Pips
Old School.
Olhando o tópico da Anica sobre as vendas e publicações nas editoras brasileiras, resolvi abrir esse tópico sobre a FLIP e a revolta de Marcelo Mirisola com esse evento anual. Claro que Paraty tem coisas boas, mas é sempre bom saber outras opiniões de um evento que tem grande destaque no calendário de muitas pessoas.
Mirisola na FLIP 2006 disse:Não me convidaram para essa festa pobre. Nem a mim nem ao Cazuza. Ele porque já foi pro beleléu,eu porque sou um falastrão,e devo representar alguma espécie de ameaça ao convívio de tão ilustres,sociais e educados escribas. O mundo das letras (digo a indústria, a máquina de fazer dinheiro) é colorido, e fofo. E pode - como uma propaganda do Unibanco -, ser irresponsável, e perigoso. Da mesma forma que inventa idílios em Paraty, ajambra periferias e escritores para propagandear qualquer lugar que lhe convém; desde esse insuspeito arraial literário até alcançar o Piauí, não, não é o Estado do qual Nelson Rodrigues duvidava da existência, trata-se da "Revista Piauí" - que será - dizem... - oportunamente lançada nessa simpática Paraty sem rede de esgoto.
João Moreira Salles, além de editor da revista, cineasta premiado e mauricinho lírico incontestável, é dono do banco supracitado, e patrocinador da festa.
Não conheço Joãozinho Salles, nem vi a revista.Só sei dizer que devo um dinheirão de juros pros bancos. Mas nem é preciso especular para saber que a qualidade gráfica da "Revista Piauí" deve ser Suíça. E os textos ... milionários.
Não, também não me convidaram para escrever na "Piauí". Estou aqui - é bom avisar - na condição de escritor profissional, ou, se preferirem, correspondente de guerra. Dava na mesma se me enviassem para a fronteira da Síria com o Líbano. Meu espírito é esse. Sempre foi, é bom que se diga. O legal da história é que passarei quatro dias enchendo a cara, e flanando por conta dessa festinha caipira , e - como não poderia deixar de ser - claro, ainda vou ganhar uns trocados. Bicão mas sem perder a elegância.
Quem arrumou para mim esse Spa que inclui transporte, hospedagem, fuzis, e tudo na faixa, foi o Marcelino Freire. Paraty – para mim - começou ontem à noite na Mercearia São Pedro. Um lugar em São Paulo, na Vila Madalena (para o leitor desavisado do Zero Hora) onde se faz negócios, conchavos, sexo no banheiro, consome-se drogas leves e pesadas, fala-se bem dos amigos e mal dos inimigos e na maioria dos casos purga-se a falta de talento enchendo-se a cara até o dia amanhecer. Às vezes os autores da casa publicam antologias. Às vezes quebram o bar. Nada demais. A diferença pros outros butecos é o sanduíche de carne assada e a simpatia de Marquinhos, dono do buteco. O primeiro item é meio caro mas justifica o segundo; ou seja, o sorriso impagável de Marquinhos, atrás do balcão.
De uns tempos pra cá, o "agitador" Marcelino Freire anda – merecidamente ... - festejado no meio literário, e desfruta de camarote na Mercearia São Pedro. Foi lá que apiedou-se desse escriba nada modesto, e resolveu mandá-lo para Paraty antes de ser solicitado no sentido de arrumar-lhe um emprego, dinheiro emprestado, favores sexuais e/ou algo mais sórdido do tipo... um Jabuti. Na verdade, iria lhe pedir as horas.Só isso. Ele que insistiu na garrafa de "Periquita". Fazer o quê?
Agora estou aqui nessa cidadezinha de merda, cercado por chiliques nacionais e internacionais, pela paisagem sonífera que encantou Debret, e pedras a judiar dos meus ligamentos; ladeado por escritores "engajados"... (me pergunto: "engajados no quê? Na chatice?") e - evidentemente - atrás de uma maria-rodapé pra comer acompanhada com feijão grosso e costelinha de porco.
Fiquei sabendo que não me convidaram para essa festa porque, entre uma maria-rodapé comida no almoço e um porre de cachaça seguido dos vexames de praxe, eu poderia falar ao vivo e a cores as mesmas coisas desagradáveis que estou escrevendo aqui e agora: de frente para o mar e para a bandeja de queijadinhas. Tolos.
Quanto ao homenageado dessa edição, acertaram na mosca. Jorge Amado, esse xarope filhinho de papai Stálin, é o autor perfeito para se prestar homenagens; perfeito em vida e mais perfeito depois de morto. Existem autores com essa vocação. A outra categoria são os que fazem literatura pra valer. Esses dispensam homenagens. Melhor mesmo lê-los. Uma dica. Leiam "O Sobrinho de Wittgenstein", de Thomas Bernhardt. Nada a ver com esse ar civilizado de Paraty, nada, nadinha a ver com barquinhos ancorados defronte cafezinhos metidos a besta. Talvez "Árvores Abatidas" do mesmo Bernhardt tenha mais afinidade com a atmosfera de falcatrua dessa Paraty. Ora, leiam toda a obra de Bernhardt, e concordarão comigo.
Penso mesmo que Jorge Amado, o "baiano profundo", não tem cacife sequer para ser a micose de unha de um Juliano Garcia Pessanha, que - a propósito - é admirador número um da obra de Bernhardt. Menos mal que esse ano tenham convidado Pessanha. A palestra dele foi a melhor coisa que podia ter acontecido nessas plagas. Para quem não o conhece, J.P, além de ganhar a vida ensinando Blanchot e Cioran para as madames de Higienópolis, é autor de um livro fundamental chamado "Certeza do Agora".
A vida é simples. Os livros do Juliano esgotados. Um esclarecimento: Maria- rodapé não é um quitute que a mãe de Thomas Mann preparava quando sentia nostalgia de Veneza, mas sim um avanço tecnológico das antigas groupies dos tempos áureos do Rock and Roll. São garotas que, em suma, dão pros caras porque eles aparecem nos jornais, ou tem uma bandinha, ou, sei lá, usam camisetas pretas, ou nesse caso específico, freqüentam jornais, antologias e revistas especializadas do circuito Vila Madalena-Paraty. Ou seja, tipos descolados que assobiam, chupam e entornam uma cana ao mesmo tempo, e não necessariamente escrevem coisas que valham a pena ser lidas. Isso é um detalhe, concorda dona Zélia?
Lilliam Ross, a famosa editora da New Yorker, está evidentemente puxando a sardinha para o lado dela. Independente do charme e do talento dessa senhora e de seus assemelhados, eles, a meu ver, jamais passarão de coadjuvantes. No máximo - e com muita boa vontade - eu diria que são fofoqueiros chiques. Bobagem da senhora Ross afirmar que o "romance-reportagem" remonta a uma tradição que vem de Daniel Defoe. Um livro - independente do gênero - se for bom, não precisa de alvarás para existir. Tanto faz se o autor é cozinheiro, alpinista, caixa de supermercado, ou um jornalista paparicado por seus iguais. Esse argumento é fajuto e facilmente contestado pelo simples fato de que na época em que Daniel Dafoe escreveu "Diário do Ano da Peste" ele, antes de ser comerciante, dono de jornal ou qualquer outra coisa, era um ESCRITOR, e o "Novo Jornalismo" era uma balela a ser inventada muitas décadas depois para dar um verniz a jornalistas bem-sucedidos metidos a estrelas de festa de pobre. Minha arrogância e vaidade não são nada perto da timidez ambiciosa dessa gente. Tenho que ser grosso e bater forte nesse caso. Isso aqui, caro leitor, é um serviço de utilidade pública. Um aviso para garotões sarados da nossa imprensa não se meterem a besta. Talvez não tenha utilidade alguma. Quem sou eu? Se um Daniel Piza da vida cismar que reinventou Machado de Assis, ninguém - nem a justiça que livrou a barra de Pimenta Neves - irá segurá-lo. Quem avisa amigo é.
A única coisa animada nessa cidade é a arquitetura brega de um Supermercado que destoa da monotonia da paisagem e das vendinhas furrecas que o cercam. Devia chamar Supermercado Companhia das Letras (leia-se Unibanco). Seria a única coisa honesta que eventualmente poderia acontecer nesse lugar. João Ubaldo Ribeiro entendeu o safári que era isso aqui, e declinou do convite. Ou ainda. O vaivém de artistas e gente metida a artista para cima e para baixo é uma invenção dessa editora-agência bancária para promover seus autores, e futuros devedores. Nada mais do que isso. Foi assim até a segunda ou terceira edição. O negócio cresceu, a mídia mordeu a isca, e já estava dando muito na cara. Não podia ficar desse jeito. Aí convidaram uma enxurrada de pangarés de outras editoras, rappers, caetanos, chicos e tipos afins metidos a escritores para animar a festa. Até o Gugu Liberato, na segunda ou terceira edição, apareceu por aqui. Dos "artistas", a meu ver, o animador de auditório foi o mais autêntico. Uma vez que não teve de representar nada diferente do que efetivamente faz e do que realmente é. Um palhaço sem talento no picadeiro de um riquíssimo cirquinho de horrores. Paraty, 2006.