Maycon Aguiar
Usuário
[align=justify]Resultado em mãos. Não havia um modo de retornar, uma simples contramão, uma guinada forte e uma freada súbita e seguir em outra direção. Eu estava encurralado. Podia ouvir os gemidos agourentos da morte em meus ouvidos. Pude sorrir com aquilo. Seria a última ironia de minha vida, sentir-me atraído pelo turbilhão que me encaminha a destruição. Eu não poderia abraçá-la, deixar ser afagado, não antes de meu destino estar irrevogavelmente selado. Libertei-me do aperto mastodôntico de minha gravata cinza, resquício de uma viagem feita a Londres. A despedida seria meu pior passo, a certeza do desamparo dos amados. Bruno e Márcia poderiam não mais existir, e resignei-me com isso. A espera era torturante, e a expectativa de concretizar o ato, poderia ser letal. Meu gélido grito soou cortante, em meio ao silêncio estéril. Minhas mãos vagamente percorreram a superfície de meus lábios, tentando suprimir a última nota daquele agudo. Morrer, afinal não possuía uma certa sensação, era uma sinestesia. Meus sentidos embaralhavam-se. Sentia a aspereza de minha língua, o amargo gosto de féo em meus ouvidos, farejava as palavras que justificavam minha covardia e ainda assim elas pareciam fugir-me. A confiabilidade do impresso naquele pequeno pedaço alcalino de A4 moveu-me, serviu de impulso. Ajeitei a única bala de que precisaria no tambor de meu velho revólver. Era estranha uma coisa tão pequena ser tão pesada, e tão temida. Fechei-o com o clique e o posicionei em minha cabeça, um pouco acima da orelha direita. “Adeus mãe, pai.” Apertei o gatilho. O som do metal cortando o vazio foi enervante. Respirei profundamente. “Isso não seria um sinal?”. Contudo estava firme com minha decisão. “Adeus Caio, Ana e Flávia. Você principalmente Beto.” E cliquei novamente a pequena arma. Ao perceber a minha sorte de novamente atirar sem uma bala, fraquejei. “Não há mais esperança para mim! AIDS cara! Viverei no máximo um ano. Por que não me poupar todo o sofrimento desse período latente?” Eu iria testar agora, o máximo da elasticidade de minha sanidade. Morrer, para fazê-la viver é fácil. “Tomar consciência do ato e despedir-me é demais para mim.” Levantei o punho mais uma vez, tentando pensar o menos possível. “Adeus Márcia”. Não consegui seguir em frente. Os joelhos fraquejaram quando meus olhos romperam-se em lágrimas. Fui de encontro ao chão; já não estava em mim. Quando percebi o caminho pelo qual enveredei, o estampido seco e estrondosamente alto feriu meus ouvidos. Só tive tempo apenas para registrar o ponto vermelho vibrante vindo em minha direção. Então, escuridão. Pela segunda vez naquelas horas brevíssimas, tive o vislumbre de como seria morrer. Era mágico! Alegrei-me naquele momento por ter feito. O ser divino que segurava minhas mãos com garras de ferro era maravilhoso. Ofuscava minha visão tentar focalizar seu rosto. Ela percebeu o esforço que eu fazia para afugentar a inconsciência, e sorriu. Seus lábios separaram-se e cantaram. “Ainda bem que você está aqui. Do contrário seriam dois velórios ao invés de um único.” Finalmente, após muito esforço, focalizei o alvo rosto de Márcia a minha frente. Só tinha forças para agradecer não ter encontrado o fim, que pudesse ver aquele sorriso de novo, brilhando forte. E pensar que por longos minutos ele quase se apagou.[/align]