Breno, quero que você entenda uma coisa: o que eu digo e repito que a Literatura é uma ciência (além de ser uma Arte e claro que inexata), não sou eu. É algo que vem desde Aristóteles/Platão e se estende até hoje com, por exemplo, Umberto Eco (talvez o melhor teórico literário vivo).
Aliás, todas as Artes são consideradas ciências, por isso se estuda Literatura e existem matérias como Educação Artística no currículo escolar.
Mais uma vez estive a conversar com a minha namorada sobre Arte hoje. Sou um pretenso escritor e ela desenhista/pintora, eu prestes a me formar em Letras e ela já formada (na mesma faculdade que eu sou discente). Estávamos conversando que tanto Duchamps (precursor do Dadaísmo) quanto os Modernistas (e o Manifesto Antropófogo) foram mal-interpretados e o são até hoje.
Expressão artística qualquer um faz. Eu posso fazer, você pode fazer, Paulo Coelho pode fazer, um Chimpanzé pode fazer (e um vendeu um quadro por $60.000), a Arte não. Arte é ciência porque existe uma técnica a ser aplicada, todo o trabalho e o esmero com as palavras (que é o que define a diferença entre um Umberto Eco com Pêndulo de Foucault e um Dan Brown com Código da Vinci) que eu tanto defendo mostra o manejo da técnica e o domínio sobre ela. Você mesmo, Breno, pode escrever um poema sobre Amor, mas nunca chegará aos pés de Camões (se um dia chegar, mudo de sexo. Não duvidando de sua capacidade, mas apostando na do grande poeta), porque ele dominava a técnica e a aplicava com perfeição.
Essa técnica é a chamada Estética e existem os mecanismos de análise para que seja identificada o manuseio dela dentro de uma obra. Os "critérios de avaliação" (conhecidos mais como análise) estão aí para serem usados e aplicados, ninguém formulou essas teorias sem motivo ou só porque não tinha nada melhor pra fazer.
Concordo que uma obra tem que ser boa pra você, isso é óbvio (a minha assinatura diz exatamente isso), mas não é você (felizmente) que determina o que é Arte (a não ser que seja um estudioso no assunto). Reduzir a Arte à algo tão vil, egoísta e parcial quanto o gosto é assassiná-la e desperdiçar tudo o que já foi escrito sobre esse assunto. Ignorar a crítica de alguma coisa (concordo que a maioria, hoje em dia, não presta) é ridicularizar os anos de estudo que aquela pessoa teve (e que outras também tiveram).
O que todos deveriam entender é que não é proibido gostar de porcaria (eu mesmo gosto de várias coisas horrendas e me divirto com elas), mas não ousem elevar aquilo ao status de Arte apenas por que você gosta: é infantil, grosseiro e desonroso. A Arte é uma ciência mutante, claro (como eu disse, inexata), mas os mecanismos e as mudanças podem ser analisadas e estudadas, já que a Estética (e o "nível" dela) determina boa parte (talvez toda) do que é ou não Arte.
Entretanto, se você quiser jogar fora uma série de pensamentos e estudos que datam desde a antigüidade clássica, fique à vontade, mas eu recomendo que os conheça antes que você os descarte. Gosto por gosto, temos Calypso, Paulo Coelho e Zorra Total como os grandes nomes artísticos desse Brasil baronil. Curioso é pensar que as Artes já encantaram a maioria da população mundial, hoje em dia é o contrário.
Enquanto continuarem à descer a Arte ao nível do gostar, não conseguirão alcançá-la. Apenas quando conseguirem passar por cima disso que as pessoas verão a Arte como ela realmente é.
Até lá, infelizmente, serão poucas as pessoas que se encantarão com a Arte (e não com meras expressões artísticas). Para se encantar, é preciso conhecê-la, para conhecê-la é preciso estudá-la, para estudá-la é preciso estudar os grandes artistas (que não são poucos e suas obras não são imortais por acaso) e entender (superando a mesquinhez do gosto) porque eles (e, bem mais, elas) são considerados tão grandes (e isso vai bem mais longe que uma mera aula de Literatura no colegial).
Bons escritores existem aos montes (como você mesmo disse), mas esses são apenas artistas sem a Arte. Artistas com a Arte existem poucos e são esses os grandes reverenciados. Saber captar o que deve ser escrito, todos captam, mas você mesmo diz: o que deve ser escrito é saber trabalhar as palavras. Ou você acha que "O belo rapaz cruzou o mar de piche" é o mesmo que "O garoto bonito atravessou a rua"?
Recomendo que, novamente, se apegue aos textos que falem sobre "Amor". Temas existem poucos (e eles são constantemente os mesmos na história das Artes), o que diferencia um bom escritor de outro é o COMO se escreve e não SOBRE o que se escreve. Por isso que existe o 10% inspiração e 90% transpiração.
Enfim, acredito que não tenho nada mais a dizer sobre isso.
PS: antes que você diga qualquer coisa, Fernando Pessoa não ouvia vozes na sua cabeça nem nada disso, ele apenas criou outros personagens que muitos acreditaram ser reais durante muito tempo (existiam pessoas que foram até o endereço do Ricardo Reis no Rio de Janeiro). Aliás, existem teorias malucas que dizem que o próprio Fernando Pessoa era um heterônimo. Outra coisa curiosa é que, geralmente, a poesia é analisada como sendo de Ricardo Reis, por exemplo, não poesia do Fernando Pessoa.
PS2: Código da Vinci é O Pêndulo de Foucault para crianças de jardim de infância, recomendo fortemente a leitura desse livro do Umberto Eco (sim! Além de teórico respeitado ele é escritor renomado!)