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[L] [Melkor, o inimigo da luz] [Kzaar]

Melkor- o inimigo da luz

Senhor de todas as coisas
[Melkor, o inimigo da luz] [Kzaar]

Sim. Voltei à ativa. Espero que seja de modo honroso. =)

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Julian observava o movimento. As perguntas sempre lhe atormentando. A existência num um túmulo vazio e a consciência humana apenas mais uma manifestação, um sopro insepulto, de qualquer quê de rebeldia. E ele ali, jazendo sozinho, mais um espectador.
Qualquer que fosse a conjectura da sua alma, não a conhecia. Vivia de porquês e não se satisfazia, sempre indagando... Indagando... Indagando... Julian, de olhos de mar e cabelos de fogo; Julian, lampejo de dúvidas reunido em um só ponto.
Julian: na pronúncia, uma projeção – ataque – e depois retração. Inseguro. Incapaz de insistir naquilo que houvesse começado. Julian, terminando em um n que não fecha nem deixa espaço para mais nada. Simples, indefinido. Cessando sem alarde.
E todos os carros passando, riscando seu mundo, fazendo barulho, perturbando-o. Tudo tão inebriante, tão catastrófico, tão fático... Tudo aquilo fadado a um dia não existir. A coexistência proibida de tudo que já houve ou haverá.
Não muito longe, pendurada em uma árvore, uma chave balançava.


A quaresmeira certamente não se importava que estivesse ali, pendurada em seus galhos. Ali, entre as recém nascidas flores, ela escondia-se do mundo e de si mesma. Chuva alguma era capaz de enferruja-la nem o sol aquece-la, era ali que ela devia estar.
Por um tempo incalculável ela esperou. Nunca havia conhecido seu destino, fora feita e desde então esperava o que quer que tivesse que esperar, pois não conhecia pressa, ali, balançando; inerte.
Não muito longe, um menino a observava, quase não vivo, com um olhar desesperador de desgarro. Ele virava a cabeça para os lados, coçava os olhos, molhava os lábios com sua língua, suspirava... Esperando alguma coisa.
Ele levantou-se e veio em sua direção, decidido.


A chave, já não mais balançando, encarando-o. O mundo, ainda sendo riscado. Julian estendeu sua mão e apanhou-a. Era uma chave prateada velha como todas outras chaves prateadas velhas.
Mas daquela chave vinha uma energia que Julian não conseguia compreender. Como se o vento soprasse por causa dela, como se o mar rugisse para afugenta-la, como se o próprio amor de Julian pela vida estivesse em função dela.
Ele podia sentir seu peso conforme a segurava nas mãos e, apertando-a com força, sentia sua mão sendo furada e não se importava. A sua audição, outrora seletiva, agora alternava entre o som dos carros e o som novo que nunca antes havia escutado.
A princípio pareceu como o som de vozes. Elas acusavam-no, em silêncio, de coisas que ele não entendia. Eram vozes desgarradas de alma, vozes sem sentido e sem motivo. Pedaços de nada.
Então o som virou o som do farfalhar das árvores. Depois o som de um gato miando, com fome. E por diversas vezes o som alterou-se. Julian observava a chave sem entende-la.
Queria saber porque ela tinha vindo até ele. Queria saber que portas ela abriria, a chave. Todas portas do mundo à sua disposição. E uma só chave, velha e enferrujada.


O mundo andava. Tudo andava, tudo passava por ele. Os carros, as árvores, os postes, as pessoas, os ônibus, as nuvens, as estrelas... Sempre sob duas rodas, olhando pela janela, a cabeça enfrentando o vento cortante.
Viajando por sua própria vida. Observando seu grand finalle. Esperando. E aquele menino, ajoelhado embaixo de uma árvore, segurando alguma coisa entre suas mãos em êxtase.
Ele chorava, tinha certeza. Cada vez mais perto, aproximando-se. Atrás de um carro. Mais uma vez, ali. Agora tão perto... E então, cada vez mais distante. Ele devia ter seus quatorze anos, bem vividos quatorze anos. Mas era impossível dize-lo.
Cada vez mais distante... Muito longe... Agora, intangível.


Estava com pressa de qualquer coisa, não importava. Precisava ser rápida. Atravessou a rua e começou a andar depressa pela calçada, desviando dos transeuntes. Por alguns segundos, porém, eles pareceram estar em menor número, como se fugissem dela.
Do outro lado, veio um menino de olhar alterado segurando alguma coisa com força em suas mãos. Errara. Era dele que fugiam. Do brilho quase imperceptível de fulgor que queimava a alma errante da juventude de seu corpo.
Quando ele passou por ela, todos seus livros e papéis voaram. Ela abaixou-se, assustada, para recolhe-los e, quando olhou para o menino que se afastava e já virava a esquina à frente, soube que sua vida não seria mais a mesma.


O mundo escuro, com alguns lampejos de luz. Às vezes sendo apertada com força, às vezes de modo carinhoso. Ela sabia que ele estava completamente indeciso. Não estava preparado, não obstante, porém, havia encontrado-na e, por conseguinte, não importava quantas vírgulas, ela devia desempenhar o papel para que foi criada.
Aquela música enlouquecedora não cessava de modo algum. Com uma batida forte e um som agudo rasgando alguma alma, ela anunciava o que estava para acontecer. Pobre Julian, ainda lutando contra si mesmo para entender.


E os dois, juntos, correram o mundo. Andaram por estradas já esquecidas e abandonadas, cruzaram fronteiras, passaram noites dormindo no chão duro de terra. Até que chegaram, muito tempo depois, até um pequeno sítio onde morava uma família simples.
Esta família constituía-se de um patriarca, sua mulher e quatro filhos – dois homens viris e duas graciosas moças. E cada um deles olhava Julian de modo diferente. Nenhum deles olhava a chave, no bolso da calça jeans, que ansiava por seu destino. Ainda tão distante.
A moça mais nova olhava Julian com admiração, como se faz a um irmão, enquanto a mais velha já mostrava o quanto de criança faltava em seu espírito com seus olhares de volúpia e com suas unhas pintadas e roídas.
Quanto aos homens, viris, eles o olhavam sem grande expressão. Perdidos em alguma borboleta que voava, olhando para o prato de comida inerte, tirando qualquer pedaço de carne entre os dentes.
O patriarca era desconfiado, mas a senhora sua mulher era de uma bondade e solicitude tão contagiantes que a chave acabou por perder sua ansiedade e dormir um sono que há muito não experimentava.


Julian sentiu que a chave adormecia. O peso inconstante no seu bolso, as vozes correndo no ar, a instigação contra um algo sem matéria, as dúvidas, os relâmpagos nos seus olhos... Tudo cessou derrepente, fazendo-no gritar.
As irmãs o olharam curiosas enquanto tanto o patriarca quanto seus filhos seguraram as bordas da cadeira em menção de levantar. A mulher repuxava os cantos dos seus lábios, puxava a fumaça do seu cigarro de palha e a soltava em anéis inebriantes. Não inebriantes, contagiantes. Em um ritmo incessante, algo africano, os passos de um elefante...
Julian desculpou-se pela gafe. Sim, a comida estava ótima. Ninguém havia feito nada de errado. Fora apenas um descontrole. As moças riram em cochichos e os homens descansaram. A mulher levantou-se, recolheu os pratos e copos e pôs-se a lavar a louça. E não aceitou a ajuda de Julian.


A água corria rapidamente por cima de todos eles. Uma bucha raspava tudo que restara de mais um dia de espólios. Guerras sem sentido; sempre, todo dia. O pai, os filhos e o visitante continuavam sentados.
Alguém começou uma conversa, mas o menino estava absorto, era claro que algo evaporava dentro dele e talvez nunca retornasse a tempo. A tempo de salva-lo da não presença naquele momento.
Algo subia procurando um obstáculo: nada sobe querendo subir até o fim. É só uma questão de subir. A água deixava-lhes a visão turva, algumas gotas ampliavam o quadro pitoresco.
E, um a um, eles foram deixados de lado e a mulher sentou-se novamente na sua cadeira de balanço.


O menino pediu permissão para ficar ali por alguns dias. Estava tudo bem, porque na verdade eles não eram os donos do pequeno sítio. Moravam ali e em troca cuidavam da propriedade. O patrão e sua família costumavam vir freqüentemente e, quando o faziam, ficavam em uma casa maior e mais bonita que ficava atrás do morro.
Mas essa casa estava abandonada havia anos. Nenhum deles sabia que fim havia levado a família. Ainda esperavam que eles retornassem e dessem mais ordens. Enquanto isso, a casa de madeira rangia em resposta ao vento que uivava como naquele livro antigo, que a menininha que dormia no maior quarto nem acabara de ler.
Ele podia ficar, mas que não fossem mais que sete dias. Um dia – qualquer dia – o patrão voltaria e ele não podia ver Julian. Eles tinham pouco, mas dividiriam o pouco com Julian como se faz com o pão.
O patriarca e a mulher beijaram-se e foram para seus quartos. As moças correram para os seus. Os dois homens esperavam qualquer reação do menino. Alguma coisa fazendo as paredes vibrarem intensamente em intervalos longos de tempo, como uma distorção de espaço.
Uma borboleta voando. Mas já era noite.


No primeiro dia ele não fez nada a não ser pensar. Sentado embaixo de uma mangueira, observava os homens rasgarem a terra enquanto as mulheres os traziam água direto da mina d’água que Julian ainda não conhecia. E, embaixo da mangueira, segurava a chave contra o sol.
Era realmente mais uma chave suja, enferrujada... Uma chave! E, mesmo assim, dormia. Ele sabia que ela dormia. Fora aquela mulher e a sua maldita fumaça, ele sabia. Todos ali sabiam, mesmo que não conscientemente.
As moças já não o olhavam como antes. A admiração esmoreceu. Como se também tivesse evaporado naquele ritual. O desejo transformara-se em admiração; um desejo não menos intenso, mas um desejo por um algo menor.


No segundo dia o patriarca levantou-lhe de debaixo da mangueira e o fez colher as frutas que ainda não haviam apodrecido. As moças ajudaram-no e os homens ergueram seus rostos em desdém, vangloriando-se de seu trabalho braçal, de seus músculos molhados ao suor e coloridos por um dourado selvagem.
O patriarca só parecia cansado e insatisfeito, sempre. Ela, sempre prática. Julian colheu as mangas, comeu-as com a família e todos os sete tiraram o fiapo dos dentes com as unhas, exceto ela que simplesmente não se incomodou.
No fim da tarde, enquanto o trabalho era acelerado pela ameaça do pôr do sol, ela desceu o morro e, enquanto ia em direção à sua casa, passou pela frente da casa do patrão. A casa preta, como a chamavam.
Colocou as mãos na cintura, respirou fundo e soltou uma bufada de descontento. Aquela casa era o fantasma de um tempo que talvez nunca voltasse. As suas crianças correndo com as crianças dos patrões e todos os dias ensolarados era uma das imagens que sempre a atropelavam enquanto passava por ali.
Ela ainda sofria do impulso incontrolável de gritar para que corressem mais devagar. Como era tudo tão diferente! Correr devagar! Como todos eles eram diferentes... Ela subia até a casa e cozinhava para os patrões e recebia, feliz, os elogios merecidos e tudo estava bem. À noite ela fechava a porteira e tudo estava bem.
Evocou também a lembrança dos cachorros. Eles estavam em todos os lugares em suas lembranças. Em cada canto do seu mundo. Uivavam a noite inteira, e agora estavam todos mortos há anos.
Queria não se perguntar quando tudo aquilo voltaria, quando todos eles seriam aqueles que foram de novo? Ela era corajosa, parar ali e ficar observando seu passado sem escudo ou lança. Era corajosa por entender espontaneamente que algumas coisas nunca mais seriam as mesmas e que ela teria que morrer antes que este ciclo se repetisse. E então outra família cuidaria do sítio. Outra família limparia toda aquela sujeira e esperaria os novos patrões todos finais de semana. Outra mulher obedecendo outro patriarca. Não ela.


O menino, no terceiro dia, ofereceu-se voluntariamente para pegar as armas e ajuda-los a castigar o solo. O pobre coitado não tinha a menor experiência nem a menor habilidade para lidar com aquilo e os homens riam dele sem o menor vestígio de educação. Os dois homens não eram educados.
A mulher estava quieta, desde o dia seguinte. Não subia e descia o morro como sempre, estava embaixo da mangueira fumando seu cigarro de palha. As moças não subiram por nenhum momento, ficaram na casa o dia inteiro.
O dia não foi produtivo. A lua nasceu rápida, brilhante, correndo o céu e deixando um rastro de luz. Parecia não querer reluzir, parecia cansada. Todos foram dormir com a impressão de que tudo estava errado.


O quarto dia foi simplesmente o quarto dia. Somente a mais nova das moças subiu para ajudar a família no trabalho. A mulher parecia um pouco mais alegre, o menino mais ativo, o patriarca menos insatisfeito... Mas ele sempre estava insatisfeito.
Ela não estava disposta. Alguma coisa crescia dentro dela e ela queria entender o que era. Ela sabia que também crescia na irmã, ela tinha certeza, não obstante somente ela parecia estar percebendo-o.
Era como a febre saltadora... Pulando dentro dela, batendo nas paredes, empurrando as órbitas de seus olhos para fora... Era como se seu cabelo quisesse entrar dentro de seu ouvido. Estava tudo errado.
E quanto ao menino, Julian... Ele simplesmente estava ausente. Ausente em presença, em espírito. Ela não mais o via desde o segundo dia. Ela achara-o tão cheios de coisas para contar que não pode dominar sua admiração por ele. Mas depois ele fechara-se, inquieto, tão irritante embaixo daquela mangueira, que ela não só sentiu-se recusada quanto sentiu na fumaça que saía dele – e que só ela parecia ver – um cheiro de repulsa.
Ele chegara do nada na vida de todos eles e, inexplicavelmente, trouxera um fantasma que nenhum deles queria encarar. De algum modo todos eles sentiam em conjunto que algo estava de volta.
Ela definiria este algo como simplesmente uma confrontação da existência de cada um deles. Como se uma pergunta planasse no ar, levemente: Valeu a pena? A sua vida, valeu a pena?
E, se não tivesse valido, o que podia ser feito? O menino traria a resposta, ela sabia. Não naquele dia, não no próximo nem mesmo no dia em que partisse. Tudo que ela sabia é que talvez o que ele havia carregado com ele até ali não seguisse o seu caminho. Ficasse, estagnado. A solução viria inevitavelmente para todos, mesmo que em tempos diferentes e, sem que fosse preciso a sua volta, Julian estaria salvando-os.


No quinto dia o patriarca pediu ao homem mais novo que buscasse milho para o jantar. Relutante, ele obedeceu ao pai e saiu de manhã carregando uma carroça com a força de seus braços. Não queria ficar longe da sua família. Estranhamente, ele estava sentindo-se sozinho naqueles dias.
Em um lampejo de raciocínio ele, à noite, percebera como todos eles eram importantes para ele. Este tipo de pensamento não lhe cabia, mas sentia-se diferente. Alguma coisa dentro dele parecia alegre, o sangue começava a ficar quente e quebrar tudo que estava congelado fazia muito tempo.
Parou a do lado da plantação de milho do vizinho – que lhes permitia a coleta de uma pequena quantidade, em prol da boa relação – e deixou a carroça cair de cima de seus ombros.
Respirou fundo e sentou-se em uma pedra. Olhava o milho balançar com o vento. Do que sentia tanta falta naqueles dias que estavam se passando? Será que ele havia se dado conta de que já não era mais o menino que corria naquela estrada, sem carroça e sem barba? Não era isso, ele sabia.
Alguma coisa passou dentro da plantação, agitando-na. Ele franziu o cenho e olhou, distraído, para seus pés. Quebrou um pedaço da unha de um dos dedos, estava muito grande, e colocou-a na boca. Mastigou-a enquanto ainda tentava reorganizar sua respiração que corria solta em alguma nuvem, esquecida de que era apenas sua respiração e que devia ser o que era.
Entrou na plantação e começou a escolher os milhos mais bonitos. Viu-se comendo milho com toda sua família, ainda um mancebo sonhando em ser astronauta. Alguma coisa passou atrás dele. E então correndo em círculos. Havia, de fato, alguma coisa na plantação.
O céu gritava, vermelho. Sua família. Alguma coisa, precisava correr. Seu coração batia em descompasso. Porque alguma coisa parecia errada? Alguma coisa havia acontecido. Pegou a carroça, jogou em cima dos seus ombros e correu para sua casa.


O sexto dia foi de total sufoco para todos eles. Agora claramente eles concordavam em silêncio de que havia crescido dentro de cada um, de modo diferente, um espinho, que perfurava-nos lentamente. Até mesmo Julian sentia-se sufocado.
Cada momento parecia o último. Os ponteiros do relógio estrondavam a cada minuto que passava, como se todos tivessem uma audição aguçada inexplicavelmente; mas só o som dos ponteiros estava anormal.
A cada momento todos sentiam que a chance de salvar-se havia passado. Todos tinham a nítida impressão de que tudo escorria pouco a pouco como em uma ampulheta que nunca será virada ao contrário. Suas vidas estavam se esgotando e, dentro de suas longas vidas, toda noção de um fim havia concentrado-se em um ponto do tempo: Aquele.
Sufoco. Eles olhavam-se com medo. Queriam não ter a sensação de que cada momento era o último, que aquelas pessoas iam se perder pra sempre e talvez nunca mais se reencontrassem. Ninguém queria comer as mangas que despencavam e se misturavam à terra.
A mais velha das moças não conseguia chorar, mesmo com toda tristeza que sentia. Todo vazio estava preso e não conseguia sair. Havia um amontoado de ar na sua garganta que não deixava com que ela respirasse tranqüilamente.
Era aquele menino, tinha que ser. Não podia culpa-lo, porém. Ela sabia que aqueles sentimentos eram deles, não de Julian. Era aquela maldita infância que cessara e que não voltava mais. Era uma vida inteira que eles não conseguiam entender. Era o amor que eles perceberam muito tarde. E aquele medo de um fim instantâneo, sem aviso. Porque só conhece o fim aquele leitor que folheia o livro. Quem o vive está a deriva de um simples gesto inconseqüente de criação ilógica.
Quando descia para buscar alguma coisa na casa ou quando subia para ajudar seu pai e seus irmãos, ela perdia o fôlego e tinha que parar para descansar. Porém, não conseguia descansar. Havia muito tempo que não conseguia deixar de lado tudo e simplesmente respirar. Respirar já não era o que fora, nada era.
Faltava só um dia para que o menino fosse embora de suas vidas, provavelmente para sempre. Como seriam as coisas depois, então? Ela queria estar segura de que não pensaria nele e de que não se lembraria de todos os momentos que tivera com ele, aqueles seis dias...
Temia que ela sentisse falta dele como sentia falta de si mesma.


O sétimo dia foi de discórdias. Todos eles acordaram tarde e resolveram não trabalhar. Não havia tanto o que colher. O patriarca selou um cavalo, gritou com sua mulher e sumiu de vista. Já a mulher, ofendida, foi caminhar para o lado da casa preta e passou o dia inteiro lá.
As duas moças resolveram ir à cidade e ninguém lhes fez nenhuma objeção, mesmo que até mesmo Julian estivesse ciente de que a distância que elas teriam que percorrer era inumana. Julian, o menino de cabelos cor de fogo, deitou-se no chão frio da varanda da casa e ficou olhando para uma aranha que esperava sua presa.
Seu irmão mais novo foi pegar mais milho, já que no dia em que o patriarca lhe ordenara para faze-lo ele voltou correndo, ofegante, sem a carroça, e começou a abraçar sua família, um a um.
Ele resolveu escrever uma carta para sua amada, que morava muito longe, mas sua mão tremia. Deitou-se ao lado de Julian e os dois observaram juntos a aranha esperar sua presa.
Nenhuma presa, porém, caiu na teia e a aranha não se mexeu. No fim da tarde todos voltaram de onde estiveram, ninguém fez nenhuma pergunta e todos foram dormir, menos Julian, que insistia em observar a aranha e esperar que ela se movesse.


Julian não conseguiu dormir. O lençol pouco a pouco o sufocava, agarrava seu corpo, grudava, se infiltrava... Estava claro que ele estava contra ele. A cama rangia a cada movimento, à menor respiração ou suspiro.
No teto do quarto algumas estrelas brilhavam, apagadas, coladas há muito tempo por alguém. Elas gritavam. Giravam. Na cama ao lado o homem mais novo dormia um sono invejavelmente quieto e tranqüilo.
Julian já não sabia mais onde estava. Quando. Sentia-se mergulhado em uma realidade sem espaço nem tempo. Só havia o que tinha de haver. Aquela família, parada dentro de seu próprio tempo, girando em círculos em torno de sua própria história.
Queria poder ajuda-los. Sentia que podia, de fato. E, mesmo assim, era seu último dia. Acordaria, pegaria a chave - que estava embaixo do seu travesseiro – e seguiria. Subiria o morro e entraria na floresta que rodeava a propriedade.
Uma borboleta com um estranho cheiro familiar voava, estralando suas asas com um som estranho de pica-pau. Seguiu-a com os olhos, sem pretensão alguma. A cada segundo, suas pálpebras mais ousadas, deslizando sem aviso.


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E, sim, eu sei que está complicado. Mas a intensão é que o leitor pense um pouco.
 
Ahh adorei :obiggraz:
Há muito tempo que eu não lia um texto seu, e nunca tinha lido um tão grande!
Bem, pra variar eu não tenho comentários construtivos, mas fica aqui o meu voto pra que volte a escrever mais!
Adoro o seu estilo :grinlove:
 
Surreal.Impressionista.Magnífico.Genial.Melhor de ser lido ao som do Estudo Transcendental Nº11 em Fá Maior,de Liszt.

Passa ao leitor a impressão de angústia intencionada,como uma música expressiva,como uma pintura.Os sentimentos são claros,como se não fosse um texto,fosse uma fina lâmina de vidro,que separasse o leitor dos sentimentos do autor.Absolutamente foda.

:clap:

Diogo, sem palavras. :grinlove:
 
Você falando assim parece que é uma coisa complicada, hehehe... Quando eu for publica meu primeiro livro (!) eu chamo você pros comentários de capa, ok? =)

Obrigado.

O que eu senti mesmo foi que consegui passar algum sentimento. Porque eu fiquei sem ar enquanto escrevia, pelo menos.
 
Eu fiquei sem ar enquanto lia.

Não é uma coisa complicada,é uma ocisa complexa,é diferente.Ei,você sabe disso,foi você quem escreveu!

Sabe,às vezes a gente se confunde.É meio estranho ser amigo de um escritor hehehe
 
Aiai, que fase =)

É complicado sim... Não conheço ninguém que tenha entendido os primeiros parágrafos. Não é questão de vocabulario não, porque isso é o de menos... É que fica difícil saber quem tá narrando... Mas quero que fique difícil mesmo. =)
 
Bem, vou-me arriscar a uma interpretação: será tudo o que Julian está a pensar? Tudo o que el prevê que aconteça num futuro próximo ou não? Não sei se essa é a sua inteção Melkor, mas é assim que interpreto os seus ´"difíceis primeiros parágrafos"... :roll:
 
O que eu adoro no Kzaar é essa liberdade total e comum. Eu não quero nem pensar no que eu escrevi. Eu interpreto o texto tanto quanto vocês. Não sei quem está certo.

=)
 

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