CONTINENTE Uma das questões que você pôs em evidência no blog foi o título. Um boa tradução do título é importante para cativar os leitores ou David Foster Wallace já tem nome pra fazer as vendas da edição?
CAETANO GALINDO Nem sei se a questão é essa. Um editor que se dispõe a lançar um livro com esse grau de abrangência, pretensão, dificuldade, provavelmente sabe muito bem que não é o lucro financeiro direto que vai salvar o dia. É um projeto pra editoras sérias, que querem investir no peso do acervo, na lista de autores, na respeitabilidade. Não acredito que o livro vá vender demais. Mas, ao mesmo tempo, Os detetives selvagens, de Roberto Bolaño, parece que vendeu bem e o Ulysses, de James Joyce, também. Eu não entendo nada mesmo disso, pra que que eu vou dar palpite então? Mas o título sempre influencia. Por isso que eu nunca reclamo que a decisão final do título seja mais editorial que tradutória.
CONTINENTE David Foster Wallace é pouco traduzido por aqui. Que outras obras você acha que deveriam seguir à tradução do Infinite jest?
CAETANO GALINDO Breves entrevistas... já foi lançado pela mesma Companhia das Letras, em tradução do José Rubens Siqueira. Agora tem esse volume de ensaios com tradução dos “Danieis”, Galera e Pellizzari. Claro que ainda é pouco. A ideia da editora é fazer esse Infinite jest e, na sequência – o contrato já foi assinado – o Pale King também. Oblivion, o último livro que ele publicou em vida, é simplesmente sublime. Quem sabe fica esse para o futuro...
CONTINENTE Tu pode explicar um pouco a imersão no personagem David Foster Wallace? Porque traduzir não é só converter as palavras, mas fazer transparecer o estilo. O que você precisa saber dele pra traduzir o texto?
CAETANO GALINDO A minha sorte é que quando sentei pra traduzir Infinite jest, eu já tinha lido tudo o que ele escreveu. E relido boa parte. Já tinha estudado a técnica dele sozinho e em conversas com amigos – os “Danieis”, o André Conti... –, já tinha dado aulas sobre ele – uma disciplina só sobre o escritor e quatro disciplinas de tradução baseadas na análise de um conto dele. Eu sabia onde estava pisando. O “estilo” ou “os estilos” David Foster Wallace me saem com alguma facilidade. Eu tenho uma bela familiaridade com as excentricidades, as obsessões e as características dele.
CONTINENTE Mas o que principalmente te atrai nele?
CAETANO GALINDO Tem a coisa técnica, de estrutura geral da narrativa. Tem a prosa, uma estranha mistura de oralidade e todo tipo de registro, num fluxo que funciona às mil maravilhas, mas que, se observada sob a perspectiva da análise sintática tradicional, por exemplo, muitas vezes é toda “errada”. E tem o interesse humano. Às vezes, me parece que ler David Foster Wallace é menos como ler Joyce – que é a comparação que sempre surge – do que como ler Thomas Mann, Tolstoi... Você lê – entre outras razões – pra saber o que ele pensava de certas coisas. A postura humana e ética dele é extremamente interessante. Me mudou como pessoa, pra sempre.
CONTINENTE Você tem medo de soltar muitos detalhes do enredo no blog ou faz parte do esquema?
CAETANO GALINDO Não há assim tantos “segredos”. O livro é – nesse sentido, de trama – muito mais uma questão de “como” que de “o quê”. Mas eu me seguro sim. Eu sou um leitor tradicional. Odeio que me contem coisas que eu não precisava saber.
CONTINENTE Pra quando você prevê o final da tradução? Tem deadline? Como você encaixa o trabalho de tradutor com as outras atividades? Tem meta diária?
CAETANO GALINDO Devo – nos dois sentidos – entregar até junho/julho. Como que eu encaixo? Ora, quando dá. Posso passar duas, três semanas, sem tocar no livro – em período de provas na universidade, de defesa de orientando, quando estou fechando algum texto meu pra publicação em revistas acadêmicas ou, agora, por exemplo, porque sou membro da banca de seleção para o mestrado em estudos literários. No entanto, tenho metas mensais. Até setembro eu estava adiantado, o que me garantiu o fechamento de outubro. Novembro, a não ser que eu alopre totalmente na semana que vem, deve dar atraso.
CONTINENTE Esse é o segundo catatau que você traduz. Depois de muito tempo trabalhando em cima de Ulysses, qual foi o sentimento de vê-lo saindo das suas mãos – de alívio ou de pai que não quer ver o filho ir embora? Acha que vai acontecer algo assim com o Infinite jestou é menos intenso?
CAETANO GALINDO O Ulysses foi uma incrível satisfação. Chorei, mesmo, quando mandei o email com o texto final. Chorei quando o livro chegou. Mas feliz. Sempre. Foram dez anos de trabalho, ali. Infinite jest vai ser um alívio diferente. De não ter ficado louco, de ter dado conta do prazo.