Phairanum então mergulhou em um profundo sono, enquanto a tempestade se aproximava e, talvez por sua semelhança com a de tantos tempos atrás tenha despertado nele lembranças de outra era.
De repente ele se lembrou de sua outra vida, vislumbrou sua família em Dor-lómin. Seu pai, que em sua coragem desafiou Morgoth e assim atraiu para sua Casa a terrível maldição, sua amada mãe, que em desespero saiu a procurá-lo e perdeu-se para nunca mais ser vista neste mundo por ninguém exceto Húrin, e, sua querida irmã Lalaith, uma flor amarela na verde relva de primavera, sorrindo e correndo pelos campos enquanto o sopro da morte ainda não a havia encontrado.
E viu Labadal, seu velho amigo, com quem passava horas conversando.
Então agora ele pôde ver Nienor crescer, embora estivesse distante de sua casa quando isso aconteceu. Viu Gethron e Grithnir, seus guias chegarem até os labirintos de Doriath e, como teriam perecido não fosse a chegada de Beleg, o Arcoforte.
Nesse momento, assim como em quando vislumbrou Nienor, Phairanum soltou um gemido que não foi ouvido por nenhum de seus companheiros em função dos raios que coruscavam o céu.
-- Que favor desejam do rei Thingol? - perguntou Beleg ao menino.
-- Gostaria de ser um de seus cavaleiros, para atacar Morgoth e vingar meu pai - relembrou Phairanum, enquanto uma lágrima rolava em sua face.
Viu então, Thingol e sua bela esposa, Melian, a Maia. Thingol lhe entregava o Elmo-de-Dragão:
-- Tome agora a Cabeça-do-Dragão do norte - disse - e quando chegar a hora, use-a bem.
Lembrou-se dos tempos em que combateu ao lado de Beleg nas fronteiras de Doriath e do infame Saeros que provocou sua fuga do Reino Protegido. Seu pensamento voou sobre léguas e pousou nos bosques ao sul do Teiglin, lá onde encontrou os proscritos e onde tomou o lugar de um deles após tê-lo assassinado em sua defesa. Viu a morte de Forweg, por sua espada, que perseguia uma jovem.
E relembrou do reencontro com Cúthalion e sua despedida. Após isso viu o anão Mîm, e a flecha de Andróg atingir Khîm. Viu o anão guiar os proscritos para o topo de Amon Rûdh e lá viu Beleg encontrar as trilhas secretas e surgir em meio a eles, trazendo consigo o Elmo-de-Dragão.
Depois disso viu seu período de domínio sobre a região que passou a ser conhecida como Dor-Cúarthol, Torre do Arco e do Elmo.
Enquanto via a traição de Mîm, se debatia em seu sono e a tempestade tomava maiores proporções.
Os orcs, então, subiram as escondidas trilhas e atacaram no meio da noite.
Nesse momento, as visões deixaram de se suceder num ritmo alucinante e pousaram em Iglash, o capitão dos orcs de Morgoth que atacaram Dor-Cúarthol.
A Iglash havia sido incumbida a missão de destruir o acampamento dos proscritos que impedia Morgoth de lançar sua mão rumo a Nargothrond e, a todo custo, capturar o Espada Negra, que Morgoth sabia ser o malfadado Túrin, filho de Húrin, e se divertia com seus planos...
Por isso, Iglash saiu de Angband com uma grande companhia, 5000 orcs e 300 lobos-sentinelas, dessa vez Morgoth não queria mais brincar e lançar falsos ataques àquela terra pois sabia através de espiões a quantia de homens e o valor que tinham Túrin e Beleg.
Aconteceu de os orcs chegarem em uma hora em que Túrin e Beleg mais os da antiga companhia estavam reunidos nas salas escondidas de seu esconderijo, e atacaram de repente todos os homens que guardavam a base da montanha. Muitos homens morreram defendendo seu comandante, outros, menos valentes fugiram e outros ainda, vis e desleais, atacaram seus antigos companheiros, de modo que pela manhã, já não restava nenhum homem que podia avisar a Túrin sobre o ataque. Dessa forma mostrou-se malfadado o conselho de Beleg, em que nenhum novato poderia conhecer os caminhos que levavam ao topo de Amon Rûdh, e assim, não da última vez, Beleg foi enredado na maldição da Casa de Húrin.
Na manhã seguinte ao ataque, Mîm e seu filho Ibun, saíram de Bar-en-Danwedh a fim de colher raízes na floresta para seu estoque de inverno. E foram capturados pelos orcs.
-- Diga, anão, onde se encontra seu mestre, Gorthol, Elmo do terror - disse Iglash a Mîm.
-- Não conheço ninguém que assim é conhecido, e agora me solte - disse em voz alta Mîm, esperando que algum dos sentinelas o ouvisse e chamasse ajuda.
-- Não seja tolo - disse sorrindo o orc - todos já foram mortos, e você será o próximo se não nos informar o que queremos saber. Aliás não será morto, mas sim escravizado nas minas do senhor de Arda.
Ao ouvir isso, Mîm se recordou de quando o bando de proscritos o haviam feito prisioneiro e lhe amarrado, aquilo tinha sido "gravado em pedra" como diziam os anões e nunca mais o abandonou, até que teve de pagar por seus atos.
-- Pai, podemos fugir se lhes entregarmos os lingotes de ouro do saco, ou dissermos sobre o esconderijo do tesouro nas pedras chatas - disse Ibun em sua língua ao seu pai.
Ao perceber a conversa, um orc fez menção de atacar os anões e foi severamente reprimido por Iglash, que deixou-os conversar.
-- Está louco, o remanescente do tesouro de Khimb nunca será possuído por estes malditos, - disse enfurecidamente Mîm - não enquanto eu viver.
-- Pois se não fizermos nada, isso logo acontecerá.
-- Não, já me basta ter perdido Khîm. Tenho uma idéia para sairmos ilesos e ainda nos vingarmos do assassino de seu irmão.
-- Não pode estar pensando em trair Gorthol. Você fez uma promessa a ele.
-- Prometi que o levaria a um local seguro, e o fiz. Mas se agora esse lugar já não permanece seguro, isso não desfaz minha promessa.
-- Mais parece um orc nojento do que um honrado anão. Já não é meu pai. E tentarei alertar o homem e o elfo, mesmo que custe minha vida - disse Ibun, enquanto corria em direção da montanha passando por entre dois orcs.
Mîm não pôde fazer nada, só ver a flecha retesar o arco e voar em direção de seu filho, como tinha visto tempos atrás.
-- Ibun! Não, meu filho não, disse entre lágrimas ao arrancar os fios de sua barba.
-- Pobre tolo - disse Iglash - agora a decisão é sua, já esperamos o bastante.
-- Maldito seja Gorthol e minha promessa. Por aquele perdi Khîm e por essa perdi Ibun. Farei o que quer, mas prometa-me que Gorthol não será morto.
-- Sem dúvida - disse ele a Mîm aos risos - Túrin, filho de Húrin não será morto.
Assim foi traída Bar-en-Danwedh, pois os orcs se abateram sobre o local à noite, sem que fossem percebidos, guiados por Mîm. Ali, muitos do bando de Túrin foram mortos enquanto dormiam. Mas alguns, fugindo por uma escada interna, saíram no alto do morro e ali lutaram até cair, e seu sangue escorreu sobre o
seregon que cobria a pedra como um manto. Andróg, um dos proscritos estava entre eles, pois ele mesmo havia encontrado a escada e naquela noite foi um dos mais ferozes na defesa contra os orcs, morrendo com uma flecha envenenada que cumpriu a maldição de Mîm.
Túrin lutou com Beleg ao seu lado e todos os inimigos se amedrontavam diante do Elmo-de-Dragão de do Arcoforte, só lutando em função do açoite de Iglash que punia quem o desobedecesse. Assim, quando duas vintenas de orcs haviam perecido, Beleg foi ferido, e logo tombou. Túrin, então foi dominado por uma rede, e aprisionado e levado pelos orcs.
No dia seguinte, Mîm, verificando os corpos encontrou Beleg ainda com vida e, por ódio ao elfo, apanhou Anglachel tencionando matá-lo. Mas Beleg foi mais rápido, retomou a espada e deu um golpe na direção do anão que fugiu correndo.
-- A vingança da Casa de Hador ainda o encontrará! - gritou-lhe Beleg.
Beleg lentamente se recuperou e em vão procurou pelo corpo de Túrin entre os mortos, como não o encontrou soube que seu amigo havia sido levado rumo a Angband.
Depois de ser aprisionado, Túrin, ouviu Iglash dizer:
-- Ora vejam, Túrin, o bravo, preso. Muito trabalho me deu, mas levarei você para as mãos de nosso senhor.
-- Morgoth Bauglir nunca será meu senhor. Pois não me vendo como vocês, malditos.
-- Não o toquem - gritou Iglash, retendo seus comandados - ele deve chegar vivo nas mãos de Morgoth. Lá ele sofrerá como nenhum outro mortal já o foi.
-- Ainda assim não me curvarei aos pés daquele maldito. Ao menos nisso serei como meu pai.
-- Veremos. Acorrentem-no e vamos partir.
Assim Túrin foi obrigado a segui-los a golpes de açoite. Fizeram a travessia do Teiglin e chegaram a Brithiach, transpondo o Sirion. Então, à sombra dos picos da Crissaegrim, morada das águias, entre o Mindeb e o curso superior do Esgalduin, os orcs acamparam e se demoraram muito em Dimbar, pois seguiam despreocupados sem saber que Beleg se aproximava cada vez mais pois seguia sem descansar. Após isso, seguiram pelo árduo e perigoso caminho Passo do Anach, um desfiladeiro que descia de Taur-nu-Fuin na extremidade ocidental das Ered Gorgoroth, chegando enfim em Taur-nu-Fuin, a "Floresta sobre a sombra da noite", região de tamanho pavor e feitiços sinistros, que nem mesmo os orcs nela penetravam, a menos que a necessidade os forçasse. Foi com desolação que Túrin viu as árvores daquela região, que eram negras e sinistras, com as raízes enroscadas, tateando no escuro como garras de animais.
-- Lembra-se do velho Traak? - disse um dos orcs que acompanhavam Túrin.
-- É, dizem que ele se desgarrou no meio dessas árvores ficando perdido e cego em meio a elas, e que foi perseguido até a loucura por espectros aterrorizantes.
-- Ou estrangulado. - disse um terceiro - É o que se comenta.
-- Quietos vocês três! - ordenou Iglash, e em silêncio permaneceram enquanto permaneceram naquela terra.
Finalmente chegaram num vale árido, à vista dos picos tríplices das Thangorodrim, e ali montaram acampamento. No centro dele havia uma árvore seca onde Túrin foi amarrado e serviu para o divertimento dos orcs que atiravam facas em sua direção e disputavam quem conseguia cravar a faca no toco sem ferir o prisioneiro, Túrin encarava um por um nos olhos, e muitos pararam o jogo devido ao ódio que havia nos olhos dele. Beleg, acompanhado de Gwindor, chegou até o acampamento no momento em que a noite caía sobre a terra juntamente com uma tempestade, exatamente igual à que caía lá fora.
Beleg, sorrateiro, matou os lobos-sentinelas, um a um, e entrou no meio do acampamento e levou Túrin embora até um bosque de espinheiros um pouco acima do acampamento.
Phairanum agora estava em um estado de agitação fora do comum, e se debatia em sua cama, chegando a ferir os braços.
Chegando lá, retirou Anglachel da bainha e cortou as correntes que prendiam Túrin. O destino porém fez com que a arma escorregasse da mão do elfo e ferisse Túrin, que acordando de seu sono de enorme exaustão, decidiu lutar contra os orcs que achava que o atacavam. Então tomou a espada do amigo e o assassinou, então quando um raio cruzou o céu e iluminou a face de Beleg, Túrin ficou imóvel e mudo, consciente do que tinha feito. A maldição o havia alcançado.
-- BELEG!!! - gritou Phairanum, e sua voz sobrepôs-se ao trovão que reverberava nas paredes e acordou a todos.
-- Calma - disse Cahetel - eu também vi isso. Mas você sabe o que eu penso.
Na manhã seguinte, Anakruss foi conversar com Phairanum sobre seu pesadelo. Este não quis dizer nada àquele, só dizendo que sonhara com o passado.
-- Entendo - disse Anakruss - que bom que Cahetel está conosco.
-- Sim, mas pena que eu represente uma ameaça a ele.
-- O que disse? - perguntou Anakruss assustado.
-- Claro tolo, acaso não percebeu que ele é Beleg Cúthalion?
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Foi mal por ter me empolgado um pouco. E por estar ressuscitando todo mundo da Primeira Era, é que era inevitável esse acontecimento.
Só achei que nem só de intrigas vive uma boa história.
Antes que eu me esqueça, parabéns a todos, a história está muito legal e surpreendente.
Até mais
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EDITADO
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