Do Inferno a melhor tradução é a do Jorge Wanderley (republicada recentemente pelos Clássicos Abril)... Ele infelizmente morreu e não pôde concluir o trabalho...
Agora da obra completa, a melhor é a do Vasco de Graça Moura, publicada aqui no Brasil pela Landmark, com um prefácio do tradutor excelente -- um dos melhores que já li...
O que faz com que essas duas traduções sejam as melhores está no respeito à variação linguística, à sonoridade bem como aos efeitos linguísticos empregados pelo Dante ao longo do texto...
Vou dar um exemplo clássico:
Canto XXVIII, onde Dante encontra com Maomé e outros causadores de discórdia (sobre este assunto, ver La escatologia musulmana en la Divina Comedia para uma análise pormenorizada da relação Dante-islamismo):
Già veggia, per mezzul perdere o lulla,
com'io vidi un, cosí non si pertugia,
rotto dal mento infin dove si trulla.
Tra le gambe pendevan le minugia;
la corata pareva e 'l tristo sacco
che merda fa di quel che si trangugia.
A tradução da 34:
Nem um tonel, se aduela rebenta,
fende-se como alguém que vi, rasgado
desde a garganta até lá onde se venta,
co'as entranhas à visa e, pendurado
entre as pernas, levando o ascoso saco
no qual fezes se torna o que é tragado.
Jorge Wanderley comenta:
24: MM, em sua tradução (em decassílabos brancos, lembremos), diz: "ripped open from his chin to where we fart", literalmente , como impõe o texto dantesco. Também DLS (em terza rima): "Down to the fart-hole split as by cleaver", traduzindo com mais crueza até que o original e introduzindo, por necessidade de rima, um "cleaver" (machadinha ou cutelo de açougueiro), que Dante não usou mas provavelmente não vetaria. XP traduz: "Das fauces ao lugar que é menos mundo" (mundo valendo como adjetivo, valendo por "limpo", "puro"); CM diz: "qual vi de alguém nas vísceras golpeadas", em um de seus momentos mais eufemísticos, e VGM escreve "oco do mento até onde se ruja", usando o presente do subjuntivo do vergo rugir, em construção sobre eufemística, bastante caprichosa.
Vv. 26 e 27: (...) No v.27, MM, mais uma vez literal, usa "shit"; DLS usa "dung", esterco; XP distancia-se o quanto pode, traduzindo por: "Onde o alimento da feição varia"; CM prefere: "e a bolsa que o alimento recebia"; e VGM, "que merda faz daquilo que se engula", aqui no sentido literal.
Onde:
MM: Mark Musa
DLS: Dorothy L. Sayers
XP: Xavier Pinheiro
CM: Cristiano Martins
VGM: Vasco de Graça Moura
Apenas complementando, Jorge traduz como:
Tonel que o fundo ou os lados abra ao ar
não vi mais oco que alguém que eu vi roto
do queixo até onde é de se peidar
Entre as pernas pendiam tripas e cotos,
vísceras fora e mais o triste saco
que à comida faz merda e lhe dá couto.
Mas no final das contas isso acaba que se encaxa no tópico da Divina Comédia e não nesse .-.