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Doçura melancólica. "O Hobbit e a Filosofia".

Doçura melancólica...[1] Um caminho para a melhor arte.

Terminei. "O Hobbit e a Filosofia"[2]. Dia sim, dia não, página ou duas por dia, levou mais de um mês (talvez tenham sido dois), intercaladas outras leituras (hoje em dia é assim, não? Quem é que está, a cada dia, lendo uma coisa apenas - isto para quem gosta de ler - e tão somente?).

A última página da obra é docemente melancólica e seus autores sabiam disto; e este é o tema da última página: a saudade, a melancolia de Bilbo, depois que volta de suas aventuras. Bilbo não é mais Bilbo; não é mais um hobbit inocente. Ele viu guerra, morte, loucura, ganância, orcs, dragões... Viveu, cresceu, mas perdeu uma parte preciosa de si mesmo.

Doçura melancólica[3] é um dos sentimentos dominantes, em grande parte do público que lê e/ou vê a obra de Tolkien. Sentimos ternura, sensações de conforto, mas também pesar. Temos pesar pela morte de Thorin, Fili e Kili; temos pesar pela escolha infeliz de Isildur; pela arrogante loucura destemida e heroica de Fëanor e seus filhos; sentimos a dor de Húrin, por si mesmo e por seus filhos; sentimos a dor de Eowyn, pela morte de Theoden, filho de Thengel... Sentimos pela loucura passageira de Boromir, que acaba levando-o à morte. Sentimos pela morte livremente escolhida por Aragonr, que condena Arwen Undomiel à solidão e à tristeza, até o fim de seus dias, na Terra Média. Sentimos pela partida de Frodo, deixando Sam e seus amigos para sempre apartados de sua presença e amizade, quando ele parte para as Terras Imortais, a partir dos Portos Cinzentos.

Tal é a doçura e a beleza que nos despertam a obra do gênio magnífico deste homem profundo e simples. Um homem que era órfão, que ousou casar com uma mulher de religião diversa da sua e um ano mais velha. Um homem que perdeu praticamente todos os seus amigos nas trincheiras da Primeira Grande Guerra mundial e que viu dois de seus filhos partirem para lutar na Segunda Grande Guerra...

Mesmo a autocentrada Academia de Cinema dos EUA deu a "O Senhor dos Anéis - O Retorno do Rei", o Oscar de Melhor Filme, Direção, Roteiro, Trilha Sonora, Melhor Canção etc., etc., etc., totalizando as mesmas 11 estatuetas de "Ben-Hur"... E se considerarmos a trilogia, como um todo, foram 17 Oscar... Lembrando: nenhum dos filmes foi produzido nos EUA, nem usou locações aí. Quase tudo foi feito na Nova Zelândia ou em Londres.

Ao receber a estatueta de melhor filme[4], o roteirista, produtor e diretor da obra, Peter Jackson, agradeceu[5] à Academia pela coragem do prêmio: foi a primeira vez que um filme de fantasia recebeu o Oscar de Melhor Filme... Deixe-me lhe dizer as palavras exatas que ele usou: "Ô, isto é inacreditável! Estou tão honrado, tocado e aliviado por a Academia e os Membros da Academia nos apoiaram e viram para além de trolls, magos e hobbits e reconhecido a fantasia, neste ano".

Tudo isto, amigos, para chegar à frase/afirmação do título: a doçura melancólica é um melhor caminho, para a arte, do que a brutalidade gratuita ou mal disfarçada.

Doçura melancólica vem de assistir "Central do Brasil", "O Pagador de Promessas", "Abril Despedaçado"[6], "Forrest Gump", "Filadélfia", "O Filho da Noiva"[7], "Entre o Céu e a Terra"[8], "Menina de Ouro"...

Em todos esses filmes há dores, fracassos, morte, pesar, ódio... Mas há também beleza, poesia, esperança, amor...

A melancolia é tema tão caro à alma humana que há quem diga mesmo que é a saudade da condição da alma, livre do corpo e das dores do mundo. E a doçura, sua irmã, talvez, é a musa para quem e de quem nasceu, na alma de alguém que vivia o auge terrível de uma guerra mundial[9], a beleza do encontro entre uma criança e uma raposa... "O essencial é invisível aos olhos, e só se pode ver com o coração", disse ele, antes de morrer, num voo que nunca chegaria ao destino[10].

Escrever livros, contos, roteiros, peças de teatros et similia, que seja chocante e terrível, brutal, lascivo, sensual etc., é - garanto a você - muito, muito fácil. E a razão para tal facilidade é a mesma pela qual há mais imagens e criações artísticas excelentes a respeito do Inferno e do Purgatório do que do Céu; é a mesma razão porque há programas policiais de péssima qualidade; é a mesma razão porque não há séries (eu disse "Séries") de TV fechada a respeito dos Médicos Sem Fronteira ou da Anistia Internacional, mas as há, e muitas, a respeito do cotidiano de forças policiais ou caçadores de cascavéis...

A alma humana ainda está presa ao lodo de sua animalidade; como flor do pântano, tem raízes na lama e luta por exprimir beleza e perfume.

Se, enquanto espécie, enquanto coletividade planetária, é difícil mudarmos nosso curso, enquanto indivíduos, é possível a cada um de nós, a cada novo dia e manhã, a cada nova noite e alvorada, escolher (não apenas na arte que consumimos/produzimos, mas em nossa vida, como um todo) o caminho que leva ao que é belo, ao que encanta a alma.


[1] Sexta-feira, 5 de junho de 2015.

[2] Presente "exigido" da criatura amada (praticamente a obriguei a comprá-lo... Coisas de uma quase "chantagem emotiva"...

[3] Acreditam que, na minha habitual vaidade mal disfarçada, acreditei que a expressão era nova? Aí busquei no "Palantir" moderno, o Google, e achei até mesmo poema, contendo a dita expressão {cf.: https://www.facebook.com/Templo.Cultural.Delfos/posts/651855454850873}...

[4] Deixando para trás, por exemplo, "Mystic River" (no Brasil, "Sobre Meninos e Lobos"), de ninguém menos que Clint Eastwood; também superou "Lost in Translation" (no Brasil, "Encontros e Desencontros"), "Master and Commander" ("Mestre dos Mares", por aqui) e "Seabiscuit".

[5] Confira

[6] De Walter Salles.

[7] De Juan José Campanella.

[8] De Oliver Stone.

[9] Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944).

[10] "A última tarefa de Saint-Exupéry foi recolher informação sobre os movimentos de tropas alemãs em torno do Vale do Ródano antes da invasão aliada do sul da França ("Operação Dragão"). Na noite de 31 de julho de 1944, ele partiu de uma base aérea naCórsegae não retornou. Uma mulher relatou ter visto um acidente de avião em torno de meio-dia de 1 de agosto perto da Baía de Carqueiranne,Toulon. Um corpo não identificável usando cores francesas foi encontrado vários dias depois a leste doarquipélago Frioul ao sul de Marselha e enterrado em Carqueiranne em setembro. {§} O alemãoHorst Rippertassumiu ser o autor dos tiros responsáveis pela queda do avião e disse ter lamentado a morte de Saint-Exupéry. Em 3 de novembro, em homenagem póstuma, recebeu as maiores honras do exército. Em 2004, os destroços do avião que pilotava foram achados a poucos quilômetros da costa deMarselha. Seu corpo nunca foi encontrado." {http://pt.wikipedia.org/wiki/Antoine_de_Saint-Exupéry}
 
Creio que dentre as sensações que Tolkien transmite uma das mais importantes é que quando escrevia para os filhos desejava ajudá-los a chegarem mais longe.

Talvez eles até pudessem esquecer temporariamente, todavia nas aventuras da terra média era possível mostrar-lhes que havia um mundo grande e que eles deviam pensar no tamanho dele e em crescer dentro dele. Que no futuro eles se lembrariam.

E que quanto maior fosse a vontade deles em verem aquele mundo mais ele poderia acreditar que seus filhos seriam capazes de realizarem os grandes feitos de suas histórias.

No que para as crianças, apenas ouvirem falar do mundo lá fora, abstrato, a distância, seria como tentar viver em nuvens intangíveis, difíceis de serem imaginadas, mas que se tornavam acessíveis pela leitura.

Porque já naquela época a maioria das pessoas não ligava ou não se interessava em explorar o mundo e isso era um obstáculo para pessoas que precisam aprender lições importantes de pequenos gestos a altos ideais. De forma que quem se interessa em progredir acaba se tornando em alguém diferente, as vezes até isolado pelos outros porque não é todo mundo que quer progredir.

Então podemos dizer, que para além da apresentação daquele mundo estranho e desconhecido, por trás daquela neblina misteriosa e do céu nublado e desafiador aguardavam pessoas muito maiores, muito diferentes e mais fortes do que aquelas crianças frágeis que leram pela primeira vez as histórias da terra média.

Para ele era a forma de dizer que o caminho os desafiava a se superarem. De que da maneira como eles estavam eles não conseguiriam chegar aonde queriam e que precisavam começar a se mudar para melhor.

Bilbo, por exemplo, é alguém que se não mudasse não se tornaria na pessoa admirável que ele desejava ser. Frodo, idem, Aragorn mais ainda.

Então era colocando o desejo de progredir no coração por meio da obra que ele estimulava aos pequenos a se esforçarem.

Em certo ponto se menciona que no mundo a tristeza estava misturada a beleza como se fala no Silmarillion, porém no Silma a esperança prevalece ao dizer que Eru triunfaria no final diante de cada iniciativa de Melkor.

Infelizmente não ficamos sabendo do resultado final uma vez que ainda estamos vivendo e o resultado final está reservado para o futuro (conta-se que o acorde final seria a parte mais assombrosa do tema atual).

Pelo que se conta, depois que o mundo terminar então estava esboçado que no próximo tema os desejos de cada um estarão harmonizados com os desejos de Eru e que será ainda majestoso do que o tem anterior.

Então, em outras palavras, penso que apesar de Tolkien criar nos livros as cortinas de fumaça da desesperança e tristeza para impressionar a princípio ele sinaliza que a parada final repousa sempre além dela.
 
Última edição:
Akira, profunda e rica sua resposta. Fico feliz por ela e concordo com sua posição, a respeito das intenções de Tolkien, quanto ao crescimento pessoal, esperança etc.
É como diz a canção:

Ú i vethed nâ i onnad
Si boe u-dhanna
Ae u-esteli, esteliach nad
Nâ boe u i
Estelio han, estelio han, estelio
Estelio han, estelio veleth.

Abração grande e grato pela leitura.
 

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