Ilmarinen
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Discussão adicional e mais links sobre a questão nesse ensaio aí
Desnecessário dizer que não são celtas
Love-hate relationship
Curiosidade: o tópico inicial que originalmente continha esse post aqui entrou na questão da influência celta e irlandesa sobre Tolkien ao aludir ao fato de que os irlandeses têm um bom bocado das características atribuídas aos hobbits, fato enfatizado pelo detalhe pitoresco de que é, justamente, na Irlanda onde encontra-se a tendência de situar a maçaneta no centro das portas como acontece no Shire.
Peculiaridade ilustrada pela picture aí ( a ilustração em si é um excelente símbolo pra aludir à questão " em aberto" da controvérsia "céltica" sobre Tolkien e sua obra):
Infelizmente, ( ou não, porque a mitologia de Tolkien não seria o que é sem a influência celta) esse é um dos casos em que os comentários de Tolkien nas cartas não devem ser levados ao pé da letra porque não são condizentes com a verdade dos fatos.
Olhem aí a Verlyn Flieger comentando isso no seu livro Interrupted Music:"Face value, however, is not always good exchange".
Ela é uma das maiores especialistas mundiais em mitologia comparada aplicada ao Legendarium deTolkien e autora de 3 livros considerados fundamentais nos estudos da obra do autor , inclusive com citações de material inédito de autoria dele.
Verlyn Flieger
Como muitos estudiosos ilustres do trabalho do Tolkien atestam hoje em dia, inclusive Shippey, Verlyn Flieger e Dimitra Fimi, as negativas deTolkien sobre o uso da influência celta eram produto de uma atitude muito mais ideológica e política do que, propriamente, um reconhecimento imparcial do nível de influência da cultura celta e suas diversas ramificações mitológicas no Legendarium .
A mitologia celta havia sido usada para promover a causa da independência da Irlanda algumas poucas décadas antes ( Celtic revival) e , naquela época (anos 30) , reconhecer a influência celta, ainda mais sendo Tolkien católico, tornaria-o, automaticamente, suspeito de estar sendo simpatizante da autonomia da Irlanda "papista".
Por isso, Tolkien tendia a dar uma "tapada no sol com a peneira", soltando esse tipo de negação bombástica contraditória e , inclusive, mudando nomes originais celtas por outros menos óbvios mas não, suficientemente, o conceito ou contexto para sua utilização dentro do Legendarium que já refletia a fonte celta. Foi assim que Gwendelin virou Melian ( que também era celta mesmo assim),Finn* , homônimo de Finn_Mac_Cool foi trocado por Finwë, Avallónë tomou o lugar de Avallon e deixou de ser a ilha inteira para ser só o porto de Tol Eressëa, e Broceliand foi mudado para Beleriand, além de ter se combinado com outro nome também de origem céltica, Belerion (o "fim da terra) apelido dado pra Cornualha.
*(nome de um dos mais importantes heróis celtas da Irlanda e Escócia cujas histórias -Finlay, the changeling e Fionn helper- foram ,aparentemente, usadas como matéria-prima para a primeira parte de Beowulf)
Resumindo, a bomba chega até aí: o próprio Beowulf que Tolkien tanto glorificou como fonte e inspiração tem o plot de sua primeira parte, a luta contra Grendel e sua Mãe-Monstro e concepções metafísico-eclesiásticas inseridas no trecho calcadas em fontes célticas que foram apontadas nos últimos cinquenta anos.
Beowulf and Celtic tradition
Aliás, vejam só como o uso da referência pode ajudar a suprir deficiência de informação no Legendarium. Coloquemos juntas as citações da wiki pertinentes às origens dos nomes dos dois Finn e Finwë.
E o galês é, também, uma língua celta. Se ele foi usado pra constituir o Sindarin, não era pra menos que o leitor "teste" do Silmarillion achou que os nomes eram célticos. Diversos deles eram mesmo nomes celtas mitológicos como estou explicando mais adiante e como pode ser conferido no ensaio que fiz sobre Melian e Merlin .
E diversos elementos da mitologia do Silmarillion e do Senhor dos Anéis como a noção de Terra de Elfos fora do Espaço/Tempo normal como Lothlórien e Aman e o conceito de rei adormecido sob uma montanha com exército enfeitiçado ( Mortos de Dunharrow) são extremamente proeminentes em localidades de origem celta ( Escócia, Irlanda, Bretanha, País de Gales), embora não sejam exclusivos delas.
Para vocês terem uma idéia, não só nomes como Melian, Teleri, Doriath,Taras, Avalónnë, Daeron, Nessa e toda a dinastia de "Finn" (Finwë, Finarfin, Fingolfin, Curufinwë, Curufin, Findis, Finrod) que aparecem no Silmarillion são, fonética e linguisticamente, variantes ou reproduções de nomes gaélicos e galeses ( celtas) como, também, toda a história dos Noldor na Primeira Era ( e a partida dos elfos na Terceira) contém paralelos com a odisséia dos Tuatha de Danaan( Filhos da Deusa Dana na Irlanda ou Povo de Don no País de Gales), os semideuses "élficos" celtas, como por exemplo, a noção de chegarem numa terra assolada por inimigos mortais míticos, queimarem seus barcos e terem um de seus líderes ( Nuada/ Maedhros) aleijado com a perda de uma mão que, depois disso, abdica da soberania sobre o povo que liderava.
Quem estiver interessado nos detalhes pode dar uma boa olhada nesse excelente ensaio da Dimitra Fimi.
Outro exemplo que atesta a influência celta, a despeito da negativa deTolkien, é a quantidade de paralelos encontráveis entre Beren e Lúthien e Culhwch e Olwen um dos contos do Mabinogion na mitologia galesa.
http://home.comcast.net/~mithrandirc...on_sources.htm
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10-10-2009, 15:17
Ilmarinen
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Re: Influencia Irlandesa??
A propósito, os nomes dos habitantes da Bucklândia são célticos comoTolkien explicou no apêndice do SdA, entre eles o de Meriadoc Brandybuck.
Tolkien disse em suas cartas que ninguém aprenderia nada sobre os Eorlingas estudando história da Bretanha, entrentanto, o nome do fundador legendário do reino de Rohan na Bretanha se chamava Conan Meriadoc.
Conan Meriadoc
Porém, Meriadoc, "coincidentemente", foi, justamente, o hobbit que se tornou cavaleiro de Rohan no Senhor dos Anéis.
Também, "por acaso", a região que os cavaleiros sármatas, que constituíam a cavalaria a serviço de Roma na Escócia, habitavam era uma área do país chamada Caledônia que é, claramente, a inspiração para Calenardhon, o nome original de Rohan em Tolkien. É por isso que o elemento "cavaleiresco" da cultura de Rohan vem dos sármatas e da cavalaria bretã, que foi , realmente , a que deu origem às legendas arturianas. E há, sem dúvida, muito de arturiano no Reino de Rohan.
Caledonia
A situação política dos eorlingas em relação ao reino de Gondor, ao habitarem a despovoada região de Calenardhon para ajuda-la a se defender de invasores reflete a dos cavaleiros sármatas que foram usadas por Roma para defender a região da Caledônia já que as tropas romanas não podiam mais fazer a tarefa de rechaçar as invasões dos pictos e saxões.
Foram os sármatas que,originalmente, migrando junto com os povos celtas originais das Ilhas Britânicas para a Bretanha que, acabaram fundando o reino de Rohan. Segundo algumas teorias mais recentes, o rei Arthur seria , na verdade, um cavaleiro sármata como acontece no filme do Fuqua com Clive Owen.
Meriadoc, então, é um nome bretão, usado pelos habitantes do reino de Rohan, que eram galeses e escoceses imigrados da Grã-Bretanha para a região da Armórica e o Rei Arthur um descendente dos primeiros colonizadores desse reino que mais tarde foram pras Ilhas Britânicas de novo.
E o que isso tem a ver com os hobbits especificamente? Bom, como acabei de dizer, o reino de Rohan histórico na Bretanha foi fundado por imigrantes do país de Gales mesclados com refugiados da Escócia e outras regiões da Grã Bretanha. No país de Gales havia uma raça de seres míticos obscuros chamados habits que foram incluídos em uma nota do texto do Mabinogion na tradução da Lady Charlote Guest, tradução esta que Tolkien possuía. A nota descreve o encontro de Arthur com um dos "habits" e o nome significa justamente "halfling", "meiodinho", half man. E, ao contrário do que muita gente pensa, Tolkien , na verdade, não inventou o nome hobbit ele já existia em livros com listagens de seres fantásticos publicados no século XIX. E o nome "halfling" ou "hauflin", igualmente,já ocorria na Escócia e era usado para se referir a indivíduos jovens, "meio-homens", sendo o termo uma palavra com o mesmo sentido, literal, do galês habit.
Inclusive olhem que intrigante essa citação de um livro de 1871
Enfim, parece ser mesmo o caso de que Tolkien estava tentando reconstruir uma linha de continuidade entre os nomes escoceses, halfling e hauflin, e o sentido e a forma dado ao termo na língua galesa, onde o nome de "habit" era associado a um dos tipos de povos "feéricos" , provavelmente, resultando no cognato, arcaico e semi-esquecido, "hobbit" da língua inglesa. Nesse contexto, a presença de uma influência irlandesa no caldeirão parece ainda mais viável, já que o foclore e o mito de todas essas regiões vem de uma raíz comum.É capaz que o nome élfico Periannath tenha um correspondente celta.
Inclusive, Tom Bombadil e seu antecessor do Book of Lost Tales, Tinfang Warble, devem muito ao conceito irlandês do Leprechaun que Tolkien adotou nos Contos Perdidos como Leprawn.
Como vocês podem ver , há motivos mais do que suficientes,inclusive, não só pra considerar a negativa da influência celta sobre Tolkien uma inverdade, como, também, para questionar, seriamente, a noção predominante de que a influência mítica principal sobre a mitologia dele como um todo tenha sido a nórdica.
A nórdica é mais influente sobre o Senhor dos Anéis ( mesmo assim, coisas como os Huorns e o ataque dos ents a Isengard traem a influência celta junto com uma pletora de elementos arturianos) , o Hobbit e outras historias como a do Túrin Turambar (que também tem muita coisa celta que Tolkien nunca reconheceu como a presença da espada mágica de ferro meteórico, remetendo pra Clarent, a espada "gêmea" de Excalibur de Sir Mordred e os paralelos com Sir Balin que tinha uma arma amaldiçoada), mas no resto todo a influência celta é extremamente marcante e só agora está sendo devidamente estudada dentro da comunidade Tolkien internacional ( embora textos bem longos com comparações já surgissem desde o início da década de oitenta).
Esse é um dos assuntos Tolkienianos modernos onde há uma tremenda defasagem entre o que está disponível em português e os "avanços" no exterior. Então não reparem se posts como esses fiquem meio longos , porque, como vocês podem ver pelos links, o tema é extenso mesmo.
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11-10-2009, 03:33
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Re: Influencia Irlandesa??
Sim, mas como muitos estão começando a atestar, isso não anula o fato de que um terço da biblioteca pessoal de Tolkien doada pra Oxford contivesse livros sobre a cultura e literatura célticas. totalizando mais de 100 volumes e incluindo cópias de manuscritos medievais. Isso é muito mais do que o interesse de um mero curioso ou diletante e muito mais do que se espera de alguém que tenha "uma certa aversão" pelo material.
Pode conferir isso nesse outro texto da Dimitra Fimi publicado em Tolkien Studies.Estou incluindo o ensaio completo como anexo, já que tenho acesso ao material.
http://muse.jhu.edu/login?uri=/journ...4/4.1fimi.html
Citando o já clássico livro de Hammond e Scull
E diversas das obras pouco editadas ou ainda inéditas de Tolkien além das que você citou, inclusive vários outros poemas traduzidos e/ou editados e anotados por ele, mostram que o interesse dele pela mitologia e cultura céltica, no mínimo, rivalizava com o que ele tinha pela anglo-saxã, embora ele fosse relutante em admitir isso na época:
a) Aotrou e Itroun , poema que enfoca o folclore bretão e inspirado num dos contos de uma coletânea famosa de histórias celtas,o Barzaz Breiz ( é um dos livros de Tolkien encontrado na biblioteca comentada pela Fimi).
Wikipedia-Barzaz Breiz
b)a tradução de Sir Gawain and the Green Knight ( o poema está escrito em inglês médio, não em galês ou gaélico, mas o tema e a mitologia retratados são celtas),
c) Sir Orfeo, mesmo caso de Sir Gawain, o texto traduzido é do médio inglês mas a mitologia inteira contida nele é celta e não nórdica.
d) o poema inédito The Fall of Arthur, que a Verlyn Flieger tentou publicar mas cuja edição , aparentemente, foi barrada pelo CT, que também barrou a publicação da tradução e das notas de Tolkien sobre o Beowulf. Nota: a coisa foi tão feia que Michael Drout deletou de seu blog a mensagem explicando o contexto da coisa, provavelmente, para colocar os "panos quentes" entre ele e CT. Daí a reprodução integral do material no link acima se justifica.
e) o conto de fadas inacabado The King of the Green Dozen que tem o rei de Ywerddon ( Irlanda) junto com os doze filhos de seu descendente e o detalhe de suas cabeleiras verdes. A história se passa no país de Gales,mas, como dito, o tal rei é irlandês.
f)a nota etimológica sobre o nome Nodens ( nome continental do deus celta Nuada que comparte caracteristicas com Maedhros e Celebrimbor).
g) O poema Imram, incluído no Sauron Defeated , HoME IX, contando a viagem de São Brandão, através do mar ocidental, até o Otherworld céltico . Outro tema que é de origem irlandesa.
h) Tradução não concluída de Pwyll , príncipe de Dyfedd, um dos contos do Mabinogion onde foi incluída uma nota sobre o termo Annwn que foi mais tarde convertido em fonte de nomes tolkienianos.
Um indivíduo que tinha um certo "distaste" com o mito celta iria fazer tantas obras artísticas e filológicas de qualidade em cima dessa mitologia quanto as que ele fez? Iria fazer um poema tão lindo quanto Aotrou e Itroun é? O poema inédito sobre a Morte de Arthur que é, como Aotrou e Itroun, de natureza aliterativa, é considerado, por quem já o viu, uma das melhores coisas que Tolkien já fez em termos de poesia.
Isso tudo dá um volume de produção e empenho artísticos que se equipara com qualquer outro trabalho devotado ao Beowulf ou outro elemento nórdico a que ele tenha se dedicado como Sigurd e Gudrun.
E a pura quantidade dos "determinados elementos celtas" faz pensar que a extensão dos empréstimos tomados da cultura celta é muito maior do que a que costumava ser estimada até há pouco tempo atrás.
Elementos que vão da caracterização e a história dos elfos na Terra Média passando por sua capacidade de reencarnação, pela habitação élfica original antes do "exílio" num oeste paradisíaco e a ligação dela com o Otherworld céltico ( Tolkien chamou Aman e Eressëa de Otherworld no poema sobre Eärendil no SdA) até o nome dos halflings/habits/hobbits
Não se trata , então, de meros detalhes cosméticos do Legendarium, mas "motivos" , "tópicos" e linhas narrativas inteiras, incluíndo seu simbolismo e "mensagem" implícitos ou explícitos
É por isso que aquela que é, talvez, a história favorita de Tolkien, Beren e Lúthien, é um análogo e uma atualização do simbolismo de um conto galês e celta encontrado no Mabinogion, Culhwch e Olwen. Por muito menos do que isso, só porque Tolkien admitiu explicitamente a referência no caso de Túrin, as comparações com o Kalevala abundam, extrapolando os paralelos que JRRT chegou a reconhecer.
Mas a verdade é que, em muito pontos, Beren e Lúthien é mais parecido com Culhwch e Olwen (simbolismo, estrutura e sequência episódica, plot geral) do que Children of Húrin se parece com a história do Kullervo. E, embora , como você diz, os paralelos sejam óbvios, Tolkien nunca admitiu a influência celta em nenhum dos contos de sua mitologia, ao contrário do que acontecia com os outros paralelos nórdicos e finlandeses igualmente "óbvios" e por isso a ênfase dos estudiosos em desmentir e justificar a negativa dele.
E isso é algo que os maiores especialistas estrangeiros sobre Tolkien estão falando em peso nos dias de hoje e não uma opinião isolada de um ou outro teórico ou autor de livro caça-níquel.Qualquer pessoa interessada pode conferir isso nos livros e ensaios citados e nas respectivas referências bibliográficas.
É a noção acumulada da evidência conjunta que está fazendo os pesquisadores mudarem vagarosamente o foco de seus estudos e comparações de uma ênfase nos paralelos encontrados nos plots centrais do Hobbit e do Senhor dos Anéis com suas contrapartes nórdicas (Beowulf, Eddas,Volsunga Saga, Nibelungelied ) para considerações mais gerais entre o mito de Tolkien como um todo e a mitologia celta.
Comparações que envolvem o "clima" e a "filosofia" embutida neles, inclusive a preocupação com a tensão entre a "verdadeira natureza" do Mundo e o prolongamento antinatural da vida, tema recorrente no simbolismo celta e praticamente ausente das mitologias nórdica e finlandesa , o que se "faz" com os ingredientes da história e não somente a procedência deles. Mesmo quando a fonte principal de inspiração era nórdica, como no Senhor dos Anéis, o que Tolkien tendia a fazer com ela dentro da história se inclinava mais para o que era celta. Não foi Tolkien quem disse isso daí embaixo, falando sobre o Senhor dos Anéis?
Agora dê uma olhada nos temas principais dessas duas histórias irlandesas, escritas no idioma gaélico que Tolkien dizia desgostar,Os Filhos de Lir e Oisin. Dois temas importantes e vitais são as consequências da "longevidade serial", a memória acumulada e a aceitação ou recusa da morte.
Children of Lir
Reparem que nessa primeira picture de Jim Fitzpatrick ilustrando Filhos de Lir, o padrão tecido no ar pelo encantamento de Aoife parece originar um Olho. E isso, provavelmente, acontece porque um local proeminente na história dos Filhos de Lir é, justamente, o lago do Olho Vermelho. Lembra algo né? Coincidência ou não, o nome do avô adotivo de Aoife is Deorg, que significa o "Vermelho", o mesmo que , depois, puniu a neta transformando-a em uma banshee ou espírito do ar.
Oisin
Inclusive, acabando de postar aqui ( as semelhanças,simplesmente, não param de aparecer) suponho que os paralelos nos títulos de Children of Húrin e Children of Lir (ambos grupos de filhos de heróis "amaldiçoados" por magia) e entre Wanderings of Húrin e Wanderings of Oisin (texto de Yeats) não são acidentais. Assim como Húrin, Oisin também vira um idoso cuja vida acabou prolongada por feitiçaria. O texto do Children of Húrin e do Contos Inacabados não atesta que "Morgoth exerceu nele o seu poder de maneira que Húrin não podia se mover ou morrer"?
Eu pergunto: quantas histórias nórdicas ou finlandesas realmente mostram uma preocupação similar com esses temas ao ponto deles dominarem o foco da narrativa? Praticamente nenhuma até onde eu sei.
Wanderings of Oisin
Wanderings of Húrin
Tolkien desenfatizava em excesso seu apreço e débito pela cultura céltica por questões religiosas, políticas e ideológicas e, por isso, suas heranças e utilização da tradição nórdica acabam muito superestimadas por comparação.
Foi só depois da publicação do Senhor dos Anéis, em 1955, que ele chegou ao ponto de admitir que muito do que aprendeu no "estudo de coisas celtas" ele colocou lá "no modo de apresentação que ele achava mais natural" que, podemos entender, era "elevado, privado do "tosco" tal como ele tinha falado antes em suas cartas.
É a tendência que ele tinha para suavizar e sanitizar certas coisas cruentas dos mitos nórdicos e celtas. Uma tendência que é, inclusive, criticada por muitos outros escritores de fantasia. Essa inclinação de Tolkien é ilustrada muito bem com a comparação entre Culhwch e Olwen com Beren e Lúthien. A gente entende muito melhor o que Tolkien realmente queria dizer conhecendo ambas as histórias, suas semelhanças e disparidades.
As influências celtas só agora estão sendo estudadas de forma sistemática e completa e o seu próprio número e a complexidade e diversidade do mito celta dificultam a análise já que são muito menos conhecidas pelo público e pelos estudiosos.
De maneira geral, o que se observa nessa questão da noção quantitativa do débito deTolkien pelas duas culturas , celta e nórdica é que , no caso da primeira, ele falava uma coisa enquanto fazia outra. Explicar o porquê dessa dicotomia acaba sendo tão importante quanto corrigir esse desequilíbrio na avaliação crítica e esse parece ser um dos pontos mais importantes dos Tolkien Studies contemporâneos.
Como o tema dos "óbvios" debitos com a mitologia celta nunca tinha aparecido direito nesse fórum e/ou na própria Valinor, espero que esses longos posts possam servir de mapa ou referência para o público brasileiro, já que o tema é , praticamente, inédito por aqui.
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Peculiaridade ilustrada pela picture aí ( a ilustração em si é um excelente símbolo pra aludir à questão " em aberto" da controvérsia "céltica" sobre Tolkien e sua obra):
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Tyellë500)Re: Influencia Irlandesa??
Tolkien não tinha lá muito apreço pela cultura celta, como disse na carta n° 19, de 16 de dezembro de 1937, sobre um comentário feito por um leitor externo da editora Allen & Unwin que havia dado uma lida no manuscrito do "Quenta Silmarillion" para uma possível publicação e que dissera que não tinha gostado dos "nomes celtas de embaralhar a vista":
Post Original de Tolkien, na carta n° 19
(...) Desnecessário dizer que eles [= os nomes] não são celtas! Nem o são os contos. Conheço coisas célticas (muitas delas em seus idiomas originais, irlandês e galês), e sinto por elas uma certa aversão: em grande parte por sua irracionalidade fundamental. Elas têm cores vivas, mas são como uma janela de vitrais quebrada cujos pedaços são reunidos mais uma vez sem forma. Elas de fato são "loucas" como seu leitor disse (...)
E das línguas, ele preferia a galesa (que serviu de inspiração para o Sindarin), enquanto a irlandesa o desagradava:
Post Original de Tolkien, na carta n° 165
(...) acho tanto o gaélico como o ar da Irlanda totalmente estranhos - embora o último seja atraente (mas não o idioma).
Infelizmente, ( ou não, porque a mitologia de Tolkien não seria o que é sem a influência celta) esse é um dos casos em que os comentários de Tolkien nas cartas não devem ser levados ao pé da letra porque não são condizentes com a verdade dos fatos.
Olhem aí a Verlyn Flieger comentando isso no seu livro Interrupted Music:"Face value, however, is not always good exchange".
Ela é uma das maiores especialistas mundiais em mitologia comparada aplicada ao Legendarium deTolkien e autora de 3 livros considerados fundamentais nos estudos da obra do autor , inclusive com citações de material inédito de autoria dele.
Verlyn Flieger
Como muitos estudiosos ilustres do trabalho do Tolkien atestam hoje em dia, inclusive Shippey, Verlyn Flieger e Dimitra Fimi, as negativas deTolkien sobre o uso da influência celta eram produto de uma atitude muito mais ideológica e política do que, propriamente, um reconhecimento imparcial do nível de influência da cultura celta e suas diversas ramificações mitológicas no Legendarium .
A mitologia celta havia sido usada para promover a causa da independência da Irlanda algumas poucas décadas antes ( Celtic revival) e , naquela época (anos 30) , reconhecer a influência celta, ainda mais sendo Tolkien católico, tornaria-o, automaticamente, suspeito de estar sendo simpatizante da autonomia da Irlanda "papista".
Por isso, Tolkien tendia a dar uma "tapada no sol com a peneira", soltando esse tipo de negação bombástica contraditória e , inclusive, mudando nomes originais celtas por outros menos óbvios mas não, suficientemente, o conceito ou contexto para sua utilização dentro do Legendarium que já refletia a fonte celta. Foi assim que Gwendelin virou Melian ( que também era celta mesmo assim),Finn* , homônimo de Finn_Mac_Cool foi trocado por Finwë, Avallónë tomou o lugar de Avallon e deixou de ser a ilha inteira para ser só o porto de Tol Eressëa, e Broceliand foi mudado para Beleriand, além de ter se combinado com outro nome também de origem céltica, Belerion (o "fim da terra) apelido dado pra Cornualha.
*(nome de um dos mais importantes heróis celtas da Irlanda e Escócia cujas histórias -Finlay, the changeling e Fionn helper- foram ,aparentemente, usadas como matéria-prima para a primeira parte de Beowulf)
Resumindo, a bomba chega até aí: o próprio Beowulf que Tolkien tanto glorificou como fonte e inspiração tem o plot de sua primeira parte, a luta contra Grendel e sua Mãe-Monstro e concepções metafísico-eclesiásticas inseridas no trecho calcadas em fontes célticas que foram apontadas nos últimos cinquenta anos.
Beowulf and Celtic tradition
Aliás, vejam só como o uso da referência pode ajudar a suprir deficiência de informação no Legendarium. Coloquemos juntas as citações da wiki pertinentes às origens dos nomes dos dois Finn e Finwë.
Finn:
Citação:
Fionn or Finn is actually a nickname meaning "fair" (in reference to hair and/or skin colour), "white", or "bright"
Finwë:
Citação:
Finwë's name is not fully translated. The glossary in The Silmarillion translates Fin as "hair"; other sources say it means "skill".]
E o galês é, também, uma língua celta. Se ele foi usado pra constituir o Sindarin, não era pra menos que o leitor "teste" do Silmarillion achou que os nomes eram célticos. Diversos deles eram mesmo nomes celtas mitológicos como estou explicando mais adiante e como pode ser conferido no ensaio que fiz sobre Melian e Merlin .
E diversos elementos da mitologia do Silmarillion e do Senhor dos Anéis como a noção de Terra de Elfos fora do Espaço/Tempo normal como Lothlórien e Aman e o conceito de rei adormecido sob uma montanha com exército enfeitiçado ( Mortos de Dunharrow) são extremamente proeminentes em localidades de origem celta ( Escócia, Irlanda, Bretanha, País de Gales), embora não sejam exclusivos delas.
Para vocês terem uma idéia, não só nomes como Melian, Teleri, Doriath,Taras, Avalónnë, Daeron, Nessa e toda a dinastia de "Finn" (Finwë, Finarfin, Fingolfin, Curufinwë, Curufin, Findis, Finrod) que aparecem no Silmarillion são, fonética e linguisticamente, variantes ou reproduções de nomes gaélicos e galeses ( celtas) como, também, toda a história dos Noldor na Primeira Era ( e a partida dos elfos na Terceira) contém paralelos com a odisséia dos Tuatha de Danaan( Filhos da Deusa Dana na Irlanda ou Povo de Don no País de Gales), os semideuses "élficos" celtas, como por exemplo, a noção de chegarem numa terra assolada por inimigos mortais míticos, queimarem seus barcos e terem um de seus líderes ( Nuada/ Maedhros) aleijado com a perda de uma mão que, depois disso, abdica da soberania sobre o povo que liderava.
Quem estiver interessado nos detalhes pode dar uma boa olhada nesse excelente ensaio da Dimitra Fimi.
Outro exemplo que atesta a influência celta, a despeito da negativa deTolkien, é a quantidade de paralelos encontráveis entre Beren e Lúthien e Culhwch e Olwen um dos contos do Mabinogion na mitologia galesa.
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10-10-2009, 15:17
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Re: Influencia Irlandesa??
A propósito, os nomes dos habitantes da Bucklândia são célticos comoTolkien explicou no apêndice do SdA, entre eles o de Meriadoc Brandybuck.
Tolkien disse em suas cartas que ninguém aprenderia nada sobre os Eorlingas estudando história da Bretanha, entrentanto, o nome do fundador legendário do reino de Rohan na Bretanha se chamava Conan Meriadoc.
Conan Meriadoc
Carta 297-Rohan é um nome famoso, da Bretanha, ostentado por uma antiga família orgulhosa e poderosa. Estava ciente disso e gostei de sua forma; mas eu também havia inventado (muito tempo antes) a palavra Élfica para cavalo, e vi como Rohan podia ser acomodada à situação lingüística como um nome Sindarin tardio da Terra dos Cavaleiros (anteriormente chamada de Calenardon “a (grande) região verde”) após sua ocupação pelos cavaleiros. Nada na história da Bretanha elucidará qualquer coisa sobre os Eorlingas.
Porém, Meriadoc, "coincidentemente", foi, justamente, o hobbit que se tornou cavaleiro de Rohan no Senhor dos Anéis.
Também, "por acaso", a região que os cavaleiros sármatas, que constituíam a cavalaria a serviço de Roma na Escócia, habitavam era uma área do país chamada Caledônia que é, claramente, a inspiração para Calenardhon, o nome original de Rohan em Tolkien. É por isso que o elemento "cavaleiresco" da cultura de Rohan vem dos sármatas e da cavalaria bretã, que foi , realmente , a que deu origem às legendas arturianas. E há, sem dúvida, muito de arturiano no Reino de Rohan.
Caledonia
A situação política dos eorlingas em relação ao reino de Gondor, ao habitarem a despovoada região de Calenardhon para ajuda-la a se defender de invasores reflete a dos cavaleiros sármatas que foram usadas por Roma para defender a região da Caledônia já que as tropas romanas não podiam mais fazer a tarefa de rechaçar as invasões dos pictos e saxões.
Foram os sármatas que,originalmente, migrando junto com os povos celtas originais das Ilhas Britânicas para a Bretanha que, acabaram fundando o reino de Rohan. Segundo algumas teorias mais recentes, o rei Arthur seria , na verdade, um cavaleiro sármata como acontece no filme do Fuqua com Clive Owen.
Meriadoc, então, é um nome bretão, usado pelos habitantes do reino de Rohan, que eram galeses e escoceses imigrados da Grã-Bretanha para a região da Armórica e o Rei Arthur um descendente dos primeiros colonizadores desse reino que mais tarde foram pras Ilhas Britânicas de novo.
E o que isso tem a ver com os hobbits especificamente? Bom, como acabei de dizer, o reino de Rohan histórico na Bretanha foi fundado por imigrantes do país de Gales mesclados com refugiados da Escócia e outras regiões da Grã Bretanha. No país de Gales havia uma raça de seres míticos obscuros chamados habits que foram incluídos em uma nota do texto do Mabinogion na tradução da Lady Charlote Guest, tradução esta que Tolkien possuía. A nota descreve o encontro de Arthur com um dos "habits" e o nome significa justamente "halfling", "meiodinho", half man. E, ao contrário do que muita gente pensa, Tolkien , na verdade, não inventou o nome hobbit ele já existia em livros com listagens de seres fantásticos publicados no século XIX. E o nome "halfling" ou "hauflin", igualmente,já ocorria na Escócia e era usado para se referir a indivíduos jovens, "meio-homens", sendo o termo uma palavra com o mesmo sentido, literal, do galês habit.
Inclusive olhem que intrigante essa citação de um livro de 1871
Citação:
Almost every halfling now carries about with him his pipe , his tobbacco and his box of matches
Enfim, parece ser mesmo o caso de que Tolkien estava tentando reconstruir uma linha de continuidade entre os nomes escoceses, halfling e hauflin, e o sentido e a forma dado ao termo na língua galesa, onde o nome de "habit" era associado a um dos tipos de povos "feéricos" , provavelmente, resultando no cognato, arcaico e semi-esquecido, "hobbit" da língua inglesa. Nesse contexto, a presença de uma influência irlandesa no caldeirão parece ainda mais viável, já que o foclore e o mito de todas essas regiões vem de uma raíz comum.É capaz que o nome élfico Periannath tenha um correspondente celta.
Inclusive, Tom Bombadil e seu antecessor do Book of Lost Tales, Tinfang Warble, devem muito ao conceito irlandês do Leprechaun que Tolkien adotou nos Contos Perdidos como Leprawn.
Como vocês podem ver , há motivos mais do que suficientes,inclusive, não só pra considerar a negativa da influência celta sobre Tolkien uma inverdade, como, também, para questionar, seriamente, a noção predominante de que a influência mítica principal sobre a mitologia dele como um todo tenha sido a nórdica.
A nórdica é mais influente sobre o Senhor dos Anéis ( mesmo assim, coisas como os Huorns e o ataque dos ents a Isengard traem a influência celta junto com uma pletora de elementos arturianos) , o Hobbit e outras historias como a do Túrin Turambar (que também tem muita coisa celta que Tolkien nunca reconheceu como a presença da espada mágica de ferro meteórico, remetendo pra Clarent, a espada "gêmea" de Excalibur de Sir Mordred e os paralelos com Sir Balin que tinha uma arma amaldiçoada), mas no resto todo a influência celta é extremamente marcante e só agora está sendo devidamente estudada dentro da comunidade Tolkien internacional ( embora textos bem longos com comparações já surgissem desde o início da década de oitenta).
Esse é um dos assuntos Tolkienianos modernos onde há uma tremenda defasagem entre o que está disponível em português e os "avanços" no exterior. Então não reparem se posts como esses fiquem meio longos , porque, como vocês podem ver pelos links, o tema é extenso mesmo.
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10-10-2009, 18:04
Tilion
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Tyellë500)Re: Influencia Irlandesa??
Post Original de Ilmarinen
Infelizmente, ( ou não, porque a mitologia de Tolkien não seria o que é sem a influência celta) esse é um dos casos em que os comentários deTolkien nas cartas não devem ser levados ao pé da letra porque não são condizentes com a verdade dos fatos.
Foi por isso que eu disse apenas que ele não tinha "muito apreço", não que desgostava completamente da cultura celta, tanto que a influência desta na obra é óbvia.
Embora tenha tenha se inspirado em determinados elementos celtas, essa influência foi muito menor do que a das culturas germânicas e nórdicas que, essas sim (independente do que se possa questionar, como no post imediatamente acima), eram as que ele mais admirava e estudava, tanto que ele era especialista em língua e cultura anglo-saxãs, como seu trabalho em cima de Beowulf e outros poemas deixa bem claro (além de dar aulas da língua e da literatura), assim como o "recente" The Legend of Sigurd and Gudrun mostra o tamanho do interesse dele pela cultura nórdica, a ponto de escrever um poema visando preencher uma das lacunas no corpus literário nórdico.
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11-10-2009, 03:33
Ilmarinen
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Re: Influencia Irlandesa??
Sim, mas como muitos estão começando a atestar, isso não anula o fato de que um terço da biblioteca pessoal de Tolkien doada pra Oxford contivesse livros sobre a cultura e literatura célticas. totalizando mais de 100 volumes e incluindo cópias de manuscritos medievais. Isso é muito mais do que o interesse de um mero curioso ou diletante e muito mais do que se espera de alguém que tenha "uma certa aversão" pelo material.
Pode conferir isso nesse outro texto da Dimitra Fimi publicado em Tolkien Studies.Estou incluindo o ensaio completo como anexo, já que tenho acesso ao material.
http://muse.jhu.edu/login?uri=/journ...4/4.1fimi.html
Tolkien's Celtic Library After J.R.R. Tolkien's death, a number of books from his personal collection ended up in two Oxford libraries. A small number are in the Bodleian Library, within the Tolkien manuscript collection, in the section "Tolkien E16." A considerably larger number are to be found in the Library of the English Faculty. According to the library's own classification system, the books are shelved in section V, which is described as "Tolkien's Celtic Library." An initial reaction to this description might be surprise. Tolkien's dislike for "things Celtic," strongly expressed in his much-quoted 1937 letter to Stanley Unwin (Letters 26), is well known and could be taken as a definitive discouragement to research in Tolkien's Celtic sources. It is only recently that scholarship has attempted a serious evaluation of the Celtic elements of Tolkien's inspiration (see Burns; Fimi; Flieger Interrupted Music). Nevertheless, Tolkien's "Celtic Library" holds exciting revelations, if only for its sheer size. Over three hundred books originally owned by Tolkien are held in the Bodleian and the English Faculty Library, of which approximately a third belong to the discipline of Celtic Studies.
Citando o já clássico livro de Hammond e Scull
Some 280 of his books on Celtic, Icelandic, Anglo-Saxon, Middle English, and Germanic languages and literature were given to the English Faculty Library in Oxford. Many of these contain the inscribed dates that acquired them, which show that he was buying such books avidly in the early 1920s, especially Gaelic, Welsh, Breton and Irish works. Of the 200 volumes published in 1925 or earlier and not shown by inscriptions to have been acquired after 1925, Tolkien owned at least 15 already by 1919, and added 61 in 1920-25 while he was at *Leeds - over a third of the total. He added at least 29 of these books to his collection in 1922,almost all of them on the various Celtic languages and literature.
E diversas das obras pouco editadas ou ainda inéditas de Tolkien além das que você citou, inclusive vários outros poemas traduzidos e/ou editados e anotados por ele, mostram que o interesse dele pela mitologia e cultura céltica, no mínimo, rivalizava com o que ele tinha pela anglo-saxã, embora ele fosse relutante em admitir isso na época:
a) Aotrou e Itroun , poema que enfoca o folclore bretão e inspirado num dos contos de uma coletânea famosa de histórias celtas,o Barzaz Breiz ( é um dos livros de Tolkien encontrado na biblioteca comentada pela Fimi).
Wikipedia-Barzaz Breiz
b)a tradução de Sir Gawain and the Green Knight ( o poema está escrito em inglês médio, não em galês ou gaélico, mas o tema e a mitologia retratados são celtas),
c) Sir Orfeo, mesmo caso de Sir Gawain, o texto traduzido é do médio inglês mas a mitologia inteira contida nele é celta e não nórdica.
d) o poema inédito The Fall of Arthur, que a Verlyn Flieger tentou publicar mas cuja edição , aparentemente, foi barrada pelo CT, que também barrou a publicação da tradução e das notas de Tolkien sobre o Beowulf. Nota: a coisa foi tão feia que Michael Drout deletou de seu blog a mensagem explicando o contexto da coisa, provavelmente, para colocar os "panos quentes" entre ele e CT. Daí a reprodução integral do material no link acima se justifica.
e) o conto de fadas inacabado The King of the Green Dozen que tem o rei de Ywerddon ( Irlanda) junto com os doze filhos de seu descendente e o detalhe de suas cabeleiras verdes. A história se passa no país de Gales,mas, como dito, o tal rei é irlandês.
f)a nota etimológica sobre o nome Nodens ( nome continental do deus celta Nuada que comparte caracteristicas com Maedhros e Celebrimbor).
g) O poema Imram, incluído no Sauron Defeated , HoME IX, contando a viagem de São Brandão, através do mar ocidental, até o Otherworld céltico . Outro tema que é de origem irlandesa.
h) Tradução não concluída de Pwyll , príncipe de Dyfedd, um dos contos do Mabinogion onde foi incluída uma nota sobre o termo Annwn que foi mais tarde convertido em fonte de nomes tolkienianos.
Um indivíduo que tinha um certo "distaste" com o mito celta iria fazer tantas obras artísticas e filológicas de qualidade em cima dessa mitologia quanto as que ele fez? Iria fazer um poema tão lindo quanto Aotrou e Itroun é? O poema inédito sobre a Morte de Arthur que é, como Aotrou e Itroun, de natureza aliterativa, é considerado, por quem já o viu, uma das melhores coisas que Tolkien já fez em termos de poesia.
Isso tudo dá um volume de produção e empenho artísticos que se equipara com qualquer outro trabalho devotado ao Beowulf ou outro elemento nórdico a que ele tenha se dedicado como Sigurd e Gudrun.
E a pura quantidade dos "determinados elementos celtas" faz pensar que a extensão dos empréstimos tomados da cultura celta é muito maior do que a que costumava ser estimada até há pouco tempo atrás.
Elementos que vão da caracterização e a história dos elfos na Terra Média passando por sua capacidade de reencarnação, pela habitação élfica original antes do "exílio" num oeste paradisíaco e a ligação dela com o Otherworld céltico ( Tolkien chamou Aman e Eressëa de Otherworld no poema sobre Eärendil no SdA) até o nome dos halflings/habits/hobbits
Não se trata , então, de meros detalhes cosméticos do Legendarium, mas "motivos" , "tópicos" e linhas narrativas inteiras, incluíndo seu simbolismo e "mensagem" implícitos ou explícitos
É por isso que aquela que é, talvez, a história favorita de Tolkien, Beren e Lúthien, é um análogo e uma atualização do simbolismo de um conto galês e celta encontrado no Mabinogion, Culhwch e Olwen. Por muito menos do que isso, só porque Tolkien admitiu explicitamente a referência no caso de Túrin, as comparações com o Kalevala abundam, extrapolando os paralelos que JRRT chegou a reconhecer.
Mas a verdade é que, em muito pontos, Beren e Lúthien é mais parecido com Culhwch e Olwen (simbolismo, estrutura e sequência episódica, plot geral) do que Children of Húrin se parece com a história do Kullervo. E, embora , como você diz, os paralelos sejam óbvios, Tolkien nunca admitiu a influência celta em nenhum dos contos de sua mitologia, ao contrário do que acontecia com os outros paralelos nórdicos e finlandeses igualmente "óbvios" e por isso a ênfase dos estudiosos em desmentir e justificar a negativa dele.
E isso é algo que os maiores especialistas estrangeiros sobre Tolkien estão falando em peso nos dias de hoje e não uma opinião isolada de um ou outro teórico ou autor de livro caça-níquel.Qualquer pessoa interessada pode conferir isso nos livros e ensaios citados e nas respectivas referências bibliográficas.
É a noção acumulada da evidência conjunta que está fazendo os pesquisadores mudarem vagarosamente o foco de seus estudos e comparações de uma ênfase nos paralelos encontrados nos plots centrais do Hobbit e do Senhor dos Anéis com suas contrapartes nórdicas (Beowulf, Eddas,Volsunga Saga, Nibelungelied ) para considerações mais gerais entre o mito de Tolkien como um todo e a mitologia celta.
Comparações que envolvem o "clima" e a "filosofia" embutida neles, inclusive a preocupação com a tensão entre a "verdadeira natureza" do Mundo e o prolongamento antinatural da vida, tema recorrente no simbolismo celta e praticamente ausente das mitologias nórdica e finlandesa , o que se "faz" com os ingredientes da história e não somente a procedência deles. Mesmo quando a fonte principal de inspiração era nórdica, como no Senhor dos Anéis, o que Tolkien tendia a fazer com ela dentro da história se inclinava mais para o que era celta. Não foi Tolkien quem disse isso daí embaixo, falando sobre o Senhor dos Anéis?
Posso dizer, porém, que se a história é “sobre” alguma coisa (além de si mesma), não é, como parece ser amplamente suposto, sobre “poder”. A busca pelo poder é apenas o motivo-poder que coloca os eventos em andamento, e creio ser relativamente sem importância. A história diz respeito principalmente à Morte e à Imortalidade, e às “fugas”: longevidade serial e memória cumulada.
Agora dê uma olhada nos temas principais dessas duas histórias irlandesas, escritas no idioma gaélico que Tolkien dizia desgostar,Os Filhos de Lir e Oisin. Dois temas importantes e vitais são as consequências da "longevidade serial", a memória acumulada e a aceitação ou recusa da morte.
Children of Lir
Reparem que nessa primeira picture de Jim Fitzpatrick ilustrando Filhos de Lir, o padrão tecido no ar pelo encantamento de Aoife parece originar um Olho. E isso, provavelmente, acontece porque um local proeminente na história dos Filhos de Lir é, justamente, o lago do Olho Vermelho. Lembra algo né? Coincidência ou não, o nome do avô adotivo de Aoife is Deorg, que significa o "Vermelho", o mesmo que , depois, puniu a neta transformando-a em uma banshee ou espírito do ar.
Lago do Olho VermelhoThe Irish and Gaelic word for red is deorg, pronounced d(j)arak. This time ur-ac would have become -arak in the spoken form d(j)arak.
Oisin
Inclusive, acabando de postar aqui ( as semelhanças,simplesmente, não param de aparecer) suponho que os paralelos nos títulos de Children of Húrin e Children of Lir (ambos grupos de filhos de heróis "amaldiçoados" por magia) e entre Wanderings of Húrin e Wanderings of Oisin (texto de Yeats) não são acidentais. Assim como Húrin, Oisin também vira um idoso cuja vida acabou prolongada por feitiçaria. O texto do Children of Húrin e do Contos Inacabados não atesta que "Morgoth exerceu nele o seu poder de maneira que Húrin não podia se mover ou morrer"?
Eu pergunto: quantas histórias nórdicas ou finlandesas realmente mostram uma preocupação similar com esses temas ao ponto deles dominarem o foco da narrativa? Praticamente nenhuma até onde eu sei.
Wanderings of Oisin
Wanderings of Húrin
Tolkien desenfatizava em excesso seu apreço e débito pela cultura céltica por questões religiosas, políticas e ideológicas e, por isso, suas heranças e utilização da tradição nórdica acabam muito superestimadas por comparação.
Foi só depois da publicação do Senhor dos Anéis, em 1955, que ele chegou ao ponto de admitir que muito do que aprendeu no "estudo de coisas celtas" ele colocou lá "no modo de apresentação que ele achava mais natural" que, podemos entender, era "elevado, privado do "tosco" tal como ele tinha falado antes em suas cartas.
But the years 1953 to 1955 have for me been filled with a great many tasks, and their burden has not been decreased by the long-delayed appearance of a large 'work', if it can be called that, which contains, in the way of presentation that I find most natural, much of what I personally have received from the study of things Celtic.
Deveria possuir o tom e a qualidade que eu desejava, um tanto sereno e claro, com a fragrância de nosso “ar” (o clima e solo do noroeste, tendo em vista a Grã-Bretanha e as partes de cá da Europa: não a Itália ou o Egeu, muito menos o Oriente) e, embora possuísse (caso eu pudesse alcançá-la) a clara beleza elusiva que alguns chamam de céltica (...)ele deveria ser “elevado”, purgado do grosseiro e adequado à mente mais adulta de uma terra já há muito saturada de poesia.
É a tendência que ele tinha para suavizar e sanitizar certas coisas cruentas dos mitos nórdicos e celtas. Uma tendência que é, inclusive, criticada por muitos outros escritores de fantasia. Essa inclinação de Tolkien é ilustrada muito bem com a comparação entre Culhwch e Olwen com Beren e Lúthien. A gente entende muito melhor o que Tolkien realmente queria dizer conhecendo ambas as histórias, suas semelhanças e disparidades.
As influências celtas só agora estão sendo estudadas de forma sistemática e completa e o seu próprio número e a complexidade e diversidade do mito celta dificultam a análise já que são muito menos conhecidas pelo público e pelos estudiosos.
De maneira geral, o que se observa nessa questão da noção quantitativa do débito deTolkien pelas duas culturas , celta e nórdica é que , no caso da primeira, ele falava uma coisa enquanto fazia outra. Explicar o porquê dessa dicotomia acaba sendo tão importante quanto corrigir esse desequilíbrio na avaliação crítica e esse parece ser um dos pontos mais importantes dos Tolkien Studies contemporâneos.
Como o tema dos "óbvios" debitos com a mitologia celta nunca tinha aparecido direito nesse fórum e/ou na própria Valinor, espero que esses longos posts possam servir de mapa ou referência para o público brasileiro, já que o tema é , praticamente, inédito por aqui.
Anexos
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05-4.1fimi.pdf204,9 KB · Visualizações: 67
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FairyTales-ChildrenLirEnchantment.webp97,3 KB · Visualizações: 197
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293020302_9f4ec2c5a9_z.webp74,4 KB · Visualizações: 506
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