Afinal, por que os brasileiros estão largando o Facebook? Veja 5 motivos
Imagem: Getty Images/iStockphoto
Decisões estratégicas equivocadas, mega vazamentos de dados, a falta de privacidade escancarada e muitas
redes sociais, serviços e
gadgets na disputa. Seria uma receita para o fracasso de qualquer empresa de tecnologia. Mas e se o nome dela fosse
Facebook?
A empresa fundada por Mark Zuckerberg está longe de entrar em decadência e ainda ganha muito dinheiro. Mas, não se pode negar o fato de que a imagem da rede social anda bastante desgastada com tantos escândalos e polêmicas. Parte dos usuários deu uma resposta radical a isso e abandonou a rede social, outros optaram por reduzir os acessos.
É um comportamento global, e o Brasil começa a dar indícios de que pode seguir a mesma linha. O último levantamento do Datafolha aponta que o Facebook registrou uma rara
tendência de queda - 56% dos entrevistados disseram ter conta na rede social, ante os 58% do ano passado e 61% de dois anos atrás.
Mesmo considerando a margem de erro do estudo, o recuo no número de acessos (5%) é algo que chama a atenção, explica o professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Arthur Igreja, especialista em tecnologia e segurança digital:
5% em rede social é muito. É um movimento de rede: estou em um lugar em que todos estão. A partir do momento em que saem 5%, outros vários usuários vão juntos. É um ciclo comum. Por que eu vou continuar em um lugar em que meus amigos não estão?
É um movimento repentino, que pouca gente poderia prever alguns poucos anos atrás, mas que tem uma explicação evidente. Listamos cinco fortes motivos que justificam a mudança no padrão de comportamento do internauta:
Quem confia?
A imagem do Facebook começou a ficar mais desgastada em 2017 por problemas envolvendo a disseminação de boatos e a influência russa na eleição norte-americana por meio da plataforma.
No ano seguinte, mais um escândalo: a empresa de marketing político Cambridge Analytica usou dados coletados indevidamente no Facebook para
influenciar usuários durante a campanha presidencial dos EUA. Foram mais de
87 milhões de usuários da rede social mapeados em perfis psicológicos para receber propaganda eleitoral altamente personalidade.
Após o escândalo, o Facebook anunciou mudanças para evitar que o problema se repetisse, mas pouco convenceu. Logo vieram outros grandes vazamentos de informações pessoais, o que aumentou a desconfiança quanto à capacidade da rede social proteger seus usuários. O mais recente foi divulgado na última semana: cerca de
540 milhões de dados (como nomes de conta, comentários e likes) ficaram expostos em servidores da Amazon sem qualquer proteção.
Em meio a isso, o internauta brasileiro está mudando a relação com seus dados. Lentamente, mas está.
Ainda há um buraco na alfabetização digital do brasileiro: "É gritante e uma questão de todas as classes sociais", diz o professor de Ciência da Comunicação da ESPM e pesquisador nas áreas de ética, consumo e privacidade digital, Luiz Peres Neto. Mas existe uma parcela mais atenta ao fato de que, como estudos recentes mostraram, um boato tem
70% mais chance de viralizar que uma notícia real.
O Datafolha apontou um alto índice de confiança dos brasileiros nos conteúdos que circulam nas redes sociais: 63% afirmaram confiar em algumas notícias, 5% na maioria e 2% em todas. No entanto, outros 21% não confiam em nada.
Peres lembra que enquanto os americanos têm um histórico de aceitação na cessão de dados, contanto que haja retorno --o que é largamente explorado pelo Facebook--, os europeus são mais reticentes, por associarem a ideia de privacidade à cidadania. O Brasil, diz ele, está no meio do caminho.
O professora da FGV concorda:
[O brasileiro] está aprendendo que as suas informações pessoais devem ser protegidas. Uma pessoa que não tinha tanto conhecimento antes [sobre como as redes sociais funcionavam], agora tem. Por isso acredito que uma parcela está saindo do Facebook
Chega de discussão
A plataforma virou um cenário de guerra virtual, e isso foi um fator que contribuiu muito para o desgaste da rede social. Discussões acaloradas, cheias de violência verbal, ódio, conteúdos tóxicos cansam boa parte dos usuários.
O Facebook surgiu para conectar pessoas e, eventualmente, compartilhar alguns conteúdos. No meio do caminho, virou uma rede social misturada com portal de notícia, comércio virtual, plataforma de vídeos.
Virou lugar de tudo e lugar de nada, o que acaba cansando algumas pessoas
Arthur Igreja
Além disso, a rede social não conseguiu atrair os mais novos e envelheceu junto com os seus usuários. Muitos jovens nem chegaram a entrar, e os que tentaram foram os primeiros a abandonar a plataforma. Segundo a eMarketer, empresa que mede audiências digitais, o Facebook perdeu 2,8 milhões de usuários americanos com menos de 25 anos só em 2017.
Os jovens, todo mundo sabe, querem estar em redes sociais em que os pais não estão.
Em 2012 eu trabalhava em uma agência e já se falava da mudança por questão geracional. Ela só se acentuou
Luiz Peres Neto
Crise de um gigante
O Facebook ainda é a maior rede social do mundo, com 1,52 bilhão de usuários todo dia e 2,32 bilhões mensalmente, mas crescimento a passos cada vez mais lentos.
A reunião de Zuckerberg com investidores em julho do ano passado, quando foram apresentados os resultados do segundo trimestre de 2018, terminou com uma conclusão:
o futuro do Facebook não parece promissor. A empresa faturou US$ 13,2 bilhões naquele período, 43% a mais do que em 2017. O número pode parecer astronômico, mas não atingiu as expectativas internas da empresa.
O resultado disso foi a
pior queda diária de uma empresa na Bolsa dos Estados Unidos, de 18,9%, o que correspondeu a uma desvalorização de US$ 119,3 bilhões em uma tacada só. E foi assim, em queda, até o fim de janeiro desse ano, quando
a receita voltou a ficar acima das previsões da rede social, o que resultou em uma recuperação quase imediata do valor perdido desde julho.
Os investidores ficaram felizes, mas Mark Zuckerberg não.
Ele segue vendo a sua plataforma queridinha, concebida para conectar pessoas, sendo usada para outras finalidades: disseminação desenfreada de boatos, formação comunidades de ódio, manipulação eleitoral e transmissão ao vivo de ato de violência são só alguns exemplos.
Aumenta a pressão para que ele olhe mais para o outro lado do muro: o WhatsApp, um modelo de negócio que ainda pode evoluir e também pertence ao grupo de Zuckerberg.
"Acredito que uma plataforma focada na privacidade se tornará ainda mais importante do que as plataformas abertas de hoje",
escreveu ele recentemente ao projetar o futuro da internet (e de sua própria casinha).
Fogo amigo?
O
WhatsApp canibaliza a audiência do Facebook, especialmente no Brasil. Por aqui, o aplicativo de mensagens tem 120 milhões de usuários, contra 127 milhões do Facebook. No entanto, a tendência é a inversão desses números em breve.
O Datafolha mostrou que o número de entrevistados que usa o WhatsApp foi de 67% para 69%, também dentro da margem de erro. Não se pode falar em crescimento, mas há um sinal.
O app de mensagens está levemente atrás da rede social globalmente, com 1,5 bilhão de usuários ativos mensais, mas tal número foi atualizado pela última vez no fim de janeiro de 2018, mais de um ano atrás. Tanto WhatsApp quanto Instagram contribuem para que o
Facebook seja menos usado --segundo Zuckerberg, 50 milhões de horas a menos, mais especificamente.
O problema é que o WhatsApp não gera quase nada de receita para a empresa, por isso não faz os olhos de Zuck brilharem --o mesmo vale para o Instagram, que tem propagandas em seu feed e nos Stories, mas rende uma quantia irrelevante perto dos bilhões do Facebook.
De todo modo, ter gastado uns bilhõezinhos para comprar os apps foi uma bela medida preventiva do executivo. Com isso, ele aumenta o portifólio e fica mais preparado para as mudanças que podem vir.
"Ainda que o Facebook, enquanto marketplace, seja o lugar por excelência para obtenção de faturamento, porque as marcas estão lá. Como plataforma, ele permite de forma bem clara a presença de publicidade, cujo movimento é um fato interessantíssimo de olhar: ela vai estar onde estão as pessoas", diz Peres Neto.