Alcarinollo
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Deixe as Minhas Ovelhas em Paz!
(um conto de iluminação, para quem tem olhos para ler... e o bom senso de sorrir)
Ksadar Betsebá, pastor de ovelhas na erma Birmânia oriental poderia ser o homem mais rico e feliz do mundo, caso suas magras ovelhas produzissem, em vez de lã, fios de ouro, e se sua mulher Rajhasta Skandia, dez anos mais velha e trinta vezes mais fogosa que o pastor engravidasse, pelo menos uma vez, de um filho dele, e não dos colegas que por ela passavam enquanto o pobre Ksadar apascentava as ovelhinhas nos distantes campos.
O pastor era homem simples: jamais pedira e Deus grandes sortes, grandes fortunas, e achava sempre que tinha o máximo de tudo, encarando as surras que levava por vezes da mulher como um castigo necessário para abrandar sua soberba. Não era como seu irmão Iousef, que tratava com o criador aos berros, exigindo aquilo de que precisava e tudo o mais que achava ter direito, incluindo nesta lista uma noite de amor nos braços da jovem Bogomild, filha casta do dono do armazém onde os pastores, inclusive ele, compravam caro farinha velha e açúcar empedrado, vendendo barato a carne, o leite e a pouca lã que retiravam de seu debilitado rebanho. Ksadar era mais modesto e tímido em seu trato com Deus: entre os dois havia, por parte do pastor, muito temor e respeito, muito mistério e pouco lugar para a compreensão ou a misericórdia. Começava sempre tentando pedir e acabava sempre agradecendo pelo pouco ou nada que tinha, pedindo desculpas pelo transtorno da oração. Por estes dias, ficara sabendo que Iousef também se deitara com sua esposa, e pedira a Deus que o seu décimo filho, saísse ao pai natural e desse orgulho à família.
Nossa história começa numa tarde perdida no tempo e no calor dos campos esquecidos, enquanto Ksadar (que doravante chamaremos de K) estava sentado estupidamente á sombra da boca de uma caverna, fitando o nada, enquanto suas ovelhas cuidavam da própria vida. O suor lhe empapava as roupas e as moscas lambiam, vez por outra, sua face oleosa. Vagarosamente, um pensamento começou a surgir nas profundezas, arrastando-se rumo á superfície e, então, K se pôs a contar suas ovelhas (coisa que fazia a cada meia hora desde que aprendera a contar) e a cismar sobre o mistério da existência:
1, 2, 3,...21... coisa assombrosa todos os dias os bichos pastam e a grama nunca acaba...23,24,25...e a grama nasce da terra, assim como os legumes, as frutas, a água...26,27,28..tudo vem da terra, menos a carne, que vem sempre de outra carne...29,30,31...mas a carne se alimenta da terra, não, do que vem da terra, mas a carne também se alimenta de carne, então, no fim, tudo que se come é terra...32,33,34...e a carne, no fim, vira terra quando se morre...32,33...epa, merda!perdi a conta! Bosta! É, bosta não é carne nem terra... nasce da carne, mas não é carne, vai para a terra, mas não é terra... é...
[FONT="]Nesse ponto dos pensamentos de K, enquanto os lobos roubavam-lhe mais uma ovelha aproveitando-se de sua lerdeza, pareceu ao pastor ouvir uma voz, melhor, um murmúrio no interior da caverna. Kssssssaaaa daaaaa rrrr..... será que poderia ser um eco de sua própria voz esganiçada, que ficara ali preso, sem coragem de ganhar a amplidão da planície... e mais uma vez, só que mais forte... e o pastor sentiu um frio na espinha... bom, pensou ele, já se levantando para dar no pé – não é lobo, não é ovelha, e não sou eu mesmo ... então não é desse mundo! Mas no justo momento em que aprumava o espinhaço, o chão tremeu, a terra foi-se afundando e o pobre pastor, completamente estupefato, viu-se no interior escuro da caverna de onde a pouco tencionava fugir. Taí a primeira parte... se gostarem, mando o resto! [/FONT]