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Desafio Leia Mulheres 2021

Novembro: Vintém de Cobre (Cora Coralina)
Por ser uma espécie de memórias poéticas da Corinha.
Tô postando, aqui, só para avisar que, no dia 04, às 18h, no canal da Escamandro (Youtube), o @Mavericco vai falar sobre a poesia goiana. Na oportunidade, ele mostrará que EXISTE POESIA GOIANA PARA ALÉM DA CORA CORALINA.

Vou ver se ele indica uma poeta boa demais da conta pra eu botar, ali, no lugar da Cora Coralina, no mês de novembro.
 
Como cheguei a comentar com o Mavz, no dia da entrevista fiquei mais de cinco horas numa fila para fazer o exame demissional. Por esse motivo, tive de ver depois. E foi bom o Mercúcio ter reativado o tópico. Desse modo, posso comentar uns trem sobre a entrevista.

Duas horas e uns quebrados que passaram voando. Conversa agradabilíssima. Bacana demais da conta a discussão sobre o lugar da literatura clássica na crítica literária contemporânea. Achei pertinente a reflexão sobre o olhar do crítico literário; que precisa transitar entre passado, presente e, quiçá, projetar um futuro.

Só para comentar, jocosamente, sobre um dos pontos mencionados e tensionados durante a entrevista: eu sei fazer versos decassílabos (e sei apreciar poemas com versos decassílabos, também) só não os faço porque o que eu quero dizer, com os poemas que tenho feito, fica melhor em versos livres. Isso não é regra, claro. Depende, muito, do que eu quero dizer, no momento, com o que estou escrevendo. Por exemplo: um dia eu queria escrever um trem que achei que ficaria bem num haicai. Fiquei uns segundos pensando: dois pentassílabos e um heptassílabo, né? Bora lá. Ficou uma bela merda, no fim das contas, mas valeu pela experiência.

A verdade é que eu sou mais leitora de poesia do que aspirante a poeta, como vocês bem sabem. Esporadicamente, eu me aventuro no bosque do fazer poético e, quem já leu minhas poesias ruins, meio que entende que elas, via de regra, são crônicas apresentadas em embalagens poéticas.

Para pegar o gancho em algo que foi, levemente, mencionado na entrevista, tenho pensado em uma coisa, de modo relapso, mesmo, não pesquisei nada sobre o assunto, e nem pretendo fazer uma leitura simplista da coisa toda. Vou colocar como uma pergunta porque ainda não tenho respostas satisfatórias. Muitas poetas contemporâneas optam pelo uso do verso livre (Não conheço uma poeta contemporânea que não tenha sido, de certo modo, influenciada pela escrita da Ana Cristina Cesar, por exemplo).

É possível que haja uma relação direta entre essa opção e um posicionamento político de mulheres que gritam pela liberdade de um fazer poético nos seus próprios termos? Não quero generalizar a poesia de autoria feminina contemporânea nem reduzir tudo a uma questão feminista. Só tenho pensado no fato de isso ser uma possibilidade o quê, de modo algum, elimina as outras possibilidades do fazer poético.

Voltemos à entrevista. Gostei, bastante, da conversa sobre a crítica honesta. Acho que uma crítica bem feita pode ajudar, e muito, o poeta a melhorar sua produção. A gente tem essa ideia absurda de que criticar é invalidar, e não é isso. E, sim, concordo que a maneira a partir da qual a crítica é feita também
acaba pesando. Nesse ponto, acho interessante pensarmos naquela parte da entrevista em que o Mavz fala sobre os críticos caquéticos, que não gostam de nada. O contraponto a esse tipo de crítica literária deve primar pelo equilíbrio, não ter, como objetivo primeiro, ir na contramão dessa linha de críticos literários e dizer que tudo é legal, tudo é ótimo, e que não há nada para melhorar.

A parte da entrevista focada na poesia goiana foi sensacional. Sobre as poetas, eu estava pronta para dizer que, no poema apresentado pelo Mavz, a escrita da Yêda Schmaltz parecia dialogar com a da Hilda Hilst. Fiquei triste quando soube da dificuldade para encontrarmos os livros dela.

Intrigante o título do livro da Teresa Godoy: Violetas violadas.

Enfim, se ainda não viram a entrevista, vejam!
 
Cléo, vou comentar suas ideias por partes:

Vou colocar como uma pergunta porque ainda não tenho respostas satisfatórias. Muitas poetas contemporâneas optam pelo uso do verso livre (Não conheço uma poeta contemporânea que não tenha sido, de certo modo, influenciada pela escrita da Ana Cristina Cesar, por exemplo).

É possível que haja uma relação direta entre essa opção e um posicionamento político de mulheres que gritam pela liberdade de um fazer poético nos seus próprios termos? Não quero generalizar a poesia de autoria feminina contemporânea nem reduzir tudo a uma questão feminista. Só tenho pensado no fato de isso ser uma possibilidade o quê, de modo algum, elimina as outras possibilidades do fazer poético.
Já me fizeram essa pergunta uma vez... É realmente curioso. Eu tentaria responder de alguma maneiras:

1) É possível sim que na cabeça de alguns exista uma relação entre métrica e autoritarismo (ou coisa do tipo). Acho uma correlação estranha, mas se a pessoa faz... aí já era.

2) A literatura feminina e de minorias só começa muito recentemente, né? Até então houve uma história bem esporádica, com momentos históricos em que nós temos alguns nomes de autoras mulheres, como a poesia da ilha de Lesbos na Grécia Antiga, algumas no medievo, na renascença...

Mas começar, começar, só mesmo ali no século XIX. E olhe lá. No século XIX se a gente estiver falando de Inglaterra; aqui no Brasil, acho que é só do alto modernismo pra cá.

E isso é significativo, pois essa literatura feminina começa a se estabelecer numa época em que os preceitos tradicionais da versificação e da retórica já não estavam mais em voga. Assim, é natural que a mulher aspirante a poeta acabe por se inspirar e apaixonar por poesia através do exemplo de autoras que não metrificam.

3) Algumas minorias optam por explorar outras tradições de construção poética. Um artista negro, por exemplo, pode aprender a escrever um soneto ou pode aprender a compor um rap. Um nordestino pode aprender a escrever uma oitava ou aprender a compor um cordel.

Eu fico meio sem lugar na hora de dizer se isso ou aquilo é melhor, já que minha função como crítico é só falar do texto e não criar regras comportamentais pro poeta; mas me parece que as duas formações são sólidas, ainda mais depois de tantos estudos já produzidos sobre poéticas negras, indígenas etc etc mostrando que existe um requinte muito grande nessas manifestações culturais.

A parte da entrevista focada na poesia goiana foi sensacional. Sobre as poetas, eu estava pronta para dizer que, no poema apresentado pelo Mavz, a escrita da Yêda Schmaltz parecia dialogar com a da Hilda Hilst. Fiquei triste quando soube da dificuldade para encontrarmos os livros dela.

Intrigante o título do livro da Teresa Godoy: Violetas violadas.

Enfim, se ainda não viram a entrevista, vejam!
É realmente uma pena, Cléo, mas acho que não demora muito e lançam uma antologia dela. É uma obra meio irregular e bem extensa. Só tive acesso por meio de bibliotecas...

Esse paralelo com a Hilda é batata! E acho que ele acaba apontando para uma direção muito curiosa: as duas autoras, a certo ponto da sua carreira (a Hilda de maneira mais consistente/insistente, me parece), voltaram à cultura antiga e criaram textos que unem um forte erotismo a indagações metafísicas sutis.

Não sei dizer bem por que isso acontece, mas me parece bem significativo.
 
Queria expressar meu contentamento com esse tópico e dizer que isso aqui é um dos pontos altos do Fórum.
Depois de ler tanto absurdo lá nos tópicos de política, é um prazer e alívio enorme ler esse tipo de discussão aqui.

Vi metade da entrevista do Mavericco, depois vejo o resto. Me agradou muito a posição dele em relação aos clássicos. Penso muito parecido, mas ele soube se expressar de maneira muito mais assertiva do que costumo fazer, o que inclusive me ajuda a entender como eu mesmo penso o assunto. Parabéns e obrigado.
 
Diga depois o que achou! :grinlove:

Ouvi toda a entrevista hoje enquanto trabalhava.
Pelo fato de fazer isso enquanto trabalhava, posso não ter acompanhado toda a discussão com a atenção devida. Mas, dentro das minhas limitações e da minha "leiguice", eu gostei muito, @Mavericco .

Apesar de eu não ser leitor de poesia e de não estar instrumentado para acompanhar a parte mais técnica da discussão, no que se refere a aspectos formais da escrita poética e outras derivações. Por isso, no que vocês entraram na análise dos poemas, pra mim ficou mais a impressão subjetiva dos poemas que você selecionou.

Achei bem interessante a coisa que você apontou quanto à necessidade de uma construção de um circuito crítico em Goiás como forma de tornar conhecida a literatura que se produz aí. É o que um dos seus interlocutores apontou: quando você fala na literatura do centroeste ou do norte do país, é quase como se ela inexistisse.

Rola uma sensação de que fora do sudeste - sobretudo fora do eixo São Paulo - Rio de Janeiro - não se produz nada que valha à pena, né?
Nesse sentido, fazendo um paralelo, eu vi uma iniciativa que eu achei muito legal. No Maranhão, se critou uma associação de escritores independentes, encabeçada por um escritor português radicado em São Luís, e eles entenderam que era preciso dar visibilidade para a literatura maranhense. Abriram uma livraria num Shopping movimentado de São Luís, dedicada a vender apenas obras de autores maranhenses - clássicos e contemporâneos. No fim, passaram a realizar eventos, lançamentos de livros e a própria livraria se tornou um espaço para exposições de obras de arte outras de artistas maranhenses. Depois, num espaço anexo à própria livraria, eles criaram uma sala de teatro, com um calendário perene de peças de artistas maranhenses. Me parece que isso gera impacto, na linha do que você apontou, de se criar esse circuito crítico. Porque traz visibilidade...
E olha que o Maranhão é um estado com peso na história da literatura brasileira. Quando a Academia Brasileira de Letras foi fundada, um terço dos Imortais eram maranhenses. Mas, com o passar dos anos, isso, parece, se eclipsou.

Gostei sobretudo da crítica que você faz, em alguns momentos, a uma certa atitude canonista e a uma certa ideia de que o clássico é aquilo que resistiu ao teste do tempo - e que, se resistiu ao teste do tempo, há uma espécie de certificação de qualidade tácita. Me parece que é no momento que você comenta sobre as odes do Horácio. E esses livros são alçados à condição de autoridades, né? Você tem que pisar em ovos se quiser apontar uma crítica a algumas dessas unanimidades, desses "monumentos", como vocês diz.

Só que aí entra essa compreensão de que esse processo de formação do cânone envolve também uma engrenagem de silenciamentos, que privilegia determinados países, determinadas regiões, determinados grupos sociais, determinadas construções estéticas. Alguns desses autores silenciados ainda terão a sorte(?) de ser redescobertos postumamente, impondo-se finalmente como nomes relevantes. Mas, nesse processo, muita gente boa inelutavelmente seguirá desconhecida.

A literatura de vários países seguirá irrelevante para o cânone. Se me permite uma divagação, lembro que, quando comecei a aprender espanhol, conversava com uma moça - num desses aplicativos de intercâmbio linguístico - da República Dominicana. E perguntei pra ela o que ela me indicaria como literatura representativa do seu país. [Ela me indicou um escritor chamado Juan Bosch, que também foi presidente da República Dominicana - um cara que eu jamais pensaria em ler e que ainda não li]. E aí eu comecei a me questionar um pouco nessa linha. O Clube de Leitura que criei com amigos tinha essa proposta de ler clássicos. Chegou um momento que eu parei pra perceber que 1/3 dos autores que tínhamos lido no Clube eram britânicos.

E dentro do Brasil, você tem também essa disparidade entre as regiões. O que nós sabemos da literatura que se produz no Acre, em Rondônia, etc? :think: Além da disparidade quando você pensa em autores socialmente periféricos, a literatura produzida por minorias, etc.

Talvez eu tenha viajado um cadinho. Mas tá valendo... :dente:
 
Última edição:
Achei bem interessante a coisa que você apontou quanto à necessidade de uma construção de um circuito crítico em Goiás como forma de tornar conhecida a literatura que se produz aí. É o que um dos seus interlocutores apontou: quando você fala na literatura do centroeste ou do norte do país, é quase como se ela inexistisse.
Pois é! Eu falei disso do circuito interno pra que a literatura goiana não fique dependendo do reconhecimento literário de outros centros.

O problema é que pra isso a gente depende de fazer a literatura circular por aqui, de estimular os autores a escreverem, publicarem, criticarem, se lerem -- e, mais do que isso, a quebrar um bairrismo que acaba virando uma crosta. Acho que é um movimento paradoxal de valorizar a cultura local, não no sentido de valorizar o autor X ou Y, mas de valorizá-la como um todo, valorizá-la como possibilidade de vida e de realização cultural e huamana; mas é também se abrir para o estrangeiro, deixar que ele se acomode por aqui.

Rola uma sensação de que fora do sudeste - sobretudo fora do eixo São Paulo - Rio de Janeiro - não se produz nada que valha à pena, né?
Nesse sentido, fazendo um paralelo, eu vi uma iniciativa que eu achei muito legal. No Maranhão, se critou uma associação de escritores independentes, encabeçada por um escritor português radicado em São Luís, e eles entenderam que era preciso dar visibilidade para a literatura maranhense. Abriram uma livraria num Shopping movimentado de São Luís, dedicada a vender apenas obras de autores maranhenses - clássicos e contemporâneos. No fim, passaram a realizar eventos, lançamentos de livros e a própria livraria se tornou um espaço para exposições de obras de arte outras de artistas maranhenses. Depois, num espaço anexo à própria livraria, eles criaram uma sala de teatro, com um calendário perene de peças de artistas maranhenses. Me parece que isso gera impacto, na linha do que você apontou, de se criar esse circuito crítico. Porque traz visibilidade...
É isso mesmo! A UBE de Goiás faz muito isso.

Acho importantíssimo, pois mostra pelo menos uma coisa muito imediata para o escritor local: que existe mais gente além do perímetro geográfico mais imediato. É um choque pro cara que se acha o gostosão do pedaço ver um escritor aclamado nacionalmente.

Ou, até de um jeito bem mais simples: alguém muito melhor que ele. Ou alguém que trará novos critérios de apreciação crítica que podem mudar de cabeça pra baixo as coisas ali pela província, isto é, mostrar que o poeta que é o mais valorizado da cidade pode não ser visto assim pelo estrangeiro, e que aquele outro poeta, até então tido como mediano ou até ridículo, pode ter uma poética bem mais interessante...

Essa quebra de bolhas precisa acontecer. Ela costuma ser dolorosa para alguns, mas é só por meio dela que a literatura local se abre para um circuito a nível nacional.

Gostei sobretudo da crítica que você faz, em alguns momentos, a uma certa atitude canonista e a uma certa ideia de que o clássico é aquilo que resistiu ao teste do tempo - e que, se resistiu ao teste do tempo, há uma espécie de certificação de qualidade tácita. Me parece que é no momento que você comenta sobre as odes do Horácio. E esses livros são alçados à condição de autoridades, né? Você tem que pisar em ovos se quiser apontar uma crítica a algumas dessas unanimidades, desses "monumentos", como vocês diz.
Essa ideia de que clássico é o que passa no teste do tempo parece razoável, mas não é bem assim... O clássico perdura no tempo, mas ele precisa ser colocado numa posição específica dentro da comunidade de leitores.

Essa ideia dá pra ser problematizada de muitas maneiras.

Passa pelo teste do tempo o que é lido por todo mundo ou o que é lido por, sei lá, bons leitores, leitores especializados, críticos?
Se um livro perdurou por séculos, mas nos últimos tempos deixou de ser lido, ele continua a ser clássico? (Ex.: um livro que era clássico na idade média pode ser considerado clássico?)
E o contrário: um autor que não era muito lido há pouco tempo e voltou a ser mais lido hoje?

Acho que a definição do clássico envolve tanta coisa... E no fundo ela parece até ser sensível a alguns âmbitos: no âmbito coletivo, clássico é essencialmente uma obra de referência, enquanto, no âmbito individual, de um cânone pessoal, parece ser uma obra que tenha uma qualidade particular. Mas, no meio disso, a gente ainda precisa levar em consideração muita coisa e entender que a formação dos cânones é mais um processo contínuo e sujeito a mudanças do que a manutenção de algo estático e permanente séculos a fio.

Falei disso uma vez no bloguinho:

Ou, sucintamente: o que faz o clássico não é uma qualidade interna, mas um processo de sedimentação de valor sujeito a outros elementos da vida literária. De todo modo, no sentido pleno da palavra, ele precisa passar por um reconhecimento dos méritos artístico do texto e não só por uma relevância de época qualquer (o que me parece ser o caso de Harry Potter)

A literatura de vários países seguirá irrelevante para o cânone. Se me permite uma divagação, lembro que, quando comecei a aprender espanhol, conversava com uma moça - num desses aplicativos de intercâmbio linguístico - da República Dominicana. E perguntei pra ela o que ela me indicaria como literatura representativa do seu país. [Ela me indicou um escritor chamado Juan Bosch, que também foi presidente da República Dominicana - um cara que eu jamais pensaria em ler e que ainda não li]. E aí eu comecei a me questionar um pouco nessa linha. O Clube de Leitura que criei com amigos tinha essa proposta de ler clássicos. Chegou um momento que eu parei pra perceber que 1/3 dos autores que tínhamos lido no Clube eram britânicos.

E dentro do Brasil, você tem também essa disparidade entre as regiões. O que nós sabemos da literatura que se produz no Acre, em Rondônia, etc? :think: Além da disparidade quando você pensa em autores socialmente periféricos, a literatura produzida por minorias, etc.
Pois é! Outras críticas ao teste do tempo podem ser nessa direção também: literaturas de centros culturais hegemônicos se infiltram mais, perduram mais, são mais estudadas, lidas etc etc

Queria expressar meu contentamento com esse tópico e dizer que isso aqui é um dos pontos altos do Fórum.
Depois de ler tanto absurdo lá nos tópicos de política, é um prazer e alívio enorme ler esse tipo de discussão aqui.

Vi metade da entrevista do Mavericco, depois vejo o resto. Me agradou muito a posição dele em relação aos clássicos. Penso muito parecido, mas ele soube se expressar de maneira muito mais assertiva do que costumo fazer, o que inclusive me ajuda a entender como eu mesmo penso o assunto. Parabéns e obrigado.
A área de literatura é a melhor :grinlove:

Precisamos de um tópico pra falar de literatura clássica e problematizar bastante!
(Caso, claro, eu mesmo já não tenha criado...)
 
Última edição:
Ou, sucintamente: o que faz o clássico não é uma qualidade interna, mas um processo de sedimentação de valor sujeito a outros elementos da vida literária. De todo modo, no sentido pleno da palavra, ele precisa passar por um reconhecimento dos méritos artístico do texto e não só por uma relevância de época qualquer (o que me parece ser o caso de Harry Potter)

Dá pra emoldurar isso aqui. Concordo muito! :clap:

E, em outras impressões, que não ficaram no comentário acima, @Mavericco , ver a sua entrevista me confirmou a impressão que tinha a seu respeito, pelos posts no fórum mesmo, de que tu parece ser um sujeito muito gente boa.
 
No dia sete de março, o poeta Ricardo Domeneck postou, no FB, um poema da Hilda Machado. Poema que eu acho maravilhoso: "Um homem no chão da minha sala". Nele tem uma jogada de ampliar/diminuir, interno/externo que se desdobra em mil metáforas, até o momento em que há o total deslocamento do céu para o chão, e parece que tudo desaba, até a vontade de estar ali. Depois de ter relido o poema, cismei de reler Nuvens, único livro de poesia da professora, cineasta e poeta carioca.

Embora tenha registrado o manuscrito em 1997, Hilda Machado nunca chegou a publicá-lo. Ela faleceu em 2007. Nuvens deve sua publicação ao esforço do poeta Ricardo Domeneck. A apresentação do livro foi feita por ele, e uma coisa que, na releitura do livro, ficou martelando na minha cabeça, foi quando o poeta falou sobre a recepção que a crítica literária dispensa às poetas. Vou transcrever o trecho, aqui:

Em um dos poemas inéditos de Nuvens, intitulado justamente "Poeta", Hilda Machado fala mais uma vez com sarcasmo ácido sobre a possível recepção de seu trabalho poético, mencionando outras três autoras mais velhas e mais conhecidas do que ela: Adélia Prado, Hilda Hilst e Orides Fontela. Ela as trata com luva de pelica. Mas não é contra elas que escreve, e sim contra a recepção de uma certa crítica machista da poesia brasileira, sempre pronta a comparar mulheres com mulheres, criando guetos e tentando manter assim seu Olimpo masculino intacto. Hilda chicoteia: "vai que algum amigo leia os versos poucos/ e deles só prestam mesmo uns quatro ou cinco/ e diga/ parece Adélia/ diluidora vagabunda me mato/ e a revolta?/ afinal não é tudo que parece Adélia/ da outra, a Hilst, nem é bom falar/ ou Orides/ praga/ que a minha inveja é só de mulher e absinto/ pra eu beber em cálice/ homem pra mim é sempre muso/ o pterodáctilo me agarra pelo pescoço e lá vou eu".

Acho que o ponto crucial da reflexão, aqui, é o seguinte: não é demérito comparar a escrita de mulheres com a escrita de outras mulheres, o que eu acho é que, talvez, devamos nos debruçar sobre o fato de a crítica literária, via de regra, não se esforçar para analisar a poesia escrita por mulheres para além disso. É como se alguns críticos, ao se depararem com a escrita de uma poeta, já pensassem, de antemão: "vou procurar similaridades entre esta escritora e qual outra?" Talvez, essa pressa em encontrar o eco de poetas femininas nas obras acabe por fazer com que se negligencie o fato de que tais autoras tenham, como influência, muitos poetas, não? Vou além: talvez, essa pressa em demarcar as referências literárias femininas das poetas acabe por ser mais enfática do que a análise sobre o quanto de originalidade o estilo da poeta traz para o cenário literário.

Avançando um cadinho nas digressões: teria essa postura da crítica influenciado as poetas contemporâneas a já citarem, abertamente, em seus textos, suas referências femininas de escrita? A maioria das poetas "da minha geração" (não que eu seja poeta, mas cês entenderam) têm poemas com referências à Ana C.; Hilda Hilst, entre outras.

(Não sou poeta, sou leitora de poesia, mas, vez ou outra, escrevo umas coisinhas. E eu não fugi do clichê {ou da homenagem/do agradecimento?}: já botei a Hilda Hilst - minha poeta preferida - nos trens que escrevo. A Ana Cristina Cesar também já figurou em alguns dos meus versos. Comecei a escrever um poema, dia desses, que cita Hilda Hilst e João Cabral [EU AMO A TRETA LITERÁRIA ENTRE MEUS POETAS PREFERIDOS HAHAHAHA]. Na verdade, eu cito minhas referências masculinas nos meus poemas também. Mas isso não vem ao caso, o mais importante, aqui, é que inverti o uso canônico dos parênteses, das chaves e dos colchetes, porque nós estamos falando sobre poetas publicadas, cujo trabalho já foi objeto de estudo da crítica literária).

E aí, pessoas, como vocês veem a questão apontada pelo poeta Ricardo Ricardo Domeneck na apresentação de Nuvens?
 
É um problema sério mesmo, Cléo... Lembro daquele livro hilário da Joanna Russ, no qual ela mostra que existem muitas formas de suprimir a escrita feminina que não necessariamente o lugar-de-mulher-é-na-cozinha.

Uma dessas formas, não lembro bem se tratada pela Russ, mas de todo modo uma dessa formas é justamente o que você apontou. Levar a literatura feminina a sério significa justamente isso: levá-la a sério, tal como fazemos com a poesia masculina, comparando com os grandes autores do cânone, dialogando com a obra de autores de outros fenótipos e culturas. Pois é o que a poesia faz: ela CIRCULA.

Mas aí acho que entra uma outra questão: o veneno se volta contra uma certa militância. Se homens não tem lugar de fala pra escrever sobre mulheres, isso implica dizer basicamente que o homem não tem acesso ao universo feminino de maneira completa. Uma tese essencialista, basicamente platônica. Se é assim, então como vou comparar um homem e uma mulher, se os dois universos são em certa medida incompatíveis?

Na verdade o problema é ainda mais sério: há quem diga que nem sequer um crítico homem é capaz de ler a poesia de uma mulher com finura. Ou que um homem traduza uma mulher.

É um perigo que cria um espaço seguro pra literatura feminina. Tipo criar um departamento de estudos feministas numa universidade. Adianta? Não muito, se a mulher que quiser estudar filologia românica continuar sendo discriminada. Ou seja: ok você estudar Bell Hooks, mas como assim estudar a formação do futuro nas línguas românicas?

Então eu diria que a gente precisa dosar um pouco a militância vertiginosa. Levar literatura feminina a sério é aceitá-la como literatura, que deve ser lida, analisada e, se vier a ser o caso, criticada. Porque também não dá pra militância ficar batendo palma pra mana que escreve uma poesia de merda enquanto a outra está numa pesquisa estética séria há décadas e precisa ser nivelada por baixo. Ficar soltando foguete pra Rupi Kaur jurando de pé junto que ela é a nova Sylvia Plath.

Como disse uma vez o Alcir Pécora, uma literatura não pode se fazer de recém-nascida. Um dia existiu Mallarmé, crianças. Há um certo nível na coisa.
 
Não sei se vocês estão fazendo o Desafio, mas, se estiverem, tirem o livro que colocaram em maio e coloquem A mulher submersa, da Mar Becker. Até o momento, é o melhor livro que li no ano, porque a Mar escreve com sangue, tripas e desejos.
 

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