se conseguiu? À igreja? É bom, pois os bens vão aos desígnios de Deus, mas é melhor deixar aos filhos, que são a dádiva que Deus nos dá.
-Pode ficar descansado, senhor Pedro! Minha filha é jovem, irá lhe dar muitos filhos, estou certo! É um anseio antigo dela ser mãe! E com tantas da idade dela que já têm vários filhos! Ela não seria diferente! Logo terás teus próprios rebentos tão almejados, filha! – dizia o pai da moça, animado. Ela, como sempre, respondia com seus sorrisos falsos e insossos.
-Ah, e por falar em igreja, ela é muito religiosa! Vai à missa sempre, é mui virtuosa, sempre a visar os santos propósitos! Ora todas as manhãs, age sempre de acordo com as santas leis! É uma moça mui casta, tem uma moral excelentíssima, não usa esses decotes exagerados da moda, nem roupas muito espalhafatosas. É um anjo! – disse a mãe.
-Que bom! Sua filha parece ser mesmo a moça que eu estava procurando. Mas tem uma qualidade que eu admiro acima de todas as outras em uma mulher: a submissão – nisto, ele enfatizou bastante a última palavra.
Desta vez, Marialva teve que se esforçar muito para dissimular felicidade. Tinha certeza de que homens como Pedro não consideravam a palavra “submissão” como sinônimo de obediência amorosa e com direito a liberdade própria e opinião, e sim como sinônimo de subserviência cega, prisão à base da tirania, mulheres trancadas em casa, com direito de sair apenas acompanhadas do marido ou das criadas, e no último caso apenas com autorização do déspota maior do lar: o marido, o chefe tirano que nunca deve ser questionado. Ela viu diante de si um abismo eterno. Um abuso de eterna obscuridade, de eterna obediência cega a um homem de quem ela começava a ter asco.
-A bela senhora perdeu a língua? – indagou Pedro, sorrindo – A senhora deve ser a favor da submissão, já que é tão virtuosa, não?
-S-sim, senhor! Sou sim! Afinal, para que servem as esposas a não ser para servirem seus maridos e filhos? As esposas têm este único objetivo em suas vidas desde o momento em que contraem o santo matrimônio! E as mulheres o têm, certamente, desde quando nascem! Nós, mulheres, somos tão fracas! É como diz a palavra “mollitia”, origem da palavra “mulher”, somos frágeis! Precisamos de algum homem sempre a cuidar de nós. E em troca disto, não temos outra escolha senão dar a devida submissão aos nossos maridos! As mulheres têm essa natureza! Portanto, serei submissa a vossa senhoria, com toda a certeza!
Marialva disse isto tudo de uma tacada só, sem saber, no entanto, se tudo havia sido ironia ou se apenas ela havia entrado no jogo dos pais de fingir ser exatamente o que o noivo esperava dela. De qualquer forma, os pais ficaram bastante surpresos, pois nunca poderiam imaginar que ela falaria daquele modo, por mais que concordasse com o casamento ou estivesse fingindo. Pedro ficou contente.
-Realmente, dona Marialva, o encontro das nossas famílias e o arranje de nosso casamento foi providencial. Tu és a esposa que eu procurava! Mas agora discutiremos o casamento o casamento a se realizar daqui há 12 dias.
E assim discutiram os detalhes do casamento, desde em que igreja seria realizado, até que padre a realizaria. Após serem tratados estes últimos remates das bodas, as criadas serviram uma refeição a todos. Nela, eles trataram de conversar sobre coisas banais, triviais, como: os vizinhos, a comida, a decoração da casa (primeiro sobre a da casa dos anfitriões; depois, sobre a da casa de Pedro Soares, o qual exagerou bastante em elogios e pontos positivos.), etc. Após isto, Pedro achou que já era tarde, e que era hora de ir embora para casa.
-Então fica ajustado assim, senhor: encontramo-nos à porta da igreja, com os convidados já presentes. E então, a cerimônia será feita nos portões. De acordo?
-Sim, Sr. Pedro! Bem, foi um prazer recebê-lo aqui em minha casa! Almejo que nossas famílias se alegrem sendo uma só, e que tenhamos muita prosperidade e bem-aventurança!
-São os votos de minha parte também , senhor.
E então, todos desceram à porta de saída e entrada da casa, despediram-se com os devidos cumprimentos e Pedro subiu em seu cavalo.
 
O resto do 2° capítulo (leiam caramba!!)

Deu um último aceno à família e partiu no animal cinzento. Marialva e os pais ficaram observando até a hora em que Pedro sumiu de vista. A mãe da noiva olhava-o com olhos enternecidos, certa de que sua filha havia arranjado o melhor partido que poderia ter arranjado. Logo que entraram, começou a tagarelar para a filha:
-Ai, minha querida, como gostei do teu futuro esposo! É inteligente, arruma-se muito bem, é abastado! Pode não ser muito bonito, mas mas beleza não põe mesa, como se diz! O que importa é que tenho certeza de que ele irá ser um bom marido para ti. Bela escolha, José! – este era o nome do pai da moça.
-Mas meu pai, minha mãe! Ele não é aquele homem que há tempos atrás matou a esposa envenenada?
-Ah, aquele do boato? É sim, filha minha – respondeu o pai.
Marialva fica entre surpresa e indignada.
-M-mas como o senhor irá casar-me com um homem que matou a esposa, meu pai?!
-São boatos, filha. Boatos de velhas desocupadas que gostam de inventar epopéias exageradas para simples fatos da vida, apenas para terem o que fazer! A pobre mulher morreu de uma doença, e todos gostam de ficar colocando chifres em cavalos! Ora vamos, filha! Por que um homem de estirpe mataria a própria esposa? Isto é coisa desses pés-rapados que vivem arranjando confusão por qualquer coisa! Não te preocupes, filha, aquela notícia não passa de boato, e eu nunca dei créditos a futricos de tão baixo calão!
-Mas pai, e se for verdade? Eu corro risco de vida se for assim!
-É mentira, filha – redargüiu a mãe desta vez . – Sempre ouvi os boatos mais escabrosos da boca dessa gente fofoqueira que anda por aí a espalhar bobagens, e já tive a oportunidade de comprovar que a grande maioria é lorota. Pedro Soares é homem de bem. Não é o que alguns dizem aos quatro ventos. Te assossegues, que só tens a ganhar casando com ele. Não corres risco nenhum, é tua mãe quem garante.
-Mesmo assim tenho medo de que ele possa fazer-me algo de mal, e os boatos tenham um fundo de verdade.
-Marialva!! Não comeces a cismar! Estavas agindo muitíssimo bem até agora! Não venhas com tuas habituais rebeldias! O homem é um bom sujeito e será um excelente marido para ti! Pare de cismar com ele! – disse seu pai.
-Não é cisma; eu temo pela minha vida!
-Basta, Marialva!! Trate de calar-te e não replicar mais! Chega dessa tua amotinação! Agora serás mulher casada, e tens que se adaptar à submissão! Aceite a decisão, que é o melhor para ti! – disse energicamente o pai da jovem.
Não querendo mais confusão e temendo que as coisas ficassem piores do que já estavam, Marialva calou-se e foi para seu quarto. Lá, sentiu-se pior que nas duas noites anteriores, não só porque iria casar-se com alguém que mal conhecia dentro de doze dias,mas também por saber que ele poderia ser seu algoz de uma forma bastante pior que as eventuais, e bem velada. Temeu por sua vida; não era só a felicidade que estava em jogo. Sentiu-se só; ninguém a ajudaria a suportar aquele martírio. O pai a acossava; a mãe, submissa, fazia o mesmo. Sentiu vontade de fugir, de parar de engolir todo aquele fel maldito, quis morrer, antes que Pedro Soares pudesse matá-la. Não haveria de conseguir pregar os olhos naquela noite, tamanha sua ansiedade.
Ao chegar em sua residência, Pedro Soares foi recebido por seu criado pessoal. Os outros trataram de guardar o cavalo no estábulo. Entrou na casa e vestiu algo mais confortável, uma roupa de casa.
-E então, senhor, a visita à moça foi agradável? – indagou o criado curioso.
-Mas que futricagem, homem! Mal chego eu e já queres saber como foi a visita?!
-Desculpe, senhor. Mas o casamento é daqui há menos de 2 semanas, e eu gostaria de saber como é a mulher que logo virá morar aqui, para que eu possa servi-la melhor.
-Vá! Tu e tuas desculpas intragáveis! Mas irei contar-lhe como é a moça mesmo assim. Estou de bom humor hoje! A moça é estranha: ou é uma tolinha das mais ingênuas, ou é uma dissimulada. Mostrava, como diz incessantemente o pai, uma vontade muito grande de casar. Tão grande para uma moça que nem conhecia o noivo,que parecia ser falsa apenas para agradar. A mãe encheu-lhe de qualidades que talvez não tenha. O pai, de perfeições que provavelmente não lhe são naturais. Ou a moça não deseja casar e finge que deseja, ou acha que a vida é uma canção de trovador! Pois se não for dissimulada, acho que está pensando que o casamento é eterna alegria, e que o marido é um vassalo da esposa por amor! E que os filhos são o bem que só traz bem-aventurança! Até parece que ela não vê que a esposa é totalmente o contrário do que ela pensa, e que não é o amor que levará o casamento adiante! Ela fez um discurso sobre a submissão, mas parecia ser irônica, pois estava fantasiosa demais! Como se a submissão fosse dada em troca de uma proteção com um quê amoroso, quando na verdade não se pode sentir amor verdadeiro por uma mulher, se elas são seres tão...inferiores! Apenas irei casar-me novamente porque quero ter herdeiros, e afinal, é para isso mesmo que os casamento e as mulheres servem: para dar filhos. E por falar em filhos, ela também é desejosa de ser mãe. Mas terá que ser fria de coração se quiser ter vários filhos. Afinal, nas famílias pelo menos uns 2 filhos morrem antes de completar um ano de idade. Tem-se muito mais partos que filhos vivos neste mundo. As doenças e a morte não têm compaixão nem das crianças.
-São os pecados, senhor! Algumas vezes os pecados dos pais são transmitidos aos filhos quando estes se formam, por isso as crianças são levadas cedo para perto de Deus, para que seus pecados sejam extinguidos.
-Onde ouviste isto?
-Ah, foram uns camaradas meus que andaram comentando. Ouviram de alguém. Bem, mas a moça terá que aprender a lidar com a vida. E ela já não é tão jovem quanto as outras casadoiras, não?
-Irá completar 18 primaveras logo. É jovem, mas a maioria das moças casa mais cedo. Não entendo por que o pai dela não a casou antes. Quanto mais cedo casa, mais filhos uma mulher pode dar ao marido! Mas deixa estar, que a moça me pareceu saudável e pode dar vários filhos.
-Qual o nome dela, senhor?
-Marialva dos Santos Ribeiro.
-Marialva?! Ah, então ela estava sendo dissimulada! Esta Marialva é a Marialva da qual falam, a espirituosa, a que não gosta dos vestidos que se usam, a que não aceita a submissão das mulheres! Ela quer é casar fazendo-se de mulher de casa, para posteriormente e pouco a pouco começar a dominar a casa!
Pedro não demonstrou-se surpreso:
-Eu sei que é a moça de quem todos falam. Só que eu nunca havia acreditado nestes rumores, e quis conhecÊ-la pessoalmente, para saber se os boatos dizem a verdade. E é como eu te disse e repito: ou ela mudou drasticamente, ou está fingindo. Talvez o pai a tenha ameaçado, e com razão, de a expulsar de casa e a desgraçar perante todos se ela não aceitasse o casamento. E ela, por isso, esteja fingindo e aceitando o casamento. E talvez ela seja uma moça diferente do que dizem e, no caso, ela seria tola demais, pois, como lhe disse, é muito sonhadora! Ou talvez ela fosse mesmo a intragavelzita que os futriqueiros sugerem, e tenha mudado de uns tempos para cá. Esta última hipótese eu acho a mais improvável. Não se muda assim, da água para o vinho!
-Eu acho que a mais provável é a de que ela está fingindo. Até para os pais. E que quer fazer-se de uma coisa para chegar aqui e ser outra. Ela não iria sr amansada tão rapidamente, é teimosa como mula empacada! Pelo menos é o que dizem por aí.
-Tu és um boateiro de mão cheia! Vives a par das futricas que se contam por aí! Curioso! Mas deixa estar, que se ela quiser motim eu lhe darei um bom dum corretivo! Se for preciso, a deixarei tão roxa que ninguém saberá diferenciá-la de uvas maduras!!
E então, os dois riram, assim como faziam os homens que consideravam as mulheres meras reprodutoras e trastes utilizáveis.
Não era à toa que Marialva temia pelo vindouro casamento. Mesmo sem saber exatamente como era seu noivo, já tinha uma idéia do que a esperava.
 
Ufa, finalmente terminei :dance:

Comentário SdL

Está legal sim, mas tem umas coisinha que ajudam (principalmente para o caso da falta da leitores :wink: ):

- tenta colocar espaço entre os parágrafos.
- talvez fazer capitulos menores ou divididos, ou então por uma divisória como a que Kementari fez nos contos mórbidos dela.

Além disso tem uns comntários sobre o txto em si:
- A personagem é bem interessante, personalidade forte, carismática... mas já que vc está usando tantas referencias históricas, acho que fica estranho ter uma personagem mulher, rica, que pense da maneira cmo ela pensa, em relação a injustiças, à igreja, ao casamento etc. mas pode ficar interessante....
- Quanto às referências históricas: acho que aparecem em quantidade grande demais além de muito explícitas, a não ser que seja um objetivo seu.
- Vc fala tanto do abuso dos maridos sobre as mulheres mas o pai da moça até que é bem calminho, ele bem que pudia dar uns tapas na mulher e parar de concordar com ela.
- Ultimo comentário, tive a impressão de roteiro pra novela da Globo, bem Casa das Sete Mulheres, mas acho isso bom; diferencia um pouko dos utros textos daki :wink: :clap:

No mais está mto boa a idéia, e o jeito como vc colocou ela no "papel"( :roll: )
:clap:
 
- A personagem é bem interessante, personalidade forte, carismática... mas já que vc está usando tantas referencias históricas, acho que fica estranho ter uma personagem mulher, rica, que pense da maneira cmo ela pensa, em relação a injustiças, à igreja, ao casamento etc
Baum, eu acho que várias mulheres poderiam pensar assim antigamente, mas eram obrigadas a calar a boca e tocar a vida...o que havia dentro delas só Deus sabe! :D
- Quanto às referências históricas: acho que aparecem em quantidade grande demais além de muito explícitas, a não ser que seja um objetivo seu.
Nossa é mesmo? nem tinha reparado... 8-)
Vc fala tanto do abuso dos maridos sobre as mulheres mas o pai da moça até que é bem calminho, ele bem que pudia dar uns tapas na mulher e parar de concordar com ela.
Ah o dela é meio bonzinho sim, só é meio frio, mas pra época era legal sim, o problema é o noivo da moça. :twisted:
 
Saranel disse:
- A personagem é bem interessante, personalidade forte, carismática... mas já que vc está usando tantas referencias históricas, acho que fica estranho ter uma personagem mulher, rica, que pense da maneira cmo ela pensa, em relação a injustiças, à igreja, ao casamento etc
Baum, eu acho que várias mulheres poderiam pensar assim antigamente, mas eram obrigadas a calar a boca e tocar a vida...o que havia dentro delas só Deus sabe! :D

Elas viviam em um meio em que não era possível pensar numa coisa dessas nem para um homem. Foi preciso MUITO antes de se pensar em mudanças, e ninguem pensou ou pensava seriamente em simplesmente mudar tudo que supostamente está correto do jeito que está....
 
Elas viviam em um meio em que não era possível pensar numa coisa dessas nem para um homem. Foi preciso MUITO antes de se pensar em mudanças, e ninguem pensou ou pensava seriamente em simplesmente mudar tudo que supostamente está correto do jeito que está....
Como vc sabe? Estava lá pra saber? Ou leu as mentes de todas elas?
Hoje eu acho que tbm existem várias pessoas que pensam em mudar vários aspectos estagnados da sociedade, considerados corretos, mas não conseguem. E a coisa vai assim até juntar uma massa bem grande de gente que consiga realmente mudar algo.
Se não fosse assim, como que as feministas iam fazer o q fizeram no século passado? Se não houvesse como as mulheres pensar que oq elas sofressem era injustiça, nunca se evoluiria a ponto de as feministas conseguirem algo: elas se acomodariam pro resto da vida, e tava tudo igual ao século 16 até hj.
Uma vez eu vi o caso de uma mulher que escreveu um livro na Idade Média (antes mesmo do tempo onde Marialva existiria) e falou nesse livro contra os maus tratos às mulheres. Era minoria? Era, mas se ela pensava assim, pke não a minha personagem?
 
Mais um pokim...e dessa vez ta menor...num é todo o capítulo...
Mas a parte de pular linha nos parágrafos eu num vou fazer naum, quero que fique igual um livro msmo.


Cap.3 – O desvio

Marialva acordou com uma aparência pior. A partir do dia em que havia conhecido Pedro, estava bastante deprimida. Mais ainda que antes. Agora, ela via uma violência pior do que a da qual já tinha idéia. Ela via que não soa felicidade a liberdade estavam nas mãos dos homens. Era a vida. A mulher não só era trancada no quarto; não só apanhava; não só era motivo de chacota; não só era marginalizada, como também era morta. Não tinha nem direito de continuar a viver, se o homem assim determinasse. Então, por que não haveria ela de acabar com sua vida, antes que o marido ou até mesmo o pai, se ela se rebelasse, o fizesse? Ao menos ela morreria por vontade própria, por suas próprias mãos, quando ela mesma determinasse. Ao menos na hora de sua morte ela teria liberdade de escolha. Mas considerava este pensamento contra as leis de Deus. Ele lhe deu a vida, Ele que a tirasse, quando quisesse. Todavia, estava ela cheia de tristeza e fraqueza, portanto foi orar.
-Deus meu, criador desta vida que agora se extingue de tristeza, mostra o caminho certo a esta serva tua, que ela não o enxerga! Por favor, senhor, ajuda-me a suportar esta dor! Pois sinto já ímpetos de matar-me! Acabar com minha vida! – dizia ela, aos prantos, no alto do seu desespero, quando a mãe entra no quarto:
-Filha, venha! Rápido! Temos que receber tuas tias, elas vêm hoje lhe dar a felicitação das bodas! Que tens? Por que choras?
-Minha mãe, temo por minha vida! E se for verdade que Pedro Soares matou a esposa?
-Ora, filha, tranqüiliza-te! Tenho certeza de que não é verdade. Mas quero falar-te uma coisa: tenho percebido que tu não queres casar-se realmente.
-Sim, mãe! Estou apenas aceitando todo este jogo para não ser desprezada por meu pai e não ter para onde ir. Não ter mais família, nem vida, nem casa, nada! Estou entre a cruz e a espada!
-Oh, filha! Mas por que tu te aborreces tanto com casamento? O homem é um dos homens que têm! Ademais, é como te disse há alguns dias, quando dei-te a notícia do casamento: um dia teríeis que casar! E já está mais do que na hora. Não queres ficar seca, sem filhos a vida inteira, não?
-Não, minha mãe. Não sou tão sublevada quanto dizem. Gostaria de ser mãe, mas não sinto-me ainda preparada para tal responsabilidade. Também queria casar-me com um homem de minha escolha. Nem este direito dão-me!
- Filha, teu pai já é maduro e sabe o que faz! Quando meninas solteiras como tu apaixonam-se, a cabeça entorna, os olhos cegam-se, faz-se do ser amado a perfeição! E muitas vezes não enxerga-se que ele é tolo ou um incompetente, ou até mesmo um pelintra que pode levar ao mal caminho! Já os mais velhos e experientes na vida, como teu pai, enxergam o que os olhos apaixonados não, e sabem evitar os galanteadores para escolher um esposo competente e com todas as qualidades favoráveis. Por isso o casamento de arranje é necessário e é a melhor coisa a se fazer.
-Mesmo assim, mamãe. Não tenho eu olhos de apaixonada. Sei distinguir bem os defeitos. Saberia escolher um bom esposo por mim mesma.
-És jovem ainda, filha. Não tens a perspicácia dos mais velhos. Não enxergas coisas que teu pai já vê. Portanto, aceitas, o casamento, que para teu mal teu pai não faria nada. Eu também me casei, por arranje, filha, e foi de uma maneira mais tradicional ainda: só conheci teu pai no dia do casamento, às portas da igreja. A cerimônia podia ter sido realizada em casa, com um padre, mas teu avô não quis que assim fosse. Quis que a cerimônia se desse na igreja! Casei-me com 13 anos, 2 meses antes de completar 14.
-Tu eras para ter irmãos, filha, mas infelizmente morreram todos. Ou no dia do parto, ou já nasciam mortos, ou duravam poucos dias. Apenas um além de ti durou alguns meses mais. E aquele eu pensei que vingaria! Até batizado foi! Tinha até nome...José, em homenagem a teu pai. Já havíamos até nos apegado à criança, quando veio uma febre e levou-a. Como chorei! Tu foste a única que sobreviveu até então. Foste a última que tive, e a ti eu quis que sobrevivesse, pois já estava eu ultrapassando a época de ter filhos. Orei a todos os santos. Protegi-te das doenças de todas as maneiras. E tu foste a mais forte das crianças que pari! A sobrevivente! Portanto, filha, sê forte nessa hora também, assim como foste na tua infância, pois o casamento é provação, é luta, não é nenhum mar de rosas como dizem as canções...
E nisso, a senhora, derramou uma lágrima pelo canto do olho.
 
Saranel disse:
Elas viviam em um meio em que não era possível pensar numa coisa dessas nem para um homem. Foi preciso MUITO antes de se pensar em mudanças, e ninguem pensou ou pensava seriamente em simplesmente mudar tudo que supostamente está correto do jeito que está....
Como vc sabe? Estava lá pra saber? Ou leu as mentes de todas elas?
Hoje eu acho que tbm existem várias pessoas que pensam em mudar vários aspectos estagnados da sociedade, considerados corretos, mas não conseguem. E a coisa vai assim até juntar uma massa bem grande de gente que consiga realmente mudar algo.
Se não fosse assim, como que as feministas iam fazer o q fizeram no século passado? Se não houvesse como as mulheres pensar que oq elas sofressem era injustiça, nunca se evoluiria a ponto de as feministas conseguirem algo: elas se acomodariam pro resto da vida, e tava tudo igual ao século 16 até hj.
Uma vez eu vi o caso de uma mulher que escreveu um livro na Idade Média (antes mesmo do tempo onde Marialva existiria) e falou nesse livro contra os maus tratos às mulheres. Era minoria? Era, mas se ela pensava assim, pke não a minha personagem?

Calma, acho que num me espressei direito. A história é sua, a personagen é sua e vc faz dela o que quiser, ela pode até pensar em comunismo sentido da vida ou o kralho a 4, ela é sua. Agora, no seu texto vc pôs tantas referências históricas que p/ mim (e que fique claro, para MIM) fica estranho com ela pensando dessa forma, aparece como um diferencial, um "discidente".
Mas num se preocupa com isso não....
 
Ah tdo bem! :wink:
no seu texto vc pôs tantas referências históricas que p/ mim (e que fique claro, para MIM) fica estranho com ela pensando dessa forma, aparece como um diferencial, um "discidente".
Sim ela é...é akele velho chavão romântico da exceção! :D

Eu fico é preocupada com o pouco de gente que lê isso... :eek:
Parece ke o povo tá com alergia a textos longos e com linguagem...digamos...mais "antiga" (2a pessoa do singular).
 
Saranel disse:
Eu fico é preocupada com o pouco de gente que lê isso... :eek:
Parece ke o povo tá com alergia a textos longos e com linguagem...digamos...mais "antiga" (2a pessoa do singular).

Infelizmente, é isso que acontece mesmo. Acho que com o seu texto principalmente, pq vc postou muito muito depressa, isso desencoraja mais ainda; se tivesse posto só um pouco, esperado alguém ler, depois ir começando a postar mais aí talves tivesse mais leitores.
Em último caso vcc pode fazer propaganda na assinatra e dar uns avisos no SdL...
 
Infelizmente, é isso que acontece mesmo. Acho que com o seu texto principalmente, pq vc postou muito muito depressa
Olhe as datas entre o 1° e o 2° post da história...o 1° foi dia 9 de novembro e o 2°, em 25 de março...

É preguiça msmo...

Ou o meu texto ta ruim... :|
Ow thrain, c ta lendu o texto? Ou já leu? Ou leu um pouco e depois parou?

Ah e um negócio:
No mais está mto boa a idéia, e o jeito como vc colocou ela no "papel"
Hehehehe é no papel sim, eu escrevi 1° numa agenda e agora estou passando tudo a limpo. O q eu passei tá aí!
 
Saranel disse:
Infelizmente, é isso que acontece mesmo. Acho que com o seu texto principalmente, pq vc postou muito muito depressa
Olhe as datas entre o 1° e o 2° post da história...o 1° foi dia 9 de novembro e o 2°, em 25 de março...
Verdade; qdo eu li, num vi as datas...

É preguiça msmo...

Ou o meu texto ta ruim... :|
Ow thrain, c ta lendu o texto? Ou já leu? Ou leu um pouco e depois parou?

li tudo de uma vez, e continuo lendo....
(e ele não ta ruim não)
 
:)
legal!^^
vai ficar meio monótono até o dia do casório. Aí vai ser legal!^^
E inesperadu!!
E tbm vai ter o cara d quem ela vai gostar...^^
Aí quem sabe mais gente leia...
 
Taí mais um pouco do cap. 3.
Já tou feliz de um estar acompanhandu desde o 1° capítulo!^^
E, cedendo aos apelos do Thrain, pulei linhas entre os parágrafos (eles saum grandes...) pra ver se fica mais legal de ler
Num querem ler num leiam, seus bobus. :P
ALGUÉM SABE COMO EU FAÇO APARECER PARÁGRAFOS NO TEXTO?????

-Se é uma provação, minha mãe, tanto que a senhora chora e fala de uma maneira dolorosa sobre o seu próprio, por que incentiva-me a casar?

-Porque, filha, apesar de tudo, eu e teu pai damo-nos bem. As provações não vêm porque ele apoquenta-me ou maltrata-me. Não, isto nunca aconteceu. Teu pai sempre tratou-me bem. O detalhe é que as provações do casamento vêm não do marido, mas da vida em si. As tristezas de ver-se os filhos recém-nascidos morrerem é um exemplo. Deus levou-as. Que culpa tem teu pai nisto? Não tem culpa alguma. No início, confesso que não o amava. E como poderia amar, se nem o conhecia antes de casar? Mas o amor foi-se desenvolvendo depois. Sei de muitas mulheres que apanham dos maridos, que são trancafiadas contra a vontade, mas isto é por causa da rebeldia. Se elas fossem submissas e obedecessem seus maridos, como faço eu, não seriam fustigadas por eles. É como eu disse-te: teu pai nunca sequer me encostou o dedo para castigar, nem nunca levantou-me a voz. Por isso, filha, seja submissa ao teu marido, que nunca terá ele motivos para castigar-te.

-A senhora sempre concordou com tudo o que meu pai diz e faz, mesmo não concordando em seu íntimo. Isto é prisão, mãe! É como se não tivéssemos direito a pensar da nossa maneira! Se nos atrevemos a pensar diferentemente dos nossos maridos, ou pais, ou do homem que nos tem a guarda, somos castigadas, surradas, até mesmo mortas! Tenho medo de que isso ocorra-me, mãe, pois não sei se irei agüentar por muito tempo ser como uma serva de meu marido...

-Não, minha filha, não é assim. Nós mulheres somos de uma natureza fraca, como tu mesma disseste há 3 dias na visita do teu noivo. Apesar de ter falado isto apenas para agradar teu pai e teu noivo, disseste isto, e é verdade, por menos que tu venhas a acreditar. Necessitamos nós da vigilância dos homens, pois herdamos infelizmente de nossa primeira mãe a natureza de induzir aos homens e a nós mesmas a um caminho mau. Portanto, para não tornarmo-nos ladinas e maldosas, temos de ser dominadas por nossos maridos, ou por outro homem, seja pai, seja tio, seja irmão, pois os homens não têm a mesma natureza que nós e podem então nos dar um corretivo. Um homem só chegaria ao extremo de matar uma mulher se esta fosse muito rebelde e avessa à ordem. E teria que ultrapassar os limites, como por exemplo uma adúltera. Não conheci a mulher anterior de Pedro Soares, mas se ela fosse uma adúltera ou tivesse praticado delito em semelhante escala, nunca seria morta furtivamente, com veneno. Morreria sabendo que estava sendo castigada pelo que fez. E se Pedro tivesse matado-a, não teria mentido. Teria dito o porque de tÊ-la matado, não teria dito que ela morreu de doença. E ela não era conhecida como devassa. Ele não demonstrou ressentimentos para com ela. Portanto não a matou.

-Temo que os homens sejam mais cruéis do que imagino, e matem suas esposas sem motivo algum, apenas porque elas não lhes dão filhos, por exemplo.

-Não, minha filha, neste caso uma mulher é repudiada, não morta.

-Mas e se ele não a pudesse repudiar? E se ele irritou-se com ela a um ponto de matá-la? E por que uma mulher tem de ser repudiada, apenas porque não dá filhos?

-É maldita a mulher assim. Seca. Para que serve um ventre que não dá frutos? Não é morta, mas deve ser arrancada, para que outra possa dar frutos em seu lugar. São como árvores que não florescem nem dão pomos.

-Mas nós não somos árvores! Somos pessoas!

-Mas é aplicável a nós, filha. Somos pessoas, porém inferiores. Somos diferentes.

-Eu não consigo aceitar isso, mãe! Por que temos nós culpa pelo que Eva fez a Adão? Por ter desgraçado a humanidade?! Não somos nós, suas descendentes, que cometemos tal ato desditoso! Não devemos pagar por algo que não fizemos!!

-Mas somos à sua semelhança; herdamos sua natureza. Já nascemos com esta tendência, filha minha.

Nisso, uma voz interrompeu o diálogo da mãe e da filha:

-Camila! Camila, onde estás? – clamava o pai de Marialva, chamando pela mãe desta.

-Já vou, José – respondeu ela.

-Arruma-te logo! Tuas irmãs logo virão!

-É mesmo, Marialva! Demoramo-nos muito aqui com nossa conversa! Anda, arruma-te que logo elas virão! Quanto à preocupação, já te disse: esqueça-a! Pedro não matou a primeira esposa, e não matará a ti, tenho certeza! E quanto ao casamento, este é difícil, mas todos passam por ele na vida! Seja boa e tudo dará certo!

Ao dizer isto, a mãe foi embora, e se apresentou ao marido como se nada houvesse acontecido entre ela e a filha.
 
Er...já repararam como todo o CdE ficou de repente...vazio? :o?:

Mas voltando ao texto...

Mais umas páginas pro Thrain e o Fosco (descobri q ele tbm ta lendu!^^) se deliciarem! :mrgreen:




Marialva, não sentindo-se menos lúgubre do que antes, forçou-se a arrumar-se para receber as tias. E ruminava em sua mente o seguinte pensamento: até sua própria mãe estava rendida ao capricho dos homens. Ela mesma se aprisionava. Começou a sentir pena da mãe, embora o casamento de seus pais não fosse ruim, pelo contrário: era até dos melhores. Pois, apesar da submissão extrema da mãe, que para o marido dizia apenas “sim”, havia, à maneira deles, amor. Eles haviam aprendido a conviver. Mas isso por causa da propensão de darem-se bem ambas as personalidades: a mãe, submissa; o pai, líder. Mas ela e Pedro Soares tinham personalidades opostas; o casamento não daria certo. E seria dali há 9 dias. Ela começava a se desesperar mais do que antes, por causa da iminência do matrimônio.

Arrumou-se o mais depressa que pôde e foi ao encontro da mãe.

-Coma algo antes que elas venham, Alvinha! – disse-lhe o pai, apontando à mesa com o que havia sobrando do desjejum dele e de D. Camila, sua esposa.

A moça não tinha vontade de comer, apesar de ter fome. Todavia, forçou-se a engolir algo. Precisaria comer para manter-se de pé, pois com a tristeza que sentia seria fácil sucumbir a uma doença letal, se não se alimentasse.

Engoliu ela umas poucas coisas, apenas para dizer que comera algo. Sentou-se à sacada, para olhar o mundo, o cruel mundo, que a sacrificava.

Ficou ali a passar as horas, enquanto as tias não vinham. Nem reparou que a mãe sentara-se ao seu lado, para coser um pouco ao ar fresco.

Depois de algum tempo veio a criada avisar:

-Senhora Camila! Suas irmãs estão cá embaixo!

-Mas já, Brígida? Céus, como não vi eu a hora passar? A costura destrai muito! E nem vi daqui de cima as duas chegarem! Viste, Marialva?

-Ah, não. Estava a olhar para as bandas de lá.

-Vamos receber tuas tias!

Ambas desceram para recepcionar as parentas. José foi junto. A recepção deu-se muito alegre; Camila abraçou afetuosamente as irmãs, e José as cumprimentou com a devida educação. Marialva as cumprimentou também.

-Salve, Marialva! – exclamou Urraca, uma delas – Logo serás desposada! Não sente-se feliz?

-Sim, minha tia, estou feliz, pois vou cumprir minha obrigação como mulher, que é dar filhos e ser esposa. É apenas isto que importa à vida de uma mulher. – ela disse isso em tom obviamente irônico e contrariado. As tias perceberam, embora nada falassem.

-Ah, minha cara, mulher que não se casa é aleijão social! – disse Joana, a outra das tias dela, como que entrando no jogo – Não dá filhos, não produz nada! Não serve para nada na sociedade!

-Sim, eu sei. Portanto serei útil: darei quantos filhos puder; serei como meu esposo quiser sempre. – e a ironia continuava.

-Nossa Senhora! Marialva sem dúvida está mudada! Outrora era um tanto rebelde e contrária a certas coisas, atrevo-me a dizer! – disse Urraca, entrando também no fingimento.

-Muda-se, muda-se, minha irmã! – interrompeu Camila, já querendo acabar com a situação que começava a tornar-se desagradável, e sem poder repreender a filha, pois na teoria, não estava ela dizendo nada de errado. – A cabeça de Marialva é tão propensa a mudar para virtuosa quanto para amotinar-se! E tomara que não deixe de ser o que é agora nunca mais, pois agora é mulher comprometida! – e nisso lançou um olhar à filha como quem não havia gostado nem um pouco do que ocorrera, e que haveria mais tarde um sermão a respeito disto.

-Mas agora vamos, vamos entrar! – exclamou finalmente Camila, cortando por vez a conversa desagradável.

-Sim, vamos! Estou ansiosa para falar sobre o casamento vindouro! – disse Joana, já esquecida do caso.

As quatro entraram e foram para a já conhecida sala de visitas, que desta vez estava sem o tapete. Conversaram sobre vários detalhes do casamento, mas ao contrário de Pedro Soares e José, falaram de coisas mais supérfluas, fúteis, pueris, como se diriam, “coisas de mulher”.

-Marialva escolheu um vestido lindo para a cerimônia! – disse Camila entusiasticamente.

-É mesmo? Como ele é, querida? – indagou Urraca à sobrinha.

-É azul, com detalhes em vermelho, branco e dourado – limitou-se a dizer a jovem.

-É amplo, tem uma cauda belíssima, com galões bem trabalhados nas laterais! – começou Camila, querendo dar um bom remate à descrição da filha – E que detalhes, minha boa irmã, que detalhes! Lindíssimos! E o véu? É da melhor qualidade, de fios que vieram lá da longínqua Índia, terra das melhores sedas! Que lindo! É triplo, com uma grinalda vermelha, combinando com os detalhes do vestido! Lindo, minha querida!

Marialva já estava ficando enjoada da palavra “lindo” e seus derivados, quando a mãe acabou.

-Vais como uma rainha então! Mas quem é o felizardo que conseguiu a mão da moça? – indagou Joana

-É Pedro Soares.

-Não é aquele que dizem ter matado a esposa?

Ao ouvir isso, a noiva empalideceu, como se tivesse se apercebido novamente do seu destino. O efeito foi o de se acordar de um pesadelo, mas ao contrário: era como acordar para dentro de um depois de um sono tranqüilo.

-É mentira, Joaninha! Acreditas nestes boatos que a gentalha espalha? – disse Camila, despreocupada e quase lépida.

-Bem, nunca se sabe... – Joana fazia parte da “gentalha” que ajudava a espalhar boatos.

-Nada! Marialva também teve medo de que fosse verdade, mas é como meu José diz: boatos e fofocas são coisa de quem não tem como preencher o tempo! Deixem o rumor de canto, que digo-lhes a impressão que que tive dele. Não me parecia nada com um assassino. É educado, bem apessoado, garboso, expressa-se muito bem... é um perfeito cavalheiro! E também o noivo perfeito! Tenho certeza de que a Marialva será muito feliz ao lado dele!

-Bem, Camila, se tu assim o dizes, então acreditamos nós. Afinal, já soube até que falam coisas absurdas – imagine!, ao meu respeito! Eu, uma mulher idônea e inócua! Essa gente fala mal de todos, até dos mais probos! – disse Urraca.

-É sim, Urraca! Não têm mais o que fazer! Não deve-se acreditar em nada que diga alguém sobre outrem! Só deve-se crer se vier da própria boca da pessoa, ou de alguém muito próximo.

Assim continuaram a palrar a mulheres, por muito tempo. Marialva já não agüentava mais ter que receber visitas que falavam sobre seu casamento, e ainda por cima com visitas que falavam sobre seu casamento, e somente sobre ele. Haviam sido apenas duas, mas em três dias, e era para ela um martírio tão grande ouvir o dia inteiro falar sobre seu casamento, e ainda por cima com visitas tão fúteis ou retrógradas, como suas tias ou seu noivo, que pareciam durar a eternidade. Contava os minutos para que o tempo passasse mais rápido, mas isto só fazia o tempo ficar mais lento, arrastar-se como uma cobra em solo pegajoso. Em sua mente sempre vinha uma frase, como se fosse o estribilho da sinfonia tenebrosa de seu desespero contínuo: “Que farei eu?”.

-Que semblante descaído, minha querida! Que cara de enfado! – disse Joana, trazendo a donzela de volta à realidade, pois nem escutando a conversa da mãe e das tias ela estava. Não estava nem na sala. Estava na terra da dor, do alto da tristeza e do desespero.

-Hã? Ah não, minha tia, é só uma pequena distração.

-Hoje vai ter uma festa muito bonita na igreja! Com uma missa muito bela de se escutar. – acudiu Camila

-É mesmo! Irá ter festividade!! Vamos – disse Urraca, animadíssima. Ir à igreja era uma de suas distrações preferidas. Não por religiosidade, mas por sair, por expairar, por ter o que fazer fora de casa. Ainda mais em dia de festa, quando tudo era tão animado.

As quatro desceram e chamaram Brígida e Clementina, as criadas pessoais. Saíram lépidas e faceiras, falando sobre suas próprias vidas como se não fossem suas.

-Como anda seu esposo, Urraca? – indagou Camila

-Ah, anda bem. O pobre anda atormentando-se com os homens que lhe compram mercadorias! Vivem querendo barganhar, pedindo fiado, reclamando! Chega ele em casa tão cabisbaixo que dá até dó...acaba às vezes descarregando em mim, mas que fazer? Apesar de aborrecer-me com ele, perdôo: sei que ele arrepende-se depois. E não há como consolá-lo. Portanto, tolero-o.

-Sinto por ele. Tomara que melhore em suas relações com os fregueses. – disse Camila

-O meu anda mais assossegado. É pacífico, calmo. Mas não gosta que eu saia sem ele, ou vista certos tipos de vestido que ele não aprova. Se eu transigir alguma regra doméstica que ele impõe, ai de mim! Levo cada sermão! Mas nunca fez-me nada de errado, nem nunca me bateu. Eu não o desacato e faço o que sei que ele não implica. Por isso temos muita paz lá em casa.

-Ouve isto, Marialva? É assim que tens que agir para dar-se bem com teu marido. Se fores assim, tudo irá bem. Eu e o meu esposo nunca sequer brigamos. Sempre faço o que ele acha melhor. Nunca contesto, afinal, ele sabe bem como cuidar de mim. – disse Camila, triunfantemente, como se fosse a mais ideal das esposas, pelo menos das esposas ali presentes.

A moça observava tristemente suas parentes agirem sempre conforme a sociedade lhes impunha. Esta mesma que as marginalizava e lhes colocava numa posição de quase objetos de troca num contrato nupcial.

Chegaram à igreja. Estava apinhada de gente, uma festança que só.

-Olhe! Vai ter até mistério!! – disse Joana empolgada. Mistério é um teatro com temas geralmente religiosos, apresentado de uma maneira cômica. Joana apontou para um palanque improvisado que havia perto da igreja.

-Ai, que ótimo! Não vejo um mistério há tanto tempo! – disse Urraca – E vós? – dirigiu-se então para a irmã e a filha desta.

-Ah, não vemos mistérios já faz algum tempo também! – respondeu a mãe.
Marialva ficou aliviada. Pelo menos agora poderia distrair-se com a cena, sem ouvir as tias e a mãe falarem, pois pareciam ter se esquecido como se fala de outro assunto que não seja seu consórcio.

-Já vai começar! Aproximemo-nos! – disse Urraca.

As quatro arranjaram posições onde pudessem ver bem o que se passava. Estavam não muito próximas do púlpito, mas também não muito distantes.

O mistério começou. Os atores entraram e começaram a encenar a peça. Marialva olhou para um deles. Achou engraçado: ela olhava para ele com olhos diferentes, achava-o mais bonito que os outros....reparava nele com olhos de...mas – Não! Não poderia. Não deixaria-se levar. No momento, ela estava tão fraca emocionalmente, e tão carente, que seria fácil para ela se apaixonar e se deixar levar por esta paixão. Mas não deveria! Se seus pais descobrissem, se seu noivo descobrisse! Estaria perdida! Pensou ela que tudo isso em segundos, sem ao menos saber se estava ou não apaixonada de verdade. O detalhe é que ela já havia ouvido falar de amor à 1ª vista, que não é realizado. Mas ela não estava se apaixonando. Não, não podia estar se apaixonando. Não! Se ela se apaixonasse, qual seria a diferença? Iria iludir-se; iria casar-se, se conseguisse livrar-se do atual noivo; iria ser escrava dele, assim como seria de Pedro se casasse com ele; iria ser infeliz ao lado de qualquer homem, pois todos eram mandões; não adiantaria se iludir; todos eram da mesma casta, portanto todos eram ruins. Seriam? Por que não tentar ser feliz? Afinal, se iria ser infeliz ao lado de Pedro com certeza, se fosse infeliz ao lado de outro, ao menos teria ela escolhido . E teria chances, mínimas ao menos, de ele ser diferente e tratá-la bem. Mas valeria mesmo à pena? E por que imaginar tantas coisas, se ela nem sabia se estava realmente apaixonada ou não?!

-Que está achando da peça? – lhe indagou Joana

-Hã? Ah, minha tia, estava eu tão distraída que nem percebi o enredo da peça...

-Olhe as divagações, Marialva! Já estás ficando mulher! Logo casarás; não podes mais desconcentrar-te tão facilmente das coisas! – ralhou Camila.

-Desculpe, minha mãe! Estou um pouco estranha...

O mistério prosseguiu e Marialva evitava olhar para o palco, senão a pequena semente da paixão poderia aflorar e tornar-se irremediavelmente forte. Como poderia ela apaixonar-se à primeira vista? Não sabia nada de sua personalidade! Olhou involuntariamente ao palco. Ele era bonito... da idade dela, presumia. Mas não poderia deixar-se levar! Não! Teria de lutar contra isso!

A cena foi rápida. Pelo menos para Marialva, que não viu o tempo passar. Não sabia o que havia ocorrido. Nem história, nem atores, nem enredo, nem nada. Apenas reparou naquele que era, presumia, um indício de paixão para ela. Oh, vida! Por que justo agora veio-lhe um amor? Por que não em outra hora?! Mas, pensando bem, aquela era a chance de ela mudar de vida. Mas, como havia ela pensado antes, não valia à pena sonhar. A vida é sempre tão diferente dos sonhos, que a jovem nem devaneava mais. A ilusão logo era cortada pela realidade da vida, atraindo os sonhos de Marialva ao chão, como uma força magnética fortíssima. Pensava novamente se valia a pena ou não tentar outro destino, sendo que este poderia também ser ruim.

Ficou ali parada, pensando nestas coisas, enquanto as pessoas iam embora. Sua mãe e suas tias também foram embora, pois no meio da multidão de espectadores do teatro pensaram que a moça as havia seguido. Ficou ali parada. Deixou-se ficar. Sua mente ficara oca de uma hora para outra. Não sentia tristeza, nem alegria, nem pensava no futuro, nem no passado, nem no presente. Não queria saber de casamento. Nem de sofrimento por causa deste. Depois de dias de sofrimento contínuo, sua mente finalmente havia libertado-se.

Pouco a pouco, o local ficou completamente vazio. Todos foram à Igreja, para a missa. Menos Marialva. Ficou ali, pouco se importando com a missa, superficial, que ela não entendia e nunca entendera. De repente, ouve uma voz chamando-lhe à realidade. Seria sua consciência? Não, era voz real. E sua consciência com certeza não diria nada com voz de homem, nem uma frase tão estranha quanto esta:

-A senhorinha sente-se bem? Quer alguma ajuda?

A moça vira-se para trás, já espantada. Pensava estar sozinha. Surpresa! Era o ator da peça o qual ela havia admirado, já com roupas normais. Que estaria ele fazendo ali?

-Não precisa assustar-se, senhora! Apenas quero ajudá-la.

-Ah, desculpe-me se pareço assustada. Pensei estar sozinha. O senhor não vai à missa?

-Sim, eu estava indo à Igreja, porém vi a senhora parada, tão estática... pensei que estava a passar mal. Está bem?

-Sim, senhor; obrigada por preocupar-se comigo.

-Então, vamos à missa?

Marialva não queria ir. Estava farta de missa, de sociedade, de tudo. Só queria ficar ali fora e respirar o ar puro e livre que o local lhe oferecia. Mas se recusasse teria que explicar muita coisa, e ele era um desconhecido. Além do que, em sua sociedade tão dogmática e católica, nada era desculpa para faltar à uma missa. Então, ela resolveu aceitar.

-Sim, senhor. Eu o acompanharei.

Ambos foram para o prédio da igreja. A cerimônia já havia começado. Todos que estavam nos fundos olharam para os dois, desaprovando-os. Como se atrevem a chegar na Igreja com a missa começada? Por que atrasaram?

Os dois, óbvio, ficaram atrás, para não causarem mais distúrbio do que já haviam causado com sua repentina chegada.

Marialva não prestara a mínima atenção à missa. Apesar de nunca ter apreciado tal, ao menos tentava manter-se um pouco atenta ao que estava acontecendo. Mas desta vez ela esqueceu completamente de que uma missa estava sendo realizada. Esqueceu até mesmo que estava numa igreja. Esqueceu suas tias, sua mãe, esqueceu que era dia de festa e a igreja estava toda enfeitada por causa de tal, esqueceu tudo. Só não esqueceu que o rapaz estava ao seu lado. Mas que tédio! Ela já não agüentava mais!!

Logo já não poderia mais sufocar a paixão iminente. Apenas lembrava-se de fazer os gestos mecânicos da adoração da missa, e isso porque todos à sua volta os faziam ao mesmo tempo.

A missa passou como o mistério: desapercebida. Se lhe perguntassem o que se passou lá, não saberia dizer absolutamente nada, a não ser que havia um rapaz ao seu lado, o ator da peça. De resto, nada. Quando ela menos esperou, a missa acabou, e os festejos prosseguiram do lado de fora.
 
-Marialva! Marialva, onde estás? – ouviu-se uma voz um tanto desesperada. Finalmente veio-lhe à tona a lembrança da mãe e das tias.

-Estou aqui! – respondeu ela, num tom de voz alto.

-Ah, finalmente! Marialva, onde estavas?! – disse sua mãe.

-Eu...acabei ficando para trás, e... não me senti muito bem. Então este senhor aqui ajudou-me, e ficamos nós nos fundos da igreja, pois a missa já havia começado, e... não queríamos atrapalhar ninguém.

-Muito obrigada, senhor. Qual é a sua graça? – disse Urraca

-Emanuel, minha senhora.

-Oh, senhor Emanuel, agradeço-lhe muito por ter amparado minha filha! – Disse Camila – Ela não anda mesmo muito bem estes dias. O senhor não é aquele ator do mistério?

-Sim, senhora.

-Oh, como está diferente sem a fantasia! O senhor não quer acompanhar-nos para os folguedos?

-Com prazer, minha senhora.

E assim foram a mãe, as tias, Marialva e o rapaz para os outros festejos. Marialva teve medo de demonstrar que estava começando a gostar do rapaz. Se qualquer uma das parentas desconfiasse disso, estaria perdida.

A mãe e as tias logo se distraíram com as diversões, mas Marialva e o moço não. Ela estava indiferente, como esteve todo o dia.

-Por que a senhora mentiu? – indagou-lhe baixo Emanuel.

-Hã? Mentir, eu? – respondeu ela, surpresa.

-Sim, senhora, desculpe-me a acusação. Mas a senhora disse-me que não estava passando mal quando eu a chamei para a missa, e para suas parentes, disse o contrário. Não quero intrometer-me, mas por que a senhora mentiu?

-Oh... desculpe-me! Não quero ser tomada como mentirosa! Mas estou numa situação terrível, apesar de ser comum às moças. Não, o senhor não me entenderia. Todos acham este destino normal e certo. Eu pareço ser a única pessoa que vê as coisas assim. E eu não menti totalmente: sinto-me doente e mal, mas não fisicamente: espiritualmente. Não: meu espírito já está até mesmo morto.

-Mas o que aflige tanto assim sua alma, bela senhora?

-Se o senhor quiser mesmo escutar a história e não se importunar, pediria para que nos afastássemos da massa de gente e fôssemos para algum lugar mais retirado. Não quero que elas – e apontou discretamente para as acompanhantes – ouçam; apenas minha mãe sabe o que e porque isto me apoquenta. E mesmo se falarmos baixo, temo que elas ou terceiros escutem.

-Então vamos.

Ambos foram para uma região mais deserta, onde não havia ninguém para bisbilhotar. As acompanhantes de Marialva estavam tão entretidas que nem perceberam sua saída. A moça sentou-se tristemente sobre uma rocha arredondada que havia no local.

-Bem, é provável que pareça estranho eu contra algo tão particular para um estranho como o senhor, mas já cansei-me de ser hipócrita e não demonstrar o que sinto afinal, e não tenho motivo para não contar ao senhor estas coisas, já que o senhor nem me conhece. O motivo de minha desgraça é meu casamento iminente.

-Mas todas as donzelas casam-se. Ou quase todas. Quer a senhora tornar-se religiosa?

-Não, senhor Emanuel, este não é o caso – e ia ela começar uma explicação detalhada, quando o homem a interrompeu.

-Então, senhora, qual o motivo do seu desgosto? Todas casam, isto não é nenhuma raridade. O que há, afinal, de tão mal num casamento?

Marialva ficou com raiva. Por que ele menosprezava sua condição mesmo sem saber direito como ela era? Ah, os homens eram todos iguais! Lá estava ele a agir como todos os outros! Não, não deveria ela iludir-se com ele! Nem com qualquer outro homem, pois todos considerariam-na um lixo, afinal!


(tá, ficou brusco esse corte na história, mas é o que eu tenhu digitado)
 

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