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incerteza

Luciano R. M.

vira-latas
Na lassidão de cada palavra, na sombra de cada silêncio, eu pressinto um sentido. Em cada gesto, em cada olhar eu percebo que algo me escapa. Em cada sopro eu sei que há algo que meus sentidos não apreendem. Mas não há nada que eu possa fazer: já estou longe, já não lhe pertenço mais. Meu corpo molhado se move e, por um instante, surge o vazio. Em frações de segundo, porém, mas moléculas de água se movem também, preenchendo esse vácuo. Do mesmo modo, a morte se move e preenche o que há dentro de mim, e eu já não consigo mais me lembrar.

Apenas terra e água. No silêncio escuto meus companheiros e, juntos, espreitamos a escuridão, em busca de um movimento qualquer, à espera do momento exato em que tudo há de se romper. Esperamos a hora de deixar que nossa violência flua, esperamos a hora de nos abandonarmos ao ocaso. Até lá, no entanto, não posso se não repassar novamente em minha mente as cenas da quais não mais me lembro, imagens já sem cor e sem som, uma centelha apenas do que já se foi.

Minha única certeza é a de que ela sempre soube que eu partiria. É a certeza de que, mesmo assim, surpresa e raiva dividiam seu olhar. Um lugar que um dia eu chamei de lar, mãos que pela última vez me tocaram- eu sentia o calor e a maciez. Como se eu não tivesse o direito. Talvez não tivesse mesmo, mas ela sempre soube que eu partiria. Eu também. Acusou-me: eu não aparecia há tempos, eu sequer passava para lhe dizer oi e, agora, eu estava ali dizendo que iria embora, lutar uma guerra que não me pertencia. Isso queria dizer que talvez eu não voltasse. Que talvez eu morresse e não voltasse.

Mas eu não podia partir sem me despedir. Apenas dizer adeus, pois de nada adiantaria eu tentar explicar- já era tarde demais e todas as chances de compreensão haviam sido aniquiladas. Agora ela se moveu de dentro de mim, como eu me movi no mar, e a morte ocupou seu lugar, assim como a água ocupou o meu. Apenas por um instante- mísero, insignificante- o vazio. Talvez eu morra, e não volte. Eu sinto frio e o confundo com saudade. Eu sinto fome e a confundo com ódio. É difícil definir as coisas, quando se está perdido e cheio de morte.

Ao primeiro movimento que um de nós é capaz de perceber, recebemos a ordem. Mais rápido do que antes deixamos a água e os dedos- ágeis e precisos- acariciam a superfície escura e fria, parecida com as noites que temos aqui, das armas. Toques gentis em pontos precisos e rajadas de balas são impelidas em velocidades impressionantes. Os gritos são quase tão rápidos. Já o sangue, viscoso, escorre mais devagar. Não dura muito. Mulheres, crianças e velhos- não tinham resposta para nossas perguntas feitas de chumbo. Calam, apenas. Eu também. Em um canto, a vejo. E sei que a recíproca é verdadeira, sou como um cão de caça farejando o medo. Aponto-lhe a arma, mas não atiro. Abaixo novamente o cano fumegante e, sabe-se lá porque, lhe digo- em minha língua odiosamente estrangeira- que fuja. Enquanto isso, acendo um cigarro, e a esqueço- tentando, na verdade, esquecer a mim mesmo.

Empilhamos então os cadáveres, formando uma triste montanha de restos humanos. Gasolina e o que resta do meu cigarro são o que faltava para que queimem. Mesmo não querendo, penso que agora a jovem que deixei escapar sente o cheiro de seus entes queridos sendo carbonizados. Mesmo não querendo, lembro das mãos e olhos que deixei para trás, em um lugar que um dia eu chamei de casa.
 
O texto, parece um filme, bem curto que lí, onde os personagens, gostariam de sentir algo por alguém, achavam que tudo poderia ser diferente, mas não conseguiram....
Boa peformace!
 

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