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[L] [Miyoru][Próxima Parada]

Ray

Lockheart
[Miyoru][Próxima Parada]

Anh...aqui está, meu primeiro conto. Não me batam :mrpurple: E sejam bonzinhos, por favor.

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Ela mexia sem parar, de maneira absurdamente irritante, numa cruz pendurada em seu pescoço. O olhar escuro, e a cruz prateada, invertida, faziam da obra um conjunto comum e pouco original.

Mas sem se dar conta, ele imaginava. Josh imaginava coisas sobe aquela garota, sentada dois bancos á frente dele, no ônibus. Ela parecia normal -tão normal como qualquer gótica-metaleira-das trevas pode parecer- vestida de preto , com uma farta cabeleira castanha embaraçada. E as divagações tinham sido interrompidas por alguns momentos em que ele se embalara em observá-la, tentando identificar o que o atraía nela em especial. Não era bonita, não muito. Jovem. Com um aspecto alienado e severo. Definitivamente, não fora tomado de um desejo irrefreável pela menina. Por que então continuava a observá-la, cada esparso movimento? O último fora um leve mexer na gola negra da blusa de lã.

Essa garota parecia aquele tipo vulgar de anticristo, com sua cruz ao contrário e seu ankh. Será que ela sabia o que ele era, o que significava?Que era o símbolo egípcio que significava a passagem da vida pra morte?Não.Provavelmente só o usava para ser "do mal".
Vestindo preto nesse calor?A pobre garota devia estar derretendo e suando, talvez até ficasse doente, pobre menina!E porque não arrumava os cabelos?Se o fizesse ficaria até bonitinha...Passável. E claro, talvez tudo melhorasse se ela sorrisse um pouco. Ou teria um defeito nos dentes que, quando sorria, a fazia parecer uma égua?

O homem de meia idade franziu o cenho, concentrando-se num pensamento absurdo, que se tornava mais palpável e lúcido a cada momento. E se ele lhe falasse?Digo, ela não tentaria bater nele, nem chutá-lo com seus pesados coturnos ou algo assim só porque ele decidira dizer "Oi".Talvez lhe lançasse um olhar de desprezo, ou palavras duras, mas nada que ele não pudesse simplesmente apagar da memória.
Quem sabe ela poderia sorrir-lhe?E a moça diria que desceria no mesmo ponto que ele, que exclamaria "Que coincidência!Eu também!" e ririam juntos, começando uma longa conversa sobre a moda brega dos anos 80, estendedo-se até literatura neopoética. Então andariam até uma pequena lanchonete duas quadras pra cima, onde se come um croissant delicioso e imenso, mas você nem pensaria em pedir chá, porque tem gosto de coador de café sujo. Ela lhe daria o som suave um riso cristalino quando ele lhe contasse isso, que compensaria o defeito nos dentes. Ela lhe contaria que sua mãe era fã incondicional de música pop e sertaneja, uma paixão verdadeira e -na opinião dela- repulsiva que frustraria a filha eternamente, fazendo-a procurar o Heavy Metal como forma de contestação e desafio á autoridade materna, o que gerara um abismo intraspassável por ambos os lados, ocasionando sua saída de casa. Agora ela vivia com um casal de amigos ninfomaníaco e neo-nazista, mas que não lhe cobrava nada por morar com eles e davam belos jantares. Ela faria duas faculdades juntas: psicologia e publicidade, mas isso não deixara muito tempo pra relacionamentos, apenas dava uns malhos nos colegas. Mas ela sempre preferira homens mais velhos.

E ao terminar essa confissão ela tentaria colocar uma mecha dos cabelos embaraçados para trás enquanto colocava o licor de cereja na mesa da lanchonete. Depois do silêncio perturbador ela riria, e comentaria, com certa inveja, que a atividade sexual dos parceiros de apartamento era o bastante pelos três. Eu sorriria, e fingiria um ar espantado "Oh, já são oito horas!Perdoe-me por tomar seu tempo por tanto, não gostaria de jantar comigo, para me detestar menos?" e ela , com uma sobrancelha levantada, aceitaria. Essa noite acabaria entre os lençóis do quarto dele, naturalmente.

Três semanas depois ela passaria mais tempo na casa dele do que em seu apartamento, e teria decidido trancar a faculdade de publicidade. Eles já não se gostariam tanto como no começo, em que tinham estado romanticamente enlouquecidos pela união imediata de suas vidas, mas se suportariam pela comodidade da situação.Ele teria descoberto, nesse meio tempo, que a garota tinha certos hábitos masoquistas, mas ignoraria isso cavalheirescamente. O que sempre a deixaria terrivelmente irritada, a ponto de ir dormir na sala. Então ele suspiraria feliz por uma boa noite de sono e dormiria tranqüilo até a manhã seguinte, ao que acordaria com um deprimente som que mais parecia o grito de morte de um homem, e ao se arrastar pra fora do quarto, ainda segurando uma das cobertas, veria a cena não-inédita de sua namorada dançando de calcinha rosa, blusa e botas de couro preto pela sala-cozinha, e berrando esquizofrenicamente junto com o som.
Ele lhe diria asperamente que tinham que sair, pra escola e trabalho. Ela olharia pra ele carrancuda, e desligaria o som, indo se trocar com passos firmes que quase quebrariam o salto 15 de sua bota. E ele se sentiria mesquinhamente satisfeito o feliz dia em que ela enterrasse um dos
malditos saltos num dos vãos do piso de madeira e torcesse o tornozelo. Bem feito!

Ambos de ônibus, ela desceria alguns pontos antes, dizendo que teria que encontrar uma amiga. Andaria mais três quadras, de maneira furtiva e olhando para trás de quando em quando. Na realidade ela iria se encontrar com o chefe dele, e os dois estariam tento um caso, traíndo-o de maneira miserável e asquerosa desde que ele os apresentara uma semana antes. Eles ririam dos erros dele, e compartilhariam detalhes sórdidos dos seus erros e mancadas estúpidas, rindo obscenamente da sua mansidão de corno. Quando ele descobrisse ficaria possesso de raiva e a espancaria como nunca, deixando-a repleta de hematomas e feridas, o que ela secretamente acharia fabuloso. Isso seria numa noite de quinta-feira, e ele a faria se sentar ao seu lado, assistindo á novela da maneira mais natural que aquela situação possibilitasse. E ele voltaria a espancá-la, três dias depois, porque o seu chefe soubera e o demitira. E uma semana depois novamente, porque ela trouxera os amigos ao apartamento dele sem a sua permissão. E no dia seguinte porque ela pedira pizza com pimenta, elemento qual ele tem alergia e adquire lindas bolhas vermelhas pela área de seu ser, acabaria tomando como um atentado a sua vida e dignidade. Josh perceberia que ela o provocava pra ser espancada, porque afinal sempre fora meio masoquista.

Mas um dia, estrangulado pela raiva, ele a faria vestir-se como uma senhora casada, com um vestido florido rosa e cintado. Cortaria-lhe o cabelo bem curto enquanto ela chorava cântaros. E a levaria pra seus amigos verem, contaria piadas que a insultassem e a colocaria em cheque-mate a cada palavra que ela soltasse. E voltaria pra casa, contente. Na manhã seguinte ele descobriria que ela se fora, fugira dele horrorizada como uma criança pequena, e levara algumas coisas -como o DVD- consigo de lembrança. Se sentiria mal e envergonhado, humilhado diante dos colegas de trabalho, todos com lindas namoradas s e ele teria perdido a única feia que tivera em longos sete meses. Entraria em depressão. Todos lhe mandariam ir consultar-se, mas ele nada faria. Apenas afundaria-se mais e mais, sofrendo de uma dor que ele mesmo criara. Um dia ele a veria , do ônibus, com um garoto da idade dela, andando de moto. E descobriria que toda a dor teria passado e ido embora com aquela moto, no cruzamento. E depois de muito tempo só ficaria a lembrança...

Então Josh piscou, seus olhos ardendo depois de tanto tempo encarando a cruz prateada ininterruptamente, e ele ouviria a voz que anunciava esse terminal. Ainda estava bem longe de casa, mas viu, com um certo pânico insensível, a garota se levantar e sair quando o ônibus parou, sem mesmo ter percebido-se da simples existência dele.

Ele se sentiria tão aturdido como se houvesse levado uma paulada na nuca. Era uma crença certa na irreal verdade daquele ex-futuro-passado juntos que o fazia se sentir perplexo. E uma indignação imensa diante da indiferença da moça a respeito dos seus sonhos com ela. Arrogante metida!

Tocou seus cabelos, então, confuso. Que diabos estava pensando? Riu-se de sua paspalhice. Que tipo de droga pesada tinham posto no seu café? Um respeitável executivo, tendo devaneios idiotas sobre uma menina num ônibus, exatamente igual á outras tantas. Tão ridículo que chegava a ser tragicômico. É, talvez devesse ir á um psicólogo mesmo. Ou não, pensou, e riu mais ainda. Pensamento Tosco, eu hein.
...
Mas ela bem que merecia uns chifres do motoqueiro, hã?
 
8O

Ray, mandou muito bem mesmo. Não tem nem o que falar, surpreendente o domínio do vocabulário da narrativa e tudo mais. Tá de parabéns :grinlove:

(Mas eu continuo implicando com nomes estrangeiros :oops: )
 

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