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[L] [Angiuli] [A Balada de Fearghail]

angiuli

Mentallion
Conto situado na Irlanda feudal e inspirado no livro Poems of Ossian de James McPherson.

A linearidade pode parecer meio confusa, mas faz parte do estilo :cerva:

A Balada de Fearghail


O Sol se resplandecia em sua fronte ante o campo de batalha. Seus cabelos brilhavam em chamas como o Sol do amanhecer e seu olhar se perdia no horizonte. Ali, sobre a colina de Emain Macha, trono da deusa da guerra, em frente a uma planície verdejante estava a figura de Fearghail, admirava a beleza daqueles campos antes de serem manchados pela cor rubra do sangue. Fearghail Mag Uidhir, comandante de exércitos, general de Cormac Mac Airt, ard-ri da sagrada Terra de Ériu[1]
Ante seu chamado exércitos se erguiam em batalha, sua espada era como um raio em meio à guerra e seu nome terror para seus inimigos. Como fogo descendo dos céus sua espada banhada em sangue rugia, seu escudo era como uma montanha, intransponível e imponente. Sua
lança, diziam ser a própria lança de Lugh. Ó nobre Fearghail que jaz no outro mundo, teu nome era renomado e sua bravura temida em batalha. Avançou à frente de teu exército contra os ferozes guerreiros de além-mar, mais uma vez lutava pela defesa de tua gloriosa Irlanda.
Um a um derrubava seus inimigos, como um ceifeiro às vésperas do inverno que colhe o trigo com pressa. Seus cabelos vermelhos tremulavam ao vento como línguas de fogo; não usava elmo, não temia a morte, pois preferia perecer na batalha a padecer moribundo em uma cama. Mas a morte não se encontrava na lâmina inimiga, e sim na sua própria, que tomava com rapidez a vida de quem se opusesse a ela.
Como demônios aqueles guerreiros de terras longínquas vinham à batalha com sede de sangue e vingança pelos companheiros mortos. Mas nenhum inimigo permanecia diante do temível Fearghail e nem sua disposição fraquejava. A noite veio cobrindo com um véu prateado o campo da morte. Sobre aquele lago vermelho jazia o poderoso Allad, primo de Fearghail, valoroso entre os guerreiros, e também Flann, seu filho.

Quantos pais choraram à morte de seus filhos? E quantas mulheres choraram junto ao túmulo de seus maridos? Tu, ó bardo, que cantas a morte de heróis, mas não a morte de estranhos, não conheces tu, o pranto ou a tristeza. Mas mais choraram as mulheres de nossos inimigos naquele dia, pois grande era seu número caído em nossos campos.

De entre todos os guerreiros então surgiu, altivo como um rei, imponente como um deus entre os mortais, envolto pela luz cinzenta do luar, Fearghail, com sua espada apontada ao rei escandinavo, e bradando em alta voz, fez silenciar todo o campo de batalha.
- Teu nome é conhecido entre teus inimigos, ó Egil, rei de Lochlin[2]. Teus feitos são temidos e tua voz respeitada. Mas não encontrarás refugio na terra da Irlanda, pois os que aqui habitam a defenderão, e seu sangue será vingado. Lute comigo, ó Egil, ou fuja para sua terra para nunca mais voltar.
- Bravo tu és, nobre Fearghail, e renomado é teu nome. Tu és honrado, mas não o suficiente para lutar com um rei, mande vir Cormac e com ele lutarei.
Pondo-se em frente a todo o exército, Fearghail replicou.- Rei tu és, mas de terras distantes. Lute comigo, e talvez meu rei te recebas, vença e te tornarás digno de pisar nesta terra, pereça e teus guerreiros erguerão um memorial a ti aqui neste campo, fuja e tua vida serás poupada. O que decides?
- Tu és insolente e falas como um rei. Hoje te encontrarás com teus ancestrais.
Os dois poderosos se ergueram em fúria, aço contra aço, sangue contra sangue. Como fogo e gelo lutaram, uma luta que até os deuses temeriam. Duas vezes Fearghail foi ferido, mas bastou um golpe contra Egil para o derruba-lo e cortar-lhe o coração, fazendo seu sangue cair por terra junto ao sangue de seus guerreiros.
Ali naquele campo caiu Egil, rei de Lochlin, poderoso em batalha. Uma pedra foi erguida em seu memorial, e seus homens foram poupados, como havia jurado Fearghail.
Recebido foi Fearghail, o comandante de exércitos, por Cormac com uma festa em seus salões. Lá se encontravam os heróis da batalha: Brian, filho de Cormac, príncipe de Erin; Banno, o Valente; Conall, filho de Comhal, o irmão de nosso rei, maior guerreiro dentre todos os soldados de Erin; e também ali estava Finn, o Louro, filho de Fearghail, nobre como o pai, valente como um guerreiro da sagrada Irlanda.
A festa se espalhou. Os bardos cantavam em júbilo à batalha vencida, aos heróis que em glória retornaram e aos falecidos que nos campos de guerra ficaram. O nome de Fearghail foi exaltado em canções, canções e poemas já esquecidos, assim como a honra de seu nome.
Mas nem as canções entoadas, nem a glória alcançada, nem as honras recebidas o alegravam tanto quanto a presença de sua amada dama, vestida em fino linho, branco como o lírio da manhã, brilhando tal qual o belo âmbar; cabelos negros e pele alva como as negras asas de um corvo em meio à neve invernal; donzela de beleza altiva.
As horas se passam, a noite se adentra levianamente, os bardos se cansam, o salão é deixado para os fantasmas de nossos antepassados, as luzes se apagam e o silêncio reina supremo e incontestável sob a luz do luar.

[1] Nome do qual descende o atual nome da Irlanda: Terra de Ériu, ou Terra de Eire (Ireland).

[2] Nome gaélico para a Escandinávia.


 
Caiu Cormac. Caiu Cormac Mac Airt. Caiu o rei de nossa Irlanda. Caiu a Irlanda.
O mais nobre dentre os nobres, rei de todos os reis; jaz agora Cormac no campo da batalha. – Quem haverá agora de governar? Quem haverá de ser tão sábio e poderoso quanto o sábio e poderoso Cormac? Caiu, caiu, caiu nosso rei – gritavam e lamentavam os homens que ali permaneciam, lutando e protegendo o corpo de seu senhor.
De distantes terras voltaram os furiosos guerreiros de Egil. Com ódio e fúria em seus corações, clamando por vingança, liderados por seu agora rei Adil, filho de Egil. Emboscaram e atacaram, para Tara Cormac não mais voltaria.
Densa névoa o seguia, de Armagh o rei partira; valiosos soldados o guardavam, em seus cavalos pardos cavalgavam. Dentre as árvores surgiu: uma seta traiçoeira encontrando seu alvo, e ali Cormac caiu.
O silêncio tomou conta do momento: os homens se viram petrificados, o sangue lhes fugiu das faces e suas almas congelaram; um tremor se apoderou de seus corpos e a tristeza pela morte de seu amado rei lhes inflamou os corações e as espadas, engajando em uma luta desesperada.
Um a um os guerreiros irlandeses caíram, até o último homem permanecer de pé, Connal, sobrinho de seu falecido senhor, a quem mais doera a perda; barbas longas e rosto marcado pelo tempo e pelas batalhas, agora triste e desolado, subjugado pelo inimigo.
- Mate-me! Mate-me! – gritava o guerreiro. Mate-me tu e tua corja de animais, rei de cães e desonrados. Aqui desembarcaram, mas aqui não ficarão, pois os que defendem esta terra se vingarão, e sua fúria será tão poderosa que seus deuses a temerão.
- Não te matarei – replicou-lhe Adil -, pouparam nossos guerreiros e eu te pouparei, nos entregaram o corpo de nosso rei e nós lhe devolveremos o seu. Toma agora um cavalo e parte para teus senhores, entrega-lhes o corpo de Cormac e anuncia queda de tua terra. Escondam-se em suas casas e meu exército passará por suas cidades como o vento em meio a uma viela, mas busquem vingança e nem a tempestade do mar será tão devastadora quanto os guerreiros do gelo.
Tomando o cavalo de Cormac chegou a nós, mensageiro da morte em um cavalo branco. O pranto tomou conta de todos os salões, uma maldição tomou nossa terra, um silêncio tomou o coração de todos.

A densa névoa de morte se mesclava com uma chuva fina e lapidante, a pira funerária do rei se erguia majestosa sobre a colina de Tara, majestosa como os feitos daquele que ali repousava e que um dia ali governara, o último leito do grande rei Cormac Mac Airt. Sua alma seria recebida em glória por seus antepassados no Outro Mundo. Os bardos cantavam, canções tristes e canções alegres, de recordação e de pranto; e também cantou Fearghail, e todos ali presentes cantaram por seu amado rei e pelo triste destino de nossa Irlanda.
 
- Quem há de lutar por uma terra perdida? – ecoa a voz dos traidores.
- Incontáveis são nossos inimigos – ecoa a voz dos fracos.
- A vitória só será alcançada se lutarmos em sua esperança – ecoa a voz dos que ainda lutam.
- Por nossa terra lutaremos em detrimento da liberdade – se ergue a voz de Fearghail, imperiosa como a luz na escuridão.
- Uma luta perdida sim lutaremos – a voz dos covardes se exaltou.
- Mas ainda assim lutaremos – retrucou-lhes Fearghail -, e se morrer devemos, em honra e glória partiremos. O Sol ainda brilha em nosso céu e a esperança repousa em nosso campo, os covardes podem ficar, mas os bravos hão de guerrear.
E para a guerra partiu o nobre Fearghail, e também Connal, e Finn, e Brian e Banno, e todos os guerreiros valentes, com coragem para travar uma luta desigual e perdida com os invasores e sacrificar até o último homem para defender sua terra. Vós, covardes, que em suas casa ficaram, temendo a morte ao invés de marcharem para a batalha, vós chamais Fearghail de traidor por não se subjugar a reis estrangeiros, por não partilhar de seus temores, por ser forte e honrado até o fim.
O inimigo foi divisado no horizonte. Um horizonte cinza e melancólico, sem esperança para quem para lá marchava. Fearghail parou. As lanças do exército de Lochlin eram como uma floresta, manchada de sangue e ódio.
Avante dos dois exércitos iam seus comandantes, Fearghail e Adil, se encontrando no centro da planície.
- Parte. Parte agora Adil, pois teu destino é o mesmo de teu pai e teu exército não será poupado. Nosso acordo foi quebrado e minha fúria pouco cabe em meu coração; Nosso rei foi morto de maneira traiçoeira, como um animal da floresta, caçado covardemente.
- A morte de meu pai será vingada, em vermelho tua terra verde se tornará. Fuja com o resto de teu povo, Fearghail, e poupe sua vida por mais um dia, ou jogue suas armas aos meus pés e jure fidelidade a mim Adil, rei da Escandinávia, e seu povo será poupado, mas não tu Fearghail: não tu em cujas mãos foi derramado o sangue de Egil.
- Não sou um rei para decidir o destino de meu povo, nem um covarde para abandonar aqueles que amo, tampouco escolho a morte para outros que não eu; quem me segue vai de encontro à morte certa, mas também à liberdade que por hoje lutam. Sou sim um guerreiro, e hoje morreremos, talvez julgados como traidores e geradores de desgraça de nosso povo, mas ainda assim tombaremos em defesa do que nos é caro.
- Então que assim seja. Hoje terei tua cabeça e a cabeça de cada habitante de tua terra.
Cada um voltou à frente de seus exércitos. Como um trovão em meio aos montes marcharam, e como dois mares se encontraram, fazendo a terra tremer a seus pés.
Apesar de esquecidos, hoje venho a exaltá-los e dar-lhes um merecido réquiem. Quem lutaria uma batalha perdida, se não nós, filhos da Irlanda?
Ainda que em maior número, nossos inimigos foram fracos e em nossos escudos havia seu sangue. Fearghail lutava à frente de todos, intocável e resplandecente, nobre e valoroso até o fim de seus dias. Adil havia se posto contra Finn, suas forças se equivaliam, mas sua luta fora breve.

Finn tombou com um cote em seu peito, triste fim de um grande guerreiro, filho honrado de Fearghail, que sobre seu corpo chorou. Seu coração se encheu de lágrimas e uma tristeza profunda lhe abateu, nada mais à sua volta importava.
Em ódio se ergueu, gritando aos céus e amaldiçoando o nome de Adil, correndo em sua direção o atacou, dando início a uma luta tão terrível que todo o campo se silenciou ante a fúria de seus comandantes, senhores dos guerreiros que ali estavam.
O tempo pareceu ter parado quando sua espada haviam se encontrado e longo fora o duelo ali travado. Ninguém avançou, ninguém recuou, como dois montes imponentes e intransponíveis.
Em um golpe certeiro Fearghail desarmou o jovem rei, e como nobre guerreiro, ó maldita fama que foi sua ruína, a luta parou. Porém traiçoeiro qual uma serpente, Adil, armando-se de um punhal escondido, sobre nosso amado general se atirou, ferindo-lhe seu peito. E Fearghail, tomado de surpresa também acertara-lhe o coração, caindo Adil de rosto ao chão e Fearghail de joelhos, morrendo assim mesmo, resgatado por Connal, não tocando o mesmo solo em que morreram seus inimigos. Uma tristeza se caiu sobre toda a Irlanda, mais profunda que o silêncio da noite. Um trovão rasgou o firmamento na hora em que Fearghail morrera, e o céu se tornou escuro por alguns instantes, acompanhando o sentimento da terra que perdia seu mais valoroso guerreiro.
A batalha teve início novamente, ambos os lados abalados pela perda de seus senhores, porém enquanto os homens de Lochlin estavam assustados e chocados, nosso amor por Fearghail nos deu nova força contra o inimigo, nos impelindo em uma onda destruidora como o mar contra a areia da praia, e a vitória ascendeu em glória sobre nossos campos.

A natureza parecia chorar sua morte. As lágrimas dos céus e dos homens se fundiam em tristeza pela morte dos que ali jaziam: Brian não mais reinaria, encontrara seu pai novamente tão cedo; Finn, de morte gloriosa contra o inimigo de sua terra, e todos os outros valorosos guerreiros que morreram defendendo nossa Irlanda, que tu, ó bardo, habita hoje em liberdade e que despreza aqueles que morreram para te defender. Mas mais choramos por Fearghail, aquele que nos guiou e nos comandou, honrado e valente até o fim de sua vida, maior guerreiro que pisou nesta terra.
E no local em que seu corpo foi queimado sobre uma pira de carvalho, entre as cinzas fora erguida uma pedra em sua homenagem, e nela dizia:

Aqui descansa Fearghail, filho de Finn
Guerreiro valente e de alma honrosa
Filho da gloriosa terra de Erin
 
Ótima escrita a sua, mestre Angiuli, guarde a certeza de que tu tens meu respeito.
Gostei do modo como você descreve as coisas ao redor do personagem, e também o próprio personagem, realmente impressionante, assim como os deuses temeriam ver a batalha entre Fearghail e Egil, eles temeriam ver a beleza de sua escrita.
Parabéns.
 

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