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Fiódor Dostoiévski

Liurom

Usuário
Estava dando uma lida no tópico "qual seu escritor predileto" e percebi que muitos lá escolheram Dostoiévski. Eu também sou admirador do romancista russo, mas notei que não havia nenhum tópico sobre ele. Daí porque resolvi criá-lo.
Há inúmeras questões que poderiam ser discutidas nesse tópico. Vou apenas sugerir três:
1. Você leu algum livro de Dostoiévski? Quais são as qualidades e os defeitos que você encontrou nesse livro?
2. Se você leu mais de um livro do autor, qual deles você mais gostou?
3. Qual sua personagem favorita em Dostoievski?
É claro que o tópico não se restringe a essas questões. Qualquer comentário sobre a vida e a obra do autor será bem-vindo! :D
 
Eu Li Crime e Castigo e pretendo ler O Idiota.......

Gostei muito do livro, muito mesmo......Otimo livro, bem escrito, e o dostoivski eh um genio em conseguir passar ao leitor o estado de espirito de seu personagem..............

O Personagem q eu mais gostei foi o Raskolhnikov
 
Bem ... aconteceu. Eu estava há meses enrolando para criar um tópico sobre Dostoiévski, mas a preguiça de fazer alguma coisa legal não me permitiu. Tanto melhor que você o tenha criado, assim espero poder discutir vários aspectos das obras do meu escritor preferido. Não farei nenhum texto longo nem abrangente, porque essa tarefa é ingrata e eu não estou com tempo para faze-la. Prefiro começar a comentar as questões levantadas pelo Liurom.

Eu li vários livros de Dostoievski, bem menos do que eu gostaria. Eterno Marido, Recordação da Casa dos Mortos, O Jogador, Irmãos Karamazóv, Humilhados e Ofendidos, O Idiota, Memórias do Subterrâneo, Nietóchka Niezvânova, Crime e Castigo, A Aldeia Stepantchikovo, O Adolescente e Os Demônios.

São muitas coisas para eu falar de uma vez. Alguns desses livros eu li há muitos anos, quando estive na casa da minha avó, então preciso adquirir novos livros para os reler. Antes de falar um pouco sobre Nietótchka Niezvânova, o último que eu li, respondendo a pergunta sobre qual obra de Dostoiévski eu mais gostei, digo que foi Humilhados e Ofendidos. Sobre ela, e sobre os personagens que eu mais gosto, farei isso posteriormente.

Nietótchka é uma obra incompleta. Na verdade, o autor estava escrevendo a história da vida de uma mulher, desde sua infância ate a fase adulta, algo pouco comum em sua obra, que segundo Batchkin, é marcada por personagens que não vivem uma vida biográfica, pois Dostoiévski se concentra nos pontos de crises, fraturas e catástrofes. Não que essa obra não tenha essas características, mas, apesar de incompleta, percebemos um avanço na vida da personagem principal, que dá nome ao livro. A interrupção da obra foi causada pela captura de Dostoiévski e conseqüente ida dele à Sibéria, onde passou vários anos. Após tal interrupção, Parece lógico que ele tivesse em mente outros projetos decidisse terminar prematuramente o anterior. Além do final abrupto, há vários indícios na obra que indicam possibilidades que não apareceram no livro, como o reencontro de Nietótchka com seu amor de infância.

Esse é um romance bem inovador, que ficou conhecido por prenunciar algumas questões e respostas da psicanálise, bem antes de Freud faze-las. Todos os dramas e paixões durante a idade mais tenra da moça caracterizaram sua personalidade na adolescência e possivelmente na fase adulta. De sua infância pobre, quando aprendeu a amar intensamente seu pai, um violinista bêbado e fracassado, e odiar sua mãe, motivo de arrependimento no futuro, passou a viver em uma casa luxuosa, por caridade do príncipe que ali vivia. Foi nessa casa que começou a se afastar dos fantasmas de uma vida pobre e sofrida e desenvolveu uma relação homoerótica com Kátia, a filha do príncipe. Durante o auge do amor entre as duas meninas, elas são afastadas, e Nietótchka e levada para a casa da irmã mais velha de Kátia. Um ambiente bem mais austero e tranqüilo, onde ela pode organizar seus pensamentos e definir sua personalidade.

Existem dois aspectos dessa obra que me fascinaram. A personalidade do pai de Nietótchka, Iefimov, e a relação dele com sua filha. A outra coisa foi a relação de Nietótchka com Kátia.
Poucos personagens me causaram uma impressão tão forte quanto Iefimov, que por pretensão, preguiça e desregramento desperdiçou seu talento e sua vida, terminando por culpar severamente sua esposa, quem pagava suas contas. Esse tipo de tratamento e a influencia que causou em Nietótchka é exposto na obra de forma genial e revolucionaria, para o que se entendia da personalidade humana na época que foi escrita a obra. Essa duas passagem, A forma que Dostoiévski mostra a queda de Iefimov e a primeira parte da infância de Nietótchka, em sua relação com o pai é talvez o grande marco da obra. A tragédia daquele violinista frustrado parece ainda mais dramática vista pelos olhos da pequena menina. Outra coisa que me fascinou foi o amor entre a protagonista do romance e Kátia, a filha do príncipe, que acolhera Nietótchka após a morte de seus pais. A construção do romance das duas meninas começa de forma conflituosa e vai crescendo em intensidade ate o clímax, quando as duas estão juntas e se declaram, bem narrado de forma frenética, em períodos curtos e muito pontuado por exclamações.

O romance é cortado de forma abrupta, o que pode causar decepção nos leitores, e ate mesmo críticas à qualidade da obra. Depois de dez anos na Sibéria, Dostoievski terminou o romance e acabou cometendo algumas pequenas incongruências, mas nada disso tira o brilhantismo do livro, que apresenta personagens fascinantes, questões psicológicas inovadores, e uma estrutura um pouco confusa, devido ao final abrupto, mas que ao menos serve para deixar certas questões em suspense e nos fazer refletir sobre a obra e o seu possível desenrolar.
 
nesse exato momento estou lendo Crime e Castigo, estou lá pela página 350, to lendo daquela coleção obras-primas de banca de jornal... e to gostando do que to lendo, pelo menos por enquanto.
 
Muito interessante seu comentário Faramir. Fiquei curioso para ler “Humilhados e Ofendidos”. Na verdade, li apenas três livros de Dostoiévski (“O Idiota”, “Irmãos Karamazov” e o “O jogador”), o que já foi suficiente para transformá-lo em um de meus escritores prediletos. O que eu acho mais impressionante em Dostoiévski (não sei se vocês vão concordar comigo ou não) é o ritmo e a intensidade da narrativa, que cativa o leitor. Entendam: não sou desses devoradores de livros. Geralmente leio um pouco por dia, mas sempre. Acontece que com Dostoiévski, às vezes, não consigo parar. A obra “O Idiota”, que tem quase setecentas páginas, acabei lendo em duas semanas, o que para mim é muito pouco tempo.
É justamente “O Idiota”, dos três, o meu livro predileto. Há muitos motivos para isso. O principal, eu acho, é a complexidade dos personagens e em especial do protagonista, o príncipe Míchkin. Na minha opinião, o príncipe é um paradoxo ambulante. Ele é ao mesmo tempo um completo idiota (como sugere o título do livro) e um homem extremamente sábio. E as duas características nascem de uma só: o seu pendor infinito para o bem. É incrível ver como esse aparente paradoxo consegue gerar uma personalidade coerente, que através do livro vai se transformando (ou talvez apenas se revelando). No começo, o lado sábio prepondera, é até difícil de entender como as pessoas podem considerá-lo um idiota. Parece que é uma injustiça do mundo, uma crueldade das pessoas. Mas depois o leitor percebe o porquê e, por mais que simpatize com o príncipe, a gente se vê forçado a considerá-lo, em certa medida, um néscio mesmo... Mas o lado negativo não anula o positivo, e isso é que é o mais impressionante, na minha opinião. Eu teria outras coisas a falar sobre o príncipe e outros personagens, mas não quero me alongar demais.
Queria apenas sugerir a discussão de uma característica de Dostoiévski que eu encontrei tanto em “Os Irmãos Karamazov”, como em “O idiota”: a digressão. Dostoievski parece achar que tem o direito de se desviar do enredo principal por cinqüenta, cem páginas, nos quais se dedica a histórias paralelas, que são também interessantes, mas que não têm muita influência no desenrolar do enredo. Cito como exemplo a passagem "O Grande Inquisidor", em "Os Irmãos Karamazov". Gostaria de saber se também tiveram a mesma impressão, e qual a opinião de vocês a esse respeito. É uma qualidade? É um defeito? :wink:
 
Liurom disse:
Queria apenas sugerir a discussão de uma característica de Dostoiévski que eu encontrei tanto em “Os Irmãos Karamazov”, como em “O idiota”: a digressão. Dostoievski parece achar que tem o direito de se desviar do enredo principal por cinqüenta, cem páginas, nos quais se dedica a histórias paralelas, que são também interessantes, mas que não têm muita influência no desenrolar do enredo. Cito como exemplo a passagem "O Grande Inquisidor", em "Os Irmãos Karamazov". Gostaria de saber se também tiveram a mesma impressão, e qual a opinião de vocês a esse respeito. É uma qualidade? É um defeito? :wink:

Não, de forma alguma! Essa digressão esta longe de ser um defeito, é uma característica de Dostoiévski que serve apenas para enaltecer sua genialidade. Como eu comentei, ele não se prende a uma história biográfica e também não se prende a uma história linear. Suas digressões, geralmente marcadas por dialogos longos e intensos entre os personagens, é uma das coisas que eu mais admiro nele. Você leu irmãos Karamazov, e se lembrara da terceira, quarta e quinta parte do quinto livro, a parte em que há um longo diálogo entre Aliéksiei Karamazov e Ivan Karamazov, quando os irmãos se conhecem melhor. Creio que isso é um ótimo exemplo do que você chamou a digressão de Dostoievski. Alias, você citou o Grande Inquisidor e falarei dele.

É uma conversa importante, porque Ivan esta partindo da casa de seu pai e não sabe se voltara, ficando longe da mulher que ama, mas essa questão é complicada demais para eu tratar brevemente. Em suas conversas, Ivan destila sua revolta e, principalmente, suas dúvidas existenciais. O termo existencial pode parecer anacrônico, mas eu me permito ao uso porque Dostoiévski foi uma grande influencia para esse tipo de pensamento, e porque é um termo adequado para às preocupações de Ivan. É especialmente sobre a crise espiritual que Ivan sofre, a revolta com os males do mundo e o sofrimento que ele sente em não crer em Deus. Por isso conversa com seu irmão, que é dotada de grande fé, em busca de um consolo, ainda que esse consolo seja apenas a amizade fraternal e um bom ouvido para suas palavras. No meio dessa conversa, Ivan conta uma história que ele havia criado, chamada o Grande Inquisidor. Não entrarei no tema dela, mas é fantástica, e serve para ilustrar bem a crise que ele sentia. Essa história não é ligada diretamente com a trama principal, mas é para mim o momento mais genial do livro, quando em meio a diálogos arrasadores ele trespassa o perfil psicológico os personagens, e por meio deles sua própria crença sobre as coisas da vida. Especialmente a crença de Ivan que a moral só existe enquanto há crença em Deus, o rancor de amar algo que se sabe não existir, o amor pela vida apesar da não visão de sentido para a mesma.

Esse é apenas um exemplo, em Irmãos karamazov existem vários, como em suas outras obras. Em Dostoievski, mais importante que a linha principal da trama é o perfil psicológico dos personagens, expressos em seus diálogos.

"A ação dos romances é fraca, às vezes incompleta (Crime e Castigo), às vezes sem evolução explicável (O Adolescente), ou intencionalmente embrulhada (Karamazov), e uma vez nos Demônios tão confusa que ninguém poderia contar o enredo. Parecem escritos somente para preparar essas grandes cenas dramáticas: diálogos e monólogos, discussões e confissões, tentativas espasmódicas dos personagens para explicarem a si mesmos, ao seu criador e a nós outros. Com efeito, precisam de explicações as suas atitudes inéditas: a raiva misantropa de Raskolnikov e sua conversão repentina, quando a prostituta Sonia lhe lê o perícope de Lázaro; os acessos epiléticos do príncipe Mischkin que determinaram a marcha dos acontecimentos no Idiota; a perversão de Stavrogin e o suicídio de Kirillov, nos Demônios; a reconciliação entre pai e filho, no Adolescente, pela estranha explicação da arte de contar anedotas; a hostilidade furiosa dos irmãos Karamazov contra o seu pai, enquanto o romance termina antes de explicada a atitude diferente do quarto dos filhos. É um mundo de atitudes inexplicáveis.
O que há de mais admirável nos romances de Dostoiévski é o enorme gasto de inteligência penetrante, sagaz, profundíssima. As paixões que agitam desde séculos a literatura universal – amor, ódio, honra e ambições de toda sorte – Dostoiévski substitui uma paixão nova: a paixão de discutir, de explicar, de debater os grandes problemas religiosos, filosóficos, sociais do passado, do presente e sobretudo do futuro. Os romances são cheios duma dialética furiosa, furiosa ao ponto de terminarem em agressões, estupros e assassinatos. Nada de reflexões frias. O amor de discutir, de explicar, de debater tem, em Dostoiévski, todos os traços do amor sensual, mesmo da paixão sexual; destas discussões ideológicas, os personagens participam existencialmente, com todo o seu ser, inclusive as iluminações místicas e as perversões sexuais. O motor da obra de Dostoiévski é a paixão intelectual, destinada a explicar pelas forças superiores da inteligência as forças inferiores, vitais, das quais provêm aquelas atitudes perigosamente espontâneas e inexplicáveis."


Apesar do exagero de Otto Maria Carpeux (que escreveu esse trecho), ao diminuir a qualidade do romance de Dostoiévski perante as situações mais dramáticas e os diálogos mais intensos de suas obras, serve para mostrar como essas características, essas digressões são parte vital e indispensável da obra de Dostoiévski. Reler e escrever esse trecho, e me lembrar das situações citadas dessas obras, me faz refletir sobre mim mesmo ...

Estou adorando essa discussão. Logo vou comentar um pouco sobre Humilhados e Ofendidos e sobre O Idiota. Essa obra tem um dos personagens que eu considero mais fascinantes, o Príncipe Mischkin, mistura de Cristo e Dom Quixote, e um dos finais mais inesperados e emotivos da história da literatura, mas isso discutirei depois.
 
eu ja li dele O idiota , Humilhados e ofendidos, crime e castigo , O jogador e noites brancas (acho q eskeci de algum).... e estou lendo (junto com uns 4 livros ) recordaçoes da casa dos mortos ..... de longe o meu predileto eh humilhados e ofendidos muito embora eu tb tenha gostado muito do idiota e do jogador por me indentificar muito com os protagonnistas...

o q eu mais gosto da narrativa dele eh q como alguns criticos falam ele nao eh um narrador de acontecimentos mas sim de pensamentos.... eu adoro ver os pensamentos das pessoas.... e tb gosto muito dos temas... e tb da belesa do feio... eh exatamente isso... eu acho muito legal a forma como ele consegue narrar e embelezar as coisas mais tragicas.... diferente de pessoas como annie rice q so conseguem narrar o belo...

a unica coisa dele q eu nao gosto muito eh o fato dele sempre ter sido um acomodado oportunista quanto a sua literatura... (ele sempre escrevia em prom de quem estava no governo... em prol nao... mas tb nao malhava...)


abraços Dwarf um eterno idiota
 
Os comentários de vocês levantaram muitas questões que vale a pena abordar. Vamos por partes:

Logan Macloud disse:
a unica coisa dele q eu nao gosto muito eh o fato dele sempre ter sido um acomodado oportunista quanto a sua literatura... (ele sempre escrevia em prom de quem estava no governo... em prol nao... mas tb nao malhava...)

Entendo o que você quer dizer. Mas não concordo que Dostoiévski tenha sido exatamente um conservador. Não se esqueça que ele foi quase fuzilado uma vez por se envolver com um certo grupo subversivo. Talvez essa experiência o tenha feito pensar duas vezes antes de criticar explicitamente o estado czarista. Mas isso não quer dizer que ele não critique. Em "O Idiota", por exemplo, ele faz uma longa crítica à pena de morte. Antes ele ressalva que na Rússia não se aplica essa pena. Acontece que, de fato, havia execuções na Rússia, então a crítica dele também era contra o regime.

Faramir of Ithilien disse:
Não, de forma alguma! Essa digressão esta longe de ser um defeito, é uma característica de Dostoiévski que serve apenas para enaltecer sua genialidade. Como eu comentei, ele não se prende a uma história biográfica e também não se prende a uma história linear. Suas digressões, geralmente marcadas por dialogos longos e intensos entre os personagens, é uma das coisas que eu mais admiro nele

Concordo com você, Faramir. Acho que Dostoiévski não seria Dostoiévski sem as digressões, que são muitas vezes as partes mais interessantes dos livros dele - e mais profundas também. Ele tende a abordar questões filosóficas complexas (como a existência de Deus, o sentido da vida, as noções de certo e errado) nesses desvios e isso só enriquece o livro. Agora, às vezes, eu acho que ele exagera um pouquinho, porque os enredos de Dostoiévski são interessantes (cativantes) e o leitor tem uma curiosidade para saber o que vem a seguir. Essa curiosidade é, em certa medida, frustrada, quando a digressão é muito longa. Por exemplo: há um momento em "O idiota" em que falta apenas duas horas para o príncipe se encontrar com Aglaia (um encontro sigiloso num banco verde). Eu estava curioso para saber o que ia acontecer nesse encontro. O príncipe, porém, entra em casa e Hippolit inicia um longo discurso (uma dessas digressões). Não que o discurso não seja interessante (é muito interessante), mas não era exatamente nisso que eu estava interessando naquele momento.

É claro que essa questão do tamanho das digressões tem muito a ver com o gosto do leitor. Uns gostam mais outros gostam menos de certo tempero. Outros podem até gostar do tempero, mas não tanto assim, se exceder uma certa medida. Dostoiévski, às vezes, (para o meu gosto) se excede um pouquinho na medida de um tempero, que é saboroso (as digressões).

Faramir of Ithilien disse:
É especialmente sobre a crise espiritual que Ivan sofre, a revolta com os males do mundo e o sofrimento que ele sente em não crer em Deus. Por isso conversa com seu irmão, que é dotada de grande fé, em busca de um consolo, ainda que esse consolo seja apenas a amizade fraternal e um bom ouvido para suas palavras. No meio dessa conversa, Ivan conta uma história que ele havia criado, chamada o Grande Inquisidor.

Você mencionou que Ivan não crê em Deus. Não acho que isso seja totalmente verdadeiro. Mesmo os ateus em Dostoiévski às vezes crêem em Deus. Numa das mais belas passagens de "Os Irmãoes Karamazov", Ivan diz que até admite Deus, mas não admite seu mundo. E então ele começa a dissertar sobre as crueldades que existem no mundo, especialmente aquelas que tem como vítimas os seres mais inocentes: as crianças. Ele não se conforma com as injustiças e não acha que elas justifiquem a harmonia eterna, embora ele até admita a existência dessa harmonia. Hippolit, aliás, naquele discurso que eu mencionei, parece chegar a uma conclusão mais ou menos parecida.

Chega, senão a mensagem vai ficar muito longa.
 
Acabei Crime e Castigo e o que posso dizer? Livro espetacular, o Raskolniklov (tenho certeza que não é assim que escreve :lol: ) é um dos melhores personagens que eu já vi, vc realmente entra dentro dele, os outros personagens também são muito bem construídos e o livro é assim, sempre o autor mostrando o estado de espírito do personagem...
Estou ansioso pra ler mais dele.
 
Acabei de ler(ontem a noite) O Jogador.....OTIMO LIVRO...

A narrativa do livro eh te empolga ateh o fim, vc fica doido pra saber o que vai acontecer. Ele retrata muito bem o vicio.... Nao quero contar o livro pra ninguem....leiam, eh muito bom....

[spoiler:2f6578c242]A velha eh engracada ... :lol: chingando todo mundo[/spoiler:2f6578c242]
 
BlackBeard disse:
Crime e Castigo é o melhor romance que já li, profundo demais.

Ele se perde tanto em pensamentos que às vezes a coisa se torna pesada só pelas idéias. Embora tenha uma progressão bastante linear e personagens que existem para cumprir um certo propósito (Porfíri é a parte racional de Raskólhnikov, Sônia sua parte espiritual - os dois lados da mesma moeda que devem estar em comunhão para que o personagem fique em paz), o interesse da história, a meu ver, está nas idéias.

Tem uma passagem onde o Razumíkhin diz que "A mentira é a única vantagem do homem sobre todos os animais".

O Dostóiévsky coloca isso como uma coisa banal, dita por um personagem que está até bêbado no momento, mas prestem atenção na profundidade da frase.

Outro trecho que eu gosto muito:

"A luzinha que, havia já algum tempo, começara a consumir-se no candeeiro iluminava vagamente naquele mísero quarto um assassino e uma prostituta, estranhamente reunidos para ler o livro eterno."

Esse é o momento de calmaria após uma cena bastante tensa, onde a gente pára pra ver as coisas em perspectiva. É o jeito do autor nos convencer de que se passaram cinco minutos de silêncio. É um dos trechos mais bem narrados do livro.
 
Realmente V, Crime e Castigo, assim como outros romances de Dostoiévski, tem sua importancia contida muito mais nas idéias e na "psicologia" dos personagens do que na progressão da história.
Claro, para mim é prazeroso ler essas histórias tortuosas e repletas de digressões (ainda assim dotadas de sentido, mesmo que vários) que se aprofundam nos sentimentos e idéias dos personagens, geralmente em momentos de rupturas em suas vidas.

Liurom disse:
Faramir of Ithilien disse:
É especialmente sobre a crise espiritual que Ivan sofre, a revolta com os males do mundo e o sofrimento que ele sente em não crer em Deus. Por isso conversa com seu irmão, que é dotada de grande fé, em busca de um consolo, ainda que esse consolo seja apenas a amizade fraternal e um bom ouvido para suas palavras. No meio dessa conversa, Ivan conta uma história que ele havia criado, chamada o Grande Inquisidor.

Você mencionou que Ivan não crê em Deus. Não acho que isso seja totalmente verdadeiro. Mesmo os ateus em Dostoiévski às vezes crêem em Deus. Numa das mais belas passagens de "Os Irmãoes Karamazov", Ivan diz que até admite Deus, mas não admite seu mundo. E então ele começa a dissertar sobre as crueldades que existem no mundo, especialmente aquelas que tem como vítimas os seres mais inocentes: as crianças. Ele não se conforma com as injustiças e não acha que elas justifiquem a harmonia eterna, embora ele até admita a existência dessa harmonia. Hippolit, aliás, naquele discurso que eu mencionei, parece chegar a uma conclusão mais ou menos parecida.
Depois de meses eu estou respondendo, você não deve nem ler esta mensagem, he he.
Bem ... eu creio que certos personagens de Dostoiévski são ateus, como Ivan Karamazov. Lendo um conto dele que foi recentemente traduzido, chamado O Sonho de um Homem Ridículo, eu pude perceber que embora Dostoiévski cresse em Deus, ele sabia muito bem pensar como um ateu, imaginar como seria se ele mesmo não acreditasse em Deus. Claro, para ele o ateismo representava um grande sofrimento, a ausencia do sentido de tudo, inclusive da moral, pelas palavras do próprio Ivan. Então Ivan era ateu, mas um ateu com um desejo ardente de crer em Deus, porque via apenas nele uma explicação viavel para solucionar o mundo de sofrimento que vivemos. Mas embora ele quizesse acreditar em Deus, ele simplesmente não podia, porque essas coisas não se escolhem, na cabeça de alguém tão inteligente e racional como Ivan. O momento em que isso fica mais explícito, além da conversa dele com seu irmão Iliócha, é a conversa dele com o Padre Zózima:

(Ivan) - Sim, afirmei-o. Não há virtude sem imortalidade.
(Zózima) - É feliz se assim acredita; pode-se ser muito infeliz!
(Ivan) - Porque infeliz? ...
(Zózima) Porque segundo toda a aparência, não crê o senhor nem na imortalidade da alma nem mesmo no que escreveu a respeito da questão da Igreja.
(Ivan) - Talvez o senhor tenha razão!... No entanto, não brinquei absolutamente - confessou de modo estranho Ivan Fiódorovitch, corando imediatamente.
(Zózima) - O senhor não brincou absolutamente, é verdade. Essa idéia não esta ainda resolvida no seu coração e tortura-o. Mas o mártir também gosta por vezes de se divertir com seu desespero, igualmente como para esquece-lo. No momento, é por desespero que o senhor se diverte com artigos de revista e com discussões mundanas, sem acreditar na sua dialética e zombando dela dolorosamente a sós consigo. Esta questão não está ainda resolvida no senhor, e é isso que causa seu tormento, porque reclama ela imperiosamente uma solução.
(Ivan) - Mas pode ela ser resolvida em mim, resolvida no sentido positivo - pergunta ainda de modo estranho Ivan Fiódorovich, olhando o stariéts com um sorriso inexplicável.
(Zózima) - Se não puder ser resolvida no sentido positivo, não o sera nunca no sentido negativo; o senhor mesmo conhece essa propriedade de seu coração; é isso que o tortura. Mas agradeça ao Criador por ter-lhe dado um coração sublime, capaz de assim atormentar-se, "de meditar nas coisas celestes e procurá-las, porque nossa morada está nos céus". Que Deus lhe conceda encontrar a solução ainda aqui embaixo e abençoe os seus caminhos!

É apenas o trecho final da conversa deles, mas esse trecho mostra o aspecto do sofrimento da não crença de Ivan "desvendado" pelas palavras do Padre Zózima. Mais tarde, em conversa com Aliócha, isso se confirmara, em toda sua complexidade. E mais importante, mostra uma constante na obra de Dostoiévski que é o caminho da fé como um caminho naturalmente marcado pelo sofrimento, nesse caso uma fé que não é alcançada.
 
Terminei de ler Crime e Castigo ontem e ainda não tenho uma idéia geral do livro pq é tão complexo, tanto pelo enredo quanto pelas idéias, que ainda estou viajando pensando no livro. Me lembro de algumas passagens que me tocram (só não as transcrevo aqui pq o livro já não está mais comigo), uma destas passagens foi a que o V postou aqui...
V disse:
"A luzinha que, havia já algum tempo, começara a consumir-se no candeeiro iluminava vagamente naquele mísero quarto um assassino e uma prostituta, estranhamente reunidos para ler o livro eterno."


Não posso dizer que sou FÃÃÃ do Dostoiévski pq só li O Jogador e
Crime e Castigo, mas o que me chamou a atenção foi a forma com a qual o autor nos faz mergulhar na psiquê do personagem e vc acaba entendendo o personagem por mais turbulento que sejam seus pensamentos.

Dostoiévski trata do amor, da dor, da miséria de forma crua o q dá o ar pessimista ao autor. Dostoivski é realista e trágico. Em dados momentos a gente parece achar na obra fundamentos para a lei de Murphy, já que as coisas sempre podem ficar pior. Sentimos pena dos personagens em meio ao pesadelo em que elas parecem viver... senti um quê de Kafka aí tb.

Espero poder ler outros livros do Dostoiévski. Na mira já estão: O Idiota e Irmãos Karamazóv. Fiquei curiosa para ler Nietótchka depois de ler o post do Faramir.
 

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