sou meu filho
eu era meu filho. pródigo
sou metade de seu dna, apenas o começo de uma nova vida. sou um milionésimo da contagem de espermatozóides no esperma. escolho o nome mas não o sobrenome. na verdade, sou a falta de opção de quem não pediu pra nascer
crescer e morrer
leio os números, as taxas de natalidade e mortalidade. leio manchetes com nomes de grandes vilões que já foram crianças. morrem pequenas crianças, todas elas com pai e mãe. um número incontável de zé ninguéns espiando a vida de uma fração das celebridades. um mundo superficial, abstraído em palavras. latas de lixo e covas rasas
mas. mais um prédio implodido se faz espetáculo nas telinhas. um ser humano vazio reclama de fome e não é atendido. e um homem vazio, um pai sem filhos, sem mulher, sem par, reclama do tédio, se revolta com a rotina e prende o resto do mundo do lado de fora da penitenciária
foi um tiro nas têmporas, veneno de rato ou assistir futebol na tv. porque esqueceu que todo o resto não precisa de testemunhas pra existir, não se precisa de um funeral pra estar morto e nem carnaval pra sair lá fora e sambar