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Finrod
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[O coração das trevas]
Subir naquele rio era como viajar de volta aos mais primordiais princípios do mundo, quando a vegetação invadia a terra e as grandes árvores reinavam. Um rio vazio, um grande silêncio, uma floresta impenetrável. O ar quente, denso, pesado, parado. Não havia alegria na luminosidade do Sol. Os longos trechos do rio corriam, desertos, para dentro da escuridão das distâncias encobertas. Nos bancos de areia, prateados hipopótamos e jacarés tomavam banho de sol lado a lado.
A água que se alargava fluía através de um enxame de ilhas cobertas de mato; perdia-se o caminho naquele rio, como se perderia num deserto, e durante todo o dia batíamos contra baixios, tentando encontrar o canal, até julgarmo-nos enfeitiçados e isolados de tudo que conhecêramos outrora - em alguma parte distante - numa outra existência, talvez.
Havia momentos em que nosso passado nos voltava, como acontece às vezes quando se tem um minuto de folga para si mesmo; mas vinha sob a forma de um sonho agitado e ruidoso, lembrado com admiração em meio às esmagadoras realidades daquele estranho mundo de plantas, e água, e silêncio.
E aquela quietude de vida não se assemelhava nem um pouco à paz. Precisava ficar adivinhando o canal; precisava discernir, sobretudo por intuição, os sinais de baixios ocultos; buscava pedras no fundo; aprendia a cerrar os dentes astutamente, antes que o coração saísse pela boca, quando passava raspando por algum diabólico toco velho que teria rasgado o velho vapor de lata, tirando-lhe a vida e afogando todos os peregrinos; precisava manter-me alerta para os sinais de lenha que pudéssemos cortar à noite para a fornalha do dia seguinte.
Árvores, árvores, milhões de árvores, maciças, imensas, erguendo-se a grandes alturas; e aos pés delas, imprensando a margem contra a corrente, arrastava-se o vaporzinho fuliginoso, como um besouro preguiçoso arrastando-se no chão de um pórtico suntuoso. Aquilo fazia-nos sentir muito pequenos, muito perdidos, e no entando não era inteiramente deprimente, aquela sensação.
Afinal, se éramos pequenos, o sujo besouro prosseguia arrastando-se - que era exatamente o que queríamos que fizesse. Os remansos abriam-se diante de nós e fechavam-se atrás, como se a floresta houvesse atravessado calmamente a água, para barrar-nos o caminho de volta. Penetrávamos cada vez mais fundo no coração das trevas. Fazia um silêncio ali. À noite, às vezes, o rolar dos tambores por trás da cortina de árvores subia o rio e ficava parado fracamente, como pairando no ar, muito acima de nós, até o primeiro romper da aurora.
Se significava guerra, paz ou prece, não sabíamos. As auroras eram anunciadas pela descida de uma fria quietude; os lenhadores dormiam, suas foguei-ras ardiam baixas; o estalar de um galho fazia-nos sobressaltar. Éramos viajantes errantes numa terra pré-histórica, numa terra que tinha o aspecto de um planeta desconhecido. Podíamos imaginar-nos como os primeiros homens a tomar a posse de uma herança maldita, a ser subjugada à custa de profunda angústia e excessivo esforço.
[O coração das trevas]
Subir naquele rio era como viajar de volta aos mais primordiais princípios do mundo, quando a vegetação invadia a terra e as grandes árvores reinavam. Um rio vazio, um grande silêncio, uma floresta impenetrável. O ar quente, denso, pesado, parado. Não havia alegria na luminosidade do Sol. Os longos trechos do rio corriam, desertos, para dentro da escuridão das distâncias encobertas. Nos bancos de areia, prateados hipopótamos e jacarés tomavam banho de sol lado a lado.
A água que se alargava fluía através de um enxame de ilhas cobertas de mato; perdia-se o caminho naquele rio, como se perderia num deserto, e durante todo o dia batíamos contra baixios, tentando encontrar o canal, até julgarmo-nos enfeitiçados e isolados de tudo que conhecêramos outrora - em alguma parte distante - numa outra existência, talvez.
Havia momentos em que nosso passado nos voltava, como acontece às vezes quando se tem um minuto de folga para si mesmo; mas vinha sob a forma de um sonho agitado e ruidoso, lembrado com admiração em meio às esmagadoras realidades daquele estranho mundo de plantas, e água, e silêncio.
E aquela quietude de vida não se assemelhava nem um pouco à paz. Precisava ficar adivinhando o canal; precisava discernir, sobretudo por intuição, os sinais de baixios ocultos; buscava pedras no fundo; aprendia a cerrar os dentes astutamente, antes que o coração saísse pela boca, quando passava raspando por algum diabólico toco velho que teria rasgado o velho vapor de lata, tirando-lhe a vida e afogando todos os peregrinos; precisava manter-me alerta para os sinais de lenha que pudéssemos cortar à noite para a fornalha do dia seguinte.
Árvores, árvores, milhões de árvores, maciças, imensas, erguendo-se a grandes alturas; e aos pés delas, imprensando a margem contra a corrente, arrastava-se o vaporzinho fuliginoso, como um besouro preguiçoso arrastando-se no chão de um pórtico suntuoso. Aquilo fazia-nos sentir muito pequenos, muito perdidos, e no entando não era inteiramente deprimente, aquela sensação.
Afinal, se éramos pequenos, o sujo besouro prosseguia arrastando-se - que era exatamente o que queríamos que fizesse. Os remansos abriam-se diante de nós e fechavam-se atrás, como se a floresta houvesse atravessado calmamente a água, para barrar-nos o caminho de volta. Penetrávamos cada vez mais fundo no coração das trevas. Fazia um silêncio ali. À noite, às vezes, o rolar dos tambores por trás da cortina de árvores subia o rio e ficava parado fracamente, como pairando no ar, muito acima de nós, até o primeiro romper da aurora.
Se significava guerra, paz ou prece, não sabíamos. As auroras eram anunciadas pela descida de uma fria quietude; os lenhadores dormiam, suas foguei-ras ardiam baixas; o estalar de um galho fazia-nos sobressaltar. Éramos viajantes errantes numa terra pré-histórica, numa terra que tinha o aspecto de um planeta desconhecido. Podíamos imaginar-nos como os primeiros homens a tomar a posse de uma herança maldita, a ser subjugada à custa de profunda angústia e excessivo esforço.