Lórien
Última General de Nanto
[Lórien] [3am]
3 am - Parte I
A voz dela está falhando, porque é tarde, e ela não tem aonde ir. Coloca suas coisas de volta na bolsa, afasta o cabelo da testa. Ela acredita que está tudo pronto quando tudo está assim, inacabado.
De um lado do quarto, um pôster de um músico morto. Do outro lado, uma estante de livros de autores mortos. O aquário sem peixes. O último morreu na noite mais fria do ano. As algas ainda estão lá, mas ela não foi comprar peixes. Ver mais mortes, pensou.
Ela costumava cantar quando estava sozinha. Alguma música estúpida. Mas agora a voz estava falhando, e a felicidade é algo que está esperando atrás da porta fechada, mas está chovendo muito forte e ela não pode sair.
Levanta e olha no espelho. Sente inveja. Inveja delas, as mais bonitas. Talvez sinta mais inveja ainda porque elas se gostam. E uma tem um poder sobre a outra que a assusta. Quem sabe um dia terei um poder assim sobre alguém. Mas será que é isso que eu quero, ser igual a elas?
Pega um lápis no estojo de maquiagem e desenha uma estrelinha embaixo do olho direito. Penteia os cabelos, passa perfume e amarra um lenço no pescoço. Tudo é tão cável, ninguém vai me ver. Mas ela veste as saias e as botas, e coloca um casaco de chuva sobre a blusa, e sai pela porta da frente. Onde está a felicidade? Não, ela não me esperaria na chuva.
Nas ruas nada é muito diferente do que no quarto. As casas estão mortas, o asfalto está molhado, sem peixes. O céu está escuro, parece que não há vida em lugar algum. Ela esfrega os olhos e duas manchas pretas ficam em suas mãos. Mas não importa muito, ninguém vai vê-la.
Sente a barriga vazia. Ouve um latido, sente um pouco de vento. Enfim, nem tudo está morto.
Entre na lanchonete que costumava freqüentar com os amigos, senta e pede um café à garçonete. Saias curtas vermelhas blusa branca avental meias brancas sapatos pretos cabelo preso no alto da cabeça com um chapeuzinho. É, talvez seja isso que ela seja, só uma garçonete do turno da madrugada.
Serve o café à menina toda borrada de maquiagem e molhada de chuva, depois terminou seu turno, outra ia assumir. Então tirou o chapeuzinho e o avental, e os pendurou num gancho na parede. Pegou a bolsinha de imitação de couro, passou atravessada no corpo, vestiu um casacão por cima e enfiou as mãos nos bolsos. Se não estiver dormindo já em casa, vai chegar mais bêbado que o costume. É essa mania de comemorar tudo o que acontece.
O sol começa a aparecer, mas a garoa fina tenta impedi-lo. Gira a chave na fechadura, sobe quatro lances de escada, porque o maldito elevador estragou de novo, a porta de casa está aberta.
O marido dorme placidamente no tapete da sala. Tem vômito espalhado em torno da sua cabeça. Nada passa na sua mente agora, não está pensando em lavar o tapete de manhã. Chega ao quarto e solta os cabelos, lava o rosto, veste a camisola de algodão, já puída. Abre a gaveta de camisas, desembrulha o revólver do paninho de pó alaranjado, coloca uma bala e vai brincar de roleta russa na frente do espelho do banheiro.
Antes de começar, olha pela janela e vê uma mulher começando o seu dia, fazendo café enquanto o marido ajeita a gravata.
Coloca o café sobre a mesa, derrama geléia sobre as panquecas, ganha um beijo na têmpora e se encolhe sorrindo. A vida é realmente uma merda. Isso aqui é tudo mentira.
Entra no carro e checa a gravata mais uma vez. Está bem, não vai ter problemas em contar mais uma mentirinha.
O prédio onde ficava o escritório era à direita, mas ele virou à esquerda. No caminho, pára e compra algumas flores. Vai para um hotel caro, luxuoso, sobe as escadas acarpetadas e entra no quarto. Meu bem, está atrasado, querido. E a velha sorri, os dentes tão branco quanto as pérolas dos seus brincos e colares. Os dois fazem sexo ali, ele pensando no que ia dizer ao chefe para explicar seu atraso, mas que diabos, a velha preferia fazer sexo de manhã, e ela pensando que ainda era desejada por alguém.
Ele olhou no relógio e lembrou que não era dia de visitas. Correu um pouco com a cadeira de rodas nos caminhos do jardim, mas a sua enfermeira preferida disse que não era para ele fazer isso. Talvez ela apareça mais tarde. Mas sua mãe quase nunca aparecia. E quando aparecia ele sentia o cheiro daqueles sabonetes que se ganha nos hotéis chiques.
A enfermeira olhou o jovem na cadeira de rodas, pobre dele, seria um belo garoto. Talvez jogasse futebol no colégio, se não tivesse caído daquele cavalo quando era pequeno. Cair do cavalo. Como alguém tenta ensinar um garoto cego a andar de cavalo? Só podia ser aquela velha idiota. Estava no fim de seu turno, deu adeus ao garoto na cadeira de rodas, com um beijo na testa. Ele não poderia ver um aceno, de qualquer forma ele gostava daquilo, era a única manifestação de carinho que ele aproveitava.
Saiu do hospital e caminhou um pouco pela rua ainda molhada. Já era quase hora do almoço.
- Vivien, o que você está fazendo aqui? Acorde.
- Ah, Julia. Saiu já do hospital? Mas é cedo.
- Não, não é cedo. É quase meio dia. Você está com uma cara horrível. Que horas você chegou?
- Não sei. Era ainda aquela moça do turno da madrugada, aquela do olho roxo aquela vez, lembra?
- Lembro. Ela deve estar dormindo agora.
E estava. A garçonete dormia agora com os miolos espalhados no chão do banheiro. O marido ainda não estava completamente consciente de que o cheiro daquilo ali era o vômito dele. A mulher que fazia café agora liga para sua irmã e diz que o marido a esta traindo, ela conhece aquele cheiro de sabonete, e não é o sabonete que eles usam em casa, por isso que a vida é mesmo uma merda. O homem está se desvencilhando da velha que adormeceu em seus braços, vai tomar banho para depois ir ao trabalho. Uma ligeira indisposição gástrica, bem, ele dizia isso desde que tinha entrado na empresa e havia mentido até para o médico, nunca ninguém reclamou, ele sempre compensava o atraso. Levou o pacotinho que a velha deixara para ele, depois daquela teria pó para o resto do mês e não precisaria mais transar com aquela velha nojenta e obscena. O garoto é levado para a sala do almoço, e come sem nem sequer pensar no que há no prato. Ele está imaginando o que ele sentiria, se um dia pudesse ver, o que seriam as cores. E lembrou da sensação da queda do cavalo. Não, melhor eu engolir meu almoço e ouvir um pouco de rádio. Vivien toma um café forte e sem açúcar, Julia come um sanduíche. Depois arrasta a amiga até a casa dela, entram e Julia a coloca para dormir. Depois que Vivien já está deitada, fica acariciando os seios dela por dentro da blusa. Julia sabia que Vivien gostava daquilo.
3 am - Parte I
A voz dela está falhando, porque é tarde, e ela não tem aonde ir. Coloca suas coisas de volta na bolsa, afasta o cabelo da testa. Ela acredita que está tudo pronto quando tudo está assim, inacabado.
De um lado do quarto, um pôster de um músico morto. Do outro lado, uma estante de livros de autores mortos. O aquário sem peixes. O último morreu na noite mais fria do ano. As algas ainda estão lá, mas ela não foi comprar peixes. Ver mais mortes, pensou.
Ela costumava cantar quando estava sozinha. Alguma música estúpida. Mas agora a voz estava falhando, e a felicidade é algo que está esperando atrás da porta fechada, mas está chovendo muito forte e ela não pode sair.
Levanta e olha no espelho. Sente inveja. Inveja delas, as mais bonitas. Talvez sinta mais inveja ainda porque elas se gostam. E uma tem um poder sobre a outra que a assusta. Quem sabe um dia terei um poder assim sobre alguém. Mas será que é isso que eu quero, ser igual a elas?
Pega um lápis no estojo de maquiagem e desenha uma estrelinha embaixo do olho direito. Penteia os cabelos, passa perfume e amarra um lenço no pescoço. Tudo é tão cável, ninguém vai me ver. Mas ela veste as saias e as botas, e coloca um casaco de chuva sobre a blusa, e sai pela porta da frente. Onde está a felicidade? Não, ela não me esperaria na chuva.
Nas ruas nada é muito diferente do que no quarto. As casas estão mortas, o asfalto está molhado, sem peixes. O céu está escuro, parece que não há vida em lugar algum. Ela esfrega os olhos e duas manchas pretas ficam em suas mãos. Mas não importa muito, ninguém vai vê-la.
Sente a barriga vazia. Ouve um latido, sente um pouco de vento. Enfim, nem tudo está morto.
Entre na lanchonete que costumava freqüentar com os amigos, senta e pede um café à garçonete. Saias curtas vermelhas blusa branca avental meias brancas sapatos pretos cabelo preso no alto da cabeça com um chapeuzinho. É, talvez seja isso que ela seja, só uma garçonete do turno da madrugada.
Serve o café à menina toda borrada de maquiagem e molhada de chuva, depois terminou seu turno, outra ia assumir. Então tirou o chapeuzinho e o avental, e os pendurou num gancho na parede. Pegou a bolsinha de imitação de couro, passou atravessada no corpo, vestiu um casacão por cima e enfiou as mãos nos bolsos. Se não estiver dormindo já em casa, vai chegar mais bêbado que o costume. É essa mania de comemorar tudo o que acontece.
O sol começa a aparecer, mas a garoa fina tenta impedi-lo. Gira a chave na fechadura, sobe quatro lances de escada, porque o maldito elevador estragou de novo, a porta de casa está aberta.
O marido dorme placidamente no tapete da sala. Tem vômito espalhado em torno da sua cabeça. Nada passa na sua mente agora, não está pensando em lavar o tapete de manhã. Chega ao quarto e solta os cabelos, lava o rosto, veste a camisola de algodão, já puída. Abre a gaveta de camisas, desembrulha o revólver do paninho de pó alaranjado, coloca uma bala e vai brincar de roleta russa na frente do espelho do banheiro.
Antes de começar, olha pela janela e vê uma mulher começando o seu dia, fazendo café enquanto o marido ajeita a gravata.
Coloca o café sobre a mesa, derrama geléia sobre as panquecas, ganha um beijo na têmpora e se encolhe sorrindo. A vida é realmente uma merda. Isso aqui é tudo mentira.
Entra no carro e checa a gravata mais uma vez. Está bem, não vai ter problemas em contar mais uma mentirinha.
O prédio onde ficava o escritório era à direita, mas ele virou à esquerda. No caminho, pára e compra algumas flores. Vai para um hotel caro, luxuoso, sobe as escadas acarpetadas e entra no quarto. Meu bem, está atrasado, querido. E a velha sorri, os dentes tão branco quanto as pérolas dos seus brincos e colares. Os dois fazem sexo ali, ele pensando no que ia dizer ao chefe para explicar seu atraso, mas que diabos, a velha preferia fazer sexo de manhã, e ela pensando que ainda era desejada por alguém.
Ele olhou no relógio e lembrou que não era dia de visitas. Correu um pouco com a cadeira de rodas nos caminhos do jardim, mas a sua enfermeira preferida disse que não era para ele fazer isso. Talvez ela apareça mais tarde. Mas sua mãe quase nunca aparecia. E quando aparecia ele sentia o cheiro daqueles sabonetes que se ganha nos hotéis chiques.
A enfermeira olhou o jovem na cadeira de rodas, pobre dele, seria um belo garoto. Talvez jogasse futebol no colégio, se não tivesse caído daquele cavalo quando era pequeno. Cair do cavalo. Como alguém tenta ensinar um garoto cego a andar de cavalo? Só podia ser aquela velha idiota. Estava no fim de seu turno, deu adeus ao garoto na cadeira de rodas, com um beijo na testa. Ele não poderia ver um aceno, de qualquer forma ele gostava daquilo, era a única manifestação de carinho que ele aproveitava.
Saiu do hospital e caminhou um pouco pela rua ainda molhada. Já era quase hora do almoço.
- Vivien, o que você está fazendo aqui? Acorde.
- Ah, Julia. Saiu já do hospital? Mas é cedo.
- Não, não é cedo. É quase meio dia. Você está com uma cara horrível. Que horas você chegou?
- Não sei. Era ainda aquela moça do turno da madrugada, aquela do olho roxo aquela vez, lembra?
- Lembro. Ela deve estar dormindo agora.
E estava. A garçonete dormia agora com os miolos espalhados no chão do banheiro. O marido ainda não estava completamente consciente de que o cheiro daquilo ali era o vômito dele. A mulher que fazia café agora liga para sua irmã e diz que o marido a esta traindo, ela conhece aquele cheiro de sabonete, e não é o sabonete que eles usam em casa, por isso que a vida é mesmo uma merda. O homem está se desvencilhando da velha que adormeceu em seus braços, vai tomar banho para depois ir ao trabalho. Uma ligeira indisposição gástrica, bem, ele dizia isso desde que tinha entrado na empresa e havia mentido até para o médico, nunca ninguém reclamou, ele sempre compensava o atraso. Levou o pacotinho que a velha deixara para ele, depois daquela teria pó para o resto do mês e não precisaria mais transar com aquela velha nojenta e obscena. O garoto é levado para a sala do almoço, e come sem nem sequer pensar no que há no prato. Ele está imaginando o que ele sentiria, se um dia pudesse ver, o que seriam as cores. E lembrou da sensação da queda do cavalo. Não, melhor eu engolir meu almoço e ouvir um pouco de rádio. Vivien toma um café forte e sem açúcar, Julia come um sanduíche. Depois arrasta a amiga até a casa dela, entram e Julia a coloca para dormir. Depois que Vivien já está deitada, fica acariciando os seios dela por dentro da blusa. Julia sabia que Vivien gostava daquilo.