Alexandre Fidélis
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[Alexandre Fidélis][HOMEM-ARANHA: TOTEM - Parte 1]
IMPORTANTE: Devido ao seu tamanho, este primeiro episódio será apresentado em dois ou mais posts; portanto, se a leitura agradar alguém, continue sem desespero...
HOMEM-ARANHA
TOTEM
Parte 1: Tabuleiro
Um conto escrito por Alexandre Fidélis.
Eles estão caçando. Criaturas com asas, tentáculos, golens de metal controlados por distantes almas insanas, caminhando pelo jardim onírico, e é impossível que estas selvas sejam seu quintal, pois não há sequóias no Queens. Não há florestas tão grandes de sequóias em parte alguma, e tudo termina com enormes trevas envolvendo seu corpo, como uma roupa viva que não pertence ao mundo do qual todos viemos, na escuridão dentro e fora de um jovem tão peculiar, que estende a mão à um simples floco de neve e falha, deixando escapar entre os dedos a última fagulha de luz, fria talvez, mas gelo que através dos olhos acende o espírito daqueles que esperam um sinal.
Então Peter Parker acorda.
Apenas um abrir de olhos. Nada de “sentido de aranha”, apelido carinhoso ao espeto de aço incandescente que enfiam em sua cabeça toda vez que o perigo se aproxima, sorrateiro ou não. Essa dolorosa consciência, que se espalha pelo corpo e quando menos se espera, miraculosamente, em meio à três piruetas num beco qualquer, a perna esticada alcança vinte centímetros com sua extremidade acima da cabeça, e uma bala fatal passa a ser a ruína de um desafortunado tijolo. Nada disso.
Lentamente Peter estende o braço para pegar seus óculos na escrivaninha e... sentido de aranha! Um salto mortal para o lado da cama e por dois centímetros, o microscópio que seus tios deram-lhe aos seis anos não se espatifara. Ele perdera sua posição de brinquedo predileto para o Playstation e depois caiu para a terceira posição devido ao computador. O jovem Parker, sonolento, uma figura bizarra, ainda esticada e torta no chão de seu quarto, lembra dessas coisas e também do fato de não usar óculos a pelo menos um ano, desde daquele acidente com a aranha, durante a fatídica excursão que lhe conferiu certos dons peculiares. Um sorriso idiota é ensaiado por seus lábios cobertos pelo abundante muco com o qual encharca todas as noites o travesseiro, fato que até hoje sua Tia May faz questão de contar para as visitas. Uma das poucas coisas que ele não aprova na tia, principalmente depois que ela contou para Mary Jane. MJ... que gargalhada gostosa ela deu aquele dia e, em meio à aquela situação constrangedora, entre o impulso infantil de contar que Harry Osborn molhava as calças vez ou outra quando dormia, para desviar a atenção do sarro e continuar a salivar mais que no travesseiro com o riso daquela linda ruivinha, adivinhe? O mundo pára quando MJ fala, quando Gwen Stacy atravessa o incauto nerd com seus olhos verdes , e quando Betty Leeds diz algo óbviamente de duplo sentido na redação do Clarim, e ele ruboriza. Já sentado em sua cama , ele volta o pensamento ao presente e olha o microscópio, percebendo como ele voltou a ocupar um significante papel em sua vida novamente.
Poderia ter sido ontem , no laboratório da universidade. Peter ficara encarando durante um tempo indefinido o Doutor Connors, entre um soslaio e a bola de papel de Flash Thompson ( arremessada com uma precisão indescritível , e certeira, devido ao sentido de aranha estar falhando – o gás que Mystério usou, talvez ). Será que poderia contar seu segredo a ele?
Com certeza, Peter já o teria feito, se Connors não costumasse se transformar num réptil assassino-megalomaníaco de mais de dois metros de altura. As atribuições da escola, as acusações do Clarim Diário, as escoriações e a ingratidão dos cidadãos para com seus atos heróicos estavam minando sua determinação e é claro, apesar de em um ano a cena de seu uniforme enfiado em uma lata de lixo num beco qualquer com ele se afastando entre pensamentos do tipo “Agora chega! Homem-Aranha nunca mais!” ter se repetido milhares de vezes , jamais até então ele tinha questionado o juramento que havia feito ao seu falecido tio Ben. Mas , afinal, ele tentou, não tentou? E o que recebia em troca? O patinho feio estava virando cisne, as garotas estavam se dando conta do “misterioso Parker”, e ele ainda precisava de grana para começar a ter algum sonho de consumo além da moto que não durou muito...
Meu Deus!!! Você é jovem , a cidade tem Vingadores, Quarteto e o Namor quando não está naqueles dias! Duende Verde versus Thor? Hahaha!
Então, nada mais natural que estudar seu próprio DNA em busca de uma cura para a contaminação radioativa e assim livrar-se do fardo de ser a ameaçada aracnídea preferida do Jameson.
Peter não dormiu mais aquela noite. Pensou em fazer uma ronda noturna e encontrar os teimosos de sempre, descontar todas as angústias de seu pequeno mundo, tão espiralado quanto as voltas do cobre de sua teia. Com os olhos fixos no teto, desfia-se em sua mente aquelas pequenas coisas que ninguém poderia supor passar pela mente de um super-herói:
as rabugentices tagarelantes da tia May, o bafo de café do professor Connors, a medalha babaca que não sai do pescoço do Flash Thompson, o arrepio nas costas por ter um esfumaçante Jameson silenciosamente olhando para você.
Como garoto e como herói, não há aquele grupo no qual ele se sinta um igual. Essa sensação de pária ininterrupta só o leva a crer que uma vida não apaga a outra, e quanto mais máscaras usamos, cada vez mais isolados nos tornamos. Um leve sorriso. A causa, um axioma batido pulando na cabeça: “ Todo adolescente vive em seu próprio mundinho”.
Hah! Victor von Doom, imperador da Latvéria, vive querendo fazer do resto do mundo o seu mundinho. Vai ver, o problema não é ter o “mundinho”, pois todo mundo tem o seu; o negócio é fazer a química entre o seu mundo e o mundo real resultar em algo proveitoso.
Sim, falar é fácil. E além do mais, qual o mundo real? Uma vez , Peter tivera de fazer um trabalho sobre Platão e um negócio de cavernas e leu por alto, não entendeu direito, provavelmente por estar com a cabeça nas nuvens graças ao Abutre.
E esses sonhos, esses sonhos recorrentes. Se não fosse tão arrepiante ele ia visitar o tal doutor Stephen Strange.
“Bem, esqueça essa idéia”, disse Peter a si mesmo. “E esqueça essa também”, disse num sussurro constrangido, após pensar nas várias mulheres de seu panteão hormonal de uma forma picante durante dois segundos e meio, daquela maneira que só garotos conseguem na aurora da libido primeva. Seria uma saída usual para as frustrações amalgamadas, principalmente para quem tem um organismo super-humano em plena puberdade. Seria, se o Shocker não tivesse acertado aquela rajada em sua virilha dois dias atrás, deixando a área e suas adjacências toda dolorida ao extremo...; caso narrassem suas aventuras em algum lugar como nos quadrinhos, pensou ele, esse seria um fato que nenhum cretino retrataria.
Quase conformado em contar aranhinhas pulando o bigode do Jameson, ele olha despreocupadamente para a janela. Tomar um susto sem este estar precedido pelo “sentido de aranha”, será algo, desta época em diante, raro e totalmente nauseante para Peter. Mas fora isso que ocorrera naquele instante.
Peter vira alguém parado na frente de casa. Da sua cama até a calçada foram dois pulos, três piruetas e quase cinco segundos. Então, devidamente trajado com a repulsiva cueca samba-canção do Pikachú, que Tia May tinha certeza que ia ficar uma “gracinha”, olhava a seu redor, assustado. O sentido não tilintava! Teria ele perdido os poderes? Teria tudo não passado de um sonho? Foi quando notou uma presença atrás dele, parada, em pé, a menos de meio metro. Afastou-se com um salto. Era um homem de idade, de boné , apoiando-se levemente sobre um cajado de madeira. O sujeito parecia um mendigo. Era só o que faltava, balbuciou, pensando que o sujeito sairia gritando ser alguém chamado Homem-Birita ou coisa que o valha e que sabia da sua identidade secreta. Não seria nada anormal depois de enfrentar o Canguru e o Gibão, e, principalmente, depois de Johnny Storm haver jurado que prendera um cara chamado Pete-Pote-de-Pasta.
Peter esboçou um sorriso ao lembrar daquilo, mas não esqueceu que a situação poderia ser bem séria. Afinal, sua tia estava ali perto e ele não poderia deixar que ninguém a ferisse.
“Q-quem é você”. A pergunta saiu espontaneamente.
“Foi uma bela acrobacia, guri” disse de maneira calma e ligeiramente rude o velho. “Mas vê se não esquece as ceroulas da próxima vez”.
Não havia como deixar de se achar ridículo e amador tanto quanto ameaçado, e o frio só aumentava essa sensação. Então o velho misterioso começou a falar novamente.
“ Realmente, eu não sei o que acontece com a geração de vocês. Parece que todos que têm potencial precisam ter a cabeça cheia de merda pra contrabalançar... ás vezes nem toda iluminação que se pode obter nessa vida é capaz de fazer entender a cabeça de um avoado. E pensar que você vai passar sua vida quase toda de cabeça pra baixo! Hunf!!” Fungou o velho, enquanto tirava algo do nariz.
“ Escuta aqui, ô do asilo, não sei qual é a sua, mas eu vou te avisar que eu não tenho cerimônia em dar cascudos na terceira idade mal-intencionada. Não vou deixar você encostar um dedo sequer na minha tia!”. Aquilo saíra da boca de Peter como um furacão de raiva palpável e crescente. “ O que cê pensa que tá fazendo?” disse Peter cerrando os punhos e preparando-se para pular sobre a figura misteriosa. Subitamente, meio que rindo, o velho cantarolou baixinho “...Sticking around, sticking around...” e quando Peter simplesmente piscou, ao abrir os olhos a ponta do cajado estava a meio centímetro de sua testa. Ele ficou completamente sem reação, e o estranho lentamente abaixou seu cajado enquanto dizia no mesmo tom áspero de sempre:
“Relaxa, seu moleque folgado! Eu só tava perto vendo se outro guri debilóide andava fazendo suas diabruras corretamente! Heh!! Mas aproveitando que eu tô aqui, deixa eu te dar uma dica: essa idiotice toda de se sentir sozinho é pura sacanagem com as pessoas que gostam de ti, garoto.”
Peter gelou. “O cara deve ser uma espécie de telepata”, pensou.
“Cê tá na escola ?” perguntou o velho, fazendo cara de inconformado.
“Claro”, respondeu Peter.
“ Pois não parece!!” Gritou o velho.
Peter ficou desesperado. Não entendia a situação na qual se encontrava. O estranho não acionava seu sentido de aranha mas estava parado espionando sua casa em plena madrugada. Não dava para confiar. Ele já vira coisas estranhas e malignas demais, e percebeu que a fé nas pessoas já não era a mesma. Ainda assim, a única coisa que pôde dizer foi “Não grita!! Minha tia pode acordar...”, para no instante seguinte ficar vermelho de vergonha. Essa não seria uma frase adequada caso estivesse na frente de um inimigo.
O velho conteve aparentemente um riso, ou algo que uma marcada e enfezada face como aquela pudesse produzir que chegasse perto de um.
“Se tu quiser telepatia, vai pra Westchester!! Lá também tem ruivas...Pô, guri, se sabe oque é relaxar?”
Houve um pouco de silêncio. Punhos continuaram cerrados.
“Olha, pior que essa raiva, é a omissão, guri. Não, não me olha assim. Não sou teu tio. Mas eu entendo um pouco dos caminhos escuros dessa vida e da responsabilidade que a gente tem de trazer esperança ao mundo. Aquilo que cê tem de aguentar é um fardo só teu, mas quando a cabeça pesa, teus ombros não bastam. E nesse sentido tu é mais abastado do que imagina” disse o velho, e então pareceu olhar para algum lugar atrás de Peter, mas ele não virou para ver o que era. Podia ser um truque.
“Tsc. Não se preocupa de eu ter visto tua performance de balé. Sou cego. Ainda bem, só de imaginar a estampa da tua cueca me dá vontade de rir e chorar ao mesmo tempo. Fica esperto, guri. Quem tava espiando a tua casa foi por ali...” e dizendo isso, o velho apontara para a direção que parecia estar olhando antes. Peter acompanhou o movimento do cajado, pensou ouvir algum barulho vindo da casa dos Watson e quando voltou-se para o velho, ele não estava mais lá.
IMPORTANTE: Devido ao seu tamanho, este primeiro episódio será apresentado em dois ou mais posts; portanto, se a leitura agradar alguém, continue sem desespero...
HOMEM-ARANHA
TOTEM
Parte 1: Tabuleiro
Um conto escrito por Alexandre Fidélis.
Eles estão caçando. Criaturas com asas, tentáculos, golens de metal controlados por distantes almas insanas, caminhando pelo jardim onírico, e é impossível que estas selvas sejam seu quintal, pois não há sequóias no Queens. Não há florestas tão grandes de sequóias em parte alguma, e tudo termina com enormes trevas envolvendo seu corpo, como uma roupa viva que não pertence ao mundo do qual todos viemos, na escuridão dentro e fora de um jovem tão peculiar, que estende a mão à um simples floco de neve e falha, deixando escapar entre os dedos a última fagulha de luz, fria talvez, mas gelo que através dos olhos acende o espírito daqueles que esperam um sinal.
Então Peter Parker acorda.
Apenas um abrir de olhos. Nada de “sentido de aranha”, apelido carinhoso ao espeto de aço incandescente que enfiam em sua cabeça toda vez que o perigo se aproxima, sorrateiro ou não. Essa dolorosa consciência, que se espalha pelo corpo e quando menos se espera, miraculosamente, em meio à três piruetas num beco qualquer, a perna esticada alcança vinte centímetros com sua extremidade acima da cabeça, e uma bala fatal passa a ser a ruína de um desafortunado tijolo. Nada disso.
Lentamente Peter estende o braço para pegar seus óculos na escrivaninha e... sentido de aranha! Um salto mortal para o lado da cama e por dois centímetros, o microscópio que seus tios deram-lhe aos seis anos não se espatifara. Ele perdera sua posição de brinquedo predileto para o Playstation e depois caiu para a terceira posição devido ao computador. O jovem Parker, sonolento, uma figura bizarra, ainda esticada e torta no chão de seu quarto, lembra dessas coisas e também do fato de não usar óculos a pelo menos um ano, desde daquele acidente com a aranha, durante a fatídica excursão que lhe conferiu certos dons peculiares. Um sorriso idiota é ensaiado por seus lábios cobertos pelo abundante muco com o qual encharca todas as noites o travesseiro, fato que até hoje sua Tia May faz questão de contar para as visitas. Uma das poucas coisas que ele não aprova na tia, principalmente depois que ela contou para Mary Jane. MJ... que gargalhada gostosa ela deu aquele dia e, em meio à aquela situação constrangedora, entre o impulso infantil de contar que Harry Osborn molhava as calças vez ou outra quando dormia, para desviar a atenção do sarro e continuar a salivar mais que no travesseiro com o riso daquela linda ruivinha, adivinhe? O mundo pára quando MJ fala, quando Gwen Stacy atravessa o incauto nerd com seus olhos verdes , e quando Betty Leeds diz algo óbviamente de duplo sentido na redação do Clarim, e ele ruboriza. Já sentado em sua cama , ele volta o pensamento ao presente e olha o microscópio, percebendo como ele voltou a ocupar um significante papel em sua vida novamente.
Poderia ter sido ontem , no laboratório da universidade. Peter ficara encarando durante um tempo indefinido o Doutor Connors, entre um soslaio e a bola de papel de Flash Thompson ( arremessada com uma precisão indescritível , e certeira, devido ao sentido de aranha estar falhando – o gás que Mystério usou, talvez ). Será que poderia contar seu segredo a ele?
Com certeza, Peter já o teria feito, se Connors não costumasse se transformar num réptil assassino-megalomaníaco de mais de dois metros de altura. As atribuições da escola, as acusações do Clarim Diário, as escoriações e a ingratidão dos cidadãos para com seus atos heróicos estavam minando sua determinação e é claro, apesar de em um ano a cena de seu uniforme enfiado em uma lata de lixo num beco qualquer com ele se afastando entre pensamentos do tipo “Agora chega! Homem-Aranha nunca mais!” ter se repetido milhares de vezes , jamais até então ele tinha questionado o juramento que havia feito ao seu falecido tio Ben. Mas , afinal, ele tentou, não tentou? E o que recebia em troca? O patinho feio estava virando cisne, as garotas estavam se dando conta do “misterioso Parker”, e ele ainda precisava de grana para começar a ter algum sonho de consumo além da moto que não durou muito...
Meu Deus!!! Você é jovem , a cidade tem Vingadores, Quarteto e o Namor quando não está naqueles dias! Duende Verde versus Thor? Hahaha!
Então, nada mais natural que estudar seu próprio DNA em busca de uma cura para a contaminação radioativa e assim livrar-se do fardo de ser a ameaçada aracnídea preferida do Jameson.
Peter não dormiu mais aquela noite. Pensou em fazer uma ronda noturna e encontrar os teimosos de sempre, descontar todas as angústias de seu pequeno mundo, tão espiralado quanto as voltas do cobre de sua teia. Com os olhos fixos no teto, desfia-se em sua mente aquelas pequenas coisas que ninguém poderia supor passar pela mente de um super-herói:
as rabugentices tagarelantes da tia May, o bafo de café do professor Connors, a medalha babaca que não sai do pescoço do Flash Thompson, o arrepio nas costas por ter um esfumaçante Jameson silenciosamente olhando para você.
Como garoto e como herói, não há aquele grupo no qual ele se sinta um igual. Essa sensação de pária ininterrupta só o leva a crer que uma vida não apaga a outra, e quanto mais máscaras usamos, cada vez mais isolados nos tornamos. Um leve sorriso. A causa, um axioma batido pulando na cabeça: “ Todo adolescente vive em seu próprio mundinho”.
Hah! Victor von Doom, imperador da Latvéria, vive querendo fazer do resto do mundo o seu mundinho. Vai ver, o problema não é ter o “mundinho”, pois todo mundo tem o seu; o negócio é fazer a química entre o seu mundo e o mundo real resultar em algo proveitoso.
Sim, falar é fácil. E além do mais, qual o mundo real? Uma vez , Peter tivera de fazer um trabalho sobre Platão e um negócio de cavernas e leu por alto, não entendeu direito, provavelmente por estar com a cabeça nas nuvens graças ao Abutre.
E esses sonhos, esses sonhos recorrentes. Se não fosse tão arrepiante ele ia visitar o tal doutor Stephen Strange.
“Bem, esqueça essa idéia”, disse Peter a si mesmo. “E esqueça essa também”, disse num sussurro constrangido, após pensar nas várias mulheres de seu panteão hormonal de uma forma picante durante dois segundos e meio, daquela maneira que só garotos conseguem na aurora da libido primeva. Seria uma saída usual para as frustrações amalgamadas, principalmente para quem tem um organismo super-humano em plena puberdade. Seria, se o Shocker não tivesse acertado aquela rajada em sua virilha dois dias atrás, deixando a área e suas adjacências toda dolorida ao extremo...; caso narrassem suas aventuras em algum lugar como nos quadrinhos, pensou ele, esse seria um fato que nenhum cretino retrataria.
Quase conformado em contar aranhinhas pulando o bigode do Jameson, ele olha despreocupadamente para a janela. Tomar um susto sem este estar precedido pelo “sentido de aranha”, será algo, desta época em diante, raro e totalmente nauseante para Peter. Mas fora isso que ocorrera naquele instante.
Peter vira alguém parado na frente de casa. Da sua cama até a calçada foram dois pulos, três piruetas e quase cinco segundos. Então, devidamente trajado com a repulsiva cueca samba-canção do Pikachú, que Tia May tinha certeza que ia ficar uma “gracinha”, olhava a seu redor, assustado. O sentido não tilintava! Teria ele perdido os poderes? Teria tudo não passado de um sonho? Foi quando notou uma presença atrás dele, parada, em pé, a menos de meio metro. Afastou-se com um salto. Era um homem de idade, de boné , apoiando-se levemente sobre um cajado de madeira. O sujeito parecia um mendigo. Era só o que faltava, balbuciou, pensando que o sujeito sairia gritando ser alguém chamado Homem-Birita ou coisa que o valha e que sabia da sua identidade secreta. Não seria nada anormal depois de enfrentar o Canguru e o Gibão, e, principalmente, depois de Johnny Storm haver jurado que prendera um cara chamado Pete-Pote-de-Pasta.
Peter esboçou um sorriso ao lembrar daquilo, mas não esqueceu que a situação poderia ser bem séria. Afinal, sua tia estava ali perto e ele não poderia deixar que ninguém a ferisse.
“Q-quem é você”. A pergunta saiu espontaneamente.
“Foi uma bela acrobacia, guri” disse de maneira calma e ligeiramente rude o velho. “Mas vê se não esquece as ceroulas da próxima vez”.
Não havia como deixar de se achar ridículo e amador tanto quanto ameaçado, e o frio só aumentava essa sensação. Então o velho misterioso começou a falar novamente.
“ Realmente, eu não sei o que acontece com a geração de vocês. Parece que todos que têm potencial precisam ter a cabeça cheia de merda pra contrabalançar... ás vezes nem toda iluminação que se pode obter nessa vida é capaz de fazer entender a cabeça de um avoado. E pensar que você vai passar sua vida quase toda de cabeça pra baixo! Hunf!!” Fungou o velho, enquanto tirava algo do nariz.
“ Escuta aqui, ô do asilo, não sei qual é a sua, mas eu vou te avisar que eu não tenho cerimônia em dar cascudos na terceira idade mal-intencionada. Não vou deixar você encostar um dedo sequer na minha tia!”. Aquilo saíra da boca de Peter como um furacão de raiva palpável e crescente. “ O que cê pensa que tá fazendo?” disse Peter cerrando os punhos e preparando-se para pular sobre a figura misteriosa. Subitamente, meio que rindo, o velho cantarolou baixinho “...Sticking around, sticking around...” e quando Peter simplesmente piscou, ao abrir os olhos a ponta do cajado estava a meio centímetro de sua testa. Ele ficou completamente sem reação, e o estranho lentamente abaixou seu cajado enquanto dizia no mesmo tom áspero de sempre:
“Relaxa, seu moleque folgado! Eu só tava perto vendo se outro guri debilóide andava fazendo suas diabruras corretamente! Heh!! Mas aproveitando que eu tô aqui, deixa eu te dar uma dica: essa idiotice toda de se sentir sozinho é pura sacanagem com as pessoas que gostam de ti, garoto.”
Peter gelou. “O cara deve ser uma espécie de telepata”, pensou.
“Cê tá na escola ?” perguntou o velho, fazendo cara de inconformado.
“Claro”, respondeu Peter.
“ Pois não parece!!” Gritou o velho.
Peter ficou desesperado. Não entendia a situação na qual se encontrava. O estranho não acionava seu sentido de aranha mas estava parado espionando sua casa em plena madrugada. Não dava para confiar. Ele já vira coisas estranhas e malignas demais, e percebeu que a fé nas pessoas já não era a mesma. Ainda assim, a única coisa que pôde dizer foi “Não grita!! Minha tia pode acordar...”, para no instante seguinte ficar vermelho de vergonha. Essa não seria uma frase adequada caso estivesse na frente de um inimigo.
O velho conteve aparentemente um riso, ou algo que uma marcada e enfezada face como aquela pudesse produzir que chegasse perto de um.
“Se tu quiser telepatia, vai pra Westchester!! Lá também tem ruivas...Pô, guri, se sabe oque é relaxar?”
Houve um pouco de silêncio. Punhos continuaram cerrados.
“Olha, pior que essa raiva, é a omissão, guri. Não, não me olha assim. Não sou teu tio. Mas eu entendo um pouco dos caminhos escuros dessa vida e da responsabilidade que a gente tem de trazer esperança ao mundo. Aquilo que cê tem de aguentar é um fardo só teu, mas quando a cabeça pesa, teus ombros não bastam. E nesse sentido tu é mais abastado do que imagina” disse o velho, e então pareceu olhar para algum lugar atrás de Peter, mas ele não virou para ver o que era. Podia ser um truque.
“Tsc. Não se preocupa de eu ter visto tua performance de balé. Sou cego. Ainda bem, só de imaginar a estampa da tua cueca me dá vontade de rir e chorar ao mesmo tempo. Fica esperto, guri. Quem tava espiando a tua casa foi por ali...” e dizendo isso, o velho apontara para a direção que parecia estar olhando antes. Peter acompanhou o movimento do cajado, pensou ouvir algum barulho vindo da casa dos Watson e quando voltou-se para o velho, ele não estava mais lá.