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Finnegans Wake (James Joyce)

  • Criador do tópico Criador do tópico Anica
  • Data de Criação Data de Criação

Anica

Usuário
Acabei de ler este artigo de Edilson Pereira e achei tão bacana que quis compartilhar com vocês, mas ainda não tínhamos tópico sobre Finnegans Wake, hehe. Então aqui está =D

Da Wiki:

Finnegans Wake, ou, na tradução brasileira (como proposta pelos irmãos Campos e referendada por Donaldo Schüler), Finnicius Revém, é o último romance de James Joyce, publicado em 1939, e um dos grandes marcos da literatura experimental por ser escrito em uma linguagem composta pela fusão de outras palavras, em inglês e outras línguas, buscando uma multiplicidade de significados. Sua tradução para qualquer língua é complicadíssima, e qualquer tentativa é um ato de ousadia desde a primeira palavra do romance.

(aliás, na página da Wiki tem uma comparação de traduções bem bacana)

E aqui o artigo:

[size=x-large]Para encarar o Finnegans Wake[/size]
[size=x-small]Edilson Pereira[/size]

Um dia de 1978, entrei na pequena livraria Avanço, na Rua Aurora, a poucos metros da Avenida São João, em São Paulo e comprei um volumoso livro chamado Ulisses, do Sr. James Joyce. Tinha ouvido falar cousa e lousa de ambos e estava disposto a encarar. Saber o que era, que tinha demais. Uma semana depois de avançar até a metade, parei. Estava mais perdido que lombriga em asfalto quente. Então descobri: alguns livros são como valentões de rua, você só encara com ajuda. Senão, leva cacete. Ulisses era um.

Estes livros são cheios de melindres, inóspitos, como ralis no interior do Brasil: é preciso muita vontade para ir em frente. Depois fiquei amigão de Ulisses e até comprei de presente alguns para uns considerados, que acharam estranho eu gostar daquilo. A esta altura eu já sabia que havia um valentão ainda mais feroz naquela rua, um tal Finnegans Wake, do mesmo James Joyce, naqueles anos sem tradução integral no Brasil e praticamente ilegível por qualquer sujeito que falava inglês, porque soava grego louco falando russo.

Deste livro, havia apenas um pequeno volume traduzido pelos irmãos Haroldo e Augusto de Campos chamado Panaroma do Finnegans Wake, que comprei ainda no final dos anos 70 em São Paulo e que me deu ideia da aventura que seria o volume inteiro. Não era fácil. Anos depois um gaúcho chamado Donaldo Schüller topou o desafio de traduzir a obra completa. E fez Finnicius Revém. Mas o livro, para compensar o investimento em tempo e não sei mais o quê, foi publicado em volumes, o que tornou o preço elevado demais. E proibitivo para assalariado.

Bem, Finnegans Wake continua por aí, desafiando incautos pelas ruas da literatura mundial. Mas como todo valentão fica velho, hoje em dia ele não assusta mais, embora continue a impor respeito em qualquer um. Tanto não assusta que uma mulher resolveu encarar o valentão. E antes que diga que sou mais um porco chauvinista neste chiqueiro humano, recorro ao próprio James Joyce que disse: "Eu odeio mulheres que não sabem nada". Mas ele nunca disse: "Eu odeio homens que não sabem nada". Engraçado ele falar isto, porque Joyce não deixou as mulheres sossegadas. A começar pela patroa, Nora Barnacle, de quem surrupiou a fala fluída para compor o monólogo de Molly Bloom, no final de Ulisses. Sem contar um volume de cartas que enviou para a dona que é de deixar corado qualquer corintiano de Diadema.

Vamos em frente. Pois bem. Uma senhora chamada Dirce Waltrick do Amarante encarou as traduções existentes no Brasil, foi na Irlanda, pesquisou e produziu um livro chamado Para ler Finnegans Wake de James Joyce (Editora Iluminuras, 168 páginas, R$ 35,00). Dona Dirce simplesmente propõe uma tradução feminina para o valentão da rua. Ousadia ou não, é o preço que Joyce aceitou pagar quando entrou no ofício. Afinal, não foi ele quem por ocasião da construção de Ulisses disse estar fazendo uma obra para deixar ocupados professores e especialistas por 200 anos? Eles estão ficando malucos e a culpa não é deles.

No Brasil, a tradução de Ulisses feita por Antonio Houaiss já foi considerada erudita e complicada pela Sra. Bernardina Pinheiro, que propôs uma mais coloquial - propôs e fez. Hoje em dia podemos nos dar ao luxo de ter duas traduções de Ulisses: uma complicada e outra sem complicação. Coloquial como se diz. Joãozinho Trinta diria: "Um luxo!". Dona Dirce faz algo semelhante. Ela nos brinda com o capítulo VIII de Finnegans Wake, mais precisamente Anna Livia Plurabelle, o mais conhecido de todos, para dar uma entonação feminina à narrativa. O que Joyce diria? Não tenho a menor idéia.

Para o leitor não morrer de curiosidade, vai um exemplo: "Lembra-te do teu alvô! Pensa na tua Ma! Hing the Hong é o teu hangnome de jove! Canta um bolero, burlando um mandamento! Ela jurou sobre o acrostifixo nove seguidas vezes que ela venceria todos os seus obstáculos novamente. Pela Vulnerável Virgem Mary del Dame". E vai adiante. Claro que isto é prosa límpida se batermos de frente com o que encontramos no Panaroma, dos irmãos Campos.

Se o leitor mais curioso pegar a tradução de Schüller pode comparar e ver o resultado. Claro que o livro de Dona Dirce Waltrick não se resume a tradução de um capítulo, para propor outra forma de verter a obra para o nosso vernáculo. Ele serve de introdução, guia turístico e aí reside sua utilidade, dar significados importantes ao leigo ou interessado em entrar na selva de palavras e frases de inflexões quase guturais de Finnegans.

Afinal, embora para o leigo à primeira vista aquilo possa não ter sentido algum, ele pode se ferrar de cara: tudo aquilo tem sentido. E ele não terá a menor ideia, se não correr atrás. Joyce queria escrever uma espécie de história do mundo. Claro que o leitor vai tirar zero em história se for ler Finnegans antes de uma prova de história. O sujeito, no caso Joyce, estava fazendo literatura e não manual de segundo grau. Então é uma história do mundo escrita de forma que ninguém percebe que é a história do mundo. A radicalidade de Finnegans, para quem for mais descolado, já pode ser pressentida em algumas partes de Ulisses, justamente aquelas em que o leitor comum não entende nada e fica perguntando o tempo todo: "O que ele quis dizer com isto?".

Joyce diria que Ulisses é um livro do dia, por isso claro e límpido e Finnegans da noite. O sujeito pode pensar que Joyce está de gozação, afinal os irlandeses são terrivelmente bem humorados. Mas, depois de certo tempo ele vai concluir que o homem está falando sério. E, pior, se Finnegans é o livro dos ruídos noturnos, nem adianta procurar roncos por lá, que não vai encontrar: Joyce não dormia no ponto e seu livro está mais para o sonho. E para não ficar perdido ou passar recibo de ignorante, o bom mesmo é o leitor recorrer a alguém que passou boa temporada tentando entender aquilo para explicar a outro.

Afinal, é preciso entender que Joyce passou vinte anos da vida tentando deixar o livro com a cara exata de um labirinto. E ninguém faz um labirinto para a gente entrar e sair vinte minutos depois. É para se perder lá dentro, maluco, ficar de cabeça quente e deixar Joyce todo pimpão lá em cima: "Dei nó na cabeça de mais um lá embaixo!". Aí é que reside a graça da coisa, para nós, leitores: provar para o sujeito lá em cima que a gente consegue entrar e sair daquele labirinto sem ficar doido. O diacho é que a maioria das pessoas nem tenta e a maioria das que tenta se perde; isto quando não fica doida.

Mas com alguma ajuda, é possível ir até o fim. E sair. Inteiro. Dona Dirce fez a parte dela. É uma mãozinha, mas quem está na areia movediça sabe que uma mãozinha pode ser uma manzorra.

Fonte: Paraná Online
 
Você já leu, Anica?

Acho que uma das minhas maiores metas como leitor é ler esse livro.

Duro que a tradução em português além de ser muito cara, parece não ser muito boa. Ao menos por esse link na Wikipedia, achei a do Augusto de Campos bem melhor, mas ele não traduziu completamente, né.
 
Brianstorm disse:
Você já leu, Anica?

Acho que uma das minhas maiores metas como leitor é ler esse livro.

Duro que a tradução em português além de ser muito cara, parece não ser muito boa. Ao menos por esse link na Wikipedia, achei a do Augusto de Campos bem melhor, mas ele não traduziu completamente, né.

Já ouvi dizerem horrores desse livro, não que seja ruim, mas sim pela complexidade com que Joyce escreve. Concordo com o Brianstorm nessa: é uma das minhas maiores metas como leitor!
 
" a primeira sentença começa na última página e a última sentença na primeira, tornando o livro um grande ciclo. Inclusive, Joyce disse que o leitor ideal do Finnicius sofreria de uma "insônia ideal" e, ao completar o livro, retornaria à página um e começaria novamente, e assim por diante num ciclo infinito de releituras. Inclusive, a tradução proposta para o título remete a fim + início, com o us no final podendo aludir a línguas como o latim e o francês, referidas também no original (fin-again, fim-de-novo)."

http://pt.wikipedia.org/wiki/James_Joyce#Finnegans_Wake

Isso que me deixou mais intrigado.
 
Brianstorm disse:
" a primeira sentença começa na última página e a última sentença na primeira, tornando o livro um grande ciclo. Inclusive, Joyce disse que o leitor ideal do Finnicius sofreria de uma "insônia ideal" e, ao completar o livro, retornaria à página um e começaria novamente, e assim por diante num ciclo infinito de releituras. Inclusive, a tradução proposta para o título remete a fim + início, com o us no final podendo aludir a línguas como o latim e o francês, referidas também no original (fin-again, fim-de-novo)."

http://pt.wikipedia.org/wiki/James_Joyce#Finnegans_Wake

Isso que me deixou mais intrigado.

Bem vindo ao clube! Hehehe, deve ser uma loucura enervante, mas isso só aguça minha curiosidade. Vamos pensar com Nietzsche: "O que não me mata, me deixa mais forte."
 
Joyce, enquanto escrevia o Finnegans Wake, manteve o título de Work In Progress. O máximo que um leitor pode fazer é ser um Leitor In Progress... Uma só palavra do Finnegans Wake vale mais quem um livro comum!

A palavra sanglorians, por exemplo. Temos aqui sang e glory: sacrifício militar, glórias do pós-guerra. Mas temos sanglot também: soluços, sangue, glória. É do que se trata uma guerra, não? Sangue derramado, glória do vencedor, soluços do perdedor. Mas a guerra do texto é rupestre, antíqua, e a palavra agrarians aparece luzidia em nossas mentes: a luta de clã de agricultores, uma guerra, uma guerra agrária, antiga, antiquada, quando dos feudos e suas delimitações e uma nobreza nascida para a guerra. Essa ideia é complementada pelos sangles (cintos, arreios) dos cavalos, soldados sanglés em sua gloriola... Uma guerra agrária, com cavalos de cintas, soldados em gloriola, soluços do perdedor, glória do vencedor, sangue no chão. Será apenas isto? Experimente ler ao contrário. Uma guerra sans (sem) glória, sangue por rien (nada), anulando toda a glória vindoura da proposição anterior.

Só essa palavra demonstra-se um divisor de águas. Que sentido percorrer? Isso é o que uma palavra faz. Una isto com um jogo sintático complexo e um jogo de referências intrincadíssimo... Estamos num sonho, e a linguagem não pode ser uma qualquer... Os personagens se transformam, a trama se transforma, o texto se transforma. ALP é um rio, HCE sonha no meio de um sonho, Isabel se transforma em sua mãe no sonho de HCE... E por aí vai...
 
E aí, eis que descubro uma versão restaurada do Finnegans Wake.

9780141192291.jpg


Finnegans Wake is the most bookish of all books. John Bishop has described it as 'the single most intentionally crafted literary artefact that our culture has produced'. In its original format, however, the book has been beset by numerous imperfections occasioned by the confusion of its seventeen-year composition. Only today, by restoring to our view the author's intentions in a physical book designed, printed and bound to the highest standards of the printers' art, can the editors reveal in true detail James Joyce's fourth, and last, masterwork.

This edition is the summation of thirty years' intense engagement by textual scholars Danis Rose and John O'Hanlon verifying, codifying, collating and clarifying the 20,000 pages of notes, drafts, typescripts and proofs comprising James Joyce's 'litters from aloft, like a waast wizzard all of whirlwords' (fw2, 14.16-17). The new reading text ofFinnegans Wake, typographically re-set for the first time in its publishing history, incorporates some 9000 minor yet crucial corrections and amendments, covering punctuation marks, font choice, spacing, misspellings, misplaced phrases and ruptured syntax. Although individually minor, these changes are nonetheless crucial in that they facilitate a smooth reading of the book's allusive density and essential fabric.

Book: Hardback | 153 x 234mm | 544 pages | ISBN 9780141192291 | 05 Apr 2012 | Penguin

http://www.penguinclassics.co.uk/nf/Book/BookDisplay/0,,9780141192291,00.html

Três textos a respeito disso:

Um, no Genetic Joyce Studies;
Outro, no Times Litterary Supplement;
Outro, no London Review of Books.
 
Putz, isso é verdade. Porque o comentário que eu li é que deixou o livro um pouco mais legível...

Só que... Ah. Nem mesmo os livros que deixam o Finnegans Wake mais legível o deixam mais legível. Tipo o Finnegans Wake Annotated do Roland McHugh. Eu tenho medo daquilo. É sério.

Outra crítica que li também é a questão da disposição das páginas. Pois isso é importante... Eles alteraram a diagramação, então isso pode dar merda, visto que muitos grupos de estudos do Finnegans Wake vão se guiando mais ou menos pelas páginas, pra não irem por outros esquemas que podem ser postos de lado ou questionados (tipo a divisão em livros do Campbell e do Robinson).

E tem também o fato de que eles não especificaram bem o que mudou. Aí você ficar comparando uma edição com a outra... Poxa, isso é tortura. O Finnegans Wake já é difícil, gente. Parem de querer fazê-lo mais difícil!
 
Ó, saiu hoje na ilustrissima.
Deixo dito desde já: vocês que encararão a obra já tem a minha admiração.

E como o Galindo curte um desafio, né? Ulysses, Infinite Jest, Finnegans, e ainda traduz uma Alice Munro nas horas vagas.

Um fragmento de "Finnegans Wake"

SOBRE O TEXTO Este trecho do romance "Finnegans Wake", de 1939, é parte inédita da nova tradução, ainda sem previsão de lançamento, a que vem se dedicando Caetano W. Galindo --o livro já foi traduzido anteriormente no Brasil, por Donaldo Schuler, para a editora Ateliê. Segundo Galindo, este excerto (págs. 21 e 22 do original) é "uma vinheta mais ou menos independente que, no entanto, explora e amplia temas fundamentais da obra: incesto, relações familiares, relações homem-mulher baseadas em sedução e poder, enigmas sem respostas e, claro, uma das famosas palavras-trovão, com cem letras, que interrompem o desenrolar da 'trama'". Galindo dá um conselho ao leitor: "O 'Finnegans Wake' não existe para ser exatamente 'entendido'. Leia em voz alta, brinque um pouco com o texto e deixe que ele te ensine a sua língua própria".

JAMES JOYCE
tradução CAETANO W. GALINDO

HERADUMA NOITE, tarde, munto timplo atroz, numa antaiga erdade das perdas, quando Adão socavava e sua madãominha tessia cedas d'água, quandomem montenote era todimundo e a premeira leal costeladra que jamais ouve osseu em-fim todomigo com seus olhos plenamormorejantes e todomiro vivia solamante com todamina amais e Conte Dom Cabeço metia a testada tostada benhalta no farol queimorava, impondo mão fria assi mesmo. E seus dois geminhos, bem pecanos, primos nóssios, Tristóvão et Hilário, chutanhavam sua bonica, no chão dolheado da casa do homerigho, castelo embarrocado. E, por Dermoto, quenhé quelhe surge na zeladoria dastalagem senão a contrassobrinhadessi por afinidade, a pirainha. E a pirainha rancouma rosinha e sargutou-se adeante do posta. E sim cendeu e a irlenda embrasil-se. E falela com o posta em seu maisquinho sotraque parusiense: Marco Hhm, por que queu soa pareço ingual um póco de siveja mês mussaca pais savor? E foice assim que começaram as escaramoças. Mas o posta rexplondeu assoa graça em olandês bem nassal: Portaquibateu! Aí sua graça o'malíncia rapetou o geminho Tristóvão e sternou-se rumoeste nunca minho alá deirado que chuvia, que chuvia, que chuvia. E Conte Dom Cabeço guerrinhousse atrazela em seu suave fel de rola: para péra esparajá mevoltacasa aparalá. Mas ela jurresponsoulhe: Umprabeledade. E vil-se um rajantar naquela mesma noite de sabote de anglos cadentes em alhum algur dos eires. E a pirainha foissembora em camanhada quarentana atudomundo e lavou as bença das beleza das verruga do geminho com sabão sepumensolhas e mandou seus quatro mochos mestros que lho seus trucos persinassem e ela o convortou aoum só-bom seguro-um-só e ele tornou-se luderano. Aí veio ela que chuvia e que chuvia e, por redemoto, estava de nova de volto no Conte Dom Cabeço num pescar de solhas e o geminho benho com ela navental, talde a noite, umoutra vez. E onde foi que foi ela sinão nobar do seu brostel. E Conte Dom Cabeço estava cos calcanhos seus bartolobrutos afagados no barril desmalte, apertando com si sóssio suas mãos acalentadas e o geminho Hilário e a bonica na primeira infântia estavam embaixo no lerçol, tolcendo e toussindo, comirmão e comirmã. E a pirainha pinçouma palidinha e sim cendeu de novo e volaram flamantes frangulhos febris das colhinas. E sargutissou delante do portarudo, dizendo: Mar cosdois, por que queu soa pareço ingual dois póco de siveja mês mussaca pais savor? E: Portaquibateu! diz o portarudo, rexplondendo sua deloucadeza. Então casopensada sua deloucadeza largou um geminho e pegou um geminho e por toda a vialíria morracima até a terra de gemém ela chuvia, que chuvia, que chuvia. E Conte Dom Cabeço bailia atrás dela com alto fol de ralo. Para fera esparajá mevoltacausa apuralá. Mas a pirainha jurresponsou: Quemeapretece. E ouve um talto laudejar naquela noite de lourença-feira, de estelas candentes em alhum algur dos eires. E a pirainha se foi na sua camanhada quarentana atidomundo e cravou as pragas protestintas com a tonpa dum grepo no geminho e mandou sas dequatras monitrizes cotovintes que tocassem suas lásgrimas e ela o provortou ao certo-somni-só-seguro e ele tornou-se tristão. E aí foi ela que chuvia e que chuvia, e num látimo, por dom temore, estava de volta no Conte Dom Cabeço e o Oiralih com ela embaixo da borra da seia. E por que ela se detinheria se tanto se nãobem na ala de sua mansomem em outra noutetarda para o terço dos encantos? E Conte Dom Cabeço estava com a pelve polvorosa na despenta encaixurrada, ruminando em seus estambos quátriplos (Varas! Devaras!), ei o geminho oavotsirt e a bonica estavam embeijo nas cobeldas, osculando e digotando, e canalhando e jururando, como lacraio e frialda e em sua segunda infântia. E a pirainha pinçou uma embranca e sim cendeu e jouveram os vales só cintilos. E ela fez-sargutissíssima defrante da arca do tio runfo, perguntando: Marco Tris, por que queu soa pareço ingual três póco de siveja mês mussaca pais savor? Mas foi assim que a escaramoça tevunfim. Pois quai-los camplínios conforcados de relampos que revinhom, o próbrio Conte Dom Cabeço Boanerges, o velho terror das sinhoritas, veio pulapula pulalante pela porta benhaberta de seus castros triscerratos, de chapéu bem rubirrondo e cularinho civicante e com seus saios fosquirrotos mais as louvas de peliça e aquelas salças furfúreas e a bandoneira categuta e suas bostas panunculares morduradas como um nãosionalista verme-amare-zerdavul violetamente indigonado, até o finda da fina fonta de seu carjado de capatrás. E tapeou sua mão rudosa nasorícula gelhada e falhou o que bostava e sua flh mbld dss prela ir focando côta, miafia. E a bobeca fê-lum calapôca (Perkodhuskurunbarggruauyagokgorlayorgromgremmitghundhurthrumathunaradidillifaititi-llibumullunukkunun!) E beberam todos de graça.
 
É difícil falar numa espécie de enredo pro Finnegans Wake, mas, se formos pensar bem, é difícil não falar em um ou mesmo que o livro não o tenha. Se é sonho, naturalmente nada é claro, definível; mas se é sonho, sempre existem substratos.

Então, basicamente, o Finnegans Wake funciona assim: um homem vai dormir. Esse camarada tem uma esposa e três filhos, dois meninos (gêmeos) e uma menina. O livro Finnegans Wake segue a narrativa da canção popular irlandesa, que fala dum Finnegans que trabalhava, caiu da construção (tipo o do Chico Buarque) e, no enterro, quando abriram uma garrafa de bebida, ele acordou. A ideia aqui é isso mesmo. O FW é cíclico; onde ele termina ele começa. Pois, no final das contas, é muito mais que sonho: é inconsciente individual tocando o inconsciente coletivo.

Aí esse camarada foi dormir. O livro começa com o tal do riverrun, que tem uma série de conotações, indo desde river+run até palavras como rune, que remetem ás runas de civilizações ancestrais, para não dizer em trechos de Tennyson, Coleridge, da Bíblia... Enfim. Basicamente, o sonho está começando. E o FW representa, alegoricamente ou oniricamente, a humanidade toda. Então pensem que o mundo está se formando, saindo do caos ou voltando pro caos ou caotizando começo e fim: a primeira frase fala muito disso, do riverrun que passa por Adão e Eva e nos leva até a bend of bay, essa terra firme-não-firme do sonho, por um commodius vicus of recirculation. Esse vicus certamente tem um parentesco com o filósofo Vico, que concebia a humanidade em ciclos, separados entre si por espécies de catástrofes ou grandes acontecimentos. É meio que um consenso que essas catástrofes ou grandes acontecimentos são representados pelas thunderwords, que são palavras-trovão com 100 letras que são espécies de microcosmos do FW todo.

Aí, voltando, o camarada foi dormir. A gente quando dorme fica no dorme-não-dorme, não entra direto no sono pesado. Então, basicamente, o começo do FW ainda não é um começo propriamente dito, mas uma coisa estranha. O começo da humanidade e das coisas foi estranho, lento, disforme. Tudo muito interligado, homem e natureza, e, como Joyce mostrará ao longo do livro todo, isso nunca deixou de ser assim. Mas o fato é que vai-se-nos sendo apresentado, nesse primeiro capítulo, as personagens, até a hora em que esse camarada que está dormindo, como o Finnegans da canção, cai.

É quando surge a primeira thunderword. Ele cai. Do andaime ou do sono? Ou duma espécie de big-bang universal? Ou daquele primata à la Kubrick que levanta um osso e o descobre como arma?

Tudo isso ao mesmo tempo. Mas o fato é que o FW começa mais ou menos aí. O restante seria a apresentação das outras personagens, transfiguradas no sonho. O camarada que dorme se transforma no HCE. Não, o nome dele não é HCE. Mas é que sempre que você ver três letras que começam com HCE, o tal do HCE tá em cena. A mais famosa aparição dele é quando surge o termo Here Comes Everybody. E isso já diz muito por si só. A esposa do HCE é a ALP. Idem. Mas geralmente a chamam de Anna Livia Plurabelle. E os filhos trocam muito de nome. A filha é Isabel. Os irmãos, Shem e Shaun. Mas todos eles podem trocar muito de nome. Por exemplo, Shem e Shaun, na primeira página do FW, são chamados de Jhem e Jhaun.

Iconicamente, simbolicamente, o HCE é o baricentro de tudo, o centro do universo, uma espécie de Deus ou História-de-Deus. A ALP é o princípio fecundador. É o substrato por debaixo do FW todo. Ela não manda exatamente em tudo, mas, como o livro vai deixando claro, é ela que movimenta o FW todo -- bem mais que o HCE, como se a ALP fosse o motor, o moinho, o rio. O rio. Guardem isso. Shem e Shaun são os irmãos, os opostos, os pólos, os contrários. Tudo que vc puder pensar de simbólico para dualidade eles são. A Isabel seria o princípio harmônico nisso tudo. O que aplaca. O que não leva essa harmonia desarmônica à destruição reconstitutiva.

Aí certo. Estamos dentro do sonho. No capítulo II, o Joyce fala da reputação do HCE. O FW continua e, em determinada passagem, o HCE tá tipo numa praça. Aí acontece um rolo e ele é preso. Que rolo é esse, eis a questão. Uma das teorias mais aceitas pelos estudiosos é de que o HCE olhou pruma mulher com desejo e ela contou pra autoridade. Eu também gosto muito dessa ideia, pois liga o HCE à história do Parnell, revolucionário irlandês que foi preso por um caso individual e falso de traição.

O HCE é condenado num tribunal feito de 4 juízes. Rolam uns poeminhas difamando ele e tal e coisa. É condenado a ser jogado no mar. Tentam fazer um manifesto pra salvá-lo. Em vão. Ele é jogado. E ALP se desespera, vai chorar suas pitangas no mar onde seu marido foi jogado. É o capítulo 8 do FW, o melhor de todos. Pois a ALP meio que se transforma no rio, ela se deságua no rio e a mágica acontece.

Pois aí acontece um sonho dentro de um sonho. Digamos que a era do ser humano ligado aos deuses, á ancestralidade, essa era meio que acaba. No sonho dentro do sonho, HCE e ALP estão ausentes-presentes. São mitos, são a constelação que paira por cima de seus três filhos, que passam a representar o caminhar da humanidade.

E aí, basicamente, é o Shem brigando com o Shaun e a Isabel no meio disso tudo. Os irmãos tentam até mesmo conquistar a irmã, libido mesmo, e algumas leituras dizem que até o HCE entra na jogada. E isso tudo até o momento em que o romance vai voltando a ficar crepuscular, em que a noite dentro da noite vai se apossando do livro até que, como na lógica hegeliana, negativo e negativo se anulem e se tornem positivo.

Esse sonho dentro de outro sonho é movido pela ALP. Ela é o rio em que o HCE foi jogado, ela é o rio de suas lágrimas que rega aquele rio, ela é o princípio fecundador de tudo. Mas o que acontece é que essa noite não é eterna. Ela é um sonho. E o camarada que estava dormindo vai acordando, e tudo isso vai se desvanecendo na medida em que o Shem e o Shaun vão se entendendo, por exemplo, e em que os signos vão se apaziguando.

O FW termina com uma sentença incompleta: "A way a lone a last a loved a long the". O Ulysses terminava com um Yes. O the consegue ser ainda mais tênue que o Yes. É a ruptura. É você ser acordado pelo despertador para ir pro trabalho. Mas não se desvincular totalmente da lenda. É quando o Leopold Bloom acorda, é quando Stephen acorda e eles vão para suas odisseias diárias. Mas não se desvinculam da lenda. Pois debaixo da sola dos sapatos desses caras tem a ancestralidade, a humanidade que se foi e que ainda persiste sob a forma de mito.

Esse trecho que o Galindo traduziu ainda está no primeiro capítulo. O camarada ainda não dormiu de todo. O sonho vai se aprofundando, tem muitas camadas. Ele já perdeu a consciência, mas ainda está entrando na coisa; ainda é introdução. Shem e Shaun começam a ser apresentados, e o jogo de libido também. Quando a segunda thunderword ecoa, é como se a garrafa fosse aberto. A garrafa, lá da canção. É quando a coisa começa mais uma vez, como, de resto o FW está sempre fazendo: recomeçando.

E beberam todos de graça: eu, você, quem dorme, quem acorda, quem morre, quem ressuscita. Quem lê e quem desiste. Quem não leu e quem lerá.
 
Como vocês devem estar sabendo — mas, se não souberem ainda, ficarão sabendo agora —, este ano de 2022 foi um ano muito bom para os amantes de James Joyce. Entre outras coisinhas, tivemos o retorno do Finnegans Wake às prateleiras do Brasil, não em uma, mas em duas edições agora.

A primeira, uma reedição da aclamada tradução de Donaldo Schüler, desta vez em volume único e monolíngue, pela Ateliê, chamada de Finnícius Revém.

A segunda, uma tradução nova e estreante, de muitas mãos, levada a cabo pelo "Coletivo Finnegans", também em volume único, pela editora Iluminuras, chamada de Finnegans Rivolta.

Escolham a sua preferida, comprem, leiam e venham aqui compartilhar essa experiência com os amiguinhos rs. Spoilers: estão custando caro, muito caro; mas nada que uma Feira de Livros na hora certa não possa resolver... ^^


Texto de divulgação da Ateliê:

Por flores e por floras, por faunos e por faunas, por vidas e por vias, flui Finnegans Wake, o romance e o rio, o romance-rio. E fluem recordações, estilhaçadas, entrelaçadas. Como os átomos epicúreos, os fragmentos joycianos caem em efêmeras e progressivas combinações…

O romance alude, incorpora, modifica e parodia número imenso de obras, núcleos seminais de nova floração. Não há página sem evocações literárias – as bíblicas superam todas – como se Joyce quisesse abarcar tudo o que se escreveu, fazendo de todos os textos um livro só…

Quem vem do Ulisses ao Finnegans Wake passa da narrativa em vigília à narrativa ao despertar, relato de um sonho que envolve o universo. O romance não registra a experiência onírica de uma das personagens. Finnegans Wake desdobra o mapa de uma mente ampla como o universo. O sonhador não sonha para alguém sobre algo num código conhecido. Acontecido fora da interlocução, o sonho quebra as cadeias da subordinação. Joyce proclama na formação de palavras, de frases, de cenas processos que se avizinham do método interpretativo de Freud…

O sonho navega por águas que a vigilância comprometida com o socialmente aceito deliberadamente ignora. Desejos culposos emergem envolvidos em papel vistoso, fitas e cartão de felicitações. A beleza sonora, rítmica e verbal de Finnegans Wake esconde violência, sentimentos proibidos, indecências. Parte da obscuridade dirigida a leitores atilados tem esta origem. Para se fazer entendido, o texto oferece muitas versões do mesmo código cifrado. Os nomes e os caracteres emergem lentamente, às apalpadelas, aos pedaços…

Finnegans-Wake-quadrado-scaled.jpg
Página oficial dessa edição: aqui.

Texto de divulgação da Iluminuras:

Sylvia Beach dizia que Joyce comparava a história à brincadeira do telefone sem fio, na qual alguém sussurra alguma coisa no ouvido da pessoa ao lado, que a repete não muito perfeitamente para a próxima pessoa, e assim por diante; quando a última pessoa escuta, a frase surge completamente transformada. Parece-me que Joyce levou essa brincadeira para a sua ficção.

Em Finnegans Wake, ele diz, na página 5, em tradução de Afonso Teixeira, que “Deve perfazer agora mil e uma estórias conhecidas e parecidas”. Além disso, destaca-se que Finnegans Wake é uma grande fofoca: tudo gira em torno de um possível crime cometido por HCE.

Ninguém tem certeza de nada, e cada um que conta a história conta de uma forma diferente. Afinal, lê-se na página 440, em tradução de Aurora Bernardini: “Aplique seus cinco saberes às quatrúltimas verdades”.

Instigada pelo próprio Joyce e pela fofoca que emerge em Finnegans Wake, foi que decidi empreender uma tradução coletiva em 2016.

Cada tradutor ficou responsável por um ou mais capítulos do livro. As traduções foram feitas quase ao mesmo tempo e, idealmente, cada tradutor contou a sua versão da história para os outros.

Como uma boa fofoca, de conto em conto aumenta-se um ponto, ou diminui-se. Mas os olhos não podiam ficar de fora; Sérgio Medeiros traduziu em ilustrações cada uma das quatro partes que compõem o livro.

Portanto, há muitas vozes nesta tradução, muitos pontos de vista e diferentes interpretações da história joyciana. Se uma voz masculina “começa” narrando a história (que não tem começo, meio nem fim, pois é circular), é uma voz feminina que “termina” o livro.

Os tradutores são todos estudiosos de Joyce ou das vanguardas de um modo geral. Cada um traz uma bagagem cultural que se revela em suas escolhas tradutórias. Há capítulos mais solenes, outros mais descontraídos; alguns mais enfaticamente eróticos, outros menos; e há também capítulos que destacam a história na Irlanda de Joyce, da época de Joyce, e outros que mesclam a história da Irlanda com a do Brasil contemporâneo.

Essa multiplicidade de vozes revela também as diferentes leituras que se pode fazer do livro, que na verdade é sisudo e cômico, erótico e pornográfico, que conta a história da Irlanda, que simboliza os muitos países colonizados.

O “Coletivo Finnegans” é formado por Afonso Teixeira Filho, Andréa Buch Bohrer, André Cechinel, Aurora Bernardini, Daiane Oliveira, Dirce Waltrick do Amarante, Fedra Rodríguez, Luis Henrique Garcia Ferreira, Sérgio Medeiros, Tarso do Amaral, Vinícius Alves e Vitor Alevato do Amaral.

Finnegans Wake é um livro que exige uma outra forma de leitura, que não aquela a que estamos acostumados. Ele pede um leitor performático, que cante suas linhas, que não se preocupe em “entender” o todo, pois o livro é feito de fragmentos, é uma colcha de retalhos, cada retalho tem característica e história próprias, cada palavra é um cosmo ou “caosmos”, como se lê na página 118, em tradução de Daiane Oliveira. Então, escutemos Joyce de olhos abertos!

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