Qualquer um que perceba um pouco de cinema sabe que impossível e extremamente pouco viável fazer o Silmarillion. Oiçam, sei que também diziam que o Senhor dos Anéis era impossível de fazer, mas isso era uma ideia antiga, de uma altura em que a parte técnica do cinema não estava tão desenvolvida como hoje. No decorrer da última década já se sabia que era perfeitamente possível fazer um filme desses, a única coisa que tinha impedido alguém de avançar com o projecto era a coragem necessária para dar a volta ao "pequeno" problema do dinheiro e das dificuldades que estavam claramente ligadas à sua produção. De resto, o Senhor dos Anéis trata de uma história fluída, em que a acção principal decorre num período de cerca de um ano, em que estamos sempre em contacto com as mesmas personagens e em que o problema inicial é sempre o mesmo ao longo dos filmes, ou seja, podemos resumir o livro e fazer um filme com uma história interessante e personagens bem desenvolvidos.
Mas pensem bem no Silmarillion. É completamente o oposto disto. São quinhentos anos de história, isto sem contar com toda a parte em que se explica o que são Eru, os Valar e os Maiar, a origem de Arda, os elfos e os homens, etc; e claro, dentro desses quinhentos anos temos montanhas de acontecimentos, dezenas e dezenas de personagens diferentes em cada um deles, alguns suficientes para fazer por si só um filme. E depois temos outra questão a tratar: o facto de que o Silmarillion não é realmente um livro em todo o sentido da palavra, é mais uma colectânea de histórias que o autor escreveu, cada uma em tempos diferentes. Assim, histórias que por si só podiam, se tratadas, dar origem a uma trilogia própria, são resumidas em poucas páginas, o que nos impediria de trazer para uma eventual adaptação aquilo que é essêncial num filme, história o desenvolvimento das personagens, sem recorrer a muita invenção. O género de livro que é o Silmarillion não é viável para uma adaptação; imaginem, era o mesmo que tentar levar toda a mitologia grega para o cinema em dois ou três filmes (isto quando nem sequer uma pequena parte dela, a história de Tróia por exemplo, após tantas tentativas, deu um filme minimamente interessante).
A parte técnica deixou de representar problema com o desenvolvimento da indústria dos computadores e efeitos especiais, mas sobra outro problema para se fazer o Silmarillion, o problema da história, e esse não se pode resolver com o desenvolvimento da técnologia. É um problema eterno, e que sempre impedirá que se faça uma coisa decente a partir do Silmarillion para o grande ecrã. As pessoas precisam de se mentalizar que nem tudo o que é escrito pode ser adaptado com qualidade ao cinema.