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Ilíada (Homero)

Eu não li a Ilíada, mas pelo que ouvi falar nem disso o Odisseu é culpado.

Assim que Telêmaco nasceu, Ulisses foi convocado para lutar na guerra de Tróia, para tentar escapar da convocação, Ulisses fingiu estar louco arremessando sal em suas plantações e puxando o arado como se fosse um boi. O emissário Palamedes não ficou convencido e decidiu então colocar o filho de Ulisses, Telêmaco, na frente do arado, esperando pela reação de Ulisses. Ulisses então pára de arrastar o arado, na iminência de assassinar o próprio filho, provando a sua sanidade e sendo enviado, pois, à guerra.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Telêmaco
 
O problema todo é por conta do juramento dos tontos de lutar por Helena. :P

Para mim Ulisses é um dos principais personagens da trama e um dos mais inteligentes.

No tocante ao mencionado juramento, ocorreu quando Tíndaro viu que havia vários pretendentes para sua filha Helena; Ulisses sugeriu que todos os pretendentes jurassem defender o escolhido de qualquer mal que fosse feito contra ele. Somente após o juramento Tíndaro escolheu Menelau para se casar com Helena, e fez Icário, seu irmão, casar Penélope, filha deste, com Ulisses. Daí a grande amizade existente entre Menelau, o seu irmão Agamemnon, e Ulisses.
 
Mas, do que lembro que li... Bem... A Ilíada é um poema muito distante da nossa realidade; muito mais que a Odisseia, pois a Odisseia possui uma estrutura que remete aos enredos modernos bem como ao senso de superação e de compreensão do ser humano que possuímos hoje em dia (além do Shakespeare e Virgílio [e derivados], quem consegue se lembrar de mais alguém?). A Odisseia deu origem ao Ulysses; dificilmente a Ilíada poderá inspirar um artista hoje em dia. As partes que realmente oferecem um prazer estético para o leitor contemporâneo são poucas e pequenas, como o encontro do Aquiles com o Príamo, ou a despedida de Heitor com seu filho. O resto é sangue atrás de sangue, é um tal de "Fulano de tal" matou "Fulano2003", que por sua vez tinha matado "Fulanin_Gostoso"...

Enfim.

Outra coisa que eu achei interessante é que a destruição de Tróia não aparece no poema, o que dá uma rasteira bonita em 99% da galera que lê ou diz que leu a Ilíada (professores de História costumam cair muito nessa armadilha). Virgílio conta a destruição de Tróia no célebre canto II da Eneida, diretamente baseado na Ilíada e na Odisseia; mas o Homero não...

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Pudera não ter a destruição de Tróia na Ilíada,essa era a temática de Ilio persis um poema da antiguidade que conta o saque da cidade.Na verdade Ilíada e Odisséia eram só dois dos muitos textos produzidos baseados nos mitos dos feitos dos heróis da guerra,o que era conhecido como ciclo épico_O 2° e o sétimo (dum total de 8)livros na verdade,embora os mais antigos e únicos feitos pelo Homero no século VIII a.c,os demais são posteriores e infelizmente como muitos textos da antiguidade não sobreviveram aos nossos dias.

Outros autores na época de Roma criaram livros que abordam os acontecimentos desses épicos perdidos (mas não o que foi tratado pelas obras de Homero,é que como se asoutras não tivessem a mesma qualidade),um que tem tradução em inglês é do autor Quintus de Smyrna que viveu no século IV d.c,chamado Posthomerica e como o nome diz,se passa entre as obras de Homero.Tem evntos importantes como a chegada das amazonas,o confronto de Aquiles contra o herói Memnon tb filho duma deusa e guerreiro do memso nível dele,a morte de Ajax e o saque de Tróia.
É bem fácil de se achar este em sites de língua inglesa

Sobre Ilíada discordo das críticas,no geral a considero bem mais inspirada e com passagens mais memoráveis que Odisséia.A luta de Heitor contra Ajax foi excelente e mostra como poderia haver respeito pelo valor do inimigo;a passagem em que os deuses tentam intervir na batalha é bem interessante,e mostra toda a sua mesquinhez e interesses escusos,da "sábia" Atena (que aqui trapaceava descaradamente,e intervia nas lutas),a ardilosa Hera até Poseidon e Afrodite,só Zeus e Apolo aparentam ser deuses com motivos nobres,a parte em que Apolo não suporta mais ver as injúrias feitas ao corpo do herói troiano é tocante.

E vcs pegam bem pesado com o Aquiles,de longe ele não é o vilão da história-pode ser orgulhoso,mas nunca age com crueldade e rispidez ao menos que provocado,o próprio tratamento dele com o Heitor é reflexo do que o mesmo prometera fazer com o corpo de Pátroco se o pegasse.Menelau e Agamenon igualmente são menos antagonistas ainda,o primeiro tem tanto orgulho quanto Aquiles mas nas batalhas,mas no decorrer do livro realmente percebe o erro da sua arrogânxia,e ambos não são covardes como suas versões de cinema e estão sempre lá nas fileiras de batalha.

E o que falar dos outros heróis?Diomedes se destaca em várias cenas,Ajax praticamente aparece em todas as cenas de batalha,Odisseu aparece menos mas tem seus momentos,enquanto isso Tróia tinha não só Heitor,mas Enéias (que aqui sai um personagem bem diferente do Virgílio,e tem uma rixa com a família do Príamo).

O único personagem que se pode dizer lamentável,e patético pela atitude é o Paris o responsável por toda a confusão.Desleixado,arrogante,ao ponto da própria Helena humilhá-lo,é representado como um fraco que perde de forma ridícula pro ex-dela e só é salvo pela graça divina.O engraçado que quando pega no arco faz mais baixas se bobear que o próprio Heitor,numa batalha só ele imobiliza Diomedes,Odisseus e vários outros-e mesmo assim nada de glória aparece pra ele.
 
Encontrei uma entrevista com o Haroldo de Campos da ocasião em que ele ainda estava traduzindo a Ilíada. Compensa ler algumas passagens, como quando ele fala das traduções do Odorico e do Carlos Alberto Nunes, ou quando diz da pertinência de lermos Homero hoje:

A Ilíada de Haroldo
Poeta lança livro o 'Canto 2' do épico de Homero e planeja concluir a tradução literal até o fim do ano
25 de abril de 1999

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O poeta inglês Matthew Arnold escreveu sobre o estilo homérico: "É eminentemente rápido, eminentemente simples e direto... e eminentemente nobre". A rapidez de Homero dá-lhe o aspecto cinematográfico, "a vivacidade de fotogramas", diz Haroldo de Campos.

O estilo direto não nos alcança sem dificuldade, dada a complexidade da métrica, do vocabulário e das articulações de som e sentido propiciadas pelo grego clássico, sem falar nas inúmeras referências míticas e nas descrições sem fim de instrumentos, objetos e acontecimentos. A nobreza, por sua vez, exige a reconstituição de uma percepção pré-cristã do mundo, demasiado distante de todos.
Para realizar esse difícil trabalho, Haroldo de Campos mobilizou também toda a instrumentação poética colocada à disposição pelas vanguardas literárias deste século. Desse modo, a sua versão, repleta de palavras compostas e neologismos, resulta numa veloz, vibrante e enérgica transposição, que recupera "os diversos planos formais do poema", segundo Trajano Vieira, e torna a "Ilíada" uma impressionante leitura contemporânea.

Leia a seguir a entrevista em que Haroldo de Campos -que recebeu há um mês o prêmio Octavio Paz de poesia e ensaio, no México- fala sobre sua tradução.

Folha - Em seu poema "Meninos Eu Vi" (no livro "Crisantempo"), o sr. escreve: "... E já que tudo afinal é névoa-nada/ e o meu tempo (consideremos) pode ser pouco/ e só consegui traduzir até agora uns duzentos e setenta versos/ do primeiro canto da Ilíada...". Em "Mênis - A Ira de Aquiles", livro de 94 que traz a sua tradução do primeiro canto da "Ilíada", o sr. escreve: "Longe de mim a intenção, excessiva para meus propósitos, de uma tradução integral do poema...". O que o fez mudar de idéia?

Haroldo de Campos
- De fato. Minha preocupação inicial era constituir um "modelo" de como traduzir criativamente -"transcriar"- a poesia homérica, com os recursos do arsenal poético da modernidade. A transposição do "Canto 1" foi levada a efeito de maneira progressiva e lenta (de maio de 90 a dezembro de 93, com interrupções no tempo). Foi fruto de uma retomada dos estudos de grego clássico, iniciados por mim, na década de 60, com Francisco Achcar. Dessa vez, trabalhei com Trajano Vieira, seguindo o método de Clyde Pharr, um manual muito instigante, que, a partir da lição 15, usa o "Canto 1" da "Ilíada" como texto de aplicação. Só em agosto de 97 retomei o poema, estimulado pelo fato de o Trajano estar desenvolvendo um seminário de pós-graduação na Unicamp em torno da tradução de Odorico Mendes.

Como eu já havia montado um dispositivo tradutório ao transpor o "Canto 1", a partir da Rapsódia 2 o poema começou a fluir em português, como se brotasse de um vertedouro. A um certo momento, em função de problemas de saúde que tive, traduzi-lo funcionou como uma verdadeira terapia, uma "homeroterapia", que muito me auxiliou na superação dessa fase.
Em fevereiro deste ano, comecei a trabalhar no "Canto 15". Para quem, como eu, se havia dedicado por cerca de seis anos, na década de 80, ao estudo do hebraico e à poesia bíblica, enfrentar o poema homérico era uma rara oportunidade de cotejar, na prática da tradução, as duas matrizes da literatura do Ocidente, assim proclamadas por Auerbach. Nada mais estimulante.

Folha - O concretismo brasileiro, do qual o sr. é um dos criadores, realizou um amplo trabalho de tradução e divulgação da poesia internacional ao longo de mais de quatro décadas. Para esse movimento, a tradução é um elemento-chave, sintetizado na idéia de "transcriação" do original. No entanto, os comentaristas adversos ao movimento argumentam que, por um lado, os concretistas teriam oferecido raríssimas versões completas de grandes obras, por outro lado, eles só estariam interessados em traduzir o que lhes servisse como demonstração de seus próprios princípios poéticos. Sem que se discuta aqui a importância histórica do movimento, já bastante definida, gostaria, no entanto, que o sr. apontasse brevemente quais foram os méritos, mas também quais as lacunas -se o sr. as reconhece- do trabalho de tradução feito pelos concretistas.

Campos -
A argumentação, a meu ver, como tal, não procede. Augusto [de Campos", por exemplo, traduziu criativamente os dificílimos 18 poemas de Arnaut Daniel, o "miglior fabbro" de Provença. Nem Pound chegou a tanto. Eu verti na íntegra outro texto desafiador: o "Lance de Dados", de Mallarmé, comentando minuciosamente esse poema-chave da modernidade; também verti integralmente os 12 capítulos do "Qohélet" ("Eclesiastes") e os oito do "Cântico dos Cânticos" (a publicar), além do poema culminante de Octavio Paz, "Blanco", e do poema-dança do Teatro Clássico Nô, "Hagoromo" ("O Manto de Plumas").

Por outro lado, nosso trabalho de tradução nunca foi eclético, nem acrítico. Só nos dedicamos a "transcriar" (uma operação de alta fidelidade, pois leva em consideração as mínimas articulações fono-semânticas do original) aqueles poetas e poemas que consideramos imprescindíveis ao enriquecimento do patrimônio literário de nossa língua.

O fato de procedermos, em determinados casos, segundo o método ideogrâmico da exibição de "modelos" (como fez Stefan George com suas personalíssimas traduções de Dante, insuperadas em alemão) não foi obstáculo a esse enriquecimento, que abrangeu a poesia russa, vanguardistas alemães, a poesia chinesa, os metafísicos ingleses, Hopkins, Dante, Cavalcanti, os "Cantos" de Pound, cummings, fragmentos do "Finnegans Wake", Goethe, Rilke, Hoelderlin, Píndaro. Dessa prática decorreu, ademais, uma didática: as belas traduções de poesia húngara por Nelson Ascher são um exemplo eficaz de como isso tem operado junto às novas gerações.

Folha - O sr. realizou traduções que representam enorme desafio, entre as quais a da "Divina Comédia", em "Seis Cantos do Paraíso", a do Gênesis, em "Bere'shith", a do "Eclesiastes", em "Qohélet", a de parte do romance "Finnegans Wake", em "Panaroma de Finnegans Wake". Qual é a diferença entre empreender a tradução "selecionada" de uma obra e a de realizar a sua versão integral?

Campos -
Não se pode fazer tudo. Lacunas fazem parte do processo (e alimentam o desejo). Renunciei a estudar ioruba e árabe quando me defrontei com as excelentes traduções de Antônio Risério ("Oriki Orixá") e Michel Sleiman (poesia árabe-andaluza). Assumi o papel de editor, abrindo-lhes a coleção Signos (Perspectiva). A diferença entre a tradução seletivo-modelar e a integral não se põe no plano da qualidade, mas no da intensidade quantificável em número de versos (sempre que, ao longo do projeto integral, se conserve o mesmo teor criativo concentrado no fragmento ou excerto paradigmal). Num poema longo, note-se, sustentar duradouramente a pulsão qualitativa, não se deixar ir por altos e baixos, é o maior e mais premente desafio.

Folha - Quais as maiores dificuldades que um poema como esse, em grego clássico, traz para a tradução em português?

Campos -
A maior dificuldade, como já disse, é sustentar a pulsão, por milhares de versos, sem queda de qualidade. Outra (não enfrentada em geral pelos tradutores, a não ser de maneira esporádica e não inteiramente consciente) é refazer a orquestração -a "melopéia"- do poema homérico, não só quanto à métrica e ao ritmo, mas também no plano microestrutural, das sutis articulações de som e sentido, disseminadas em partitura, efeitos que a poética de Roman Jakobson nos ensinou a detectar e a escutar.

Folha - Quais são as maiores traduções já realizadas da "Ilíada" e da "Odisséia"?

Campos -
Acho o português do Brasil uma língua extremamente plástica e ainda não submetida à tirania ferrenha dos dicionários e das gramáticas acadêmicas (como o espanhol, o francês e, mesmo, o português de Portugal), uma língua metamórfica, ideal para a tradução criativa. Outra língua extraordinariamente dúctil para a tradução de poesia clássica é o inglês, embora, segundo Pound, as traduções nessa língua, mesmo as melhores, não consigam recapturar a singularíssima dimensão melopaica do original grego.
Das traduções homéricas, tenho um especial interesse pelas de J. Heinrich Voss (1751-1826) para o alemão e pelas do brasileiro Odorico Mendes. Ambas foram tachadas de aberrantes quanto à norma dos respectivos idiomas; ambas tentaram grecizar (o alemão) ou greco-latinizar (o português). Voss, para seus fins, inventou um hexâmetro teutônico e levou ao extremo a aptidão de sua língua para a criação de compósitos; Odorico tomou o molde ressonante do decassílabo camoniano e compactou ao máximo os poemas homéricos, fazendo, para tal fim, verdadeiras acrobacias sintáticas. Seus epítetos aglutinados (dedirrósea Aurora, criniazul Netuno) desnortearam a crítica da época. Em ambos os casos -para falar com Derrida- o futuro se anunciou sob a espécie subversiva do "monstruoso".

Folha - Como o sr. sintetizaria, para o leitor que não as conhece, as principais qualidades, mas também os principais problemas, de duas das traduções existentes para o português, a de Odorico Mendes e a de Carlos Alberto Nunes?

Campos -
O maranhense Odorico Mendes (1799-1864), tenho dito mais de uma vez, é o patriarca da tradução criativa em português. Seu projeto é fascinante, dada a radicalidade com que submete o nosso idioma à estranheza sintática e lexical do grego e do latim. Os problemas que oferece são dois. Primeiro, o metro decassilábico, eficaz no plano sonoro e na tradição épica da língua, mas que o obriga a contorções e compressões, tornando a leitura do Homero brasileiro mais dificultosa do que a do original grego (para repetir uma "boutade" do filólogo João Ribeiro, aliás receptivo às inovações odoricanas). O vocabulário extremamente culto, muitas vezes arcaizante, é a segunda dificuldade. Odorico Mendes é capaz, repetidamente, de altíssimos acertos e também de grandes descaídas ocasionais, mas acima de tudo seu arrojado projeto tradutório é o que mais releva.

Quanto a Carlos Alberto Nunes, nascido em 1897, falecido na década de 70, outro maranhense, suas traduções homéricas vêm sendo injustamente passadas em silêncio. Mário Faustino, com razão, apreciava a maneira como Nunes resolve o problema métrico, introduzindo um hexâmetro vernáculo e sustentando-o com rigor ao longo da "Ilíada" e da "Odisséia". O resultado tende mais para uma prosa ritmada, mas não deixa de ser interessante. A linguagem, sem a radicalidade inventiva própria de Odorico, é de padrão neoclássico, recorrendo por vezes a arcaísmos, mas de fluente desenvoltura. Trabalho respeitável e meritório.

Folha - Que recursos o sr. tem utilizado para contornar os problemas que o sr. aponta nas traduções anteriores?

Campos -
Uso de todos os recursos da poética moderna, buscando reconfigurar em português tanto a forma da "expressão" (nível sonoro) como a forma do "conteúdo" (poesia da gramática) do original grego. Adotei o dodecassílabo, que me põe a salvo dos perigos inerentes aos projetos de Odorico (extrema compressão) e C.A. Nunes (prosaísmo).

Folha - Como o sr. contrastaria, do ponto de vista da escrita e também da construção mítica, o Velho Testamento e o épico de Homero -segundo Werner Jaeger, "o educador de toda a Grécia"-, considerando que ambas são obras que exerceram papel dominante na fundação da Europa e, portanto, do Ocidente?

Campos -
É de Auerbach a famosa distinção entre "estilo homérico" (descrição "exteriorizadora" dos eventos, sem descontinuidade e sem ambiguidade) e "estilo bíblico" (abrupto e enigmático). Mas essa oposição tem sido relativizada por outros críticos, como, por exemplo, Norman Austin, que, estudando a função da "digressão" no texto homérico, refere uma segunda vertente, alusiva e elíptica, oblíqua, discernível nos primeiros livros da "Ilíada", que contradiz a tese da "exteriorização" dominante.

As línguas -uma da família indo-européia, outra semítica- são, por outro lado, muito diversas. Basta comparar os respectivos sistemas de verbos ou o aparato complexo das partículas gramaticais no grego e a enxutez anafórica do "vav" ("e") conjuncional no hebraico. Mas, com todas as suas diferenças, a Bíblia hebraica e Homero são, ambos, altíssimos monumentos da poesia, basilares para a literatura do Ocidente.

Folha - Matthew Arnold, em "On Translating Homer", aponta como características do estilo homérico: "É eminentemente rápido, eminentemente simples e direto... e eminentemente nobre". Jasper Griffin diz, por sua vez, que é um estilo que não possui a "pomposidade isenta de humor que é, talvez, o defeito característico do estilo de poetas como Virgílio, Milton e Racine". Quais seriam, na sua opinião, os traços característicos da poesia de Homero?

Campos -
A rapidez, o movimento da dicção homérica, é um traço que também impressiona a Pound. Parece que estamos diante de um desenrolar cinematográfico quando acompanhamos a sucessão das cenas de combate, na "Ilíada", que têm como que a vivacidade de fotogramas. Mas Homero, nos numerosos trechos descritivos, nos símiles com que os articula, nas "vinhetas" onde exibe a ornamentação de um escudo, o primor das armaduras, o lavor das copas e a riqueza das alfaias nas tendas e palácios reais, é de uma sofisticação artesanal que maravilha. É evidente, para mim, sua superioridade sobre Virgílio, Milton ou Racine. Só Shakespeare e Dante ombreiam com ele.

Opô-lo a Virgílio -como um poeta "natural", espontâneo, e outro "artificial", derivado, refinadamente culto-, se, por um lado, salienta o caráter epigonal da "Eneida" (no sentido não pejorativo da "imitatio"), por outro obscurece o inexcedível virtuosismo do verso homérico (o caráter oral de uma poesia, para Jakobson, nada tem a ver com seu grau de sofisticação); ademais, o "estilo formular" de Homero não se reduz a uma simples mnemotécnica; como indica Trajano Vieira ("Homero e Tradição Oral", em "A Ira de Aquiles"), esse estilo foi com pertinência comparado por Havelock "ao jazz, no qual a linha temática "memorizada" pelo solista se presta a improvisações durante a performance...".

Folha - Que procedimento de leitura o sr. aconselharia àqueles que queiram encarar a aventura homérica? E, para os jovens poetas, o que destacaria como sendo as lições literárias permanentes da "Ilíada"?

Campos -
Temos a fortuna, no Brasil, de possuirmos duas apreciáveis traduções integrais, em verso, das rapsódias homéricas. Convém lê-las a ambas, bem como ter à disposição um dicionário mitológico, para esclarecimento de referências. A atualidade da "Ilíada" é, desde logo, uma atualidade inquietante. O poema exemplar do Ocidente começa pela palavra "ira" ("mênis"). Desde Aquiles e Héctor, os homens, ao longo da história, nunca deixaram de guerrear-se...

Folha - Para nosso mundo, bastante afastado dos heróis, mas ainda muito próximo das guerras, qual seria, na sua opinião, o significado de um épico como a "Ilíada"?

Campos -
Simone Weil, melhor do que ninguém, abordou a tragicidade da "Ilíada" num ensaio de 1940 (escrito em plena Segunda Guerra, portanto). Ao mesmo tempo em que viu na "Ilíada" o "poema da força", a pensadora francesa de origem judia, estudiosa da cultura grega, soube discernir, por sob o "acúmulo de violências", o traço de "amargura insanável" que se fazia continuamente sentir ao longo do texto e que conferia ao "epos" homérico um caráter único. Nele "o desvalimento e a miséria de todos os homens é mostrado sem dissimulação nem desdém (...), tudo que é destruído é lamentado". O divino, invencível Aquiles está, não obstante, fadado a morrer jovem, para conquistar a glória. O perene (a fama) é um efeito da efemeridade (o truncamento da vida). Se não me engano, foi Fernando Pessoa quem disse que todo poema deve pôr de manifesto que Homero existiu (um tema para a reflexão do poeta jovem...).

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs25049903.htm
 
Não, o das éguas era um gigante filho de Ares.
Sim, eu fui pesquisar e desfiz a dúvida, o Diomedes da Ilíada era rei de Argos e o Diomedes gigante era reis dos Bistões (um dos povos da Trácia). E até nem havia como serem os mesmos porque ele foi morto por Héracles que já havia morrido quando da Guerra de Tróia.
 
Acabei de adquirir o livro A guerra que matou Aquiles - A verdadeira história da Ilíada, de Caroline Alexander.

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Segundo a sinopse mencionada no site da Livraria Cultura, diferentemente da maioria das obras sobre o tema, esse livro não aborda nenhuma das questões tradicionais da Ilíada; a autora esmiúça a história e revela a visão do próprio Homero em relação à sua obra-prima.

Algum dos foristas já teve contato com esse livro? Será que é realmente interessante e vale a pena ler?
 
Eu já tinha ouvido falar do livro quando saiu em inglês, mas na época ainda não tinha despertado em mim o interesse por Homero. Agora eu também fiquei interessado e parece que ele concorda com uma posição que vem sendo bastante discutida hoje em dia: a de que apesar de Homero celebrar o culto do Heroi, ele já demonstrava desde então que esse culto era uma farsa, antecedendo mesmo um trágico pra lá de cínico como Eurípides. Acho que já vou comprar meu exemplar em inglês mesmo. Valeu pela dica. :D
 
Talvez o preço. O livro em português tá R$48 na Cultura, enquanto que o ebook em inglês na Amazon tá US$9,86, o que dá R$22 hoje.
 
Eu só fico atrás com essa tradução por não saber se ela faz uso de alguma tradução já consagrada do texto para fins de pesquisa. Então, sei lá, espero que em inglês pelo menos eles usem as marcações das edições que se encontram no Library of Congress.
 
Eu só fico atrás com essa tradução por não saber se ela faz uso de alguma tradução já consagrada do texto para fins de pesquisa.

O tradutor do livro (Marcio de Paula S. Hack) menciona no começo do livro que utiilizou, se não me falha a memória, a traução feita por Frederico Lourenço, para a Editora Penguin-Companhia.
 

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