Salamanca
=]
[Ristow] [Naquela Noite]
Bom, vou colocar aqui o comecinho de um conto que estou fazendo... Tá longe de ser um livro, nem sonha de ser tão grande quanto, mas ainda falta um bocado.
Já me disseram que o começo tá massante e desinteressante, mas acho que o estilo é assim mesmo. Além do mais, é só o começo. A linguagem muda um pouco depois (aqui, no caso, lá pro final do post).
De qualquer jeito, quero ouvir outras opiniões. O título é provisório.
Ps.: A história não se passa na Terra, nem é um conto alienígena. É um mundo fictício, então não estranhem se acharem coisas que não deveriam existir em certos anos...
******************************
Naquela Noite
Não era de costume que a pequena cidade - na verdade uma vila situada no alto de uma colina - escurecesse cedo, mesmo no inverno. Porém, naquela noite, um vento vindo do oeste trouxera para sobre o lugar nuvens carregadas. Cobriram todo o Sol em questão de minutos, para a surpresa dos moradores.
A cidade não tinha nome. Os que ali moravam desconheciam a razão, mas dizia a lenda que não há muitas gerações atrás, um grupo de refugiados havia escapado de um ataque de uma gangue nativa, alegando que a área da qual o grupo fazia parte pertencia a eles. Apesar disso, os estrangeiros recusaram-se a levar uma vida nômade novamente; pois já haviam percorrido um longo percurso, e nele perdido muitas vidas, até chegar àquele local que aparentava perfeito para instalarem suas humildes casas. De modo que os nativos reuniram um exército e atacaram a aldeia - um exagero, talvez, levando em conta que aquelas pobres pessoas nada haviam para se defender, além de não serem tão numerosas.
Mas os atacantes não tiveram piedades, e mais da metade dos estrangeiros foram mortos, sobrando apenas um grupo muito pequeno. Não tendo outra saída, esse pequeno povo mais uma vez percorreu pradarias e matagais, florestas e pântanos, rios e vales, até encontrarem a colina.
Pensaram muito antes de optarem por morar ali, mas chegaram à conclusão que o lugar era demasiado isolado, e que ninguém se preocuparia em tirá-los de lá.
E foi então nessa colina que o grupo de refugiados permaneceu, cresceu e evoluiu. Não deram nome ao lugar porque acharam que sendo uma cidade desconhecida, não chegaria aos nativos (caso alguns deles se importassem) a notícia de que estrangeiros estavam morando em seu território.
Lenda ou não, a população da cidade sem nome, por serem muito supersticiosos, optaram por continuar assim.
Mas foi naquela noite que chegara mais cedo, que uma horrível chacina iria quebrar a rotina tranqüila e pacífica da vila.
30 de janeiro de 1865, 18:30h
Sentados à mesa de madeira estavam a mãe e a filha. Iriam jantar naquela hora, pois já era tarde (pelo menos dava a impressão) e sentiam muita fome. A mãe chegara a um acordo que não iria esperar o marido porque estava demorando muito - o que não era motivo pra preocupação, porque atrasos como este aconteciam freqüentemente.
A comida não estava muito diferente do dia-a-dia, apesar de que um prato de legumes não era algo que se via sempre. Provavelmente sobrará o suficiente para ele comer e se satisfazer, pensou ela; e então encheu o prato de comida e deliciou-se com o banquete.
O problema é que minutos depois, as nuvens começaram a descarregar sua densidade, e um ataque repentino de chuva grossa caiu sobre a cidade. A comida não estava mais deliciosa como quando começaram a jantar, pois uma onda de preocupação encobriu todos os sentidos das duas jovens capazes de provocar uma sensação agradável.
O homem trabalhava longe, muito além do lado oposto do vale situado na encosta leste da colina. Queriam construir uma espécie de máquina moderna eficiente com o intuito de servir como armadilha para os búfalos. Por morarem num lugar isolado, se alimentavam principalmente de animais que andam em bando, especialmente desses mamíferos propriamente ditos. Como estes passavam a maior parte do tempo pastando no campo aberto depois do vale, era comum que homens constantemente fossem enviados para assassinar, pelo menos seis dos animais, para que a carne fosse distribuída igualmente para os moradores. Em vista que as armas usadas seriam consideradas precárias comparadas às dos nativos (pois diziam que quando eles massacraram os estrangeiros, tinham posse de instrumentos que matavam a longa distância, com apenas um movimento do dedo), muitas vezes o caçador acaba se tornando vítima dos búfalos.
Não queriam perder mais homens, de modo que fizeram planos para construir uma armadilha capaz da capturar um búfalo sozinha, sem nenhum manuseamento humano. Desprovidos de alta tecnologia, era necessário para a construção trabalho braçal, e os homens mais fortes da cidade foram convocados para ir até o campo, todos os dias. E um desses homens era o marido da bela senhora que agora olhava pela janela, preocupada em onde estaria ele.
Não tinham relógios, e a tempestade só servia para desordenar, já que a luz era o único “instrumento” usado para adivinhar o horário. Então a mulher não soube quanto tempo ficou apoiada no parapeito da janela, aflita, esperando não só o retorno do marido, mas como também todos os outros homens, que eram muito amigos seus; mas pareciam horas, muitas horas. Parecia que o tempo havia parado.
À essa altura a menina já tinha se deitado: achou que seria menos angustiante não sentir o tempo passar; isto é, se ela conseguisse dormir. Mas, finalmente, na encosta da colina, borradas pela neblina intensa e a chuva grossa, as sombras dos trabalhadores apareceram. E seu marido estava entre eles, que rapidamente correu em direção a sua casa. A mulher abraçou-o e disse o quão desesperada havia ficado nas últimas horas, e o homem lhe explicou que devido a tempestade, tiveram que se abrigar debaixo de um arvoredo, enquanto ao mesmo tempo tinham que proteger a máquina da força do vento, até que conseguiram deixa-la segura e puderam voltar para a cidade.
30 de janeiro de 1865, 17:58h
A construção da máquina consistia em fazer um enorme buraco no chão, cobri-lo com uma rede de tecido forte e camuflar essa coberta com terra e folhagens. Sobre essa armadilha estariam belos pastos para chamar a atenção dos búfalos, e assim que estes pisassem no chão falso, cairiam num buraco suficientemente profundo para ficarem presos, até que algum homem chegasse para mata-los e leva-los para a cidade.
Ainda estava em fase de escavação, porque embora a construção já tivesse começado há mais de 15 dias, várias vezes se depararam com um solo duro, uma rocha gigante ou qualquer outra coisa que os impedisse de continuar o trabalho; e sempre que isso acontecia, os homens tinham que ir para uma outra área próxima e refazer o que já deveria estar feito.
Mas naquela noite tudo ia bem, e finalmente pareciam ter encontrado o local perfeito. Estava quase pronto, o buraco já tinha cerca de 5 metros de profundidade, até que encontraram uma coisa. Não era um solo, tampouco uma rocha. Estava longe de ser algo que impedisse uma escavação, mas certamente atraiu a atenção de todos que ali estavam, cerca de 10 homens. Eles acharam, em meio a terra enegrecida pelo tempo, uma placa de metal estranhamente lisa. Um desenho de uma roseira repleta de espinhos estava esculpido num dos lados, e na lateral havia o que parecia ser uma fechadura.
Já estava escurecendo, de modo que os lampiões que haviam trazido foram acesos. O trabalho foi interrompido pela curiosidade do que seria o objeto achado, e não precisaram trocar palavras para concordarem que aquela placa deveria ser aberta no exato instante.
Embora o objeto provavelmente estivera debaixo da Terra por muitos anos, a tranca ainda estava bem forte. Nenhuma faca que possuíam, nem mesmo as de gumes mais agudos e lâmina forte, conseguiu arrebentar o cadeado dourado que pendia da fechadura. Tiveram a idéia de dar pancadas na placa com uma enorme pedra pesada, e depois de muitas batidas, o cadeado vacilou.
Não se preocuparam em quebrar seja lá o que estivesse ali dentro, pois balançaram antes e perceberam que não era quebrável. Na verdade, tinham certeza que não passava de uma folha, ou algo parecido. E estavam certos, mas o que tinha lá dentro era uma carta. Não estava amassada, nem amarelada; estava branca como a neve, estranhamente nova. Nova demais . Havia um pequeno poema escrito nela, com uma tinta preta forte como se tivesse sido escrito no máximo há alguns minutos atrás. Podiam até sentir o cheiro de tinta fresca.
Quem segurava a carta era o marido da bela jovem que em sua casa preparava a janta, enquanto sua filha, sentada já à mesa, cantarolava canções que havia aprendido na escola.
A inscrição estava escrita na língua deles e, em voz alta, o homem leu:
"Poderás ouvir Suas palavras
que há eras são pronunciadas, mas não por Ele
seja o fantoche de sua alma, cuja figura é soberana
cuja vontade é feita por intervenção de seus escravos
Minha alma agora Lhe pertence
e na paz há de ficar
não eterna, pois ela há de se ressurgir
quando Suas palavras tu pronunciar"
Ficaram parados por alguns segundos, em silêncio total, até que uma chuva grossa caiu repentinamente sobre eles, acompanhada de rajadas de vento penetrantes. Todos os lampiões foram apagados, e se viram numa escuridão intensa e sombria. Enquanto isso, na cidade sem nome, uma mulher estava parada na janela de sua casa enquanto o vento ondulava seus longos cabelos negros.
15 de dezembro de 1550, 20:40h
Em seu quarto situado no segundo andar, cobrindo as lágrimas que rolavam sobre sua face com um travesseiro de pluma, uma adolescente amaldiçoava com todos os palavrões que conhecia a vida e sua família. Às vezes se sentia assim, em circunstância dos problemas diários e, principalmente, da sociedade, o que a obrigava a passar a maior parte do tempo isolada, e seus pais não lhe davam atenção (o que aumentava consideravelmente sua revolta); provavelmente sequer sabiam do estado da filha. Invejava o humor das colegas de classe; não suas vidas, pois considerava-as medíocres, mas o fato de viverem de bem com o ambiente, sem problemas de comunicação ou preconceito. Algumas vezes constatavam que poderiam largar aquela cidade e morar no exterior, onde poderiam ser ricas e famosas e que isso já bastaria. Mas Marta sabia que não era verdade.
Era inegável dizer que aquela casa de humilde não tinha nada. Tinha três andares, as maçanetas e muitos dos ornamentos eram de ouro. Pássaros empalhados empoleiravam em eixos elegantes presos à parede revestida de um tecido bege, da melhor qualidade.
No escritório do terceiro andar estava Hugo, homem sempre ocupado com o trabalho e geralmente estressado demais para ter um diálogo formal. Tinha os cabelos e olhos claros, mais para castanhos; os óculos dourados sempre pendiam sobre o longo nariz, alvo de piadas de mal gosto que só serviam para deixar seu humor pior do que já era.
E, lá embaixo, na sala de estar cuja mesa era longa (embora a família fosse de apenas três pessoas) e de vidro, Elisabeth ajudava a empregada preparar a mesa para a janta, como sempre fora. Também era uma pessoa facilmente irritável, e sua beleza não era invejada por nenhuma outra mulher da cidade.
Marta, a adolescente, foi a primeira a descer as escadas após o chamado da mãe. Colocou os óculos escuros e deixou o cabelo despenteado, do jeito que estava. Já Hugo ignorou a mulher e continuou seus afazeres desinteressantes.
- Segure o choro até seu pai se levantar da mesa - disse Elisabeth, quando a filha mal havia entrado na sala. - Ele não suporta suas rebeldias, assim como eu.
- Pois eu não suporto vocês - retrucou Marta.
Bom, vou colocar aqui o comecinho de um conto que estou fazendo... Tá longe de ser um livro, nem sonha de ser tão grande quanto, mas ainda falta um bocado.

De qualquer jeito, quero ouvir outras opiniões. O título é provisório.
Ps.: A história não se passa na Terra, nem é um conto alienígena. É um mundo fictício, então não estranhem se acharem coisas que não deveriam existir em certos anos...
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Naquela Noite
Não era de costume que a pequena cidade - na verdade uma vila situada no alto de uma colina - escurecesse cedo, mesmo no inverno. Porém, naquela noite, um vento vindo do oeste trouxera para sobre o lugar nuvens carregadas. Cobriram todo o Sol em questão de minutos, para a surpresa dos moradores.
A cidade não tinha nome. Os que ali moravam desconheciam a razão, mas dizia a lenda que não há muitas gerações atrás, um grupo de refugiados havia escapado de um ataque de uma gangue nativa, alegando que a área da qual o grupo fazia parte pertencia a eles. Apesar disso, os estrangeiros recusaram-se a levar uma vida nômade novamente; pois já haviam percorrido um longo percurso, e nele perdido muitas vidas, até chegar àquele local que aparentava perfeito para instalarem suas humildes casas. De modo que os nativos reuniram um exército e atacaram a aldeia - um exagero, talvez, levando em conta que aquelas pobres pessoas nada haviam para se defender, além de não serem tão numerosas.
Mas os atacantes não tiveram piedades, e mais da metade dos estrangeiros foram mortos, sobrando apenas um grupo muito pequeno. Não tendo outra saída, esse pequeno povo mais uma vez percorreu pradarias e matagais, florestas e pântanos, rios e vales, até encontrarem a colina.
Pensaram muito antes de optarem por morar ali, mas chegaram à conclusão que o lugar era demasiado isolado, e que ninguém se preocuparia em tirá-los de lá.
E foi então nessa colina que o grupo de refugiados permaneceu, cresceu e evoluiu. Não deram nome ao lugar porque acharam que sendo uma cidade desconhecida, não chegaria aos nativos (caso alguns deles se importassem) a notícia de que estrangeiros estavam morando em seu território.
Lenda ou não, a população da cidade sem nome, por serem muito supersticiosos, optaram por continuar assim.
Mas foi naquela noite que chegara mais cedo, que uma horrível chacina iria quebrar a rotina tranqüila e pacífica da vila.
30 de janeiro de 1865, 18:30h
Sentados à mesa de madeira estavam a mãe e a filha. Iriam jantar naquela hora, pois já era tarde (pelo menos dava a impressão) e sentiam muita fome. A mãe chegara a um acordo que não iria esperar o marido porque estava demorando muito - o que não era motivo pra preocupação, porque atrasos como este aconteciam freqüentemente.
A comida não estava muito diferente do dia-a-dia, apesar de que um prato de legumes não era algo que se via sempre. Provavelmente sobrará o suficiente para ele comer e se satisfazer, pensou ela; e então encheu o prato de comida e deliciou-se com o banquete.
O problema é que minutos depois, as nuvens começaram a descarregar sua densidade, e um ataque repentino de chuva grossa caiu sobre a cidade. A comida não estava mais deliciosa como quando começaram a jantar, pois uma onda de preocupação encobriu todos os sentidos das duas jovens capazes de provocar uma sensação agradável.
O homem trabalhava longe, muito além do lado oposto do vale situado na encosta leste da colina. Queriam construir uma espécie de máquina moderna eficiente com o intuito de servir como armadilha para os búfalos. Por morarem num lugar isolado, se alimentavam principalmente de animais que andam em bando, especialmente desses mamíferos propriamente ditos. Como estes passavam a maior parte do tempo pastando no campo aberto depois do vale, era comum que homens constantemente fossem enviados para assassinar, pelo menos seis dos animais, para que a carne fosse distribuída igualmente para os moradores. Em vista que as armas usadas seriam consideradas precárias comparadas às dos nativos (pois diziam que quando eles massacraram os estrangeiros, tinham posse de instrumentos que matavam a longa distância, com apenas um movimento do dedo), muitas vezes o caçador acaba se tornando vítima dos búfalos.
Não queriam perder mais homens, de modo que fizeram planos para construir uma armadilha capaz da capturar um búfalo sozinha, sem nenhum manuseamento humano. Desprovidos de alta tecnologia, era necessário para a construção trabalho braçal, e os homens mais fortes da cidade foram convocados para ir até o campo, todos os dias. E um desses homens era o marido da bela senhora que agora olhava pela janela, preocupada em onde estaria ele.
Não tinham relógios, e a tempestade só servia para desordenar, já que a luz era o único “instrumento” usado para adivinhar o horário. Então a mulher não soube quanto tempo ficou apoiada no parapeito da janela, aflita, esperando não só o retorno do marido, mas como também todos os outros homens, que eram muito amigos seus; mas pareciam horas, muitas horas. Parecia que o tempo havia parado.
À essa altura a menina já tinha se deitado: achou que seria menos angustiante não sentir o tempo passar; isto é, se ela conseguisse dormir. Mas, finalmente, na encosta da colina, borradas pela neblina intensa e a chuva grossa, as sombras dos trabalhadores apareceram. E seu marido estava entre eles, que rapidamente correu em direção a sua casa. A mulher abraçou-o e disse o quão desesperada havia ficado nas últimas horas, e o homem lhe explicou que devido a tempestade, tiveram que se abrigar debaixo de um arvoredo, enquanto ao mesmo tempo tinham que proteger a máquina da força do vento, até que conseguiram deixa-la segura e puderam voltar para a cidade.
30 de janeiro de 1865, 17:58h
A construção da máquina consistia em fazer um enorme buraco no chão, cobri-lo com uma rede de tecido forte e camuflar essa coberta com terra e folhagens. Sobre essa armadilha estariam belos pastos para chamar a atenção dos búfalos, e assim que estes pisassem no chão falso, cairiam num buraco suficientemente profundo para ficarem presos, até que algum homem chegasse para mata-los e leva-los para a cidade.
Ainda estava em fase de escavação, porque embora a construção já tivesse começado há mais de 15 dias, várias vezes se depararam com um solo duro, uma rocha gigante ou qualquer outra coisa que os impedisse de continuar o trabalho; e sempre que isso acontecia, os homens tinham que ir para uma outra área próxima e refazer o que já deveria estar feito.
Mas naquela noite tudo ia bem, e finalmente pareciam ter encontrado o local perfeito. Estava quase pronto, o buraco já tinha cerca de 5 metros de profundidade, até que encontraram uma coisa. Não era um solo, tampouco uma rocha. Estava longe de ser algo que impedisse uma escavação, mas certamente atraiu a atenção de todos que ali estavam, cerca de 10 homens. Eles acharam, em meio a terra enegrecida pelo tempo, uma placa de metal estranhamente lisa. Um desenho de uma roseira repleta de espinhos estava esculpido num dos lados, e na lateral havia o que parecia ser uma fechadura.
Já estava escurecendo, de modo que os lampiões que haviam trazido foram acesos. O trabalho foi interrompido pela curiosidade do que seria o objeto achado, e não precisaram trocar palavras para concordarem que aquela placa deveria ser aberta no exato instante.
Embora o objeto provavelmente estivera debaixo da Terra por muitos anos, a tranca ainda estava bem forte. Nenhuma faca que possuíam, nem mesmo as de gumes mais agudos e lâmina forte, conseguiu arrebentar o cadeado dourado que pendia da fechadura. Tiveram a idéia de dar pancadas na placa com uma enorme pedra pesada, e depois de muitas batidas, o cadeado vacilou.
Não se preocuparam em quebrar seja lá o que estivesse ali dentro, pois balançaram antes e perceberam que não era quebrável. Na verdade, tinham certeza que não passava de uma folha, ou algo parecido. E estavam certos, mas o que tinha lá dentro era uma carta. Não estava amassada, nem amarelada; estava branca como a neve, estranhamente nova. Nova demais . Havia um pequeno poema escrito nela, com uma tinta preta forte como se tivesse sido escrito no máximo há alguns minutos atrás. Podiam até sentir o cheiro de tinta fresca.
Quem segurava a carta era o marido da bela jovem que em sua casa preparava a janta, enquanto sua filha, sentada já à mesa, cantarolava canções que havia aprendido na escola.
A inscrição estava escrita na língua deles e, em voz alta, o homem leu:
"Poderás ouvir Suas palavras
que há eras são pronunciadas, mas não por Ele
seja o fantoche de sua alma, cuja figura é soberana
cuja vontade é feita por intervenção de seus escravos
Minha alma agora Lhe pertence
e na paz há de ficar
não eterna, pois ela há de se ressurgir
quando Suas palavras tu pronunciar"
Ficaram parados por alguns segundos, em silêncio total, até que uma chuva grossa caiu repentinamente sobre eles, acompanhada de rajadas de vento penetrantes. Todos os lampiões foram apagados, e se viram numa escuridão intensa e sombria. Enquanto isso, na cidade sem nome, uma mulher estava parada na janela de sua casa enquanto o vento ondulava seus longos cabelos negros.
15 de dezembro de 1550, 20:40h
Em seu quarto situado no segundo andar, cobrindo as lágrimas que rolavam sobre sua face com um travesseiro de pluma, uma adolescente amaldiçoava com todos os palavrões que conhecia a vida e sua família. Às vezes se sentia assim, em circunstância dos problemas diários e, principalmente, da sociedade, o que a obrigava a passar a maior parte do tempo isolada, e seus pais não lhe davam atenção (o que aumentava consideravelmente sua revolta); provavelmente sequer sabiam do estado da filha. Invejava o humor das colegas de classe; não suas vidas, pois considerava-as medíocres, mas o fato de viverem de bem com o ambiente, sem problemas de comunicação ou preconceito. Algumas vezes constatavam que poderiam largar aquela cidade e morar no exterior, onde poderiam ser ricas e famosas e que isso já bastaria. Mas Marta sabia que não era verdade.
Era inegável dizer que aquela casa de humilde não tinha nada. Tinha três andares, as maçanetas e muitos dos ornamentos eram de ouro. Pássaros empalhados empoleiravam em eixos elegantes presos à parede revestida de um tecido bege, da melhor qualidade.
No escritório do terceiro andar estava Hugo, homem sempre ocupado com o trabalho e geralmente estressado demais para ter um diálogo formal. Tinha os cabelos e olhos claros, mais para castanhos; os óculos dourados sempre pendiam sobre o longo nariz, alvo de piadas de mal gosto que só serviam para deixar seu humor pior do que já era.
E, lá embaixo, na sala de estar cuja mesa era longa (embora a família fosse de apenas três pessoas) e de vidro, Elisabeth ajudava a empregada preparar a mesa para a janta, como sempre fora. Também era uma pessoa facilmente irritável, e sua beleza não era invejada por nenhuma outra mulher da cidade.
Marta, a adolescente, foi a primeira a descer as escadas após o chamado da mãe. Colocou os óculos escuros e deixou o cabelo despenteado, do jeito que estava. Já Hugo ignorou a mulher e continuou seus afazeres desinteressantes.
- Segure o choro até seu pai se levantar da mesa - disse Elisabeth, quando a filha mal havia entrado na sala. - Ele não suporta suas rebeldias, assim como eu.
- Pois eu não suporto vocês - retrucou Marta.