Indu
cynthia

"Conheci ela no jazz. Essa frase pode parecer romântica se você imaginar alguém tocando Cole Porter num subsolo esfumaçado de Nova York. Mas o jazz em questão era aquela aula de dança que todas as garotas faziam nos anos 1990 –onde ouvia-se tudo menos jazz. Ela fazia jazz. Minha irmã fazia jazz. Eu não fazia jazz mas ia buscar minha irmã no jazz. Ela estava lá. Dançando. Nunca vou me esquecer: a música era "You Oughta Know", da Alanis.
Quando as meninas se jogavam no chão, ela ficava no alto. Quando iam pra ponta dos pés, ela caía de joelhos. Quando se atiravam pro lado, trombavam com ela que se lançava pro lado oposto. Os olhos, sempre imensos e verdes, deixavam claro que ela não fazia ideia do que estava fazendo. Foi paixão à primeira vista. Só pra mim, acho.
Passamos algumas madrugadas conversando no ICQ ao som de Blink 182 e Goo Goo Dolls. De lá, migramos pro MSN. Do MSN pro Orkut, do Orkut pro inbox, do inbox pro SMS.
Começamos a namorar quando ela tinha 20 e eu 23, mas parecia que a vida começava ali. Vimos todas as séries. Algumas várias vezes. Fizemos todas as receitas existentes de risoto. Queimamos algumas panelas de comida porque a conversa tava boa. Escolhemos móveis sem pesquisar se eles passavam pela porta. Escrevemos juntos séries, peças de teatro, filmes. Fizemos uma dúzia de amigos novos e junto com eles o Porta dos Fundos. Fizemos mais de 50 curtas só nós dois —acabei de contar. Sofremos com os haters, rimos com os shippers. Viajamos o mundo dividindo o fone de ouvido. Das dez músicas que mais gosto, sete foi ela que me mostrou. As outras três foi ela que compôs. Aprendi o que era feminismo e também o que era cisgênero, gas lighting, heteronormatividade, mansplaining e outras palavras que o Word tá sublinhando de vermelho porque o Word não teve a sorte de ser casado com ela.
Um dia, terminamos. E não foi fácil. Choramos mais que no final de "How I Met Your Mother". Mais que no começo de "Up". Até hoje, não tem um lugar que eu vá em que alguém não diga, em algum momento: cadê ela? Parece que, pra sempre, ela vai fazer falta. Se ao menos a gente tivesse tido um filho, eu penso. Levaria pra sempre ela comigo.
Essa semana, pela primeira vez, vi o filme que a gente fez juntos —não por acaso uma história de amor. Achei que fosse chorar tudo de novo. E o que me deu foi uma felicidade muito profunda de ter vivido um grande amor na vida. E de ter esse amor documentado num filme —e em tantos vídeos, músicas e crônicas. Não falta nada."
Quando as meninas se jogavam no chão, ela ficava no alto. Quando iam pra ponta dos pés, ela caía de joelhos. Quando se atiravam pro lado, trombavam com ela que se lançava pro lado oposto. Os olhos, sempre imensos e verdes, deixavam claro que ela não fazia ideia do que estava fazendo. Foi paixão à primeira vista. Só pra mim, acho.
Passamos algumas madrugadas conversando no ICQ ao som de Blink 182 e Goo Goo Dolls. De lá, migramos pro MSN. Do MSN pro Orkut, do Orkut pro inbox, do inbox pro SMS.
Começamos a namorar quando ela tinha 20 e eu 23, mas parecia que a vida começava ali. Vimos todas as séries. Algumas várias vezes. Fizemos todas as receitas existentes de risoto. Queimamos algumas panelas de comida porque a conversa tava boa. Escolhemos móveis sem pesquisar se eles passavam pela porta. Escrevemos juntos séries, peças de teatro, filmes. Fizemos uma dúzia de amigos novos e junto com eles o Porta dos Fundos. Fizemos mais de 50 curtas só nós dois —acabei de contar. Sofremos com os haters, rimos com os shippers. Viajamos o mundo dividindo o fone de ouvido. Das dez músicas que mais gosto, sete foi ela que me mostrou. As outras três foi ela que compôs. Aprendi o que era feminismo e também o que era cisgênero, gas lighting, heteronormatividade, mansplaining e outras palavras que o Word tá sublinhando de vermelho porque o Word não teve a sorte de ser casado com ela.
Um dia, terminamos. E não foi fácil. Choramos mais que no final de "How I Met Your Mother". Mais que no começo de "Up". Até hoje, não tem um lugar que eu vá em que alguém não diga, em algum momento: cadê ela? Parece que, pra sempre, ela vai fazer falta. Se ao menos a gente tivesse tido um filho, eu penso. Levaria pra sempre ela comigo.
Essa semana, pela primeira vez, vi o filme que a gente fez juntos —não por acaso uma história de amor. Achei que fosse chorar tudo de novo. E o que me deu foi uma felicidade muito profunda de ter vivido um grande amor na vida. E de ter esse amor documentado num filme —e em tantos vídeos, músicas e crônicas. Não falta nada."
O texto divide opiniões:
- Os pós:
bom dia pra quem acordou chorando com o Gregório falando da Clarice.
— malu (@ohbadkids) 12 de setembro de 2016
Eu chorando com o texto do Gregorio sobre Clarice em plena segunda-feira. Obrigada, Gregorio.
— natinha (@xnthmstrx) 12 de setembro de 2016
Chorando uns baldes depois de ler a fofura de coluna do Gregório hoje. Que lindo…https://t.co/CHloDdc90j
— Luciana M. (@chubiru_) 12 de setembro de 2016
Que lindo o texto do Gregório. O amor, seja lá como ele findou, é genuinamente lindo. https://t.co/tYAFytme4u
— Nilton Pessoa (@NiltonPessoaa) 12 de setembro de 2016
Ai que lindo gente!!
Chorei ❤
Que bom que vc existe Duvivier!!
GREGORIO DUVIVIER
Desculpe o transtorno, preciso... https://t.co/p7cKrYj4Wf
— Ana Luísa Costa (@Nalu_Costa) 12 de setembro de 2016
- Os Contras:
Desculpe o transtorno, mas o texto fofo e romântico que você leu hoje é marketing para o filme Desculpe o Transtorno.
— sêo dudu (@duduwins) 12 de setembro de 2016
desculpe o transtorno precisamos falar sobre marketing e não este relacionamento que usamos para marketing
— brunna (@leslyeknope) 12 de setembro de 2016
Desculpe o transtorno, mas preciso arranjar um jeito ridículo e sem noção de expor sua vida divulgando meu filme.
— caroline (@powsmolder) 12 de setembro de 2016
Desculpe o transtorno, preciso falar...Gregório é marqueteiro!
— Rafaellah (@ridikward) 12 de setembro de 2016
incrivel a jogada de marketing do gregorio + clarice pra divulgar o filme deles, com direito a textão e tddd
amei!!!!!!!
— camila (@fraseperdida) 12 de setembro de 2016
Paródia do Rafinha Bastos:
Desculpe o transtorno, Gregorio. Preciso muito falar da Junia.
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Meu amigo, Gregorio Duvivier. Li a tua declaração de amor a Clarice na Folha. Curti muito, claro, mas confesso que fiquei abismado com o número de amigas que compartilharam o link com frases como "isso que é amor", "eu quero um amor assim" e "é lindo quando a gente encontra um amor de verdade".
A minha visão de "amor de verdade" é bem diferente. Permita-me contar a minha história.
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Não conheci ela no jazz, na infância nem no ICQ. A primeira vez que nos vimos, foi numa balada alternativa (pra não dizer dos infernos) no centro de São Paulo. Era 4h30 da manhã e a festa já estava vazia. Eu tinha 3 opções: o travesti que fazia cover da Madonna, a tiazinha da limpeza ou a Diolinda, chefe do caixa (que depois virou minha amiga).
Foi quando do meio daquele cenário de destruição, ela apareceu. Foi como se uma sereia tivesse saído do rio Tietê. Lembro dela ter dito: "Oi". Fiquei eufórico. Sei que um "oi" não é grande coisa, mas, naquele cenário, só dela não me pedir uma pedra de crack já era um ótimo sinal.
Ficamos uma, duas, três vezes. Na quarta ela se mudou pra minha casa. Eu não questionei. Minha única companhia nessa cidade era um pote de manteiga que eu guardava debaixo do sofá. A entrada dela na minha vida era quase uma necessidade (na verdade eu meio que namorava com uma stripper, mas não vale o destaque. Uma amiga me contou que ela deu uma facada num cara… sei lá. Uma mulher muito estranha).
Desde de que conheci a Junia, tudo mudou na minha vida (graças a Deus, afinal, eu estaria internado em alguma clínica de reabilitação agora). Foi muito forte. Rapidamente me dei conta de que aquilo era de verdade. A Junia foi, é ainda é, a minha parceira. A pessoa com quem eu sei que posso contar. A mulher que me deu um filho. O amor da minha vida (e mais todas as frases feitas que você possa imaginar).
Mas o nosso amor não tem essa firula toda não, Gregório. A gente não fez filme, não fez poesia, nem música. O máximo que a gente fez foi foi um criado-mudo de madeira e um quebra-cabeça de 498 peças (duas o meu cachorro Walmor engoliu).
Pra mim, amor de verdade não é jazz, gastronomia e nem debate sobre cisgênero. Amor de verdade é brigar pelo lençol, é disputar o carregador de bateria e ficar puto quando o outro não atende o celular. Amor de verdade é pentelho no sabonete, é calcinha no box e cagada de porta aberta. Amor de verdade é ver a tua mulher pelada durante 13 anos e ainda ter tesão. É olhar no rosto do teu filho e comemorar que ele não herdou a tua cara feia e só se parece com ela. É chegar em casa e ficar feliz só de ver que todos estão vivos (não precisa nem vir abraçar… é só estar vivo que já tá beleza).
Amor de verdade (aquele que dura) não tem poesia… sequer tem trilha sonora. Música dura muito pouco. Na vida real, a felicidade pode estar no silêncio. O silêncio que me permite, finalmente, abraçar a minha mulher e ver a porra da minha série do Netflix em paz. Simples assim.
PS: Adorei a parte do seu texto sobre os risotos. A gente tentou fazer a um risoto uma vez, mas queimou. Ela colocou a culpa em mim. Eu fiquei puto e saí de casa. Comi um yakissoba na esquina. Ela me ligou 1 hora depois e pediu pra eu levar um hamburguer. Eu comprei… e comi no caminho. Passei mal.
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Meu amigo, Gregorio Duvivier. Li a tua declaração de amor a Clarice na Folha. Curti muito, claro, mas confesso que fiquei abismado com o número de amigas que compartilharam o link com frases como "isso que é amor", "eu quero um amor assim" e "é lindo quando a gente encontra um amor de verdade".
A minha visão de "amor de verdade" é bem diferente. Permita-me contar a minha história.
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Não conheci ela no jazz, na infância nem no ICQ. A primeira vez que nos vimos, foi numa balada alternativa (pra não dizer dos infernos) no centro de São Paulo. Era 4h30 da manhã e a festa já estava vazia. Eu tinha 3 opções: o travesti que fazia cover da Madonna, a tiazinha da limpeza ou a Diolinda, chefe do caixa (que depois virou minha amiga).
Foi quando do meio daquele cenário de destruição, ela apareceu. Foi como se uma sereia tivesse saído do rio Tietê. Lembro dela ter dito: "Oi". Fiquei eufórico. Sei que um "oi" não é grande coisa, mas, naquele cenário, só dela não me pedir uma pedra de crack já era um ótimo sinal.
Ficamos uma, duas, três vezes. Na quarta ela se mudou pra minha casa. Eu não questionei. Minha única companhia nessa cidade era um pote de manteiga que eu guardava debaixo do sofá. A entrada dela na minha vida era quase uma necessidade (na verdade eu meio que namorava com uma stripper, mas não vale o destaque. Uma amiga me contou que ela deu uma facada num cara… sei lá. Uma mulher muito estranha).
Desde de que conheci a Junia, tudo mudou na minha vida (graças a Deus, afinal, eu estaria internado em alguma clínica de reabilitação agora). Foi muito forte. Rapidamente me dei conta de que aquilo era de verdade. A Junia foi, é ainda é, a minha parceira. A pessoa com quem eu sei que posso contar. A mulher que me deu um filho. O amor da minha vida (e mais todas as frases feitas que você possa imaginar).
Mas o nosso amor não tem essa firula toda não, Gregório. A gente não fez filme, não fez poesia, nem música. O máximo que a gente fez foi foi um criado-mudo de madeira e um quebra-cabeça de 498 peças (duas o meu cachorro Walmor engoliu).
Pra mim, amor de verdade não é jazz, gastronomia e nem debate sobre cisgênero. Amor de verdade é brigar pelo lençol, é disputar o carregador de bateria e ficar puto quando o outro não atende o celular. Amor de verdade é pentelho no sabonete, é calcinha no box e cagada de porta aberta. Amor de verdade é ver a tua mulher pelada durante 13 anos e ainda ter tesão. É olhar no rosto do teu filho e comemorar que ele não herdou a tua cara feia e só se parece com ela. É chegar em casa e ficar feliz só de ver que todos estão vivos (não precisa nem vir abraçar… é só estar vivo que já tá beleza).
Amor de verdade (aquele que dura) não tem poesia… sequer tem trilha sonora. Música dura muito pouco. Na vida real, a felicidade pode estar no silêncio. O silêncio que me permite, finalmente, abraçar a minha mulher e ver a porra da minha série do Netflix em paz. Simples assim.
PS: Adorei a parte do seu texto sobre os risotos. A gente tentou fazer a um risoto uma vez, mas queimou. Ela colocou a culpa em mim. Eu fiquei puto e saí de casa. Comi um yakissoba na esquina. Ela me ligou 1 hora depois e pediu pra eu levar um hamburguer. Eu comprei… e comi no caminho. Passei mal.
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