• Caro Visitante, por que não gastar alguns segundos e criar uma Conta no Fórum Valinor? Desta forma, além de não ver este aviso novamente, poderá participar de nossa comunidade, inserir suas opiniões e sugestões, fazendo parte deste que é um maiores Fóruns de Discussão do Brasil! Aproveite e cadastre-se já!

Guimarães Rosa

LucasCF

Usuário
O que eu não desdeixo de não pensar sobre Guimarães Rosa
originalmente publicado em meu blog há algum tempo. (agosto de 2008)

Vou ser sincero; Eu devo ter demorado não menos de cinco minutos pensando nesse título. Não sabia dizer se “o que eu não desdeixo de não pensar sobre Guimarães Rosa” queria dizer “o que eu penso sobre Guimarães Rosa”; O pior: Ainda não sei o dizer; Quem souber me diga, por favor.

Eu não posso comentar/críticar com certeza a obra de Guimarães. Certamente eu posso estar enganado, pois o único livro que li dele, que inclusive terminei agora, é Campo Geral — que faz parte atualmente do livro Manuelzão e Miguilim, mas que fez parte anteriormente do livro Corpo de Baile — portanto me desculpem por qualquer injustiça (?), podem criticar, discordar, completar nos comentários. (Irei adorar)

Um dos fatos que me deixou confuso no livro foi a editora. Não procurei por outras edições, mas a edição que peguei parecia… Querer economizar espaço, algo assim. Ou então Guimarães escrevia assim, e até mesmo existe a possibilidade (Que acreditei ser a mais provável) de eu ser um “noob” e não conseguir entender direito. Mas os diálogos estão colocados de uma forma chata. Muito grudados, sei lá… Talvez todos os livros inteligentes e bons sejam assim, e eu só leia livros infantis? Confesso que gostaria de ler mais. Esse ano devo ter lido no máximo 20 (posso estar enganado, talvez seja um pouco mais, um ou dois a mais).

O cara inventa verbos e coloca os já existentes no diminutivo, então se você quer pedir pra alguém ensiná-lo a dançar, diga “Me ensinazinho a dançar?”. E quando a chuva passar, quando “a chuva parar de chover”, diga que ela “deschoveu”. A maioria das palavras que começa com “des” (Senão todas) diz que algo perdeu o efeito, ou reverteu o efeito, não sei. Você arruma o quarto, mas sua irmã vai lá e DESarruma. Você liga a televisão, lembra que está de castigo e… DESliga. A chuva estava caindo… Se ela DESchoveu, quer dizer que a água voltou? Quer dizer que a água caiu toda, e depois a nuvem “sugou” ela? Ou quando alguém desarruma o quarto, quer dizer que estava arrumando, cansou, parou o trabalho. Ela parou de arrumar; Não DESarrumou.

Sempre que for andar. Ande andando. Faça as coisas fazendo. E não se esqueça de brincar brincando. Trabalhar trabalhando é ESSENCIAL. Agora, parezinho de ler, pois você está perdendozinho seu tempo lendo-me.

Apropósito, meu primo cansou de ficar olhando eu escrever e foi brincar com sua bola dele.

Concluindo, eu não acho que o cara seja TÃO bom só porque coloca verbos no diminutivo. Mas sim, eu gostei do livro, da história. A novela que li é sim boa.



-----------------------------------------------------------

Que acham?
 
LucasCF disse:
Um dos fatos que me deixou confuso no livro foi a editora. Não procurei por outras edições, mas a edição que peguei parecia… Querer economizar espaço, algo assim. Ou então Guimarães escrevia assim, e até mesmo existe a possibilidade (Que acreditei ser a mais provável) de eu ser um “noob” e não conseguir entender direito. Mas os diálogos estão colocados de uma forma chata. Muito grudados, sei lá… Talvez todos os livros inteligentes e bons sejam assim, e eu só leia livros infantis? Confesso que gostaria de ler mais. Esse ano devo ter lido no máximo 20 (posso estar enganado, talvez seja um pouco mais, um ou dois a mais).

Eu não entendi bem essa questão que você colocou, mas se for o que estou pensando o problema é da edição, não do estilo de escrita do Rosa. É formatação, e não escrita.

LucasCF disse:
O cara inventa verbos e coloca os já existentes no diminutivo, então se você quer pedir pra alguém ensiná-lo a dançar, diga “Me ensinazinho a dançar?”. E quando a chuva passar, quando “a chuva parar de chover”, diga que ela “deschoveu”. A maioria das palavras que começa com “des” (Senão todas) diz que algo perdeu o efeito, ou reverteu o efeito, não sei. Você arruma o quarto, mas sua irmã vai lá e DESarruma. Você liga a televisão, lembra que está de castigo e… DESliga. A chuva estava caindo… Se ela DESchoveu, quer dizer que a água voltou? Quer dizer que a água caiu toda, e depois a nuvem “sugou” ela? Ou quando alguém desarruma o quarto, quer dizer que estava arrumando, cansou, parou o trabalho. Ela parou de arrumar; Não DESarrumou.

Deschoveu = deixou de chover, parou de chover. Me parece bem claro o sentido, no contexto deve ficar ainda mais.

LucasCF disse:
Concluindo, eu não acho que o cara seja TÃO bom só porque coloca verbos no diminutivo. Mas sim, eu gostei do livro, da história. A novela que li é sim boa.

Querer resumir o valor da obra do Guimarães nos neologismos é diminuir tudo o mais que ele fez. Guimarães não é bom por conta dos neologismos, não é isso que faz dele um autor fenomenal, provavelmente o melhor da língua portuguesa. Eu sei que o professor da escola sempre ressalta isso, mas esse detalhe da obra do Rosa é o óbvio, é tipo falar da ironia Machadiana.

Guimarães é TÃO bom (e sim, ele é TÃO bom) pelo modo como usa as palavras para ir além de uma história legal. Porque literatura não é só o enredo ou um punhado de frases feitas. Há um trabalho de artesão por trás dos romances do Rosa que não são para qualquer um.

Edit: em tempo, eu acredito firmemente na questão da "opinião de cada um", e respeito isso. Você pode não gostar do Guimarães e tudo o mais, não estou querendo dizer que só porque meia dúzia de gente acha ele brilhante você também deve achar. Só acredito que não dá para reduzir a genialidade do Rosa à questão do neologismo. É uma característica importante da obra dele? Sim, é. Mas é uma entre tantas outras. O problema é que nem todo leitor consegue captar isso.
 
É, foi a edição então. Agora eu entendi essa do deschoveu, mas é que eu sempre pensei que "desalgumacoisa" fosse tipo desfazer algo que estava feito, desculpe. Não entendi bem então essa parte. Aliás, eu nem sei bem porque postei esse texto aqui, pois conforme eu vou lendo esse texto com o passar dos meses, mudo minha opinião.

E desculpe-me, não sou muito bom na escrita (se bem que melhorei de agosto para cá), e acho que escrevi de um jeito que não deu para entender realmente. Mas é que meus colegas de sala leram por obrigação e não tiveram prazer nenhum ao ler. E eles ficaram dizendo que o cara nem sabia direito o português só porque "inventava" verbos. E eles ficaram dizendo que muita gente acha Guimarães Rosa bom SOMENTE por esse negócio de usar as palavras de forma diferente. Eu disse a eles que Guimarães conta a história muito bem e eu fiquei muito 'próximo' dos personagens e da história, a ponto de sentir falta deles depois. Então quis dizer que ele não é considerado bom só por causa disso.


edit: Gostaria de ser um leitor melhor, para saber discutir sobre algo, já que sou muito ruim nisso. Anica, parece que você gosta bastante de Guimarães... Poderia indicar uma outra obra dele para mim? Ouvi falar muito bem de Grande Sertão: Veredas....)
 
LucasCF disse:
E desculpe-me, não sou muito bom na escrita (se bem que melhorei de agosto para cá), e acho que escrevi de um jeito que não deu para entender realmente. Mas é que meus colegas de sala leram por obrigação e não tiveram prazer nenhum ao ler. E eles ficaram dizendo que o cara nem sabia direito o português só porque "inventava" verbos. E eles ficaram dizendo que muita gente acha Guimarães Rosa bom SOMENTE por esse negócio de usar as palavras de forma diferente. Eu disse a eles que Guimarães conta a história muito bem e eu fiquei muito 'próximo' dos personagens e da história, a ponto de sentir falta deles depois. Então quis dizer que ele não é considerado bom só por causa disso.

Na verdade Guimarães é bom na escrita por justamente conseguir construir um mundo na linguagem. Além do neologismo, ele conhecia muito bem a origem das palavras que usava, por isso muitas vezes elas pareçam estranhas ou erradas (e também desse conhecimento Rosa conseguia formar novas palavras).

Um exemplo ótimo sobre essa brincadeira de palavras é "Famigerado" do livro Primeiras Estórias (veja bem que Estória não existe no português).


edit: Gostaria de ser um leitor melhor, para saber discutir sobre algo, já que sou muito ruim nisso. Anica, parece que você gosta bastante de Guimarães... Poderia indicar uma outra obra dele para mim? Ouvi falar muito bem de Grande Sertão: Veredas....)

Para começar: "Primeiras Estórias", como é uma das obras que mais cai no vestibular, seria uma boa começar por ele, pois tem muito backup para você pesquisar e aprofundar a leitura.

Depois eu recomendaria a retomada da novela "Corpo de Baile", pois aqui a linguagem e a história caminham muito bem, é menos hermético.

Se você gostar desses que indiquei, parta para um desses dois:

- Tutaméia (é uma obra muito complexa do Guimarães Rosa, existe muito dele nessa obra, muitos contos que te fazem quebrar a cabeça, etc);

- Grande Sertão: Veredas (é a obra do Guimarães Rosa, aqui o Sertão é linguagem, o Sertão é uma pessoa, o Sertão é um lugar, mas o único jeito de entender é ler até o fim e reler depois, a cada leitura você o interpreta de uma forma).

Os outros livros do Guimarães também valem a pena, essas foram algumas dicas apenas.
 
Nunca li Guimarães Rosa, e já não é a primeira vez que falo aqui no fórum que tenho uma vontade enorme de ler Grande Sertão: Veredas.

E esse ano que eu vou fazer vestibular, tenho ouvido falar muito de Guimarães Rosa, realmente muitas de suas obras caem no vestibular...

A Hora e a Vez de Augusto Matraga, Burrinho Pedrês, Conversa de Bois e por aí vai...

Ou seja, vou ser meio que obrigado a começar a ler, mas acredito que isso não será ruim, porém o que eu penso é que vai ser uma leitura meio difícil, todos esses neologismos e idéias totalmente diferentes do Guimarães Rosa, num primeiro momento, me assustam.

Pra galera aí, quando começaram a ler os livros dele sentiram algo parecido? Ou eu tô viajando?
 
Finalmente um livro do Guimarães não me fez o achar genial: Magma. Poucas experimentações, descrições demais, etc.
 
Tive que ler Sagarana para o vestibular, foi f*. Fiquei traumatizada, mas eu quero um dia ler um de seus livros por vontade, não por obrigação (como foi o caso do Sagarana), tenho certeza que vale a pena.
 
Muitas pessoas que eu conheço, só foram gostar do Sagarana depois de entrarem na faculdade, lendo por vontade própria. No meu caso, eu gostava do Primeiras Estórias, mas só depois do Tutaméia que fiquei fissurado a ler tudo.
 
alguém viu isso aqui?

http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/produto.dll/detalhe?pro_id=2641344&ID=C91632857D905100903330937

312 royals o_O
 
Eu sou suspeito: para mim Guimarães Rosa é certeza um dos melhores escritores brasileiros.

O negócio dele era inventar um mundo linguístico que não existe. Ler Rosa envolve um trabalho de pesquisa, um dicionário do lado. Depois, tudo faz sentido. Os diminutivos, citados aqui em cima, são partes mínimas da construção verbal do Rosa. Grande parte do seu texto é formada de arcaísmos, menos neologismos, e palavras incomuns. Porém, em uma viagem que fiz ao sertão mineiro, ouvi algumas dessas palavras da boca dos caboclos de lá.. Esquisito, mesmo. Uma dica? Ler os livros em voz alta. O livro tem muito de oral nele; o próprio Rosa insistia nisso (carta dele a Paulo Dantas).

O Magma é mesmo um mistério no conjunto da obra dele. Ganhou o primeiro lugar de poesia da ABL em 1936, mas o próprio Rosa nunca gostou do livro. Achava-o superficial, por isso nunca o publicou. A primeira edição é de 1997 (acho), publicado pela filha dele. Destaco o poema "Ausência," que considero muito bom, assim como os dois haicais chamados Romance I e II. Segue o "Romance I":

"No cinzeiro cheio
de cigarros fumados,
os restos de uma carta..."

Li Campo Geral, Dão-Lalalão, Sagarana, Primeiras Histórias, Magma, Estas Histórias e estou lendo Corpo de Baile. Um texto central, que deve ser lido antes de se ler qualquer obra do Rosa, é um conto, relato, que está no Estas Histórias, chamado "Com o vaqueiro Mariano." Ele conta a travessia que o autor fez pelo sertão com uma comitiva, viagem que o impressionou muito e constitui base fundamental para seu estilo de escrita (especialmente do Grande Sertão: Veredas).

Os temas são simples, transformados em dramas universais, como se pode ver na história do Miguilim ou na de Matraga, porém muito centradas e mutadas em "coisas do sertão." Por essas e outras, acho que o Rosa é um autor universal, de qualidade literária que não se perde a muito autor dito "bom" por aí...
 
O nonada no mundo
Traduzindo - ou recriando - Rosa

Escrito por Alison Entrekin em 22 de julho de 2015

Cr%C3%A9dito-das-fotos-Timothy-O%E2%80%99Connell-728x1024.jpg

Como o Maurício Meireles noticiou em O globo há algumas semanas, estou na rua, no meio do redemoinho, às voltas com a possível (necessária, desejada, mirabolante) retradução para o inglês de Grande Sertão: Veredas, do inestimável João Guimarães Rosa. Digo “possível” porque ainda estou tentando viabilizar o projeto. Tudo é e não é… Mas vamos por partes.

A história do romance em inglês é uma verdadeira saga. Como não é muito conhecida fora do meio acadêmico, vou contar um pouco aqui.

A obra magna do Rosa já foi publicado em inglês, em 1963, como The Devil to Pay in the Backlands, pela prestigiosa editora nova-iorquina Alfred A. Knopf, responsável pela publicação de diversos autores do boom latino-americano dos anos 1960 e 1970. A primeira tradutora (o fato de ter tido mais de um já, por si, deveria ser uma alerta) foi a Hariett de Onis, uma das principais tradutoras do espanhol da época, que tinha “descoberto” a obra do Joãozinho e levado à atenção da editora. Mas, em determinado momento, a Hariett abandonou o projeto por motivos pessoais. O lexicógrafo James Taylor – responsável por um dos melhores dicionários do português para o inglês que conheço – terminou a tradução e a Hariett fez uma revisão final. Ninguém sabe ao certo onde fica a costura entre uma parte e outra, o que, teoricamente, deveria ser uma coisa boa. Mas o fato é que a tradução deixou um pouco a desejar. Um pouco muito, na verdade.

Na época, saiu uma resenha no New York Times, do influente crítico literário Willian Grossman, com o título “Outlaw With a Problem” (Jagunço com um problema). A versão americana não é de todo ruim, reconhece o Grossman, e eu concordo. É de leitura gostosa, fluida – o texto é envolvente e a história para em pé em outra língua. O problema é que a parte mais inovadora do romance foi subtraída. Porque, além de ter sofrido diversos cortes de trechos mais complexos, a tradução não reproduz a linguagem colorida e idiossincrática do Rosa. Transmite apenas o enredo, numa prosa mais convencional.

Às vezes me pego pensando na Hariott – que tinha o português como terceira língua, não tão fluente quanto seu espanhol – sentada lá com a máquina de escrever, tentando atravessar aquela vasta areia movediça da linguagem roseana que vai de capa a capa. Seria difícil hoje… que dirá no fim dos anos 1950, sem email, sem o Google, sem o Skype. Sem toda a fortuna crítica que foi erigida ao longo das seis décadas desde a publicação do livro no Brasil. Para tirar dúvidas, era necessário trocar cartas com o autor, um processo que não deve ter sido nada ligeiro na época. E eu, que já traduzi algumas páginas desse livro, sei que as dúvidas são praticamente infinitas.

Há quem diz que a Hariott desistiu por motivos de saúde, mas me lembro de ter lido (ou ouvido?) em algum lugar que ela teria escrito uma carta para o Alfred Knopf, dono da editora, dizendo que estava levando muito tempo e que, se continuasse na empreitada, não faria mais nada da vida. O que entendo 100%. Seja qual for a razão verdadeira – talvez até uma combinação das duas –, imagino que a dificuldade do projeto tenha se apresentado como um rio intransponível para ela. Sei bem o que é ver o dinheiro do adiantamento acabando, as contas acumulando, e o trabalho não engrenar, não sair da primeira marcha por causa da dificuldade.

Mas a prosa mais domesticadora da versão em língua inglesa não deve tudo à dificuldade do texto em si. Também havia, naquele tempo, uma tendência a transpor textos estrangeiros para um contexto mais familiar, o que a Onis e o Taylor fizeram com êxito, buscando referências do velho oeste americano na sua tradução. Acreditaram que era para o bem do livro, porque era o que se acreditava então.



Cr%C3%A9dito-das-fotos-2-Timothy-O%E2%80%99Connell-763x1024.jpg

O próprio Rosa, que acompanhava a tradução de longe, por cartas, caia em contradição, ora perguntando se não era possível recriar a linguagem exótica do original em inglês, ora elogiando a tradução e citando a “maior fluidez” como algo positivo. Imagino que tenha sido atordoante para ele: por um lado, escritor, exigente com ele mesmo, disposto a correr riscos com a linguagem e levá-los até as últimas conseqüências, razão pela qual Grande Sertão: Veredas existe; por outro, diplomata, acostumado a negociar e conduzir várias partes para um entendimento. Ansioso, por um lado, que a tradução representasse bem o original; impaciente, por outro, que fosse aceito e lido pelo maior número de pessoas. Ele queria muito que seu sertão ganhasse o mundo e via o mercado de língua inglesa como a porta de entrada.

O livro em sua encarnação de língua inglesa – diferente da carreira em outros idiomas – não chegou nem a uma segunda tiragem. Parou na primeira – uma edição linda de capa dura. Vendeu em torno de 2 mil exemplares e foi caindo no esquecimento. Mas não completamente. The Devil to Pay in the Backlands é objeto de um site nos Estado Unidos, A missing book, organizado pelo Felipe W. Martinez, que reúne diversos artigos acadêmicos, matérias de jornal e entrevistas sobre a obra. Em 2002, constou numa lista dos “100 melhores livros de todos os tempos” publicada no jornal inglês The Guardian. A lista foi apurada a partir de indicações de escritores do mundo inteiro. Alguns meses atrás, João Guimarães Rosa constou em outra lista, do Literary Hub, de “10 excelentes escritores que ninguém lê”, que atribui o problema à “tradução imperfeita” de 1963, e ao fato desta estar fora de catálogo há décadas. Também levanta a hipótese de o livro ser “intraduzível” – teoria que cai por terra quando se considera as traduções bem-realizadas para outros idiomas.

Apesar da recepção morna da tradução americana e da opinião unânime de que a obra carece de uma nova tradução, poucos se atreveram a se aventurar na empreitada, e, dessas tentativas, nenhuma vingou. Uns anos atrás, um renomado agente literário americano traduziu cerca de 40 páginas antes de desistir por falta de tempo. Dizem que o célebre tradutor Gregory Rabassa – responsável pela tradução de diversos clássicos latino-americanos – também teria se interessado, mas em algum momento percebeu que não haveria tempo hábil. Uma terceira pessoa que seria um candidato ao posto disse numa entrevista que só poderia se dedicar à tradução se ganhasse na loteria. Outros aspirantes chegaram a produzir amostras do livro em inglês, mas não obtiveram aprovação, ou desistiram quando se deram conta da enormidade da travessia. Estão percebendo o padrão?

Quase todas as traduções desse tipo são feitas por professores universitários, que conseguem inserir a tradução nas suas atividades acadêmicas remuneradas. Lá se vão anos, e um dia o livro sai. Todas as outras pessoas com as qualificações necessárias para sequer tentar a tradução de Grande Sertão: Veredas desistiram – ou nem começaram – por contingências da vida prática. Perceberam que o dinheiro não estica tanto; e o que as editoras poderiam pagar pela tradução cobriria as contas por alguns meses, mas não pelos anos de pesquisa, consultas, imersão, elaboração e infinda revisão necessárias para um trabalho desse porte.

Daí o impasse, as desistências todas. E é por isso que estou atrás de apoio externo, porque simplesmente não tenho condições de ir tocando a tradução em paralelo com outras coisas (primeiro, porque requer uma atenção não-fragmentada; segundo, porque iria demorar uma eternidade) ou parar tudo e fazer a tradução por conta própria (aquela velha história das contas pra pagar). Há quem se interessa em financiar o projeto, editoras dispostas a publicar a tradução nos Estados Unidos, na Inglaterra e no Brasil, numa edição bilíngue, mas ainda tem um tanto de burocracia pela frente. Dedinhos cruzados para que se resolva em breve!

Mas vamos ao que realmente interessa: dadas as condições de trabalho certas, é possível fazer uma tradução de Grande Sertão: Veredas que não sofra muitas perdas? Acredito que sim. A extração dos sentidos contidos no original vai dar trabalho, e muito. Mas a solução está na recriação, mais do que na tradução, se é que me entende. Em outras palavras: o Guimarães Rosa escreveu um romance. Terei de traduzí-lo. Mas ele também inventou um dialeto ficcional no qual a história é contada. E esse dialeto, cheio de neologismos e sintaxes exóticas – essa alquimia lingüística roseana que tanto encanta os leitores –, não tem tradução. Tanto que deixaram fora da versão de 63. Terei de reinventá-lo na minha língua, numa espécie de laboratório poético, buscando ritmos, aliterações, registros, arcaísmos, coloquialismos e tudo o mais que já existe no inglês, ao mesmo tempo que vou ter que criar os neologismos e novas sintaxes de um sertão literário que espelha o original, mas que não é, obviamente, uma cópia exata dele. A salvação está na criatividade do original. Diferentemente de outras traduções, não será o fim do mundo se não existe uma tradução precisa para determinada palavra ou frase em inglês. Posso recorrer ao neologismo, desde que faça sentido dentro do contexto da frase e do trecho, desde que orne. Se não houver um jeito idiomático de dizer tal coisa em inglês, tudo bem, já que nada é exatamente idiomático no original. O que não quer dizer que vou sair por aí inventando coisas que não estão no livro, apenas que as possibilidades para encontrar soluções são mais amplas, tão vastas quanto a imaginação. Quer dizer que, neste sertão das palavras, onde tudo é e não é, as veredas são muitas.

Alison Entrekin é tradutora literária australiana radicada no Brasil. Verteu para o inglês Cidade de Deus, do Paulo Lins, O filho eterno, do Cristovão Tezza, Perto do coração selvagem, da Clarice Lispector e Budapeste, do Chico Buarque, entre outros.

Fonte: http://www.revistapessoa.com/2015/07/o-nonada-no-mundo/
 
Não dá pra copiar o conteúdo pra cá.
Com perseverança, tudo se alcança. :lol:

Último vaqueiro relembra expedição que inspirou 'Grande Sertão: Veredas'

Na viagem que fez pelo sertão de Minas Gerais em 1952, João Guimarães Rosa era conhecido pelos vaqueiros apenas como Joãozito. Hoje, ainda é assim que o último remanescente da expedição se refere ao diplomata e escritor.


"Joãozito era meio caladão, mas engraçado. Contava casos e gostava também de ouvir a gente contar para ele. Sempre [estava] com uma cadernetinha pendurada no pescoço. E nela, escrevia as coisas de qualquer jeito", relembra Francisco Guimarães Moreira Filho, 81, mais conhecido como Criolo.

A viagem é histórica porque serviu de subsídio para parte da obra de Guimarães Rosa: o conjunto de sete novelas "Corpo de Baile" e para o romance e obra-prima "Grande Sertão: Veredas" –que seria inicialmente uma das histórias de "Corpo de Baile". Ambos os livros foram lançados em 1956, há 60 anos.


upload_2016-6-6_14-18-46.png

Criolo tinha 17 anos quando participou da travessia de dez dias do escritor pelo interior de Minas Gerais. A comitiva foi organizada pelo pai de Criolo, Chico Moreira, e saiu da fazenda Sirga, onde hoje é o município de Três Marias, para levar 180 cabeças de gado até a fazenda São Francisco, em Araçaí, a 240 km de distância.

Guimarães Rosa (1908-1967) era primo de Chico e foi junto para conhecer o dia a dia do sertanejo. Aprendeu a andar de cavalo, a tocar boiada e, quando voltou para casa, no Rio de Janeiro, levou um papagaio.

Quatro anos depois, publicou os dois livros. Em "Corpo de Baile" (1956), um personagem inspirado no capataz Manuelzão (Manuel Nardi, morto em 1997) está no título de uma das novelas.

"O sucesso dele como escritor foi 'Grande Sertão', e saiu dessa viagem da boiada", diz à Folha Criolo, que ganhou o apelido ainda na infância –uma ironia por ser branco demais.

Numa sala de sua pequena empresa em Sete Lagoas (MG), onde aluga guinchos, Criolo espalhou fotos da expedição nas paredes, que foram registradas pela revista "O Cruzeiro". Uma placa diz: "A origem do Grande Sertão: Veredas".

Mas, do livro mesmo, Criolo conhece apenas o título. "Não consegui ler, nem papai. Apesar de ser pessoa estudada, ele não conseguiu entender o palavreado."

Em 2007, para iniciar a comemoração do centenário do nascimento do escritor, Criolo refez a viagem, que também durou dez dias, acompanhado de mais 40 pessoas.

'SAUDADES DAÍ'

"Chico, saudades daí tenho sempre", diz a carta de Guimarães Rosa emoldurada na parede onde fica o acervo de Criolo. Assinada em 6 de outubro de 1952, ela foi enviada para seu pai.

"O papagaio está gordo e alegre, magnífico. Aprendeu muita conversa carioca, mas não se esqueceu do repertório sertanejo: (...) sabe chamar as vacas, com notável entusiasmo", escreveu Guimarães Rosa.

Da comitiva de nove vaqueiros que acompanhou o escritor, Manuelzão se tornou o mais conhecido e morreu como uma figura mítica do sertão de Minas Gerais.

Já Chico Moreira, que era o dono da fazenda e foi quem viabilizou a expedição, é pouco lembrado. De acordo com o filho, ele tentou ajudar ao máximo Guimarães Rosa a se adaptar à viagem.

Mandou, inclusive, um funcionário ir antecipadamente de uma fazenda a outra com uma mula mansa para o diplomata cavalgar. Mas foi Manuelzão quem ensinou Guimarães Rosa a montar.

Criolo reclama que as fotos da expedição foram retiradas de exposição no museu Casa de Guimarães Rosa, que fica em Cordisburgo (MG), onde o escritor nasceu. Para ele, só querem que o escritor apareça em fotos usando smoking.

"Não querem que fale que ele foi peão, que andou a cavalo, que tocou boiada. Querem que ele só seja alta sociedade", queixa-se.

Procurada, a coordenação do museu informou que as exposições são temporárias e trocadas constantemente. Também informa que as fotos da expedição continuam, sim, a fazer parte do acervo do museu.
 

Valinor 2023

Total arrecadado
R$2.404,79
Termina em:
Back
Topo