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[L] [Lorien] [O Lago]

Lórien

Última General de Nanto
[Lorien] [O Lago]

Passei longo tempo ali, olhando para a superfície do lago. Fiquei me lembrando daquele poema. Nada era como ele dizia. Talvez por eu não ser poeta. Mas, de qualquer forma, eu estava lá, o lago estava lá, a luz do crepúsculo que chegava também estava presente, refletindo-se sobre a água quase parada. A brisa desenhava pequenas ondas na superfície. Nada estava diferente, nada estava poético.
Nem o fato de estar sentada em um tronco de árvore caído, nem o fato de os ipês estarem em flor, nem nada, nada estava como na poesia. O lago não falava comigo, eu não ouvia que a brisa balançava suavemente os galhos do salgueiro à direita, eu não sentia o cheiro de flores que subia lá de baixo. Eu não via nada.
Foi então que eu percebi que eu não estava sentindo nada porque eu não queria. Não queria esta vida medíocre que levo, não queria as amizades cáveis, não queria as flores, as árvores, nem a água do lago eu queria. Fiquei louca.
Levantei-me e corri para a água. Entrei andando. Pensei em me jogar logo de início, mas achei que seria melhor sentir as agulhas da água gelada me atingindo gradualmente pelo corpo. Com a água no pescoço, sentindo um frio infernal, meu corpo começou a amortecer e eu comecei a rir. Ria muito. Estava sentindo. Podia ser qualquer coisa, mas eu estava sentindo. Sentia a água fria me cortando o corpo em pedaços, sentia a brisa deixando a água nos meus cabelos ainda mais gelada, senti o cheiro de lago, a voz do lago, senti as plantas aquáticas se enroscando nas minhas pernas e ri.
Não sei por quanto tempo eu ri ali como uma louca, embriagada de ar apenas, insana, completamente fora de controle. Nadei até o centro do lago. O sol já tinha baixado de todo e a tonalidade alaranjada da água já tinha sumido. Agora ela estava escura, o lago não tinha mais fundo. Eu estava muito longe da margem, e já estava ficando cansada de nadar. Num momento, resolvi dar um mergulho. Acabei me enroscando em umas raízes e fiquei presa lá embaixo.
Eu não sabia o que era estar se afogando. O ar de repente queria sair dos pulmões e não tinha como controlar. Ele saía e eu não podia respirar novamente. No desespero, sempre acabamos por nos enroscar ainda mais, e fui ficando cada vez mais presa. Debatia-me, tentava arrancar as malditas raízes, mas elas pareciam ficar mais fortes a cada tentativa. Então, a primeira golfada de água entrou em meus pulmões. Não me lembro da sensação. Só sei que deve ser tão ruim que o corpo desmaia para que a mente não sinta o que está acontecendo.
Acordei, não sei como, na margem. Sozinha, deitada de lado, com a cabeça apoiada na minha própria jaqueta. Tossi um tanto, cuspi mais água, sentei, fiquei tonta, depois consegui levantar, vesti a jaqueta e voltei para casa. Gelada, durante a noite, eu parecia um cadáver.
Minhas mãos estavam endurecendo, meus joelhos também. Acho que era o frio. Vim caminhando rápido, para ver se me esquentava. Cheguei em casa ainda mais fria. Entrei e ninguém olhou para mim. Isso é normal, moro sozinha. Coloquei leite para o gato, tirei a roupa molhada e me enfiei na banheira. Enfim, algo me esquentou, e era água. Engraçado que não tive medo. Quase tinha morrido afogada, mas estava tranqüila na banheira. Talvez porque ela não falasse.
Depois o gato veio, nem olhou para mim. Saiu pela janela do banheiro. Saí do banho quente, mas logo comecei a gelar novamente. Vesti-me, peguei um cobertor, liguei o aquecedor e fui ler um pouco na sala.
O gato não voltou na manhã seguinte. O leite estava intocado. Eu não tinha fome. Estava gelada novamente. Fiquei furiosa. Maldisse tudo e todos os que existiam. Achei que tinha alguma coisa errada. Fui ao hospital.
Ninguém me atendeu. Sempre era “o próximo” e nunca era eu. Irritei-me, gritei com a atendente e ela nem me deu ouvidos. Depois de mais alguns palavrões, saí de lá e voltei para casa.
Tomei uns comprimidos contra febre e deitei. Passei assim, à base de comprimidos e sem comer, acho que uma semana. Nem saí da cama. Afinal, o gato tinha ido embora, eu estava de férias, e estava sem fome.
Tocaram minha campainha. Fui ver quem era. Uma garota pequena, uns vinte anos, cabelos negros, toda molhada. Perguntou-me se eu podia ir com ela. Quando ela falava, da boca dela saía aquele vapor de dias frios. Não sabia o que dizer. Peguei um casaco, Deus, como estava frio! , segurei a mão dela e fui. Não percebi a mão dela ser quente. Pensei que ela estava gelada como eu, só que eu de febre, e ela por estar molhada.
Foi estanho. Ela me levou até o lago. Lá, sentamos sobre aquele mesmo tronco onde eu tinha sentado e ficamos olhando o crepúsculo chegar. De mãos dadas, escutamos o lago falar, sentimos o cheiro das flores, a brisa deixou nossos cabelos mais e mais molhados. Eu estava encharcada novamente.
 

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