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Invisíveis

Thorondir

Usuário
Tauil disse:
[size=x-small][align=right]Mas há milhões desses seres
Que se disfarçam tão bem
Que ninguém pergunta
De onde essa gente vem

(Chico Buarque)[/align][/size]
Já parou para pensar no fato de que ao longo de nossos dias corridos topamos com várias pessoas invisíveis? Pessoas com as quais cruzamos diariamente e nem sabemos seus nomes. A culpa não é delas, que evitam nos olhar e quase não falam. A doença está em nós mesmo, que as intimamos quando passamos de pressa e muitas vezes sem desejar um bom dia. Elas estão sempre aí, varrendo calçadas, vigiando portões, podando árvores. Nós é que estamos muito para lá.
Que histórias escondem esses olhos sofridos? De onde vieram, como se chamam? Têm família? Gostam do quê? Teriam alguma dádiva especial? Se alguma vez você já se perguntou sobre essa gente, vou contar algumas experiências de aproximação que vivi que espero que sirvam de estímulo.
No meu antigo colégio, havia um senhor negro que trabalhava como curinga: era faxineiro, pintor, jardineiro, pedreiro e mecânico. Atendia por Baiano. Isso é, quando queria. Não foram poucas as vezes que falei qualquer coisa para ele e não obtive resposta, nem sequer um olhar. Confesso que o julguei grosso, um estúpido. Depois de outras tentativas frustradas, descobriu-se que Baiano sofria de problemas de audição mas nunca tinha revelado isso aos patrões por medo de ser substituído. Depois, com o aparelho auditivo, enterrei fundo meu julgamento precipitado: Baiano era uma pessoa amável. E cheia de experiência de vida para passar. Nos intervalos das aulas, cheguei a gravar algumas de suas histórias que me revelava um pouco emocionado, apesar da dificuldade de externar sentimentos. Por ser analfabeto, assinou papéis que não devia, se meteu em encrenca com coronéis e fugiu de trem do interior da Bahia para o de São Paulo. Minha surpresa, no entanto, se deu quando ele tirou um violãozinho velho e me mostrou alguns sambas-canção de sua própria autoria. Aos poucos, esses encontros musicais nos intervalos foram se tornando cada vez mais freqüentes e clandestinamente nos encontrávamos na guarita, eu, Baiano, o porteiro Benê e a faxineira Simone. Com a minha formatura, perdi contato com os funcionários do colégio. Sei que Benê arranjou um emprego melhor, Simone não se sabe e Baiano continua por lá.
Moradores de prédios e condomínios devem seu sossego aos homens que passam noites em claro em troca de um salário baixo, os porteiros. Imagino como sofrem com dores de cabeça: o organismo humano foi feito para funcionar de dia, e não de noite. Outra coisa, quantas pizzas passam por suas mãos sem que eles possam desfrutar do desejo despertado pelo odor do manjericão? Conheço um senhor que ao pedir esfirras separa algumas para o porteiro. E foi dividindo um pedaço de pizza com Anderson, o porteiro noturno, que descobri que ele cursava Filosofia. Era um leitor voraz. Timidamente aceitava emprestado um livro do Machado, e depois comentava comigo sobre Escobar e um par de olhos de ressaca. Trocávamos leituras freqüentemente, e quando deixou a portaria para dar aulas acabou ficando com dois livros meus, que tenho certeza que encontraram melhor uso por lá.
Depois dessas experiências, passei a ver nos invisíveis uma fonte de carência a ser conquistada. São bons proseadores, bons ouvintes, boa gente que, como diz a canção, se alimenta de luz em pleno anonimato.
[align=right]T.[/align]

www.meiameiosuja.blogspot.com
 
Muito bom, Tauil. Agora fiquei curiosa: você já teve uma conversa assim com um "invisível" realmente ou é tudo ficção? Confesso que já fiquei muitas vezes interessada em puxar assunto com alguém assim...
 
Já sim, Clover. O Baiano, o Benê, a Simone e o Anderson existem.
Tem outros, mas não quis me estender muito! :)
 

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