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[L] [bachelorette][O outro rosto]

Bachelorette

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[bachelorette][O outro rosto]

O OUTRO ROSTO

Para aqueles que me conhecem, não preciso dizer que, apesar dessa casca de pessoa feliz e contente, guardo dentro de mim
cancuos maiores que o mundo. Peço lhe que me perdoe os devaneios nos armários de minhas lembranças, mas tudo do que é
dito é importante para a compreensão da descoberta que fiz.
Pois bem... sou uma jovem universitária que desde cedo demonstrou gosto pela morbidade e pela melancolia.
Ainda aos cinco anos, minha brincadeira favorita era se fingir de morta, tanto que no morto-vivo da escola eu sempre perdia. A
pessoa falava morto e eu ficava lá, prostada, ela falava vivo e eu continuava lá. E em casa era a mesma coisa. Eu podia ficar horas
deitada na grama me fingindo de morta. E embora parece uma brincadeira idiota, tinha um propósito: eu queria enganar a morte.
Queria que ela pensasse que eu estava morta de verdade, e quando ela começasse a me levar, eu diria: sua burra, não estou
morta não. Vc nem faz seu trabalho direito! Pode largar me braço, por favor? E durante algum tempo essa busca virou obsessão.
Eu ensaiava posições de morre em todos os cômodos e lugares da casa. De cabeça para baixo na escada, bem no meio do
gramado, cruzando a porta de casa, mas entre os copos de leite, era a minha favorita. E ficava lá. Até a fome me fazer levantar.
No entanto, nunca encarei a morte com drama. Tinha curiosidade, mas não me sentia triste por acontecer. Meu primeiro contato
real foi com meu bisavô, aos seis anos. Morreu de câncer. E eu via meu pai chorando, e achava besteira. O meu bisavô estava
numa cama muito legal! E parecia tranquilo, porque meu pai chorava, então? E realmente fiquei triste, quando chegamos em
casa e a choradeira continuava. Lembrei que no último enterro que teve (o qual não tinha comparecido, embora tivesse implorado
com todos meu argumentos infantis) e comecei a falar que pelo último defunto ninguém tinha chorado daquele jeito. Minha mãe
viu aquilo como um ato de compaixão, já que o caloteiro por quem ninguém tinha chorado era da família dela, e ficou orgulhosa.
Decidi não falar o verdadeiro propósito, que era fazer que aquela choradeira irritante parasse, era melhor que ela achasse isso.
Mas entendi que meu espírito era fadado à melancolia quando, ao completar 7 anos, minha mãe me disse: "passou de seis anos
não é mais anjinho: . Ela tem essa mania de chamar crianças de anjinhos, acho que pelo fato de ela ter abortado mais de 10 fetos.
Por uma simples razão: se forem anjinhos, logicamente estão no céu, então a sua culpa diminui. Pois é, naquela época não
entendi muito bem aquele papo de anjinho, mas compreendi com horror que eu cresceria inevitavelmente. E aquilo foi um baque.
Comecei a correr atrás do tempo perdido, colecionando memórias. Passava horas, calada, só lembrando e relembrando fatos
passados. De quando eu tinha 3, 2 anos. Colecionando casos e decorando as posições dos móveis. E ainda hoje lembro da
casa em que nasci e de todas as outras que morei. E é disso que é feita a melancolia. De lembrança, e contruida em sonhos
que a pessoa forma para ela mesma, com a consiência de serem impossíveis. E, assim, contrui minha melancolia com
alicerces fortes e resistentes, que nem o peso de mundos seria capaz de partí-los.
E o grande dia chegou. Eu já sabia que um dia ia vir, e esperava com ansiedade, como uma menina tola esperando seu
aniversário de 15 anos. E aos 10 anos, veio minha primeira grande depressão. Minha mãe não tinha conseguido abortar a
tempo, e agora estava com 5 meses de gravidez. Naqueles dias cinzentos, quis ver o rosto da morte mais que tudo na vida.
E hoje, 10 anos depois, a vejo. Está lá. Me encontro em um banheiro todo branco, que forma um contraste com minhas
roupas pretas e meu vômito amarelo que se encontra na privada. Ele me encara. Sinto o gosto de sangue na boca, fruto
da quinta unhada na garganta, numa tentativa desesperada de colocar a dor para fora. Venho fazendo isso há dias. Está
se tornando um hábito. E agora olho a morte. E ela é amarela com pedaços de macarrão, bem diferente do romantismo
que eu imaginava. E olhando para aqueles olhos, compreendi minha existência ou falta dela. É inútil buscar a morte. Pelo
simples fato de que não vivo. Sou fruto de um dos abortos de minha mãe. Que por um instante esqueceu de morrer.
- Minha mãe sabe disso?
- Sabe.
- E por que ela não me falou?
- Ela tem pena de você.
- Sei. E porque vc não me buscou? Te dei tantas chances!
- Sabe como é, tenho andado muito ocupada...
- Como assim ocupada?
- Bom..
- Você não sabe nem fazer seu trabalho direito! Inútil.
- Eu posso explicar
- Então explique-se.
- Na verdade, se o cara souber que falhei de novo, vou levar o maior esporro, então achei que se vc continuasse andando por
um tempo, daria para ele acalmar os nervos, e aí eu poderia contar o acontecido com calma.
- Mas vc não pode apenas me levar sem ele saber?
- Ih, vc não imagiona como são as pessoas por aqui. Estão doidas para me derrubar. Me dedariam com certeza, e aí seria pior.
- Sei. E o que faço?
- Vc fica aí quietinha que quando esfriar por aqui eu te busco, prometo.
- Agh! E o que ganho com isso?
- Mais alguns anos de vida, ora!
- E você acha que gosto daqui?
- Shhh não grite, não queremos chamar a atenção, certo?
- VOCÊ não quer chamar a atenção! Eu estou cagando para isso! Quer saber de uma coisa?
- Pérai, o que vc tá fazendo?
- Dando a descarga, ora.

Vejo o rosto da morte indo embora. Francamente, da próxima vez como o arroz e feijão convencional, mesmo.
 
Muito bom. Melancolia, Morbidez e humor NojeNegro. Só achei o desfecho ("Fracamente...") presunçoso.

Edita onde diz "...minha existência ou alta dela" (imagino que seja falta).
 
hum? 8O

Eu não entendi direito se é um texto humorístico ou reflexivo...
O q ela tinha comido?

Bem, eu tava gostando mas foi chegando o final e eu não entendi...

Mas a menina parou com a idéia de morte? :o?:
 

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