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[L] [Largo Cavafundo][Vermelho e Branco]

[Largo Cavafundo][Vermelho e Branco]

Hj estou inspirado :D

Esse texto eu começei há muuuuuuuuito tempo, mas só vim terminar hoje, pq tinha abandonado ele... espero que gostem, e não se esqueçam de comentar.

Boa leitura.


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Vermelho e branco

Estava atravessando a rua no meio do quarteirão, voltando para casa com um saquinho de papel bege cheio de pães de queijo quentinhos que acabara de comprar na padaria, quando resolveu parar e sentou-se no chão, acomodando o pacote ao seu lado. O asfalto ainda estava frio e parecia úmido, lembrando a recém-terminada noite. A faixa branca de tinta, gasta pelos milhares de pneus que rodaram sobre ela ao longo dos anos, dividia em dois seu corpo, separando um olho do outro e intensificando a simetria natural do ser humano.
A princípio, um transeunte que passasse por aquele lugar não notaria nada estranho: os carros desviavam do corpo quando necessário (na maior parte do tempo, tal necessidade não existia), os motoristas muito imersos em seus cotidianos e seus horários para desviar a atenção para o vulto escuro sobre o pavimento clareado pelo virar das folhas do calendário. Entre os carros, altos e ameaçadores diante de sua imagem encolhida, permanecia imóvel, escutando os fragmentos de canções ou notícias que escapavam pelas janelas semi-abertas. Poucas janelas, no início da manhã, mas cada vez mais passavam, conforme o sol subia no céu, por trás das nuvens que interceptavam o azul celeste.
Foi só mais tarde que ele foi notado pela primeira vez. As lojas daquela rua começavam a abrir – como sempre fizeram, de segunda a sábado, às dez horas da manhã. Os pães de queijo já estavam bastante frios, assim como as mãos do homem, que se esfregavam rapidamente (talvez até involuntariamente) para tentar se aquecer. Frio também estava o mendigo cujo sono fora interrompido violentamente pela comerciante que desejava abrir a loja na frente da qual o sem-teto dormia, protegido apenas por um cobertor velho e furado. Frio e faminto, até que notou o homem sentado no meio da rua, surgindo e sumindo e voltando a aparecer conforme os carros passavam em sua frente. Assim que o semáforo ficou vermelho e os carros pararam ao longo do quarteirão, o indigente deu a volta nos carros e aproximou-se do homem parado. Pegou o saquinho de papel e foi embora, feliz por ter conseguido uma refeição gratuita.
Foi a partir daí que passaram a notar o sujeito sentado no meio da rua. Não notaram-no diretamente, no início, prestando mais atenção no mendigo que parara entre os carros mas não mendigara. E então perceberam o indivíduo. Alguns, tomados por uma insegurança ao vê-lo lá, diminuiam a velocidade para não atropelá-lo. Outros, simplesmente faziam uma leve curva. Mas o comportamento da grande maioria dos motoristas continuava inalterado. A única coisa que mudou foi que o viam. O viam, se indagavam sobre o por quê de ele se encontrar em tão esquisita posição, chegavam a se indignar. Mas nada mudava. Como alguém poderia esperar que algo mudasse simplesmente porque um homem sentou-se no meio da rua? Mas haveria de mudar, não estava ali por nada! Percebê-lo era o primeiro passo. Às vezes, irritava-se com a própria passividade. Mas acalmava-se e voltava a observar seus observadores.
Gostava de ver as crianças. As crianças o notavam com um ponto de exclamação. Interrompiam qualquer ação, mesmo tomar sorvete ou puxar o cabelo da irmã menor, no momento em que percebiam o homem. Amassavam o rosto contra o vidro, molhavam-no com a saliva, entortavam o pescoço para ter uma visão melhor. As menores acenavam. As maiores olhavam com expressões surpresas. E, quando o semáforo mostrava o círculo iluminado verde e os carros novamente punham-se em movimento (sempre afastando-se do homem), perguntavam aos seus pais qual era o significado de um adulto sentado no chão, justo naquele chão. Ideal seria se eles parassem mais para pensar. Infelizmente, os adultos geralmente vêm as questões das crianças como “por ques” sem maior importância. Mas mesmo a quantidade mínima de pensamento que eles dedicassem a formular uma resposta simples e objetiva para os filhos fazia diferença. Pensar nos faz pensar, pensou o pensador que sentava-se na rua.
Agradou-lhe ainda mais a chegada da noite. Por mais deserto que estivesse o quarteirão, a madrugada na cidade grande é sempre um universo proveitoso para pessoas como ele. Os tipos esquisitos só não eram mais esquisitos que o próprio homem. Não que ele fosse de caráter ou natureza estranha. Estranhas eram as circunstâncias (para não dizer que estranho era o mundo a seu redor). Sentia-se mais confortável em meio à penumbra. Mas era no dia que podia, finalmente, mostrar-se ao mundo. Sentado, é claro.
Quando o céu começava a clarear com a luz de um Sol que ainda não surgia no horizonte, mas que o faria a qualquer instante, o homem cochilava. Por uma questão de segurança, seu descanço involuntário era sentado. Uma buzina ao longe, barulho isolado na silenciosa manhã, o acordou. A primeira coisa que fez, antes mesmo de abrir os olhos, foi levar a mão à barriga, que roncava de fome. A segunda foi sentar em outra posição – suas nádegas doíam de frio.
O que viu depois de finalmente abrir os olhos foi vermelho e branco. Depois do susto, entendeu. Durante o pouco tempo em que durmira, haviam-no rodeado de cones, daqueles usados para controlar o trânsito quando a prefeitura faz alguma obra na rua. Olhou para um carro que passava. Os passantes não mais viam-no ali, estava mergulhado, sumia detrás daquelas montanhas de plástico. Isso não podia ser.
Levantou-se. De pé, talvez não agüentasse tanto tempo. Mas o pouco que agüentasse seria melhor do que deixar-se ser engolido por aqueles objetos colocados para que não o vissem. De pé, não poderiam ignorá-lo. Ele estava agora na frente deles, não tinham nem de mexer a cabeça para vê-lo. Aliás, teriam de fazê-lo se não o quisessem olhar. Devia ter feito isso há mais tempo.
Certamente, as pessoas o viam agora. Mas era inútil. Os cones atraíam a atenção para ele, mas era como se ao mesmo tempo dissessem para os passantes ignorá-lo, “não é nada, não se preocupe, estamos cuidando disso”. A única forma de mobilização dos motoristas deu-se através do fato de os cones ocuparem mais espaço na rua, fazendo com que eles fossem obrigados a desviar mais do que antes. O único que nele prestava atenção era um mendigo, o mesmo da manhã anterior, que analisava as possibilidades de ganhar outro café-da-manhã de graça.
Revoltado, chutou os cones, que rolaram para o meio das faixas pelas quais mais e mais carros começavam a passar naquele novo começo de manhã. Gritou, haveriam de olhar para ele, de realmente olhar, de entendê-lo! De pelo menos tentar! De pelo menos se importar!
Um carro, tentando desviar do cone que surgiu repentinamente em sua frente, acertou-o. Sem notar, continuou em seu caminho até a casa do motorista, até seu escritório ou qualquer que fosse o seu destino. Por semanas o corpo ficou lá, apodrecendo. Não seria justo, porém, dizer que não foi percebido. No quarto dia a partir da morte do sujeito, um cão deu-lhe uma mordida, logo sendo repelido pelo gosto e pelo odor insuportáveis.
Simultaneamente, a mulher do sujeito começava a se preocupar com os pães de queijo que tanto demoravam.
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muito bom o texto, gostei do desenrolar da historia, dando atenção aos pequenos detalhes, e mostrano o cotidiano.
o final bem ironico e sarcastico tb foi bom, e deu um desfecho e tanto com a preocupação da mulher...

um conto bastante critico e bem bolado!
 

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