Capítulo 18 – O Piano – Por Forfirith
Tâmara ajeita os últimos detalhes de sua roupa e ajeita a gravata de seu amor. Em nome de nada, irão desperdiçar uma noite de amor, na casa dos Mignelli.Diogo a observa enquanto ela arruma sua gravata e mal pode se conter: ela fica extremamente sensual e irresistível naquele vestido vermelho, e ele sabe que ela o pôs de propósito.
Ambos permanecem parados em frente à porta, desconfortavelmente ansiosos.Ansiosos para comerem e irem embora.
Tocam a campainha da casa, e aguardam.Marta abre a porta, Ricardo ao lado, com o braço tocando as costinhas de sua filha, num gesto que tanto simbolizava carinho quando medo de que ela se aproximasse dos visitantes.
Uma música clássica barata de algum autor desconhecido enche a sala, toda decorada em branco.Sofá de couro branco, paredes e teto brancos, tapete de pele de carneiro branco, prateleiras e estante brancas.Apenas um piano, branco, perto dos sofás, que atrai a atenção de nosso galante e sensual Diogo.
Os amantes se sentem desconfortáveis com toda aquela brancura.Tâmara tenta se ajeitar no sofá, desconfortável, o vestido vermelho quebrando o padrão da sala, na altura dos joelhos.Não sabe se é o vestido ou as suas voltas bem esculpidas que atraíram a atenção de Ricardo.Ela prefere não descobrir.
Diogo, de terno e calça negros, acompanhando o piano, e uma gravata amarela que o esgana todo o tempo – ele não está acostumado a usar esse tipo de roupa, mesmo no trabalho.
Os anfitriões, cordiais, e bem mais discretos que os convidados.Marta veste um vestido longo e branco até os pés com brilhantes, distribuídos aqui e ali, e um chale de crepe de seda, da mesma cor do vestido.Ricardo, de fraque, cartola e bengala à mão, todos brancos, os recebe com um sorriso cordial na boca fina, quase sem lábios.
Todos se sentam no sofá, os convidados não precisam de palavras para saberem que ambos preferiam estar em um churrasquinho na casa dos Silva, outros vizinhos, muito mais naturais que os Mignelli.
Um silêncio embaraçador se segue, e Ricardo não desvia os olhares famintos das pernas de Tâmara; até que Marta propõe que todos sigam à mesa.
Todos se levantam e se sentam na mesa de jantar.Os pratos já estão postos, e o silêncio só é cortado pela música horrível.
Nos pratos brancos, um minúsculo filé de peixe com uma aparência estranha, um molho amarelo desbotado, e algumas folhas de uma verdura irreconhecível para Tâmara espalhadas como decoração.Dentro dos copos de cristal, apenas água.Vendo a falta de compreensão dos comensais, Marta explica:
_Nós não bebemos – e em sussurro, para que a filha, também sentada à mesa não ouça – vinho.
_ Não queremos expor a pequena Priscila a esse tipo de conduta vergonhosa e nojenta – explica Ricardo.
Os amantes se olham, com sorrisos amarelos estampando à face, se lembram das inúmeras e incontáveis latinhas de cerveja e garrafas de vinho consumidas e de quantas vezes não ficaram entorpecidos pelo álcool, e não respondem; também não puxam assunto.Diogo, de tempo em tempo, dá olhadelas no piano, todo lustroso, quase num pedido desesperado para que fosse tocar.
_ Hum..o que acham de usarmos o piano depois? – ele sugere.
_Ah, claro, Diogo, será um prazer lhes mostrar como a pequena Priscila toca divinamente bem!Parece mais um anjo...
Tâmara é a que mais demonstra estar farta daquilo tudo.Aquele teatrinho idiota já encheu sua paciência, e ela não consegue mais disfarçar, odeia crianças bem comportadas, e inveja a boa interpretação de diversão de seu falso marido.Começa a ficar emburrada.
_O molho do peixe é da cor da minha gravata! Hahaha...
A frustrada tentativa de Diogo de elevar os ânimos não funciona.Pelo contrario, apenas piora: Marta faz constar que se trata de frango, e não peixe.
Depois de toda aquela alimentação, a população segue para a sala, e todos exceto a garotinha, se sentam no sofá.Ricardo volta a fitar as pernas da convidada, que tenta escondê-las debaixo do vestido curto.Ainda bem Que Diogo não percebeu.
Priscila se senta no banquinho e começa a apertar as teclas do piano, numa tentativa de tocar Liszt.Mais parece que ela está tendo um ataque epilético e por coincidência aperta uma ou outra tecla.Ela balança e ergue a cabeça, soltando os cabelos do recatado coque, e fecha os olhos, numa interpretação de inspiração.
O barulho fere os ouvidos bem treinados de Diogo, que não consegue esconder a careta de desgosto.Sente que um punhal envenenado é fincado em seu peito.Já basta, nossa conhecida amasia precisa tomar uma atitude, se continuarem assim, algo trágico vai acontecer, aquilo está se tornando desesperador e asfixiante.
Em meio aos barulhos tortos vindos do piano judiado, ela grita, talvez até alto demais:
_Diogo toca piano muito bem, gostariam de ouvir?
_Talvez em alguma outra ocasi... – começa a responder o casal.
Diogo então se levanta, antes mesmo de terminarem a frase.Só mesmo um piano para aliviar aquele seu sofrimento.Ele sabe que o amor de sua vida também se sentirá melhor, ambos adoram o som do instrumento, ambos se deliciam com a melodia maravilhosa dos famosos pianistas.
Ele se senta, e começa a tocar Tocatta e Fuga em ré menor.Tâmara fecha os olhos vagarosamente, numa demonstração de mais puro prazer.A música a leva às alturas, ao topo de montanhas gelados, onde brisas leves a envolvem e ela está ao lado de seu amor.A música acaba, e ela percebe que Marta e Ricardo a observam; ela está de olhos fechados e gemendo.Ela percebe que Ricardo se concentra em especial em seu busto, agora.
_Di, poderia tocar Chopin?Que tal o Prelúdio das gotas de Chuva?
Ele já imaginava que ela iria pedir.Ela já imaginava que ele imaginava que ela iria pedir, ele sabe que ela ouve a música todos os dias e vive cantarolando enquanto faz seus deveres caseiros e para irritar Jorge, que parecia ter congestões ao ouvir boa música.
A música começa, e nossa amante se deixa levar mais uma vez.Começa a se esquecer de que está viva e nos vizinhos.Um desejo louco lhe invade a mente, ela se levanta do sofá, anda até o companheiro, e começa a beijá-lo.Ele não resiste, ambos começam a respirar mais rápido, e logo ambos se deitam no piano, começam a retirar um a roupa do outro, gemidos preenchem o silêncio e gritos de prazer abafam a música ruim, a qual tocava sem cessar.
Os amantes não escutam os gritos desesperados dos anfitriãos, nem o escândalo que Priscila faz, não se incomodam com as roupas de baixo com desenhos do piu-piu de Diogo nem com a meia calça para diminuir a barriga de Tâmara, apenas continuam a transar ferozmente no piano, de vez em quando o pé de um deles tocava alguma tecla, ambas as bocas sem se separar, o piano manchado do fruto do amor, embaçado com o calor dos corpos unidos e com a respiração ofegante do casal.
Ambos fantasiam com um fundo musical de Tchaikovsky, onde fadinhas de açúcar dançavam em volta do casal, como numa celebração do amor carnal.
Tâmara e Diogo começam a rolar, e caem no chão, mas isso não impede que continuem a fazer amor.Começam a se esfregar no tapete de pelos longos de carneiro, e se sentem envoltos em nuvens libidinosas e cheias de volúpia, com beijos entorpecentes de um em outro, os movimentos intermitentes como ondas, os longos cabelos de Tâmara caídos docemente pelo tapete, com alguns cachos tocando levemente a pele de seu ombro, como os primeiros flocos de neve do invern
rosto sensual de Diogo, exprimindo todo o prazer e o amor que sentia naquele momento.
O casal pára logo após o ápice.Logo descem do mundo Ideal e percebem que não estão em nuvens, mas sim no tapete dos vizinhos.Ambos param e se olham.
Priscila está chorando soluçantemente, Marta desmaiou e Ricardo observa fascinado e vidrado, com a boca entreaberta.O Piano está quebrado e há marcas do amor por todos os cantos do cômodo.
Deitados no chão, se desatam, pegam suas roupas rapidamente e, mal se vestem, saem correndo e vão para a casa de Ruth, do outro lado da rua.
Quando chegam, terminam o que começaram na casa dos vizinhos.Já começam no corredor, vão seguindo até as escadas, onde caem bruscamente e permanecem por alguns momentos.Depois Tâmara se levanta, começa a correr para o quarto, mas Diogo dá um mergulho e a derruba.Ela cai em cima dele e o machuca, mas ele não se importa.O espírito de Baco se apoderou dele, juntamente com a ferocidade de um Briareu.Diogo se tornou uma máquina, tudo que pensa agora é em prazer, tudo que quer é satisfazê-la e a ele mesmo.Se levanta, e a arrasta até o quarto, machucando-a, mas ele sabe muito bem que ela gosta daquilo.Abre a porta com um ponta-pé, a joga na cama, fecha a porta e se joga em cima dela com um urro selvagem.Ele bate a perna na cabeceira da cama e se corta, acaba caindo, mas sua mente enlouquecida não o deixa perceber.
Lá embaixo, Dona Ruth escandalizada agradece ao Senhor Jesus pelas paredes do quarto serem à prova de som.