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Impasses da literatura contemporânea

Zzeugma

Usuário
Veio do blog de literatura do Globo.

Impasses da literatura contemporânea, por Alcir Pécora
(23/04/2011)


Num debate recente com a crítica Beatriz Resende, organizado pelo Instituto Moreira Salles, expus minha impressão de que o campo literário se encontra hoje numa situação de crise, observável pela relativa perda da capacidade cultural da literatura de se mostrar relevante, não apenas para mim, mas para muitos que estão comprometidos com a cultura: como se alguma coisa se introduzisse nela (sem eventos violentos) e a tornasse inofensiva, doméstica. Um vírus de irrelevância, por assim dizer.

Não gostaria de defender uma tese cabal sobre a fraqueza atual da literatura, mas me agrada a ideia de explorar, tão fundo quanto possa, esse lugar de crise da expressão. Tento formular sucintamente a seguir, em diferentes ordens de argumentos, alguns dos impasses que percebo na literatura contemporânea.

Ocorre, hoje, uma impressionante expansão das narrativas no cerne da própria existência. Antes mesmo de existir como evento, a ação já se apresenta como narrativa, como ocorre nos reality show, em que as pessoas, antes de agir, representam ou narram a ação que lhes cabe. Ocorre também na multidão que fala pelos blogs e pelas redes sociais, ou se monitoram pelos celulares, de modo que a ação ou a conversa é sempre exibição/narração da conversa. É como se o mundo inteiro fosse virtualidade narrativa antes de ser existência particular, e principalmente como se todo mundo fosse interessante o bastante para ser visto/lido. Esse é um dos pontos não negligenciáveis que parecem retirar a prioridade ou a exclusividade da narração do narrador literário. É um problema basicamente de inflação simbólica.

Escrever literatura, para mim, entretanto, é um gesto simbólico que traz uma exigência: a de ser de qualidade. Literatura mediana é pior que literatura ruim, pois, mais do que esta, denuncia a falta de talento e a frivolidade. A literatura decididamente ruim pode ser engraçada, ter a graça do kitsch, do trash, da paródia mesmo involuntária e grosseira: pode ter a graça perversa do rebaixamento. Já a literatura mediana não serve para nada. É a negação mesma da literatura, cuja primeira exigência é a de se justificar (justificar a própria presença) face aos outros objetos de cultura. E o que eles exigem é que você os supere, que se apresente como novo ou não dê as caras por lá.

Fazer a lição de casa do ofício de escritor, ser esforçado, tampouco basta, como não basta ter vontade de fazer. Não adianta ser apenas um trabalhador, pois não se trata de adquirir direitos trabalhistas. Estou tentando dizer que escrever é muito competitivo. Boris Groys fala muitíssimo bem do assunto. Você escreve em língua portuguesa, então tem de se defrontar com vivos e mortos. Com os contemporâneos e com Vieira, Gregório, Machado, Rosa etc. Não há meio de não medir forças: a literatura exige a demonstração de força: não há como fazer apenas para participar.

O atual democratismo inflacionário das representações, que mencionei, tende a menosprezar o domínio técnico. Para mim, é um erro, desde que literatura, como toda arte, é em primeiro lugar techné , técnica, produção objetiva. Não basta ser conhecimento, tem de produzir o que não é, o que não há. Sem produção, não há arte: não há nenhum outro valor simbólico, de representação, que substitua o objeto. De outra maneira, a literatura está no campo da composição, em nenhum outro. Não há atitude, comportamento ou opção ideológica que permita saltar sobre os mecanismos da composição. Acho o menosprezo da produção objetiva, em favor do volume expressivo e representativo um grande atalho falho da produção contemporânea. Assim, para mim, rigor técnico significa a radicalidade construída dentro do discurso. Atitude resolve o problema do roqueiro, não resolve a questão da literatura.

Ocorre certo triunfalismo da produção contemporânea, que enfaticamente se nega a pensar seus impasses, ou enxerga neles apenas má vontade gratuita, tirania acadêmica ou conservadorismo crítico. Acho que essa recusa de sequer considerar a ideia de impasse tem qualquer coisa de cegueira deliberada. É como se o presente se absolutizasse e não mais admitisse um legado cultural como patamar exigente de rigor para a sua produção. No entanto, a condição da crítica e da criação é justamente a referência a um tempo que não é exclusivamente o do presente, mas o tempo de longa duração da obra da arte. Literatura pode ser descrita como o que resiste às disputas exclusivas do presente para existir como problema por muito tempo. Ela não tem como se fingir de recém-nascida, livre para não ter memória e amar integralmente a si própria como invenção de grau zero. Perdida a noção de herança cultural, perde-se a de crítica, de autocrítica e naturalmente a de criação.

Uma variante desse argumento é o seguinte: uma parte dessa cena contemporânea de crise existe por não haver qualquer disposição para a crise. Quem critica parece um vilão, um estraga-prazer, um intrometido. Quem critica as obras, ainda mais se faz isso com argumentos insistentes, tem qualquer coisa de indecente, de impróprio. Mas, por vezes, a insistência chata é fundamental para pensar um pouco melhor. Não se vai muito longe com um discurso que não admite contraditório, com um discurso de animação de parceiros. Mesmo em casos de parceria, sem alguma disposição para encarar a desafinação, não se vai longe: nessas condições, não há orquestra capaz de desconfiar de si mesma e exigir mais de seus membros. Espanta, pois, ver a intolerância para a crítica, como se fosse alguma traição pessoal. De onde vem essa ideia de parentesco traído? Pessoalmente, não vejo por que o crítico tem de ser animador, parceiro, divulgador ou chancela do escritor. Ele tem de apontar problemas no objeto, pois são problemas do objeto o interesse principal da arte, como da literatura.

Em termos de experiência pessoal de leitura, quase sempre (nem sempre, mas quase sempre) acho mais prazer textual, literário, em ler teóricos do que, por exemplo, ficcionistas ou poetas contemporâneos. Ou, de outra forma, a crise contemporânea me parece mais patente nos textos críticos dos que nos de ficção e de poesia. Acho que o que está acontecendo é muito mais do que uma crise de bons autores: é como se a literatura, entendida como ficcionalização autônoma, estivesse esvaziada. Poucos autores de literatura contemporânea me dão mais vontade de ler como teóricos tão diferentes entre si como Rorty, Davidson, Cavell, Agamben, Renato Barilli, Perniola, Sloterdijk, Jonathan Lear, Blanchot, Magris, Martha Nussbaum, Boris Groys... Há muita gente interessante pensando o contemporâneo e pensando literatura. Fico imaginando se essa não será uma forma de literatura disfarçada. Uma nova máscara da literatura.
Mas por que esse menor poder literário dos autores face aos teóricos? Isso aparece para mim como uma evidência, digamos, sentimental, afetiva, mas as suas razões não são claras. Mesmo em termos de domínio técnico de língua, entre os que citei —-, as invenções linguísticas de Rorty, com suas violentas trocas de vocabulário, ou as situações-limite da “teoria de passagem”, em Donald Davidson, por exemplo —-, me parecem mais radicais como invenção ficcional do que a narrativa dos tantos escritores mais ou menos conformados no esquema da prosa realista do século XIX.

A grande conquista da literatura do século XIX foi a sua autonomia ficcional, que se traduz basicamente por se tornar simbolicamente representativa do mundo ou expressiva do sujeito psicológico que a constitui. Quer dizer, restrição do âmbito técnico da imitação e hipersimbolização do real ou da subjetividade deram aos ficcionistas o seu estatuto contemporâneo. Neste início de século XXI, o processo se amplificou vertiginosamente: a identidade psicológica original em sua relação com o mundo hostil da mercadoria e não a distinção da própria invenção, enquanto invenção engenhosa, pretende ser a fonte da qualificação autoral. Será que dá para ser assim? Quem ainda acredita em representatividade, fora da discussão dos próprios critérios de representação? Quem jura ainda pela invenção da narrativa fora da construção de uma metalinguagem que coloque seus fundamentos sob crítica? Contar histórias, enfim, cansou? E poesia contemporânea, por que é quase sempre kitsch? Qualquer subjetividade pode ser um direito, mas parece igualmente expressão de banalidade.

Também, quando alguém diz que um autor é representativo, já não imagino boa coisa. Fosse bom, problematizaria a representação, a identidade “nossa”, do “eu”, a própria ideia de identidade; nos obrigaria a retroceder para fora de nossa experiência comum. Ou mesmo nos expulsaria do poético, envelheceria de um golpe os lugares comuns da invenção. Ele teria complicado o mundo representado, e destruído a subjetividade expressa. Mas quem está fazendo isso? Afora alguns poucos ficcionistas e poetas importantes, acho que outros estão fazendo essa bagunça melhor do que eles.

Enfim, são palpites que partilho aqui, não uma tese. Não quero advogar qualquer fim da literatura, mas não quero me poupar de discutir a sua relevância e pertinência no contemporâneo. A minha esperança é que a exposição crítica, a rudeza do trato — o chão duro da fricção, como dizia Wittgenstein — ajude a coisa a andar.


ALCIR PÉCORA é crítico literário e professor da Unicamp
 
Este longo artigo e os vídeos do debate mencionados por Pécora no primeiro parágrafo suscitaram reações entre os autores contemporâneos... Quem quiser espiar que veja AQUI.
 
Aqui, uma resposta (no mesmo blog, em outra postagem), dada não por um autor, mas uma outra acadêmica, Giovanna Dealtry

A crítica como exploração



Cansei de ser moderno, agora quero ser eterno.” O verso inicial do poema “Eterno”, de Carlos Drummond de Andrade, ilustra com precisão e ironia um dos maiores dilemas da modernidade do qual somos herdeiros — a divisão entre a busca incessante pelo novo e o desejo de permanência dentro da tradição. A imagem me surge após a leitura do provocante artigo “A hipótese da crise”, de Alcir Pécora, publicado no Prosa & Verso do sábado passado. Como afirma ali o crítico, “Não basta [à literatura] ser conhecimento, tem de produzir o que não é, o que não há.” Se as vanguardas estabeleceram a correlação entre o “novo”, em termos estéticos ou ideológicos, e uma categoria de positividade, cabe analisar a valoração atribuída ao novo na contemporaneidade, quando nos advém a sensação de que tudo já foi dito. John Barth, não por acaso também romancista, já apontava nos anos 1960 o esvaziamento das vanguardas, ao mesmo tempo em que defendia a criação de formas literárias que dialogassem com a tradição e a ruptura.

Nova geração de acadêmicos se dedica à literatura atual

Se a estrutura romanesca, como formalizada no século XIX, permanece sendo o grande modelo narrativo, não só na ficção, como também nas narrativas audiovisuais, não significa que o todo da produção literária contemporânea se restrinja a essa forma, e que parte expressiva dos autores não lute dentro dessa estrutura vencedora para inserir a dúvida, a reinvenção da própria tradição do literário, o questionamento da técnica. Fato é que o romance, e, por extensão o escritor, em uma sociedade audiovisual, e agora também ligada por redes em que sujeitos comuns produzem, consomem e divulgam suas próprias narrativas, dificilmente voltará a ter a centralidade que tinha no século XIX e início do XX.

É tarefa do crítico interessado no contemporâneo lidar com essa nova configuração e estabelecer parâmetros de julgamento que obviamente incluam o domínio das técnicas literárias e da linguagem, mas não se restrinjam a elas. Nesse sentido, testemunhamos um período fértil no meio acadêmico, voltado justamente para o estudo do contemporâneo, suas representações, construções e crises. Infelizmente, o termo acadêmico é muitas vezes tomado de maneira pejorativa, para definir sujeitos protegidos pelos muros das instituições e alienados do que se passa nas ruas. No entanto, há uma crítica viva sendo construída dentro das salas de aulas universitárias, nas revistas especializadas, nos congressos e grupos de pesquisa, e que começa a chegar aos veículos de comunicação e à internet. Núcleos como o Fórum de Ciência e Letras da UFRJ, do qual a professora Beatriz Resende faz parte, pós-graduações como a da PUC-Rio, Uerj, UNB, UFMG, UFBA, entre outras que fatalmente esquecerei, são espaços de onde é possível, a longo prazo, estabelecer caminhos teóricos sobre algo que está se construindo no agora. Uma busca no banco de teses da Capes, por exemplo, revela 37 trabalhos, entre dissertações e teses, sobre a obra de Milton Hatoum, apenas na última década. Muitos dos escritores “vivíssimos” já viraram objeto de teses, ou seja, já foram “canonizados”. Esse fato, por si só, demonstra o interesse das novas gerações de doutores em Letras, muitos deles com uma formação e um olhar multidisciplinar, pelo contemporâneo. Isso não significa, obviamente, que esse interesse seja condescendente com a literatura atual. Significa que estamos buscando novas interlocuções, como os estudos culturais, pós-coloniais, os estudos de gênero ou de mídia, que possam dar conta de um quadro de múltiplas vozes, sem por isso jogarmos fora a tradição da crítica ocidental.

No entanto, como nos lembra Tzvetan Todorov, em “A literatura em perigo”, o grande erro de uma certa crítica durante os anos 1960 foi afastar o leitor comum da literatura ao obrigá-lo a cumprir protocolos de leitura a ponto de tornar o texto literário algo tão impenetrável que só especialistas estariam aptos a decifrar. É nesse sentido que não consigo compartilhar o desencanto de Alcir Pécora diante de escritores tão diversos como Cristóvão Tezza, Sérgio Sant’Anna, João Gilberto Noll, entre outros surgidos nos anos 1960, e que continuam a se propor novos desafios. Da mesma forma, autores surgidos nas últimas décadas como Milton Hatoum, Adriana Lisboa, Adriana Lunardi, Luiz Ruffato, Rubens Figueiredo, Bernardo Carvalho, Marcelino Freire, Nuno Ramos, João Carrascoza, Amílcar Bettega, Michel Laub, Rodrigo Lacerda, Paloma Vidal, entre tantos outros, sem dúvida têm demonstrado um amadurecimento de suas vozes narrativas. Isso não significa que esses percursos não sejam feitos de altos e baixos.

Construção de pontes entre obras e leitores

A história da Literatura trata de nuançar os “pontos baixos” — a primeira parte da obra de Machado de Assis, “a hora do lixo” de Clarice Lispector etc — e destacar apenas a tal genialidade. Mas nenhum escritor suficientemente honesto consigo mesmo pensa que acerta sempre. Da mesma forma, o próprio crítico, para usar um termo usado por Pécora em seu artigo, deveria se colocar mais como um explorador. Estamos ambos construindo pontes, entre obras, leituras e leitores. Algumas, provisórias; outras definitivas.





GIOVANNA DEALTRY é professora da PUC-Rio e organizadora com Stefania Chiarelli e Masé Lemos do livro “Alguma Prosa — Ensaios sobre literatura brasileira contemporânea”
 
Dado que os textos são "chatos" (como disse o próprio Nazarian) e tristes, nem sei se eu deveria continuar este tópico, mas achei boa a postagem do Santiago Nazarian

DE VOLTA À BATALHA SANGRENTA

Hoje de noite recebo do Ronaldo Bressane o link de um debate entre os críticos literários Alcir Pécora e Beatriz Resende, no blog do Instituto Moreira Salles. “Você está sofrendo bullying de gangues?” Bressane me perguntava por alguma colocação feita lá. Fui ao cinema (assisti “Sem Limites”, um thrillerzinho divertido com o De Niro) e deixei para ver o vídeo na volta, porque sei que ia ser cansativo...

E foi.

A mim, essas discussões literárias todas passam tão longe da literatura. Sempre achei isso. Desde o início. E desde as discussões densas até as mais superficiais. Discute-se mercado, discute-se marketing, critica-se o envolvimento do escritor com tudo isso, mas é só nisso que os críticos se envolvem. Tão cansativo e velho ouvir crítico reclamando de escritor marketeiro, ou das panelinhas, ou da promoção falsa de uma geração literária. É contraditório e paradoxal, porque chamam tanto atenção para isso, para dizer que isso não é importante, que o que importa – os livros em si, não aparecem.

O melhor (e mais absurdo) exemplo disso foi aquela matéria de página na Ilustrada, final do ano passado, condenando a antologia “Geração Zero Zero” (organizada pelo Nelson de Oliveira), o marketing dos autores, blábláblá. E a matéria... só falava de marketing! Nem mesmo leram e analisaram o livro porque o livro não estava pronto! Quero ver se vão dar esse espaço todo quando o livro sair, para tratar dos textos.

Também já falei disso aqui: a escolha do foco de uma crítica já confere importância ao assunto focado. É como se eu perdesse posts e posts aqui para dizer que Big Brother é imbecilizante, que não assisto Big Brother, que Big Brother não me interessa em nada. Não me interessa, então ignoro.

Além de desprezarem os livros, não entendo essa patrulha sobre a vaidade do escritor, sobre as panelas, sobre o marketing. A maior parte dos grandes escritores sempre foi de grandes filhos da puta, narcisistas, marketeiros, sim, egocêntricos, isso é problema para seus amigos e familiares. Crítico não devia se deter nisso. Crítico devia se deter no livro.

E infelizmente isso não acontece só na crítica. Quantos eventos literários em que participei que se discutia o mercado, a importância da Internet, os prêmios literários, mas e os livros? Ou melhor e as HISTÓRIAS, o conteúdo, os temas?

No Congresso de Novos Narradores Iberoamericanos, em que participei ano passado, em Madri, discutiu-se muito o mercado em cada um dos países, as possibilidades de publicação no exterior, o papel da crítica... Numa das últimas mesas eu não me contive e tive de perguntar: Aquele era um congresso de NARRADORES? Onde estavam as narrativas? Para discutir mercado, não seria melhor ter convidado então editores de cada país? Eu nem consegui saber o que escrevia cada um dos autores que estavam lá!

Outra coisa estranha, de discussões supostamente mais profundas (como no debate entre Pécora e Rezende) é acreditar que o escritor deve ter esse compromisso consciente com a revolução linguística. Eu, como escritor, quero antes de tudo contar uma história, tratar de temas que me interessam, que me incomodam, que me fascinam e me sufocam. A forma como vou fazer isso vem depois, e vem a serviço da idéia, da trama. Pode ser inovadora, pode ser estranha, ou pode ser absolutamente objetiva. Mas eu não estou escrevendo sobre a linguagem.

Essas discussões são mesmo um pé no saco, você deve estar achando um pé no saco este post e eu queria poder colocar mais fotos minhas de sunguinha na praia... Haha. Mas voltei à guerra, então preciso derramar sangue. Estou de volta a SP, estou lançando livro novo e é hora de mastigar, engolir, deglutir ou vomitar toda essa discussão de crítica, mercado, marketing, blábláblá. Eu já me mantenho sempre o mais distante que eu posso...

E é um pouco por isso que Beatriz Rezende me cutucou. Eu não poderia deixar de dizer que, ainda que gentil e elogiosa, achei completamente equivocada a visão dela sobre minha obra e minha relação com a literatura. Ela coloca que eu comecei “magnificamente”, mas por ter sido de certa forma excluído das panelinhas literárias, eu decidi me dedicar a uma literatura que vende, que é aceita, etc.

Eu vejo exatamente o oposto; nos primeiros livros eu me preocupava mais em ser aceito, em escrever um livro sério, ser considerado um escritor; com o tempo, percebi que não valia mesmo a pena e procurei fazer apenas o que eu gosto, me divertir, chutar o balde e ir atrás do meu universo realmente – e o que eu sempre gostei foi de garotos andróginos e jacarés assassinos, ora. (Acha que me inspiro mais com Alcir Pécora ou com um surfistinha cabeludo que não sabe conjugar os verbos?). Sei bem do risco que se corre escrevendo essas coisas – não é literatura séria, não é bem aceita, seria literatura juvenil? “O Prédio, o Tédio e o Menino Cego” foi sem sombra de dúvida meu livro que teve pior recepção. Mas meu grande tesão foi sempre trazer essas bagaceirices para o campo literário – e se algumas pessoas entendem, como entenderam, já vale a pena.

Paradoxalmente, meu livro que Beatriz sempre mais elogiou – Feriado de Mim Mesmo – é meu livro mais bem sucedido comercialmente, sem dúvida o meu livro mais bem aceito.

Semana passada encontrei Marçal Aquino no lançamento do livro novo do Michel Laub e ele ecoou pensamentos parecidos com os de Beatriz. “Está de livro novo? Deixou de lado aquela coisa de zumbis?” Ele acha isso bobagem de antemão. Não é estranho que meu livro que Marçal mais goste seja “Olívio”, o meu primeiro, que mais se parece com os dele próprio ou que talvez mais se pareça com vários outros livros; que eu não renego, mas que eu ainda estava longe de ter encontrado minha voz. Do meu último (“O Prédio”), ele diz nem ter conseguido passar da página 40... (Mas, peraí, os zumbis só começam a aparecer na página duzentos e cacetada...).

Enfim, tenho de estar preparado para isso. Eu faço o que eu gosto, escrevo o que eu gosto, e tenho o privilégio de poder passar um ano na praia, bem longe desse mundinho, fazendo kitesurf e convivendo com meus próprios (porno)fantasmas. Também tenho de aceitar essa jeremiada como parte do jogo.

Fica então o aviso: PORNOFANTASMA tem zumbis, tem garotos andróginos e jacarés assassinos. É bem menos engraçadinho do que os anteriores, não tem muito humor, não, mas tem toda essa bagaceirice, e muito mais. Tem até um 69 entre um garoto e um guepardo!

Ah, o link entre o debate de Beatriz e Pécora. Aviso que é papo longo e enfadonho.

http://blogdoims.uol.com.br/ims/ficcao-compadrio-e-as-tias-beatriz-rezende-e-alcir-pecora/
 
Que nada, a única coisa realmente chata nessa discussão, na minha opinião, é a posição dos críticos (pelo que escreveu o Pécora, não assisti ao video)... Não tenho formação na área, e acho que as três respostas que você postou - dos escritores em geral, da Giovanna Dealtry e do Nazarian - já compõem um belo leque de contra-argumentos, mas só para dar o meu pitaco, acho que tem algo na fala do Pécora que já reflete bem a percepção dele, quando diz:

Em termos de experiência pessoal de leitura, quase sempre (nem sempre, mas quase sempre) acho mais prazer textual, literário, em ler teóricos do que, por exemplo, ficcionistas ou poetas contemporâneos.

Quer dizer, chegar a um ponto em que se perde o contato com a literatura e se encontra mais prazer em ler os teóricos, isso é uma perversão do papel do crítico...
 
Gigio disse:
Que nada, a única coisa realmente chata nessa discussão, na minha opinião, é a posição dos críticos (pelo que escreveu o Pécora, não assisti ao video)... Não tenho formação na área, e acho que as três respostas que você postou - dos escritores em geral, da Giovanna Dealtry e do Nazarian - já compõem um belo leque de contra-argumentos, mas só para dar o meu pitaco, acho que tem algo na fala do Pécora que já reflete bem a percepção dele, quando diz:

Em termos de experiência pessoal de leitura, quase sempre (nem sempre, mas quase sempre) acho mais prazer textual, literário, em ler teóricos do que, por exemplo, ficcionistas ou poetas contemporâneos.

Quer dizer, chegar a um ponto em que se perde o contato com a literatura e se encontra mais prazer em ler os teóricos, isso é uma perversão do papel do crítico...

Pois é. Eu também achei isto um absurdo.

Se você decidir assistir ao vídeo, preste atenção na posição da Beatriz Rezende. Ela tem uma presença menos "forte" no debate diante do Pécora, que tem mais retórica, contundência... Achei ela mais "centrada". É interessante sua observação que "acadêmicos" não viram literatos. Pena que depois desta confusão, ela teria dito no Facebook que "desistiu" dos escritores vivos, segundo eu li numa das matérias a respeito.
 
Ainda sobre a literatura brasileira contemporânea

Ainda sobre a literatura brasileira contemporânea

Por Wilson Alves-Bezerra

De tempos em tempos, a constatação da irrelevância – ou inexistência – da literatura brasileira nos assombra. Antonio Candido, no prefácio à "Formação da literatura brasileira" (1957), traz uma versão nacionalista dessa constatação: “A nossa literatura é galho secundário da portuguesa, por sua vez arbusto de segunda ordem no jardim das Musas... Comparada às grandes, a nossa literatura é pobre e fraca. Mas é ela, não outra, que nos exprime. Se não for amada, não revelará sua mensagem; e se não a amarmos, ninguém o fará por nós.” Passado meio século do chamamento indulgente de Candido, quando voltamos os olhos ao contexto atual, somos levados a nos perguntar novamente sobre a relevância das nossas letras contemporâneas.

No final do ano de 2010, a editora francesa Gallimard publicou uma antologia de contos chamada "Les bonnes nouvelles de l´Amérique latine", organizada pelo venezuelano Gustavo Guerrero e pelo peruano Fernando Iwasaki, com prefácio de Mario Vargas Llosa. Entre os 32 jovens contistas presentes na coletânea, não consta um só escritor brasileiro. Pois bem, para os organizadores ou o Brasil não pertence à América Latina, ou a literatura brasileira também lhes parece desimportante.

Recentemente, nas páginas virtuais de O Globo, a partir do debate entre os críticos Beatriz Resende e Alcir Pécora, iniciou-se uma discussão sobre a literatura brasileira contemporânea: Pécora pautou a discussão e declarou que o panorama nacional atual é irrelevante. Daquele debate e seus desdobramentos, ficam-me dois acontecimentos exemplares. O primeiro: após Pécora lançar a rede de sua provocação, alguns jovens escritores locais quiseram desmenti-lo – quando a mera existência de suas obras deveria bastar para tal. O sintomático é que não lançaram manifestos, não escreveram poemas, não argumentaram, não se calaram; lançaram gritos vãos, mostrando-se aludidos, mas sem meios para responder a provocação. O segundo acontecimento: dias depois, em sua página pessoal no facebook, Beatriz Resende reage: “Me enchi desses autores contemporâneos. Vou voltar para o velho Lima, Machado, Guimarães Rosa. Não tem erro e não chateiam ninguém. Se quiser ser moderna, falo de Sarah Kane e outros mortos que já sossegaram o ego”.

Pouco afeitos a debates, todos se desmobilizaram, exceto Pécora, que produziu o artigo “A hipótese da crise” (O Globo, 23 de abril 2011). Nele, lança a hipótese de que uma “inflação simbólica” seria a responsável, no mundo atual, pela irrelevância das letras: “É como se o mundo inteiro fosse virtualidade narrativa antes de ser existência particular, e principalmente como se todo mundo fosse interessante o bastante para ser visto/lido.”

Ora, a escrita de descarga presente em muitos blogs autorais, às vezes sem qualquer mediação entre escrita e leitura – tal como é retratado no filme “Nome próprio” (Murilo Salles, 2008) – não se confunde com a literatura como tal, é antes frágil tentativa de fazer-se relevante; é extensão, como o feliz nome do filme indica, do nome próprio de seu criador, e não se presta à transmissibilidade, à discussão ou ao diálogo com a tradição. Talvez seja a isso – sob a forma do blog ou do livro – que Pécora se refira. Mas esta escrita, é preciso que se diga, não depende do meio de difusão. Pode-se ser relevante ou descartável em papel ou hipertexto.

No caso brasileiro, alguns dos poetas mais relevantes das últimas décadas não tiveram uma trajetória midiática, antes foram absolutamente marginais em relação aos meios dominantes. Penso, por exemplo, em Hilda Hilst e Roberto Piva, que por anos circularam através das tiragens limitadas de Massao Ohno, produzidas e distribuídas artesanalmente. Depois ambos se exilaram, Piva no centro de São Paulo, em seus cursos órficos, para quem quisesse ouvi-lo; Hilda Hilst em sua Casa do Sol, nos arredores de Campinas, entre seus cachorros e seu uísque, mas também de portas abertas. Quando, nos anos 2000, entraram no circuito das letras nacionais, via Editora Globo, sob direção do próprio Pécora, a obra de ambos já estava concluída. Assim, vê-se como os meios disponíveis, a mídia, os blogs, as redes sociais nada têm a ver, a priori, com a criação literária.

Por outro lado, a escrita criativa tomada como ofício é a que considera – não ignora e não se verga perante – a tradição. E como já dizia Harold Bloom, mas muito antes dizia Oswald de Andrade, é preciso devorar, deglutir a tradição, para poder criar. Não basta reverenciá-la, e tampouco ser indulgente com ela. Neste sentido, não haveria o velho Lima Barreto e o velho Guimarães Rosa, mas uma tradição viva. E retomando um ensaio célebre de Jorge Luis Borges, “O escritor argentino e a tradição” (1932), nossa linhagem não precisa ser necessariamente a nacional pois, para ele, “devemos pensar que nosso patrimônio é o universo”.

A definição do filósofo italiano Giorgio Agamben, numa conferência de 2007, sobre o que é ser contemporâneo, permite que recoloquemos a discussão sobre o contemporâneo: “Pertence verdadeiramente ao seu tempo, é verdadeiramente contemporâneo, aquele que não coincide com este, nem está adequado às suas pretensões e é, portanto, nesse sentido inatual; mas, exatamente por isso, exatamente através desse deslocamento e desse anacronismo ele é capaz, mais do que os outros, de perceber e apreender o seu tempo” (p. 58-9).

Aos demais, aos que coincidem com as demandas de sua época, a estes não cabe o lugar de exceção. É preciso entender que o escritor que de fato seja relevante não está construindo sua obra para ser o último da longa fila da tradição, pois isso já seria morte em vida, como temos visto nos dias que correm. Quanto ao lugar, no Brasil, da literatura contemporânea que realmente importa, será preciso encontrá-lo. Para tanto, é preciso estar disponível à surpresa, e não ler as obras a partir de lugares calcificados.

WILSON ALVES-BEZERRA é crítico literário, professor da Universidade Federal de São Carlos
 
Existe um aspecto, que não sei se vale, mas é algo que fiquei pensando.

Quando crianças, gostamos de contos de fadas. É na repetição destas histórias que nos divertimos. Nessa fase da vida, procuramos "padrões", eventos que se repitam. Os pais, por exemplo, são mais "previsíveis" que hamsters. Quer ver? Jogue um brinquedo no chão e eles vão lá e pegam para você.

À medida que crescemos, as histórias começam a se revelar. Elas querem transmitir lições, dar uma "moral", segundo a qual devemos obedecê-las. Começamos a sentir raiva destas histórias, daquela moral óbvia. Quem são estas histórias que querem mandar como eu tenho que ser? Faço o que quero, sou o que sou, farei minha própria vida.

Comigo era assim, pelo menos. Sei que tem gente que é indiferente a esta previsibilidade. Por exemplo, ficam angustiadas quando o final é infeliz. A vida já é uma merda, pra que eu vou ler uma história que termina mal.

À medida que crescemos, os objetivos que temos em conhecer histórias se modificam. Alguns buscam experiências, outros lêem para poder conversar com amigos, outros querem se imaginar heróis, heróis que não são na própria vida. Outros querem se mostrar. Outros querem entender o mundo.

Eu já li bastante e confesso que, depois de um tempo, já não me preocupa o que diz a história, desde que seja "verdadeira" de algum modo; desde que seja inesperada, que eu não consiga prever o seu final (Existem outras coisas que podem haver numa boa história, mas eu não pretendo mencioná-las aqui).

Se, por uma lado, os críticos esperam e respeitam a tradição, por outro, eles querem ser surpreendidos.
 
Existe um aspecto, que não sei se vale, mas é algo que fiquei pensando.

Quando crianças, gostamos de contos de fadas. É na repetição destas histórias que nos divertimos. Nessa fase da vida, procuramos "padrões", eventos que se repitam. Os pais, por exemplo, são mais "previsíveis" que hamsters. Quer ver? Jogue um brinquedo no chão e eles vão lá e pegam para você.

À medida que crescemos, as histórias começam a se revelar. Elas querem transmitir lições, dar uma "moral", segundo a qual devemos obedecê-las. Começamos a sentir raiva destas histórias, daquela moral óbvia. Quem são estas histórias que querem mandar como eu tenho que ser? Faço o que quero, sou o que sou, farei minha própria vida.

Comigo era assim, pelo menos. Sei que tem gente que é indiferente a esta previsibilidade. Por exemplo, ficam angustiadas quando o final é infeliz. A vida já é uma merda, pra que eu vou ler uma história que termina mal.

À medida que crescemos, os objetivos que temos em conhecer histórias se modificam. Alguns buscam experiências, outros lêem para poder conversar com amigos, outros querem se imaginar heróis, heróis que não são na própria vida. Outros querem se mostrar. Outros querem entender o mundo.

Eu já li bastante e confesso que, depois de um tempo, já não me preocupa o que diz a história, desde que seja "verdadeira" de algum modo; desde que seja inesperada, que eu não consiga prever o seu final (Existem outras coisas que podem haver numa boa história, mas eu não pretendo mencioná-las aqui).

Se, por uma lado, os críticos esperam e respeitam a tradição, por outro, eles querem ser surpreendidos.
 
Nada por aí...

Não vejo nada por aí. O que vejo como leitor (viciado) é uma produção pobre, sem estilo. Onde estão os novos Machados, Guimarães e etc?
 
Estão mortos, ué.

Alguém imagina um novo Nero, um novo Buda, um novo Pedro II? Não surgiu outro Shakespeare depois dele.

Me parece injusto ter este tipo de expectativa. O contexto no qual estes homens surgiram mudou muito. O contexto dos leitores também mudou muito. Sem contar a ideia de "mercado" que nem imagino quando começou a existir pra literatura.

Se for surgir alguém "grande", será alguém novo, pra partir do zero... Será para os novos tempos. Pode surgir na literatura, mas também pode aparecer nos quadrinhos, ou nas novelas de TV...

* * *

Eu andei lendo alguns brasileiros nos últimos tempos.
Poucos me contaram mais do que uma boa história. Quer dizer, eu gosto de textos que me "provoquem", que me "inquietem". Algo que faça pensar.

O melhor deles, disparado até agora, é o André Sant´Anna. O livro de contos "Sexo e Amizade" é simples, direto, ousado, estiloso. Não sei pra que tipo de leitor, eu recomendaria: tenho a impressão que o efeito dele para o leitor médio seria "amor ou ódio"
 
Zzeugma disse:
Eu andei lendo alguns brasileiros nos últimos tempos.
Poucos me contaram mais do que uma boa história. Quer dizer, eu gosto de textos que me "provoquem", que me "inquietem". Algo que faça pensar.

Acho que é isso que todos (os escritores) deviam perseguir - incomodar o leitor, dar a ele uma chance de raciocinar sobre o escrito...

Pelo menos é isso que estou tentando fazer em meus livros... (E talvez assim achar meu espaço no "cenário".)
 
O crítico que tem mais prazer com a leitura sobre leitura é só um velho pervertido.

E os novos Machados, creio, não estão nos livros, esse veículo ultrapassado e tacanho. Provavelmente estão escrevendo crônicas em forma de sitcoms, scripts para filmes, letras para canções etc...
 

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