Eu entendi o ponto, mas aí eu respondo, novamente, com outra pergunta: eu poder prever o que minha namorada irá fazer, retira a liberdade dela? Mas o perigo desse seu argumento é talvez querer, com a Física, englobar conhecimentos que podem não ser da área dela. Talvez um Físico poderia querer ignorar a Psicologia ou mesmo todas as Ciências Humanas e passar a querer "prever" ou estudar tudo sob ótica de partículas, ou seja, prever comportamentos humanos apenas analisando suas partículas.
Olhando por esse lado, aí talvez sim seja fácil cair em "destino" ou em falsa liberdade. Mas isso seria uma ótica da Física, ou melhor, de uma corrente da Física. Do ponto de vista das Humanas, eu não vejo problema nenhum com livre arbítrio.
Não vejo essa contraposição que você coloca. Se há uma diferença entre a física e as ciências exatas em geral com as ciências humanas são questões práticas, não de princípio. Questões essas que existem dentro das próprias exatas e também dentro da própria física. O exemplo mais conhecido nesse sentido é a teoria cinética dos gases, que aceita que os gases são constituídos de partículas, mas não procura descrever uma a uma o movimento e o estado de cada uma delas, o que seria impossível, e sim o comportamento geral do gás, como um todo, trabalhando com grandezas macroscópicas (pressão, temperatura, etc). Porém, ele aceita e parte do pressuposto que a princípio seria possível estudar cada uma das partículas individualmente e depois somar esse estudo para ter um conhecimento global, macroscópico - não o faz porque requereria um tempo e esforço interminável para processar e interpretar todas as informações.
Isso ocorre analogamente nas demais ciências. A biologia não nega que o homem seja composto por partículas, mas não se interessa por estudar cada uma delas, não porque não acredita que o homem seja um conjunto de partículas, agindo conforme as leis que regem todas as partículas, e sim porque quer saber o comportamento global delas. E global pode ser o comportamento tanto de uma célula quanto de um corpo animal inteiro, dependendo do foco de estudo.
A psicologia também quer saber, no fundo, o comportamento do indivíduo humano (e também animal), não o aspecto "vegetativo" do corpo, mas tudo aquilo ligado ao conhecimento, emoções, etc. As ciências sociais e econômicas vão ainda mais longe, não ligando sequer para um indivíduo, mas para o comportamento coletivo.
Mas nenhuma dessas ciências afirma que, a partir de um nível, que as partículas constituintes do homem são especiais a ponto de nelas não valerem as leis da física comum (como se em meu corpo houvesse uma força livre "Rafael", que age só no meu corpo e apareceria quando a complexidade do conjunto de partículas fosse gigante - não, as forças não mudam com a complexidade). Elas só não a aplicam diretamente pois seria inviável fazê-lo, do ponto de vista prático.
Se eu mostro um chocolate para uma criança, por exemplo, decerto ela vai querer (digo em geral, pois sei que há tanto crianças particulares quanto culturas inteiras que esse não seria o comportamento esperado). Mas por trás da lei "criança + chocolate = pentelhação", há diversas leis físicas envolvidas, de como a luz refletira no chocolate para a retina da criança, que excitará átomos das células da retina, que causará diversos impulsos elétricos, que percorrerão a estrutura cerebral, que processará todos os impulsos e "identificará" o objeto como algo desejável, e enviará a resposta para o restante do corpo, como o braço ou as cordas vocais, indicando a reação adequada. Mas a psicologia não liga para nada disso e escreve o mesmo efeito sobre uma outra linguagem (muitas vezes viajando, como no caso da psicanálise, mas muitas vezes sendo bastante coerente, como a psicologia comportamental, cognitiva, etc), pois está interessado em outros aspectos - mas nenhuma psicologia, ou ciência humana, nega esse fundamento material e físico.
Então não vejo por que fazer essa separação, como se ciências humanas e exatas pregassem algo essencialmente diferente.... por isso, ou você acredita que todas partículas, mesmo a mais simples, é livre e o conhecimento que o homem tem de seu comportamento não influi nisso, ou nenhuma partícula ou conjunto de partículas, o homem incluso, é livre. Mas, se você não apela à metafísica ou espiritualidade (do contrário é fácil, bastaria considerar por exemplo o homem como único ser com alma), não sei se há de fato diferença nisso ou se se trata-se de escolha de palavras. Ora, digamos que o homem seja de fato livre mas retiremos sua liberdade. Qual seria a diferença? Que tipo de comportamento mudaria? Empiricamente, nenhum. Então é questão de você observar a empiria e ver se a palavra "livre" cai bem.
Ora, é fisicamente impossível que a uma criança (normal biologicamente e com experiência de vida comum) veja um chocolate e fale "vou ler o post do Paganus"
, para que ela pudesse fazer isso, teria que ter um cérebro “fora de linha” – poderia ter registros de um condicionamento que a levou à crença de que, falando tal bobagem, ganharia um chocolate, por exemplo, ou por algum motivo estar fora de habilidades mentais normais. Esse não é o caso de uma criança normal, então essa possibilidade não é algo que ela realmente poderia fazer, mas que por deliberação não o fez – seria impossível ela dizer aquilo, ela teria que ter um outro cérebro. Assim como a bola não poderia escolher ir para cima quando solta perto na terra, ou a bússola ficar na direção leste-oeste - ora, a bússola realizaria toda vez uma livre escolha? Ou, para ficar num exemplo menos (mas ainda) distante, a calculadora do Windows não "livre escolheu" o resultado 2 dentre todos os outros para 1+1, e sim é resultado de todas reações elétricas e de outro tipo que ocorrem na CPU, projetadas para dar o resultado correto. E “quem” “projetou” o cérebro para dar o resultado correto? A seleção natural.
Não me vejo e não gosto de bancar o cientificista, e acredito também numa espécie de liberdade não só humana como geral, mas num sentido diferente do que está sendo descrito aqui, por isso as objeções de caráter mais cientifizado.