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Ficção narcisística - os escritores como personagens

Gigio

Usuário
Acho que uma categoria que merecia também sua seção exclusiva nas livrarias -- para receber a admiração e o desprezo tal qual a ficção científica e o romance policial -- são as histórias em que escritores saem dos bastidores e vêm ocupar o espaço de personagem principal. Não estou falando daquelas obras que viraram moda recentemente e que colocam uma figura célebre, como Dante ou Shakespeare para investigar crimes (principalmente) ou se mostrar em seu cotidiado, acertando contas com o açougueiro, por exemplo. Nem de biografias ou autobiografias. Acontece que às vezes os escritores se sentem tentados a representar seu próprio universo profissional, com suas dificuldades e suas experiências particulares. Não seria nada de mais, se não fosse tão comum. Arriscaria até a dizer que nenhuma outra ocupação foi mais representada na literatura que a do próprio escritor, não concordam? Acham isso curioso ou natural?

Essa categoria admitiria até subgêneros:
- Escritores iniciantes lutando contra a miséria e a falta de reconhecimento: Fome, Knut Hamsun; Pergunte ao Pó, John Fante...
- Escritores que entram em crise depois do primeiro livro: Cordilheira, Daniel Galera...
...

Existe um subgênero que costuma ser bem engraçado: a do escritor iniciante que na verdade não tem talento mas não sabe disso. Vi dois exemplos recentemente, um conto do Felisberto Hernández e outro do Augusto Monterroso (aquele do "Quando acordou, o dinossauro ainda estava ali"). Vou colocar um pedaço desse último, como ilustração:

Augusto Monterroso disse:
Preparou uma boa quantidade de papel, comandou silêncio em toda a casa, colocou uma viseira verde para preservar seus olhos da nociva luz elétrica, limpou sua caneta-tinteiro, se acomodou na cadeira o melhor que pode, roeu as unhas, contemplou com inteligência uma parte baixa do céu, e devagar, interrompido somente pelas batidas do seu coração emocionado, escreveu:

"Havia uma vez um cachorro muito bonito que vivia em uma casa. Era de uma raça fina e como tal, bastante pequenino. Seu dono era um senhor muito rico com um belo anel no dedo mindinho que tinha uma bela casa de campo, mas um dia lhe deu vontade de ir passar uns dias no campo para respirar ar puro, pois se sentia enfermo, pois trabalhava muito em seus negócios que eram de tecidos pelo que podia comprar belos aneis e também ir ao campo, então pensou que tinha que levar o cachorrinho pois se ele não lhe cuidava a criada lhe descuidava e o cachorrinho iria sofrer pois estava acostumado a ser cuidado com cuidado. Quando chegou ao campo sempre com seu melhor amigo que era o cachorrinho pois era viúvo as flores estavam muito bonitas pois era primavera e neste tempo as flores estão muito bonitas pois é seu tempo."

Leopoldo não carecia de sentido crítico. Comprendeu que seu estilo não era bom. No dia seguinte comprou um livro de retórica e uma gramática Bello-Cuervo. Ambos o confundiram mais. Ambos ensinavam como se escrevia bem; mas nenhum como não se escrevia mal.

Não obstante, um ano depois, sem tantos preparativos, esteve em condições de escrever:

"O cachorro é um animal belo e nobre. O homem não conta com melhor amigo nem mesmo entre os homens, entre os quais se dá com dolorosa frequência a deslealdade e a ingratidão. Em uma elegante e bem situada mansão da populosa cidade vivia um cão. De raça fina, era bastante pequeno, mas forte e valente ao extremo. O dono desse generoso animal, cavalheiro rico e opulente, tinha uma casa de campo. Fatigado por suas múltiplas e importantes ocupações, um dia decidiu passar uma temporada em sua fazenda campestre; mas preocupado com o trato que o cachorro poderia receber durante sua ausência por parte da criadagem desenfreada, o bondoso e próspero industrial levou consigo ao agradecido cachorro. Sim; temia que os grosseiros criados o fizessem sofrer com sua indolência e descuido.

"O campo na primavera é muito belo. Nesta doce estação abundam as flores coloridas de corolas deslumbrantes que extasiam a vista do empoeirado peregrino; e o melífluo gorjeio dos alegres e confiantes passarinhos é uma festa para os delicados ouvidos do sedento viajante. Fábio, que belo é o campo na primavera!"

A retórica e a gramáticas estavam dominadas.

:rofl:

De que outras histórias que tenham escritores como personages principais vocês se lembram?
 
Muito bacana esse trecho.
Acho que deve ser bem difícil escrever mal conscientemente, pra isso deve ser preciso saber escrever bem.

E quando se fala em escritores como personagens principais, o primeiro que lembro é do Charles Bukowski.
Vou ver se lembro de mais algum.
 
Isso é bem interessante, ver a transcendência da barreira do pseudônimo... Agora como referências explícitas, eu sinceramente não consigo me lembrar de ninguém além do Fernando Pessoa e o seu jogo de heterônimos que, além de referências internas, como prefácios e posfácios dos heterônimos uns para com os outros (principalmente quando o Caeiro, que é o centro gravitacional da heteronímia, entra em cheque), mas também em ocasiões onde o heterônimo se refere ao Pessoa, como o Álvaro de Campos num poema ("A Fernando Pessoa") onde ele acabara de ler "O Marinheiro", do Fernando Pessoa...

O já citado Dante é outro caso interessante, onde o protagonista da Divina Comédia inteira é o Dante (referido apenas de forma explícita em XXX, Purgatorio: "«Dante, perché Virgilio se ne vada,")...

Agora afora esses dois exemplos eu não consigo me lembrar de mais nenhum... Talvez Pirandello? O Nelson Rodrigues possui uma peça intitulada "Anti-Nélson Rodrigues"; mas, como eu ainda não a li...
 
Muito bacana esse trecho.
Acho que deve ser bem difícil escrever mal conscientemente, pra isso deve ser preciso saber escrever bem.

Também achei muito legal, é quase uma aula do que não se deve fazer. Melhor de tudo é o final, "Fábio, que belo é o campo na primavera!". Quem raios é Fábio? O cachorro? :rofl:

Sempre fico reparando como certas pessoas conseguem se expressar normalmente de forma oral, mas se embaralham com as ideias na hora de escrever. Dá para ver que, na primeira tentativa do Leopoldo, ele não consegue separar as coisas, fica adicionando pois e mais pois.

Agora afora esses dois exemplos eu não consigo me lembrar de mais nenhum... Talvez Pirandello? O Nelson Rodrigues possui uma peça intitulada "Anti-Nélson Rodrigues"; mas, como eu ainda não a li...

Os que conheço do Pirandello não têm escritores como protagonistas, mais gente comum, aliás, gente que não faz nada da vida...

Os exemplos que você deu, Mavericco, são especiais. Colocar o Dante nesta lista seria como colocar o Borges entre a ficção científica. Mas vá reparando, entre os mais contemporâneos, quantos personagens escritores aparecem...
 
Como a Clara falou..o Henry Chinaski não pode ficar de fora...

Em linha semelhante, tem o Sal Paradise, de On the Road.. .traz muito das agruras de tentar viver das letrinhas.

Hemingway tem um personagem-escritor que é pai dos dois de cima. Trata-se de Nick Adams, menino-autor que Hemingway leva a escritor amadurecido numa série de contos magistrais.

Nacional? O Defunto-autor Brás Cubas, que vamos ter que por num grupo único. O de quem nada fez em vida e esperou bater as botas para escrever.

Machado ainda toca no tema do escritor de maneira brilhante no conto "Um homem Célebre", no qual fala de um homem de raro talento para as letras, mas que tem dificuldade de dedicar 20 min à escrita! O final é trágico.

O Paulo Honório (?), de São Bernardo. Escritor a contragosto, Paulo convida amigos para ajudá-lo a escrever suas memórias; acaba tocando a empresa sozinho, às turras com a inspiração.
 
Gostei do título. "Ficção narcisística".

Acho que os autores se colocarem em suas obras como personagens ou livros sobre escritores/escrita são tendências da literatura contemporânea, pelo menos da brasileira. No primeiro caso tem até um nome para isso autoficção (mas que autobiografia não é auto-ficção?) Tem vários exemplos disso.

No segundo, ou seja livros sobre a escrita, que é mais o tema do tópico, né?, lembro de A Room of One's Own de Virgínia Woolf e de Na pior em Paris em Londre de Orwell, mas nunca li nenhum dos dois então só falo de ouvir falar. A obra de Roberto Bolaño não é toda cheia de escritores também? A crítica à imprensa da época parece ser um tema dos escritores do século XIX, não? Lembro de Balzac com Ilusões Perdidas e de um conto de Villiers de L’Isle-Adam em que ele critica a imprensa. Dos nacionais lembro de Recordações do Escrivão Isaías Caminha, que é uma crítica feroz da imprensa do Rio de Janeiro da época e de Caétes de Graciliano Ramos que é mais sobre a vida medíocre de um escritor em uma cidade interiorana e seu bloqueio.

Ah! Isso também acontece nos quadrinhos (principalmente os japoneses). O Maus é sobre o autor querendo escrever a história do pai, por exemplo. E para citar um mangá que está sendo publicado no Brasil, Bakuman é uma história em quadrinhos sobre o mercado e a produção de histórias em quadrinhos no Japão, mas a tendência é mais antiga e se populariza, para variar, com Osamu Tezuka que fez um mangá sobre um homem que sonha fazer animação, ou seja, ele mesmo.
 
a maioria dos livros e contos do stephen king são sobre escritores. alguns fizeram sucesso, outros ñ, mas ñ deixo d pensar q ele está d certa forma falando sobre si cada vez q leio 1 novo livro dele com escritor protagonista.
 

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