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Disputa de Autores - 5º Embate

Qual dos autores defendidos neste quinto embate é o melhor?


  • Total de votantes
    20
  • Votação encerrada .

Clara

Perplecta
Usuário Premium
Quinto e último embate da Disputa de Autores.

Relembrando algumas regras básicas:

1.2 Coloque uma foto do seu "cliente" e/ou a capa de uma de suas obras;

2. Campanhas "políticas" são válidas;

3. Uma enquete será aberta a cada chave e todos os usuários poderão votar no seu favorito, mesmo que não sejam os advogados do autor em disputa;
3.1 Os usuários/eleitores, poderão fazer perguntas sobre o autor e sua obra ao Advogado;

4. O embate terá duração de quatro dias;
4.1. A enquete será aberta no terceiro dia, com o resultado parcial visível para todos (assim fica mais disputado)

E o cronograma é o seguinte:

- Dias 02/02 e 03/02, aberto apenas para discussões (defesas, perguntas, opiniões, fofocas, pitacos etc.);
- Dias 04/02 e 05/02, enquete aberta para votação;
(Mas atenção, as discussões permanecem pelos quatro dias).

Neste quinto e emocionante embate teremos: Lima Barreto (defendido pelo Cantona) vs. Adolfo Bioy Casares (defendido pelo Pips).

Cantona e Pips, fiquem à vontade para apresentar suas defesas.

 
LimaBarreto.jpg


É LIMA BARRETO, PORRA!
(13.05.1881 - 01.11.1922)​


Antes de mais nada, parafraseando as chamadas para os jogos de times brasileiros na Libertadores, lembro aos amigos que o Lima Barreto é o Brasil nessa disputa.



***


Primeiro, é bom dizer que o Isaías Caminha esteve preso. Deu-se que roubaram um sujeito no Hotel Jenikalé e todo mundo foi pro D.P. prestar esclarecimentos. Entre tantos suspeitos, tava lá o mulatinho, numa surda revolta. Também, não é sem menos: nem metade do livro e o coitado já tinha comido o pão que a sogra do diabo amassou. É bem verdade que com isso deixou de lado a inocência e a sensação de vantagem que a infância pobre, mas protegida, lhe deixou na alma. Mas, se por um lado a malícia foi se assomando à sua personalidade, por outro os sonhos e esperanças sucumbiam. Não de todo, é verdade, pois até o suicida conserva uma tímida crença que tudo vai melhorar e o telefone tocará antes de tomar os comprimidos fatais. Fato é que o Isaías, de tanto levar na lomba, deixou de suspirar pela beleza da vida.
E aquele calor desgraçado na delegacia. Tudo suava, até os movéis. Tudo exigia água, implorava arrego. E o delegado, com aquela autoridade de quem grita na rua porque apanha em casa, além da água, exigia explicações. Que o Isaías não soube dar como manda a boa submissão. Cana, xadrez pro mulatinho.

“ - (...). Quando se está na presença da polícia, a nossa obrigação é dizer toda a nossa vida, procurar atestados de nossa conduta, dizer os amigos, a profissão, o que se faz, o que se não faz...” aconselhou o delegado, amigavelmente.

Pois bem, a gente pegou a dica da autoridade no ar pra dar início a nossa defesa. Como a estória de Isaías é a de Lima Barreto, e dizer de um é dizer do outro, pelo Isaías a gente sente que a luta contra o preconceito racial foi uma das maiores bandeiras de Lima Barreto. Sem ironias machadianas, como na bela crônica sobre o escravo Pancrácio, mas de forma crua, expondo, apontando, acusando, ele foi a voz contrária à toda “inocência ensaiada” abolicionista que teve na canetada da Princesa Isabel a resolução pura, simples e cristã para o negro. Gritando, denunciou as justificativas científicas para superioridade de brancos, o eugenismo, o racismo velado e a “democracia racial” que se fazia vender pela elite daqueles tempos de transição e República Velha.
Me adianto, me adianto. Voltemos alguns anos no tempo, ouçamos o choro pós-parto do recém-nascido. Quando Lima Barreto foi parido, numa sexta-feira, 13 de maio de 1881, embora a escravidão já capengasse, a princesa só decretaria o seu final sete anos depois, no aniversário do menino batizado Afonso Henriques de Lima Barreto, filho do tipógrafo monarquista João e da professora Amália – ambos mulatos e pobres, porém instruídos, contrariando as estatísticas do período. Tal acontecimento cívico, a festa abolicionista, deixou marcas em sua memória:

“Fazia sol e o dia estava claro. Jamais na minha vida vi tanta alegria. Era geral, era total; e os dias que se seguiram, dias de folgança e satisfação, deram-me uma visão da vida inteiramente de festa e harmonia.“

Mas, como dizia, Isaías e Lima se confundem. Ambos tiveram a proteção familiar e viveram num estado de sonho, naquele universo de harmonia construído por quem nos ama. A vida, sempre madrasta, foi revelando a ambos as consequências da negritude, num país cuja intelectualidade bebia da máxima da expansão imperialista: o fardo do homem branco é levar a civilização aos povos atrasados. De acordo com Lilia M. Schwarcz, antropóloga de alto calibre, Lima Barreto se assumiu como escritor negro, nestas terras onde a mestiçagem significava atraso, onde havia todo tipo de “jogo social no sentido de camuflar e não evidenciar a cor”. Do alto de sua acidez, respondeu que “o fardo do homem branco é surrar os negros a fim de trabalharem para ele”. E acrescentou às memorias da festa abolicionista a crítica que permeou cada linha de sua obra:

“ Eu tinha então sete anos e o cativeiro não me impressionava. Não lhe imaginava o horror; não conhecia a sua injustiça. Eu me recordo, nunca conheci uma pessoa escrava. Criado no Rio de Janeiro, na cidade onde já os escravos rareavam, faltava-me o conhecimento direto da vexatória instituição, para lhe sentir bem os aspectos hediondos.”

Lima não foi só o negro. Sua denúncia de miséria passava pela raça e passava pelo meio social, pela República que só se realizou para alguns.

Na época da Proclamação, tinha oito anos. Dessa passagem, não lhe ficou nada de significativo na memória:

“Quando, em 1889, o senhor Marechal Deodoro proclamou a República, eu era menino de oito anos. Embora fosse tenra a idade em que estava, dessa época e de algumas anteriores eu tinha algumas recordações. Das festas por ocasião da passagem da lei de 13 de maio ainda tenho vivas recordações; mas da tal história da Proclamação da República só me lembro que as patrulhas andavam, nas ruas, armadas de carabina e meu pai foi, alguns dias depois, demitido do lugar que tinha. E é só. Se alguma cousa eu posso acrescentar a essas reminiscências é que a fisionomia da cidade era de estupor e de temor. Nascendo como nasceu, com esse aspecto de terror, de violência, ela vai aos poucos acentuando as feições que trazia no berço”.

Os dias que seguem, a maturidade que alcança, o contexto em que vive de miséria e opressão o faz, em consoante com bons intelectuais do período, questionar o modelo republicano. É com Policarpo Quaresma que atira numa instituição que se prometeu igualitária, mas que partilhou da ideia dos porquinhos de Orwell: todos os bichos são iguais, mas alguns bichos são mais iguais que os outros. O ideal de igualdade, inclusive, conduziu Lima ao flerte com o Positivismo. Porém, logo viu que esta ideologia não era moça de família e a abandonou, reservando, também em Quaresma, ferozes críticas aos seus seguidores.

Em todos os seus escritos nadou contra a corrente. Em tudo, expôs a si e, assim fazendo, trouxe às páginas as condições dos excluídos pela raça, pela posse. Sentindo-se sozinho na empreitada, não poupou os que utilizavam da literatura como entretenimento. João do Rio, famoso nas elites da belle époque nacional, foi desconstruído e caracterizado como suíno por Lima Barreto em Isaías Caminha, assim como toda a redação dos grandes jornais cariocas e ilustres membros da Academia Brasileira de Letras. Para ele, literatura era denúncia. A obra, no seu entender, devia perturbar e tirar da inércia, não fazer crer em fadas e duendes.

Por conta disso, nunca foi visto com bons olhos. Acusavam-no de pouco criativo, pois seus personagens eram desdobramentos de si mesmo, seja Isaías, seja Policarpo, seja Clara dos Anjos. Literatura panfletária, diziam. Apontavam-no os erros de português. De sua parte, se defendia como podia. Rebatia em contos e crônicas, além dos romances. Dizia dos erros serem propositais, pois o pré-modernista já trazia para seus textos a oralidade. Aos que o acusavam de militante, concordava. Literatura é militância, é política. O panfletário era com intuito de desqualificar a escrita que esnobava os floreios da linguagem e a vida artificial dos salões para apontar as gentes do subúrbio. Nesse ponto, suburbano, vale destacar, também, sua posição em relação às reformas urbanística de Pereira Passos e os delírios dos médicos sanitaristas que culminaram com a Revolta da Vacina. Em ambos se colocou, ou antes se manteve, do lado do povo. A reforma, imposta de cima à baixo, maquiava e condenava os subúrbios cada vez mais à própria sorte; sobre as vacinas, combatia o paliativo vendido como solução definitiva: pra se libertar das epidemias, é necessário se libertar primeiro da pobreza.

Pausa para o café, mas antes:

O Lima Barreto vale o seu voto. Lê-lo é visitar a nós mesmos, num período de grandes transformações políticas e sociais. E por essa visita, entender e alterar os fatalismos do nosso presente.

Eduardo Galeano disse: "O nascimento de uma realidade significa o reconhecimento da que existiu".

Lima Barreto, antes de mais nada, é esse reconhecimento.
 
Última edição:
Vai falar sobre os contos? Não é porque eu adoro "o homem que falava javanês" que tu vau ganhar meu voto assim fácil.
 
A coisa mais linda que já li na disputa de autores. Todas as defesas anteriores foram bem feitas e emocionantes. Mas essa criativa defesa tocou em coisas que me são muito caras. Eu não acredito que a literatura seja "uma coisa só". Acho que ela multiplica-se em várias para se sentir, para se fazer entender. Essa danadinha aprendeu, direitinho, com Fernando Pessoa. Mas uma das facetas da literatura que eu mais admiro é a da denúncia social. A literatura tem uma habilidade ímpar de colocar o dedo na ferida e deixá-la exposta, para que possamos perceber a existência dela e buscarmos meios para curá-la. A literatura nos cura, para que possamos curar o mundo.

Espero que a defesa continue tão boa quanto começou. Esta disputa será ÉPYKA!
 
Última edição por um moderador:
Vai falar sobre os contos? Não é porque eu adoro "o homem que falava javanês" que tu vau ganhar meu voto assim fácil.

A gente tem uma dívida com um senhor chamado Francisco de Assis Barbosa. Na década de cinquenta, resolveu que a obra de Lima Barreto - que até então não era amplamente conhecida - deveria vir a público. Junto do Houaiss, nos premiou com a publicação de tudo quanto o Lima escreveu. E foi aquilo: teve quem se admirou e viu ali, com cuidado, importantíssimos documentos históricos-literários. Outros, os da cultura livresca, de uma Academia que ainda hoje pensa pairar acima e não integrada ao contexto, não pouparam críticas - as de sempre, pouca criatividade, panfletário, et cetera. Ainda mais que o alvo, sempre de gatilho pronto a responder, já se encontrava no cemitério de São João Batista há uns bons anos. Lima Barreto, que em vida se exasperava com o silêncio com que suas obras eram debatidas - "a única crítica que me aborrece é o silêncio" -, teve postumamente o desejo realizado.

É nessa toada de publicação, ou republicação, que os contos (re)apareceram. Não mais em edições com pequenas tiragens (algumas pagas pelo próprio autor), nem perdidos em jornais subversivos e de menor circulação - já que, após "Recordações do Escrivão Isaías Caminha", onde satiriza toda a redação dos grandes jornais pela propaganda sem-vergonha da modernidade, da República, da cultura européia e de tudo que mais que fascinava a elite da belle époque, foi silenciado pelo quarto poder. Caiu nos jornais alternativos, pois, além das portas fechadas da grande imprensa, se via como escritor sem o rabo preso na cerca: "se outro mérito não tenho, me gabo de ser independente".

É nos contos que encontramos cruamente a literatura militante de Lima Barreto. A linguagem que tanto encantou os modernistas paulistanos, principalmente António de Alcântara Machado, é ainda mais seca: "(...)Lembro-me da grande admiração que tinha por Lima Barreto o grupo paulista de 22. Alguns entre nós, como Alcântara Machado, andavam obcecados. O que mais nos espantava então era o estilo direto, a precisão descritiva da frase, a atitude antiliterária, a limpeza da sua prosa (...) sua irreverência fria, a quase crueldade científica com que analisava uma personagem, a ironia mordaz, a agudeza (...)", diz Sérgio Milliet, ao Estadão de 1948, citado em artigo por Lilia M. Schuwarcz.

Nos contos, vomita o seu desgosto pela modernidade excludente, pela "República que não foi", pela condição precária dos subúrbios, pelo eugenismo das elites, pelo pobreza determinada pela condição racial e social. Revela sem pudores sua ojeriza pelo saber que só ornamenta, não interfere; pela "literatura de brindes de sobremesa", totalmente "coelhonetista"; pelo poder preocupado com maquiagens e interesses particulares.

"No homem que sabia javanês", em uma de suas possíveis leituras, vemos que mais importante que saber, é o aparentar saber. Numa república recém criada, desejosa da modernização, a busca por uma sociedade ilustre e elevada passa pelo conhecimento, mesmo que seja, como em grande parte foi, apenas para apavonar-se. Como o anel de doutor, tão perseguido pelos homens daqueles tempos; desejado pelo próprio Isaías, sem hipocrisias de suas vantagens: "não precisava saber nada. Bastava o diploma". Desejado por Lima Barreto, para satisfazer a vontade paterna, mas também ciente que o anel poderia aumentar o poder de seu discurso.
 
Última edição:
"E o delegado, com aquela autoridade de quem grita na rua porque apanha em casa,"

:rofl:


"O que mais nos espantava então era o estilo direto, a precisão descritiva da frase, a atitude antiliterária, a limpeza da sua prosa (...) sua irreverência fria, a quase crueldade científica com que analisava uma personagem, a ironia mordaz, a agudeza (...)", diz Sérgio Milliet, ao Estadão de 1948, citado em artigo por Lilia M. Schuwarcz.

A "precisão descritiva da frase" é o que mais gosto em Lima Barreto.
 
No aguardo do aparecimento do Pips no tópico para dissertar sobre como a trama de A invenção de Morel :amor:, conforme classificou Borges, consegue ser PERFEITA.
 
No aguardo do aparecimento do Pips no tópico para dissertar sobre como a trama de A invenção de Morel :amor:, conforme classificou Borges, consegue ser PERFEITA.

Passei mensagem pra ele avisando do tópico, mas acho que ele não se conecta nos fins de semana. :tsc:
 
Fale-me das obras dele Cantona... pufavô.

Falo. Mas como são muitas - Lima Barreto deixou 17 volumes entre romances, contos e crônicas -, e eu não as li por inteiro, vou aos poucos. Também para ter mais argumentos para as próximas defesas.

Primeiro, o romance de estreia:

RecordacoesDoEscrivaoIsaiasCaminha.jpg




Tudo começou com Recordações do escrivão Isaías Caminha, que saiu em folhetim na Revista Floreal, cuja direção era do próprio Lima Barreto (aqui, nesse link, temos a versão digitalizada das primeiras linhas. É interessante notar, no artigo inicial, o princípio de liberdade de expressão que norteará a produção “É uma revista individualista, em que cada um poderá pelas suas páginas, com a responsabilidade de sua assinatura, manifestar as suas preferencias, communicar as suas intuições, dizer os seus julgamentos, quaesquer que sejam “ (pg. 4-5). Atitude coerente, uma vez que nos últimos capítulos de Recordações... , Lima Barreto não poupa a promiscuidade e troca de favores entre imprensa e poder). Em livro, a publicação é de 1909.

Vale ressaltar que, à época, Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá estava em vias de conclusão, o que levou Francisco de Assis Barbosa, biógrafo de Lima Barreto, a questionar os motivos da divulgação de um em vez de outro.

Então, por que Recordações...?

“Responderei com as próprias palavras do escritor (...). Pretendeu simplesmente mostrar que “um rapaz nas condições do Isaías, com todas as disposições, pode falhar, não em virtude de suas qualidades intrínsecas, mas batido, esmagado, prensado pelo preconceito” (...) “Se lá pus certas figuras e o jornal, foi para escandalizar (...) para lutar contra a indiferença, a má vontade dos nossos mandarins literários””.


Por essa justificativa, tiramos o fio condutor do livro. Para melhor análise, podemos dividi-lo em dois momentos, não distintos entre si, mas complementares. O Isaías dos sonhos de grandeza da infância/adolescência e das posteriores desilusões, já nos limites da então capital federal; Aqui, a preocupação é expor o racismo velado, onde, além da condição social, a cor é determinante à ascensão socioeconômica.

Menino pobre, mas de instrução garantida pela família, Isaías percebe que na cidade natal não se pode ir mais além. Alternando momentos de vacilo e firme decisão, que o acompanhará por toda obra, decide partir para o Rio de Janeiro, munido de uma carta de recomendação fajuta. Já durante a viagem, dá-se conta da SUA situação: descobre-se mulato e as violências que disso decorrem.

Dei o destaque para SUA, pois até então, as considerações são acerca das próprias tentativas malogradas. É na delegacia de polícia, numa das passagens mais significativas do livro, que Isaías descobre que suas humilhações individuais são frutos de uma máquina social que não personaliza, mas atinge a classe sócio-racial, da qual faz parte, como um todo. O episódio é conhecido: após o furto no hotel, muitos suspeitos são encaminhados ao D.P. . Enquanto aguardam o delegado, gritos denunciam a chegada de duas mulheres. De aparência humilde, brigam e discutem sem tréguas por um punhado de ovos. Diante da cena, Isaías reflete:

" A rapariga falava desigualmente: ora alongava as sílabas, ora fazia desaparecer outras; mas sempre possuída das palavras, com um forte acento de paixão, super-posto ao choro. As palavras saíam-lhe animadas, cheias de uma grande dor, bem distante da pueril querela que as provocara. Vinham das profundezas do seu ser, das longínquas partes que guardam um inconsciente memória do passado, para manifestarem o desespero daquela vida, os sofrimentos milenares que a natureza lhe fazia sofrer e os homens conseguiram aumentar. Senti-me comunicado de sua imensa emoção; ela penetrava-me tão fundo que despertava nas minhas células já esquecidas a memória enfraquecida desses sofrimentos contínuos que me pareciam eternos (...).”


A partir daí, consciente dessa unidade de sofrimento, Isaías passa a perambular pela cidade. Conhece pessoas, trava conhecimento com as ideias positivistas e anarquistas (em vida, Lima estudou o Positivismo, logo o abandonando, pois a prática mostrava que o respeito aos mecanismos destinados a trazer justiça e harmonia social atendiam apenas aos interesses da elite, nunca os do povo. Inclinou-se às ideias anarquistas, colaborando em periódicos anarco-sindicalistas). Sem emprego, o dinheiro encurta, as refeições se espaçam e, pelas amizades, acaba socorrido e colocado como ajudante no jornal O Globo (Correio da Manhã). Aqui, entramos no segundo momento, onde as críticas se acentuam em relação às redações dos jornais.

Detalhadamente, pelas recordações de seu escrivão, Lima Barreto mostrou como a imprensa se tornou o quarto poder, através de suas notícias pré-fabricadas que conservavam ou derrubavam os funcionários de altos cargos, segundo nefastos interesses. Condenou a falta de independência, a exclusão dos que, como ele, prezavam pela pena livre. Com a voz de seu pseudônimo, Plínio de Andrade, desabafou em tom de protesto:

“ Nada há tão parecido como o pirata antigo e o jornalista moderno: a mesma fraqueza de meios, servida por uma coragem de salteador; conhecimento elementares do instrumento de que lançam mão e um olhar seguro, uma adivinhação, um faro para achar a presa e uma insensibilidade, uma ausência de senso moral a toda a prova... E assim dominam tudo, aterram, fazem que todas as manifestações de nossa vida coletiva dependam do assentimento e da sua aprovação... Todos nós temos que nos submeter a eles, adulá-los, chama-los gênios, embora intimamente os sintamos ignorantes, parvos, imorais e bestas (...) se o sol nasce é porque eles afirmam tal coisa... E como eles aproveitam esse poder que lhes dá a fatal estupidez das multidões! Fazem de imbecis gênios, de gênios imbecis (...)"

Contundente, também não poupou críticas aos literatos que defendiam a ideia de que “A literatura é o sorriso da sociedade. Quando ela é feliz, a sociedade, o espírito se lhe compraz nas artes e, na arte literária, com ficção e com poesias, as mais graciosas expressões da imaginação(...)”. Sobre a função da literatura, João do Rio e Coelho Neto foram seus alvos principais. Em Recordações..., utilizou pseudônimos, mas em suas crônicas combateu-os com o nome de batismo.

Por Recordações do escrivão Isaías Caminha, as portas que já se encontravam fechadas ao autor, foram trancadas por dentro. Mas os donos das chaves não entraram para História. Quando muito, suas lembranças são hoje carregas de vírgulas e asteriscos. Por outro lado, o ousado e rebelde Lima Barreto ficou no coração de todos nós e merece o nosso voto.
 
Última edição:
Pronto? Já puxaram o saco suficiente do Cantona e seu Liminha (com todo o respeito, somos amigos de infância e esse era o apelido). A minha defesa começa com um levantamento dos antecedentes criminais do meu cliente, entre eles o de ser um escritor inestimável, um amigo inseparável e um marido fiel:

adolfobioy.jpg

Adolfo Bioy Casares nasceu em Buenos Aires, mais precisamente na Rua Tucuman, no bairro de Palermo, no dia 15 de setembro de 1914. Descendente de avó inglesa, ele aprendeu as primeiras letras tanto no idioma espanhol, quanto no inglês, por imposição de sua ancestral. Casares pertencia a uma família abastada, a qual sempre o apoiou e possibilitou o desenvolvimento de sua carreira literária. Este suporte também lhe permitiu permanecer na Argentina mesmo nos momentos mais difíceis da história deste país, quando os escritores de sua época eram obrigados a buscar o exílio em outros países. Com todas as condições favoráveis, o autor pode se devotar a sua paixão, a literatura. Desde a infância Bioy teve acesso às obras mais importantes da literatura universal, graças a uma jornada anterior de seu genitor pelo universo da literatura.

Casares sempre teve a sua disposição um passaporte para o mundo, empreendendo assim diversas viagens à Europa. Sua expressão pessoal, tanto no plano da existência quanto no literário, se consolidou aos poucos com estes contatos externos. Seu primeiro livro, Prólogo, foi escrito quando ele tinha apenas 15 anos e sua publicação foi financiada pelo pai. Em 1932 ele conhece o escritor Jorge Luís Borges, com quem trava uma amizade profunda, que culmina em uma inestimável parceria literária. Os dois escreveram diversos livros juntos com seus nomes reais e pelos pseudônimos: C.I. Lynch, B. Suárez Lynch e H. Bustos Domecq - o mais conhecido de todos.

Os dois travavam diálogos incríveis nos anos de 1980 como: Bioy comenta sobre seus problemas de vista: “que coisa incômoda é não ver sem os óculos”. Borges, que estava cego há quase três décadas, replica: “que coisa incômoda é não ver com os óculos”. Outro caso era que eles apreciavam a desolação da ponte Alsina, na zona sul de Buenos Aires (que liga a capital com o município de Lanús). Eles se deleitavam com a fama de bairro de malandros e pessoas armadas de facões. Certa vez levaram um intelectual europeu lá que lhes perguntou: "E agora?" e os dois respondiam "E agora nada".

Bioy conhece sua futura mulher, Silvina Ocampo, em 1934. Neste ano ele toma uma importante decisão, deixa os cursos de Filosofia e Letras, convencido pelos argumentos de Borges e Silvina, e se dedica de uma vez por todas à literatura, lançando no mercado seus primeiros livros. Cresce o sucesso deste escritor, que se tornaria reconhecido internacionalmente com sua obra mais famosa, A Invenção de Morel, publicada em 1940. De acordo com o próprio Borges, essa é uma obra perfeita.

Sei que Borges é um bom chamariz e até entendo que alguns podem atacar como sendo a minha única defesa. Na verdade, uso Borges porque o próprio não acreditava que Bioy Casares não era tão conhecido. Considerava toda a sua obra uma jóia rara na literatura mundial - diz um fã de Cervantes, Dante, entre outros.

Em 1954 ele lança O Sonho dos Heróis (resenha), e neste mesmo período vem ao mundo sua filha Marta. Seu livro Diario da Guerra do Porco (resenha) é editado em 1969 e adaptado para o cinema por Leopoldo Torre Nilson.


Bioy não era nem um visionário tampouco um autor de realismo fantástico, por vezes seus livros pareciam prever os tempos obscuros pelos quais a Argentina passaria e em outros ele usava o cinema (A Invenção de Morel) como uma máquina de vida eterna, mas sem vida. Difícil? Imaginem a imagem da tela de cinema andando bem a sua frente: ela se emociona, chora, ri e não envelhece, mas você não pode tocá-la, não pode interagir, você só pode olhar. Nesse ponto a brincadeira entre vida eterna, alma e deus se invertem para uma história melancólica e cheia de suspense. Em casos como O Diário da Guerra do Povo temos a história de jovens que odeiam velhos, mas na verdade odeiam a velhice e temem tornarem-se tão inútil quanto todos. Parece meio triste? Mas imagine que Bioy Casares nunca afirma a veracidade dentro dos fatos da sua história, todas elas permeiam em devaneios e sonhos, entre esperanças e desilusões, e no fim deixam o leitor sem saber se tudo aquilo fora verdade. Ex: Um idoso tornar-se o grande amor da mais bela jovem da cidade. A maneira como Bioy descreve a situação deixa tudo dúbio. Os enredos tem essa mistura de fantástico, abordando o amor, mantendo o suspense e sempre questionando qual o papel do ser humano, espiritual ou físico, na terra, na época em que é descrita a história (pode ser tanto no Carnaval dos anos de 1930, quanto em um tempo sem tempo numa ilha deserta).

Em 1991 Bioy confirma sua fama e seu reconhecimento ao receber, em Alcalá de Henares, um dos maiores prêmios de língua espanhola, o Miguel de Cervantes, o que confirma definitivamente o valor e o renome de sua obra. Ao longo de sua trajetória ele recebe vários outros prêmios, convites para cursos, palestras, conferências, entre outros.

No ano de 1993, em Dezembro, Bioy sofre um forte abalo emocional. Sua esposa parte neste mês e, como se não bastasse a dor que esta perda lhe provoca, alguns dias depois sua filha, Marta, única descendente, morre ao ser atropelada.

Bioy Casares morre em sua cidade natal, Buenos Aires, em 1999, com 84 anos de idade, vítima de vários problemas provocados por sua idade já avançada. Quanto à morte, o escritor sempre afirmou temê-la e nunca desejou partir.

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Borges e Bioy
Ver anexo 49608


Bioy Casares no programa Roda Viva
Ver anexo 49609

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Trechos de entrevista para o Roda Viva em 1995:

Sobre o fim da literatura

Luciana Villas-Boas: O senhor não sente a literatura ameaçada?

Bioy Casares: Creio que sempre esteve ameaçada. O livro sempre esteve ameaçado, mas o livro sobreviveu até agora e continuará vivendo. Veja que o livro é algo que nos obriga a algo incômodo: temos que deixar de falar com os amigos e nos afastamos para ler. No entanto, se faz isso com toda a naturalidade e espero que se continue fazendo.

Sobre a aversão à tecnologia (temas recorrentes de A Invenção de Morel e Memórias)

Jorge Schwartz: Bioy, retomando a última pergunta, parece que você é avesso à tecnologia, em Memórias [1994], você se declara contra o fax e contra o computador. Agora, surpreendentemente, seu romance magistral A invenção de Morel [1940] é um precursor da holografia, de técnicas revolucionárias que apareceriam muito mais tarde do que a realidade virtual, quando ninguém falava nisso, no fim dos anos 30. Então, como o senhor explica que uma imaginação tão extraordinária, tecnológica, que vai pela ficção científica, seja tão avessa à tecnologia?

Bioy Casares: Eu não tenho tanto medo da tecnologia. Meu agente literário me presenteou com um fax e eu o uso com freqüência. Mas creio que, se pusesse tecnologia em minha literatura, ela seria muito desagradável. Uma senhora americana me escreveu uma carta, falando muito de realidade virtual. Não entendo nada disso. Espero, com o tempo, entender, mas, até agora, escrevi meus livros sem entender nada disso.

Sobre o mundo imaginário

Augusto Massi: O senhor sempre se refere a uma cena iniciática, emblemática, da sua descoberta, vamos dizer assim, do mundo imaginário. É a cena que o senhor entra no quarto da sua mãe e encontra o espelho de 3 faces. Eu gostaria que o senhor falasse um pouco sobre essa cena, como ela ocorreu e o impacto que ela teve para a sua literatura.

Bioy Casares: Bem, é um espelho de 3 faces e, nesse espelho, se via a realidade do quarto e eu mesmo em uma perspectiva infinita, repetida milhares de vezes. Foi o primeiro fato fantástico que aconteceu em minha vida e que, seguramente, me incitou a escrever sobre as coisas que se parecessem com esse reflexo tão maravilhoso. Borges disse que tenho horror a espelhos. Nada mais falso que isso. Sempre me senti atraído por eles, gosto até daquele verde em volta deles. Parecem-me lindíssimos.

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Augusto Massi: Mas o Borges, por exemplo, dentro dessa eleição, ele enumerava alguns autores como Júlio Verne [nome aportuguesado de Jules Verne (1828-1905), escritor francês de ficção científica que antecipou, entre outros feitos, a viagem do homem à Lua e o submarino)], Wells [Herber George Wells (1866-1946), escritor britânico de ficção científica cuja obra inclui A máquina do tempo, A guerra dos mundos e O homem invisível] e chegava mesmo a Francis Bacon [(1561-1626), filósofo, político e ensaísta britânico. Entre seus livros figura a obra inconclusa A nova Atlântida, que narra a vida dos habitantes da ilha utópica de Bensalem, governada por sábios-cientistas da Casa de Salomão], como quem, vamos dizer, teria dado a origem ao gênero da ficção científica. O senhor, quando adolescente, menino, que livros o senhor leu que o marcaram e o levaram a essa opção? Ou foi uma opção madura, já da idade adulta?

Bioy Casares: Os livros que li, sobretudo a história de Pinocchio [As aventuras de Pinóquio, clássico infantil de Carli Collodi, pseudônimo do escritor italiano Carlo Lorenzine (1826-1890)], o boneco que falava e se comportava como um homem. Possivelmente, isso me encaminhou em direção às invenções fantásticas.

Sobre a amizade com Borges e sobre escrever a quatro mãos

Matinas Suzuki: Qual era o aspecto da personalidade do Borges que mais cativava o senhor?

Bioy Casares: A inteligência de Borges era irreprimível. Ele estava sempre inventando coisas e sempre estava me propondo histórias. Ele gostava de falar de literatura como eu gosto. E nos sentíamos muito amigos.

Luciana Villas-Boas: Eu queria fazer uma pergunta sobre um aspecto particular dessa amizade, dessa colaboração. Eu acho muito difícil escrever com alguém. E eu queria saber como é que dois imensos talentos da literatura faziam quando se dispunham a escrever juntos? O senhor tem uma obra importante com ele.

Bioy Casares: Acho que esse "temos de escrever com outra pessoa" ocorre porque não se tentou escrever com outra pessoa. Quando duas pessoas escrevem juntas e não são vaidosas, escrevem muito mais fácil do que separadas. Todos sabemos, ao escrever, que, às vezes, paramos porque não sabemos como resolver uma frase, como começar a frase seguinte. E quando há duas pessoas, uma delas sempre sabe. Borges dizia que o lamentável de escrever textos juntos é que quando se escreve sozinho é mais difícil. Justo o que acontecia comigo.

Sobre Jorge Amado e Eça de Queiroz

Matinas Suzuki: Quais são os autores brasileiros que o senhor gosta?

Bioy Casares: Bem, sempre volto a Jorge Amado [(1919-2001)], de quem gosto muito. É que, quando gosto muito de um escritor, e ele está vivo, em geral, sou amigo dele.

Matinas Suzuki: Da língua portuguesa nas suas Memórias, que é este livro, o senhor menciona o Eça de Queiroz. Algum outro autor, em língua portuguesa, lhe interessou?

Bioy Casares: Não sei. Me interessou muito Eça de Queiroz. Li e reli em Buenos Aires As cidades e as serras [romance publicado em 1901, após a morte do autor], e aquele outro... Como se chama? A ilustre casa de Ramires [1900]. Puseram com “z” [Ramirez], na minha tradução, mas é com “s”. Que mais posso dizer?

Sobre latino-americanos

Luciana Villas-Boas: E latino-americano, em geral, o senhor acompanhou a produção pós-mundo do realismo mágico?

Bioy Casares: Não, realmente, não. Mas gosto muito de [Gabriel] García Marquez, de Vargas Llosa [Mario Vargas Llosa (1936-), jornalista, ensaísta e político peruano, é um dos maiores escritores de língua espanhola, reconhecido em nível mundial, autor de Conversa na catedral. Ver entrevista com Llosa no Roda Viva] eu gosto muito, de Guillermo Cabrera Infante [(1929-2005), escritor cubano, autor de Três tigres tristes, livro que trata da cultura, da música e da vida noturna de Havana antes da revolução. Tido como um dos principais expoentes da literatura cubana, foi adido cultural de seu país em Bruxelas, mas em 1965 assumiu-se como crítico do regime e se exilou na Inglaterra. Em 1997, recebeu o Prêmio Cervantes] gosto muito.

Sobre o pai

Rinaldo Gama: Eu gostaria de saber a influência que o seu pai [Adolfo Bioy] teve na sua formação, já que ele também era um literato e chegou a ser o seu primeiro editor, corrigir o seu primeiro livro.

Bioy Casares: Sim. Meu pai quis escrever e não escreveu. Era amigo de escritores, era amigo de Alfonso Reyes [(1889-1959), escritor, filósofo e diplomata mexicano. Considerado por Jorge Luis Borges o maior escritor de língua espanhola de todos os tempos, influenciou a geração seguinte não somente no México, como também na América Latina], era amigo de muitos escritores importantes que tivemos na Argentina. E, quando escrevi o primeiro livro, meu pai o corrigiu. Alguém descobriu essas correções e me disse que um escritor não devia permitir que ninguém o corrigisse. Eu discordo totalmente. O escritor deve pôr, acima do interesse pessoal, o interesse pelo texto. Se uma correção alheia é boa, deve aceitá-la imediatamente. Meu pai me fez crer que Torrendel, um editor argentino, havia comprado um livro meu e que estava disposto a publicá-lo. Sem dúvida, meu pai o havia pago, mas eu levei toda a vida para descobrir isso.
 
Última edição:
Mais algumas fotos do Casares:

Quem é Lima Barreto mesmo?
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Assinando os papéis do advogado
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Ahhh, a academia...
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Frases de Bioy Casares, ou de seus livros:

"Quanto a não discutir, Vidal dava-lhe razão. Falando, ninguém se entende. Entendemos a favor ou contra, como matilhas de cães que atacam ou repelem um inimigo circunstancial." Diário da Guerra do Porco

"Na velhice tudo é triste e ridículo: até o medo da morte." Diário da Guerra do Porco

“O destino é uma invenção útil dos homens” O Sonho dos Heróis

"Quem sabe o tom de Buenos Aires, descrente e vulgar, nos enganou." O Sonho dos Heróis

"Hoje, nesta ilha, aconteceu um milagre: o verão se adiantou." A Invenção de Morel

"Perco a vista. O tato se fez impraticável; minha pele cai; as sensações são ambíguas, dolorosas, procuro evitá-las." A Invenção de Morel

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Adolfo Bioy Casares e Ray Bradbury


Um trecho de Invasión, filme escrito por Casares e Borges em 1969. Os dois não aguentaram o fardo e se sentiram aliviados ao entregar o roteiro para o diretor antes que enlouquecessem. Borges comentou: “As pessoas superestimam nossa capacidade literária. Eu também acredito que se alguém sabe pintar, pode pintar a pedido um gato… [mas] talvez não tenha ganas”


 
Última edição por um moderador:
Pronto? Já puxaram o saco suficiente do Cantona e seu Liminha

Tá com ciuminho! :mrgreen:


Estou muito contente (mesmo) em saber sobre o Bioy Casares de quem, (confesso) nunca tinha ouvido falar.
Sem dúvida ele está na lista de autores que eu preciso ler.

Mas fiquei pensando aqui, que tipo de homem comenta com um AMIGO CEGO que é ruim não ver sem óculos?
:rofl:
 
Tá com ciuminho! :mrgreen:

Pelo contrário :D


Estou muito contente (mesmo) em saber sobre o Bioy Casares de quem, (confesso) nunca tinha ouvido falar.
Sem dúvida ele está na lista de autores que eu preciso ler.

Uma das razões para eu escolhê-lo é que poucas pessoas o conhecem, apesar de ser um expoente muito grande. Ele é um daqueles que quando se lê não quer mais largar. Juan Rulfo é outro que deveria ser mais conhecido, mas entendo que a sua pequena obras (dois livros) impeçam isso.

Por isso, eu indico os livros do Casares que mais gosto. Não é só um tipo de literatura, são várias no mesmo livro.

Mas fiquei pensando aqui, que tipo de homem comenta com um AMIGO CEGO que é ruim não ver sem óculos?
:rofl:

Borges era o primeiro a usar sua cegueira como forma de se divertir:

Pronto para dar uma conferência no Hotel Bauen, em Buenos Aires. Na sala, o público conversa sem parar. A organizadora, Silvia Gherghi, lhe pregunta se pede silêncio para que ele possa começar a conferência. Borges lhe pergunta se em cima da mesa há um copo d’água e uma jarra, como ele pediu. A organizadora diz que sim, e ele então comenta com um sorriso maroto: “então não peça silêncio. Eu vou fazer de conta que procuro o copo, lentamente, como se não pudesse encontrá-lo. Isso faz as pessoas se calarem rapidamente”
 
Última edição:
Borges sobre A Invenção de Morel (como Prólogo da edição brasileira):

Por volta de 1882, Stevenson observou que os leitores britânicos desdenhavam um pouco as peripécias e achavam ser prova de grande habilidade escrever uma novela sem argumento ou com argumento infinitesimal atrofiado. José Ortega y Gasset — em A desumanização da arte, 1925 — trata de explicar o desdém observado por Stevenson e, na página 96, declara "ser muito difícil, hoje em dia, inventar uma aventura capaz de interessar à nossa sensibilidade superior" e, na página 97, ser essa invenção "praticamente impossível". Em quase todas as outras páginas, faz a apologia da novela "psicológica" e opina ser o prazer das aventuras inexistente ou pueril. Tal é, sem dúvida, o parecer comum em 1882, em 1925 e ainda em 1940. Alguns escritores (entre os quais me apraz contar Adolfo Bioy Casares) acham por bem dissentir. Resumirei a seguir os motivos dessa dissensão.

O primeiro (cujo ar de paradoxo não quero destacar nem atenuar) é o rigor intrínseco da novela de peripécias. A novela característica, "psicológica", tende a ser informe. Os russos e os seus discípulos demonstraram, até à saciedade, que ninguém é impassível: suicidas por felicidade, assassinos por benevolência, pessoas que se adoram a ponto de se separarem para sempre, delatores por fervor ou por humildade... Essa liberdade plena acaba equivalendo à desordem mais completa. Por outro lado, a novela "psicológica" quer ser, também, novela "realista": prefere que esqueçamos o seu caráter de artifício verbal e faz de toda vã precisão (ou de toda lânguida imprecisão) um novo toque verossímil. Há páginas, há capítulos de Marcel Proust inaceitáveis como invenções — aos quais, sem nos apercebermos, nos resignamos como ao insípido e ao ocioso do cotidiano. A novela de aventuras, em troca, não pretende ser uma transcrição da realidade: é um objeto artificial, que não sofre nenhuma parte injustificada. O temor de incorrer na mera variedade sucessiva do Asno de Ouro, das sete viagens de Simbad ou do Quixote, impõe-lhe um argumento rigoroso.

Aleguei um motivo de ordem intelectual; existem outros de caráter empírico. Todos se queixam de que o nosso século é incapaz de tecer tramas interessantes; ninguém se atreve a comprovar que, se este século tem alguma primazia sobre os anteriores, essa primazia é a das tramas. Stevenson é mais apaixonado, mais diverso, mais lúcido, talvez mais digno da nossa amizade do que Chesterton; mas os argumentos que comanda são inferiores. De Quincey, em noites de minucioso terror, mergulhou no âmago de labirintos, mas não cunhou sua impressão de unutterable and selfrepeating infinities em fábulas comparáveis às de Kafka. Observa, com justiça, Ortega y Gasset que a "psicologia" de Balzac não nos satisfaz; o mesmo cabe afirmar quanto aos seus argumentos. A Shakespeare e a Cervantes agrada a idéia antinômica de que uma moça, sem que a sua formosura diminua, consiga passar por homem; nos nossos dias, esse móvel não funciona. Julgo-me isento de qualquer superstição de modernidade, de qualquer ilusão de que o passado difere intimamente do presente e de que este diferirá do amanhã; mas acho que nenhuma outra época possui novelas de argumentos tão admiráveis quanto os de The turn of the screw, Der Prozess Le Voyageur sur la terre ou como o desta, escrita, em Buenos Aires, por Adolfo Bioy Casares.

As ficções de índole policial — outro gênero típico deste século que não pode inventar argumentos — referem fatos misteriosos, logo justificados e ilus-trados por um fato lógico. Nestas páginas, Adolfo Bioy Casares resolve com felicidade um problema talvez mais difícil. Desenvolve uma Odisséia de prodígios que não parecem admitir outra clave que não a da alucinação ou a do símbolo, e decifra-os plenamente mediante um único postulado fantástico, mas não sobrenatural. O temor de incorrer em revelações prematuras ou parciais proíbe-me examinar aqui o argumento e as muitas sutilezas da execução. Basta-me declarar que Bioy renova literariamente um conceito que Santo Agostinho e Orígenes refutaram, que Louis Auguste Blanqui teorizou e que, com memorável música, Dante Gabriel Rossetti sintetizou:

I have been here before.
But when or how I cannot tell:
I know the grass beyond the door,
The sweet keen smell,
The sighing sound, the lights around the shore…

Em espanhol, são pouco freqüentes, ou mesmo raríssimas, as obras de imaginação raciocinada. Os clássicos exerceram a alegoria, os exageros da sátira e algumas vezes a mera incoerência verbal; de datas recentes, recordo apenas um ou outro conto de Las fuerzas extrañas e algum de Santiago Dabove — injustamente esquecido. La invención de Morel (cujo título alude filialmente a outro inventor ilhéu, Moreau) traz para as nossas terras e para o nosso idioma um gênero novo.

Discuti com o seu autor os pormenores da trama; reli-a. Não me parece imprecisão ou hipérbole classificá-la de perfeita.
 
Um trecho de A Invenção de Morel para vocês:

Alegrava-me ser um morto insone. Por esse prazer, descurei a cortesia; na frase podia haver uma censura implícita. Voltei, não obstante, a essa idéia. Creio que me cegavam: o gosto de me apresentar como um ex-morto; a descoberta literária, ou cafona, de que a morte era impossível ao lado dessa mulher. Dentro da sua monotonia, as aberrações eram quase monstruosas:

Um morto nesta ilha tu velaste.
Ou:
Já não estou morto: estou apaixonado.
Perdi a coragem. A inscrição de flores diz:
Tímida homenagem de um amor.
 
Eu tbm nunca tinha ouvido falar no Cliente do Pips.
Alguma indicação para primeira leitura?
 

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