Eu gosto do Alfonso Cuarón! Talvez essa não seja a melhor forma de se começar a falar sobre um filme, mas essa é minha humilde homenagem a esse grande diretor. Obrigada, Cuarón, muito obrigada. Bem, falar sobre
Filhos da Esperança não é uma tarefa fácil. Talvez o seja, para pessoas que estão acostumadas a falar sobre os quesitos técnicos, mas não para mim, que pretendo falar sobre impressões. Minhas impressões.
Em uma de suas primeiras cenas, o filme mostra a que veio. Theo (Clive Owen - de "Closer") – que atuou muito bem, diga-se de passagem, e que demonstra as nuanças do ser humano:
herói ou vilão? Herói E vilão! Ser humano, enfim.- está saindo de uma “Lanchonete” , quando tem-se a súbita explosão de uma bomba. A partir dessa explosão (que é uma cena brilhante!), percebe-se que o ambiente no qual o filme se passa é tenso, bombástico, literalmente.
Ano de 2027. Há 18 anos não nasce uma criança. A humanidade passa por uma crise de infertilidade. A pessoa mais jovem do mundo, que tinha... adivinhem? Isso, 18 anos, faleceu. O mundo ‘sucumbiu’, só os soldados ingleses continuam. “The world has collapsed. Only Britain soldiers on”. (Como eles são fortes, não?
).
A Rainha, Inglaterra, parece manter a tradição que promulga que: “Quem foi rei – no caso, rainha – nunca perde a majestade”. A primeira grande potência é a última potência a resistir. Mas isso não é motivo de alegria para todos. No quesito “tolerância às diferenças”, em 2027, a situação está a mesma que a nossa (real) de 2007.
Os princípios etnocêntricos, sustentados por um governo totalitário, que regem a Inglaterra, - cujo ar de superioridade é aludido, metaforicamente, pela alcunha de Rainha, não no filme, claro, estou associando um fato real com a ficção - (é, Alice, não se assuste se ouvir, por aí, frases derivadas do “Cortem a cabeça!”) são demonstrados em diversos momentos, às vezes, através de falas, outras, de imagens. Imagens que traduzem as condições subumanas nas quais muitas pessoas, destaque para os imigrantes, vivem. A propósito, eu diria que a fotografia do filme é precisa.
Nesse ambiente, Julian (Julianne Moore – de “Leis da atração”), chefe dos “Peixes”- um grupo de ativistas que lutavam pelos interesses dos imigrantes -, contata Theo – ex-ativista, e seu ex- esposo - para que ele arrume documentos para ajudar uma mulher a passar pelo litoral, tirá-la do país, enfim, e levá-la até o “Projeto Humano”. O que ele não sabia, mas viria a saber, mais tarde, é que essa mulher, que atende pelo nome de Kee, estava grávida. Depois de 18 anos, uma mulher engravidou, e essa criança poderia ser a esperança da humanidade.
O enredo do filme é basicamente esse. Então, temos o desenrolar, as raízes, as ligações, momentos que nos fazem atentar para reflexões, intercalados ao foco principal, como, por exemplo, no início do filme, o aparecimento de frases como: “Ministério da Energia: economize água para salvar vidas”, enquanto que, momentos depois, somos surpreendidos por imagens de bombas explodindo, dentre outros fatores, que revelam a forma pela qual os imigrantes são tratados. Ou seja, a mostra “nua e crua” de como se “salva” vidas.
A grande questão talvez seja a condução desse enredo. Cenas longas, muito bem dirigidas, que se juntam em um mosaico coeso. É relevante citar a magnífica cena do carro, tomada única. Cena longa, marcada, a princípio, pela aparente descontração, momento em que Julian e Theo relembram uma brincadeira de seus bons tempos, todos no carro riem, e parecem, por um momento, se esquecerem da tensão em que vivem. Como eu disse, parecem. Momentos depois, um grupo de “gângsteres” cerca o carro - a câmera, tal qual olhos de coruja, não perde um detalhe – e Julian é baleada.
A partir daí, o clima fica cada vez mais tenso. Os conflitos de ordem externa (Governo X povo) começam a refletir no âmbito interno, mais especificamente, na facção
Peixes, que como foi dito, defende a bandeira dos imigrantes. Mas, como já disse
Brás Cubas- defunto-autor- em
Memórias póstumas de Brás Cubas, de
Machado de Assis: “Quem não sabe que ao pé de cada bandeira grande, pública, ostensiva, há muitas vezes várias outras bandeiras modestamente particulares, que se hasteiam e flutuam à sombra daquela, e não poucas vezes lhe sobrevivem?” Isso se comprova quando descobrimos que a morte de Julian foi planejada por alguns membros dos Peixes, que queriam ‘o poder’.
Filhos da Esperança é um filme que fala sobre tudo: política, guerra, amor, religião, entre outros. Mas, porém, contudo, entretanto, todavia, como um bom filme, ele não tem a pretensão de elucidar as nossas dúvidas, pelo contrário, apresenta-nos outros questionamentos, ou melhor, elementos para criarmos nossos questionamentos. Por exemplo, para mim, não passou despercebida a cena em que se tem um grupo de religiosos e um deles argumenta “Deus se irou com nossos pecados e nos tirou o maior dom que nos tinha dado: o dom da vida, reprodução”. Ok, cada um com sua forma de explicar os fatos. É bem mais fácil colocar a culpa (mesmo que essa não seja a intenção!) em Deus, não é? É bem mais fácil ser um fundamentalista para o qual as respostas todas centram-se no “foi vontade de Deus”...
Filhos da Esperança fala sobre a fé. A fé que surge em meio o caos (ok, eu não faço piadinhas com Sandman!). A fé que vai embora, por causa do caos: “É estranho o que acontece no mundo sem as vozes das crianças”. A fé de quem não desanima, porque acredita que “o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem ao amanhecer”. A fé de quem tem, como única opção para continuar vivo, a crença de que “amanhã vai ser outro dia” (e, não por acaso, o nome do barco que aparece para transportar Kee e sua filha, é “Tomorrow”, ou seja, AMANHÃ!). A fé que fica, faça sol ou faça chuva, “à espera de um milagre”. A fé que cede lugar ao ceticismo, que, por sua vez, faz com que a fé volte a existir, a fé, que acaba dando lugar ao acaso...
O filme é recheado de diálogos espetaculares, mas tem um que me encanta:
Jasper: Tudo é uma batalha mítica entre a fé e o acaso.
Kee: Acho que não devo.
Jasper: Já deu um trago. Dê outro. Agora tussa.
Kee: (tosse)
Jasper: Que gosto sente?
Kee: Morango.
Jasper: É o nome dela. Tosse de Morango.
Kee: Bárbaro.
Jasper: A fé está aqui e o acaso ali.
Kee: Como Yin e Yang.
Jasper: Mais ou menos.
Kee: Ou Shiva e Shakti.
Jasper: Lennon e McCartney.
Kee: Olhe, Julian e Theo.
Jasper: Eles se encontraram entre um milhão de manifestantes... por acaso. Mas estavam lá pelo que acreditavam... pela fé. Eles queriam mudar o mundo. A fé deles os manteve juntos. Mas, pelo acaso, Dylan nasceu.
Kee: Esse é ele?
Jasper: Sim, é ele. Ele teria a sua idade. Criança mágica. Lindo. A fé deles colocada em prática.
Kee: O que aconteceu ?
Jasper: O acaso. Ele era o pequenino sonho deles. De mãos, pernas e pés pequeninos. E pulmões pequeninos. E, em 2008, veio a pandemia da gripe. E pelo acaso... ele se foi.
Kee: Meu Deus!
Jasper: E aí, a fé do Theo... perdeu para o acaso. Então... para que se incomodar se a vida faz suas próprias escolhas?
Enfim,
Filhos da Esperança é um filme que, se não te faz chorar, enquanto é exibido, ou depois, te faz ficar em silêncio, silencia sua alma. E, para mim, é impossível falar sobre ele sem dizer muito sobre mim. Sem demonstrar que sou apenas uma garotinha idealista. Garotinha que teve tantas vezes a fé abalada, mas não desiste, mesmo quando o caminho é incerto. Eu tenho Esperança. Eu, assim como as tantas outras “Julians” que existem, quero mudar o mundo. É por isso que luto, é por isso que choro, é por isso que canto. É por isso que tenho fé.