Esse é um texto meu do ano passado que vai te ajudar a entender o que é um Dicionário Analógico:
Thesaurus, a arma do escritor
Quando comecei a encarar o ato de escrever com mais seriedade, entrei numas de querer mistificar o processo criativo. Talvez por influência de alguns escritores famosos, que fazem todo aquele rodeio na hora de escrever. Tem um que escreve durante três horas corridas para depois jogar tudo fora, sem dó. Serve só de aquecimento para o que está por vir. E outra que escreve em data certa, à luz de velas e todo aquele clima. Mas não sendo eu António Lobo Antunes nem Isabel Allende, me contentava em bagunçar a minha escrivaninha pra ficar com ares de gente ocupada. Quem não liga pra coisinhas bobas como organização, decerto se põe a pensar em questões mais filosóficas. Eu falsificava um caos interno pra ver se saía alguma luz de dentro de mim.
Ou, então, apelava para meus padroeiros: deixava um livro grosso do Rubem Braga por perto, na esperança de, nas horas de sufoco, ouvir a voz do mestre, dizendo “vai, menino, estou com você!”. Mesmo com toda a minha descrença, cheguei a orar por São Francisco de Sales, o padroeiro dos escritores e jornalistas. Sem contar que eu deixava à vista uma estatuazinha do Dom Quixote, pra ver se a engenhosidade do fidalgo me ajudava de alguma forma. Ainda bem que, com o tempo, eu fui deixando essas bobagens para trás – embora, confesso, ainda tenho a estatueta na minha mesa.
Essa introdução pessoal foi só pra preparar o clima do que vou dizer agora: se você quer escrever e procura boas ferramentas, esqueça os santos e os mortos. Procure os dicionários. Mais especificamente, os dicionários da Lexikon, uma editora especializada nesse tipo de publicação. Existe um que se destaca no catálogo da editora: o Dicionário Analógico da Língua Portuguesa, do filólogo Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. Eu o descobri um pouco por acaso. Acho que foi quando andei lendo essas dicas que escritores famosos dão a aspirantes do ofício e notei que ninguém falava dos dicionários. Fui atrás e descobri essa pérola, também chamada de Thesaurus ou de Dicionário de Ideias Afins. Ele tem função inversa à de um dicionário comum, que informa os significados a partir de uma palavra conhecida. No Thesaurus, deve-se procurar a idéia que se quer exprimir. Procura-se pelo grupo “dimensões”, por exemplo, e nele encontram-se subdivisões, como “tamanho”, que nos dá “grandeza, enormidade, colossalidade, gigante, titã, Golias” etc. Aí vêm os verbos, os adjetivos e os advérbios. Em oposição, temos a subdivisão “pequenez”, que nos dá os antônimos da anterior, também organizados em verbos, adjetivos e tal. São mil grupos principais para orientar sua busca. Cito algumas, só pra deixar claro o alcance vocabular do bicho: existência, generalidade, composição, igualdade, intervalo, som de coisas, velocidade, secura, visão, transparência, escolha, casualidade, necessidade, descrição, riqueza, penalidade, virtude, desrespeito.
Enfim, este dicionário me ajuda sobretudo nos momentos de lapso lexical. Você sabe o que quer passar, manja a ideia, mas não encontra a palavra apropriada. Esse problema, saiba, não é de exclusividade nossa, meros amadores – muitos escritores e compositores são assombrados por esse mal, que me era superior até eu enfileirar o Dicionário Analógico da Língua Portuguesa na minha estante. Falando em escritores e compositores, o prefácio fica por conta de ninguém menos que Chico Buarque. Veja:
"Pouco antes de morrer, meu pai me chamou ao escritório e me entregou um livro de capa preta que eu nunca havia visto. Era o dicionário analógico de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. Ficava quase escondido, perto dos cinco grandes volumes do dicionário Caldas Aulete, entre outros livros de consulta que papai mantinha ao alcance da mão numa estante giratória. Isso pode te servir, foi mais ou menos o que ele então me disse, no seu falar meio grunhido. Era como se ele, cansado, me passasse um bastão que de alguma forma eu deveria levar adiante. E por um bom tempo aquele livro me ajudou no acabamento de romances e letras de canções, sem falar das horas em que eu o folheava à toa; o amor aos dicionários, para o sérvio Milorad Pavic, autor de romances-enciclopédias, é um traço infantil no caráter de um homem adulto.
Palavra puxa palavra, e escarafunchar o dicionário analógico foi virando para mim um passatempo (desenfado, espairecimento, entretém, solaz, recreio, filistria). O resultado é que o livro, herdado já em estado precário, começou a se esfarelar nos meus dedos. Encostei-o na estante das relíquias ao descobrir, num sebo atrás da Sala Cecilia Meireles, o mesmo dicionário em encadernação de percalina. Por dentro estava em boas condições, apesar de algumas manchas amareladas, e de trazer na folha do rosto a palavra anauê, escrita a caneta-tinteiro.
Com esse livro escrevi novas canções, decifrei enigmas, fechei muitas palavras cruzadas. E ao vê-lo dar sinais de fadiga, saí de sebo em sebo pelo Rio de Janeiro para me garantir um dicionário analógico de reserva. Encontrei dois, mas não me dei por satisfeito, fiquei viciado no negócio. Dei de vasculhar livrarias país afora, só em São Paulo adquiri meia dúzia de exemplares,e ainda arrematei o último à venda na Arnazon.com antes que algum aventureiro o fizesse. Eu já imaginava deter o monopólio (açambarcamento, exclusividade, hegemonia, senhorio, império) de dicionários analógicos da língua portuguesa, não fosse pelo senhor João Ubaldo Ribeiro que ao que me consta também tem um, quiçá carcomido pelas traças (brocas, carunchos, gusanos, cupins, térmitas, cáries, lagartas-rosadas, gafanhotos, bichos-carpinteiro.
A horas mortas, eu corria os olhos pela minha prateleira repleta de livros gêmeos, escolhia um a esmo e o abria a bel-prazer. Então anotava num Moleskine as palavras mais preciosas, a fim de esmerar o vocabulário com que eu embasbacaria as moças e esmagaria meus rivais".