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Escrever é uma necessidade

Melian

Período composto por insubordinação.
[align=justify]Hoje, eu preciso escrever. Talvez, amanhã, eu precise viver. Depois de amanhã, pode ser que eu precise morrer.

Hoje, eu preciso escrever o que não sei dizer.
Hoje, eu preciso escrever para dizer.
Hoje, eu preciso dizer para saber.
Hoje, eu preciso saber o que dizer.
Hoje, eu preciso saber e dizer.

E sentir.
E agir.
E fingir.
E mentir.

E saber e dizer o hoje. Preciso.
E saber o que dizer hoje. Preciso.
E dizer para saber hoje. Preciso.
E escrever para não dizer hoje. Preciso.
E escrever o que não sei dizer hoje. Preciso.

E escrever loucamente, como se as palavras fossem o farelo de biscoito que ficou dentro do pote. Porque é ele o mais esperado. Você come todo o biscoito, mas, na realidade, está esperando pelo pó. Esperando para deixar suas mãos sentirem o pó, acariciá-lo, deixando-o escorrer entre seus dedos. E depois, depois, com a mesma intensidade com que uma criança rasga o papel que está embrulhando o seu tão esperado presente de aniversário, levar o pó até a boca. E senti-lo escorrer pelo seu queixo, não o pó, mas o prazer, o prazer sentido quando os olhos vêem o presente.

Escrever loucamente, como se as palavras fossem minha última gota de sanidade. E me perder na sanidade. E me achar na insanidade que se instaura no ato da procura das palavras, coisas, pessoas, do intangível.

Voltem aqui, palavras. De hoje não passa. Hoje, eu vou dizer que preciso escrever. E vocês serão usadas, desnudadas por mim. Hoje, eu vou usá-las e ser usada por vocês. Hoje, eu vou beber vocês, cantar vocês, despedaçar vocês, cuspir (em) vocês.

Porque, hoje, eu preciso de palavras. Preciso de sentido. Preciso de palavras a espera de um, dois, três, quatro, cinco... todos os sentidos. Porque, hoje, eu preciso ser entendida. Porque, hoje, eu preciso estraçalhar a intimidade dos meus sentimentos mais vis, mais cruéis. Porque, hoje, eu preciso escrever sobre o egoísmo. E só as palavras conseguem entender o egoísmo. Só elas podem justificar a quantidade de EU que salta das minhas mãos e deslizam para a folha em branco.

Palavras são representações antropomórficas do egoísmo. Elas são ensimesmadas. Adquirem o sentido que quiserem. Atendem ao propósito que quiserem. E quando fazem pactos para que ninguém entenda o quê ... Mentira. Palavras não são egoístas! Elas são Socialistas. E Capitalistas. Fazem os pactos que quiserem. Por isso, preciso delas. De modo mais íntimo: palavras, façam um pacto comigo.

Hoje, eu preciso sentir as palavras entrando em meus ouvidos. Saltando em frente aos meus olhos, penetrando por minhas narinas, tocando minhas mãos, e passeando entre a ponta dos meus dedos e os fazendo balançar como ondas e, através deles, chegarem... ficarem... partirem... e saltarem para minha boca. E serem sugadas pela minha língua, e descerem pela minha garganta. E serem vítimas de refluxo. Vomitadas. E gritadas.

Preciso vê-las voltando para meus ouvidos. Preciso senti-las sussurrando em minhas narinas, preciso sentir seus odores através do meu paladar, preciso tocá-las com meus ouvidos, preciso enxergá-las roçando o céu da minha boca. Preciso vê-las com os meus dedos. Preciso respirá-las enquanto formam imagens. Preciso sentir o cheiro delas preenchendo a folha em branco com as mais diversas cores, sensações...

Hoje, eu preciso usar o verbo precisar. Hoje, eu preciso escrever o verbo escrever.

Agora, eu preciso dormir. Agora, eu preciso que vocês fiquem em silêncio, palavras. Agora, eu preciso que vocês se tornem meu silêncio, palavras. Agora, eu preciso que vocês escrevam o silencioso sonhar, palavras. Depois, se não for pedir muito, precisarei que vocês criem um novo dia. Feito isso, precisarei de vocês para dizer que hoje eu preciso acordar.

Hoje, eu preciso viver...

Preciso viver com a mesma emoção e intensidade com que vive uma adolescente ao conseguir permissão dos pais para chegar em casa após meia-noite. Preciso viver para sentir o prazer de andar descalço pelas ruas, e andar na chuva. E dançar na chuva. E cantar (n)a chuva. E sentir as gotas de chuva geladas passearem pelo meu rosto. E me deliciar. E me esbaldar.

Hoje, eu preciso viver para ver. Para crer. Para sentir a fé. Para viver a minha fé. A fé. E ver a fé mover montanhas e ser movida pelo acaso. E presenciar o milagre da vida. Da vida que nasce em meio o caos. Da vida que é um caos, mas, ainda assim, vida. Preciso viver para ver crianças abrirem os olhos pela primeira vez. Para ver crianças sorrirem. Sorrirem tanto até sentirem dor no estômago. Para ver as crianças. Para ser uma criança. Para agir como uma criança e chorar quando meu balão estourar. E chorar quando o meu sorvete cair no chão. E nem me importar quando o sorvete escorrer pela minha boca e cair na minha blusa que ganhei de presente de Natal.

Hoje, eu preciso viver para escrever. E escrever o hoje. E escrever o ontem. E tentar, mas jamais conseguir, escrever o amanhã. Mas aí, eu preciso viver para ver o amanhã. E escrevê-lo. Embora saiba que amanhã, o amanhã será o hoje. E o hoje, amanhã, será o ontem.

Hoje, eu preciso viver para me confundir. E me fundir à vida. E me fundir às palavras. E me fundir...

Hoje, eu preciso me despedir das palavras. Despedir-me e despir-me da palavra despedida. Despedir-me dos meus ouvidos e de todo o sussurrar. Despedir-me do meu olfato e de todos os odores que ele me permitiu inalar, quase como um respirar. Despedir-me do cheiro do café que acaba de ser passado. Despedir-me do meu paladar e de todos os sabores que ele me permitiu experimentar, deliciar. Despedir-me dos meus olhos e de todos os lugares que eles puderam e não puderam ver, enxergar. De todos os momentos que eles puderam e não puderam testemunhar. Despedir-me do tato, e de todas as coisas e lugares pelos quais minhas mãos passearam. De todos os lugares (in)explorados, desnudados. Despedir-me das músicas que amo. Despedir-me da minha biblioteca, da minha vidaoteca, da poesia do dia-a-dia. Despedir-me dos filmes. Despedir-me das pessoas.

Hoje, “silêncio” é a única palavra da qual preciso. Porque, hoje, nada mais tenho a dizer, a não ser dizer que hoje eu preciso morrer...[/align]
 
George Harrison - I Me Mine disse:
All thru' the day I me mine, I me mine, I me mine.
All thru' the night I me mine, I me mine, I me mine.
Now they're frightened of leaving it
Ev'ryone's weaving it,
Coming on strong all the time,
All thru' the day I me mine.

I-I-me-me mine,
I-I-me-me mine,
I-I-me-me mine,
I-I-me-me mine.

All I can hear I me mine, I me mine, I me mine.
Even those tears I me mine, I me mine, I me mine.
No-one's frightened of playing it
Ev'ryone's saying it,
Flowing more freely than wine,
All thru' Your life, I me mine.

I-I-me-me mine,
I-I-me-me mine,
I-I-me-me mine,
I-I-me-me mine.

All I can hear I me mine, I me mine, I me mine.
Even those tears I me mine, I me mine, I me mine.
No-one's frightened of playing it
Ev'ryone's saying it,
Flowing more freely than wine,
All thru' your life I me mine.
 
Os textos em primeira pessoa, onde o eu-lírico é autobiográfico.

Mas são textos de outra pessoa, a do mundo de dentro que queria estar do lado de fora. As aventuras vividas pela ficção, os sonhos realizados durante o sono. A insônia. A vontade de voltar a sonhar. A vontade da imaginação de ser mais criativa que a realidade. De se enganar, de se supreender com os próprios pensamentos, como se eles tomassem vida ao serem escritos e fluíssem da mau como fossem psicografados. A vontade de não se eu, mas eus, o divino, o inescrutável, o inefável. Para isso servem as musas, para isso se servem os médiuns.

Escrever é um vício de sonhos. Seria ler a cocaína e escrever o crack? Seria ler a maconha e escrever o orégano? Seria tudo isso uma piada de mal gosto?

Prolixidade remete ao lixo. Escrever sem qualidade, mas de desaforo. Porque o pensamento é de um maníaco compulsivo por suas coisas. Não sabe se desfazer de tanta tranqueira. Enquanto isso os armários lotam e transbordam. E não há porões. E as lixeiras não são uma opção.

Tem a vida lá fora. Fora das mãos. Escorrendo pelas mãos. E os pés estão livres, mas as mãos os atam, digitando em máquinas, manejando canetas, ou formigando em abstinência, coçando a cabeça, tamborilando na mesa. Existe vida lá fora, e o vício de escrever ilude como a indústria do tabaco. Porque não escrever uma carta para o mundo lá fora? Escrever. Precisa escrever.

Não enteder. Sim expressar. A arte é estúpida. A ciência é chata. Why do the fucking magnets work? A lua não merecia a visita de militares, mas de bailarinos. Non sense.

Os escritores são uns doentes. Exceto as exceções. Procure saber o que Dostoyevsky fez da vida. Ian Fleming. Mary Shelley. Lord Byron. Eles foram mais do que Raskolnikov, James Bond, Frankenstein, Don Juan.

Muitos escrevem para serem escritores. Todos que escrevem são escritores. Nem todos escritores felizes, não mais felizes e eternos e intensos que suas crias.

Mas bate aquela vontade de enterrar algo pra daqui uns séculos isso se tornar um achado arqueológico! Jogar o papel dentro de uma garrafa e poluir os mares. Escrever Sabrina e poluir as mentes! Escrever o próprio nome para o dono do nome se esquecer, mas os leitores não. Nem que seja pela má fama. Nem que seja na parede da cadeia, ou no cimento fresco da calçada.

Tudo isso para escrever Maktub errado. Escrever o certo em linhas tortas. Até cansar e clicar no botão "responder" logo ali abaixo e terminar esse post interminável.

Porque não é a primeira vez que eu uso a primeira pessoa. Nem a última.
 
Lindo e visceral.
Mande seu texto para o Provocações da Cultura. Dá para imaginar o Abujamra lendo ele.
Kss.
 

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