As bobagens vitoriosas de Lula
Alguns leitores ficaram um tanto descontentes ou inconformados com a análise que fiz do debate (ver abaixo), apontando a vitória de Lula. Ele falou bobagens gigantescas? Ora, como sempre. A começar da Taxa Selic. Disse que ela é de 6,85% . Se o tucano Geraldo Alckmin estivesse, como se diz, na ponta dos cascos, com a faca na boca, teria aproveitado para mangar de Lula e observar que é de 13,75%: ou seja, o dobro. Lula se confundiu com aquele papelório todo e acabou disparando o número da TJLP do trimestre outubro/dezembro: justamente os 6,85%. Mais de uma vez, disse frases sem sentido, anacolutos que se perdiam num raciocínio que, transcrito, evidenciaria um caos de fragmentos nem sempre claros. Num dos seus gracejos, chegou a dizer que ia “rememorizar a cabeça”. Vai saber que diabo é isso...
Ao contestar o baixo crescimento do Brasil, veio com a história de que o país precisa ser “comparado consigo mesmo”, e não com os outros emergentes, o que é uma tese formidavelmente tola. Quando não tinha saída para os óbvios problemas de seu governo, como os da Saúde, por exemplo, saía-se com a sua máxima: “nunca antes neste país etc e tal”. Mas estava muito à vontade, a despeito de puxar sempre uma ficha para ler números. Alguém sugeriu a Alckmin que fizesse uma pergunta boba, em tom de pegadinha: Lula saberia em que posição o Brasil aparecia numa lista da revista inglesa The Economist? A saída do petista foi bronca, mas funcionou como uma embaixadinha para a galera: “Alckmin é daqueles que, deu no New York Times, ele acredita...”
Aí vocês podem me indagar: “Mas isso é vencer?” Meus caros, depende de para que se fazem debates, não é? Certamente não é para testar a capacidade mnemônica dos candidatos. Quantos vocês acham que perceberam a besteira de Lula no caso da Selic? Quantos ao menos sabem que diabo é isso e para que serve? Alckmin atacou com o gasto explosivo do Brasil com juros. Lula ignorou o debate das taxas reais e preferiu falar das nominais, que já foram, claro, muito mais altas. Em suma, sobra numerália para todos os gostos. Alckmin falou dos 40 mil petistas contratados pelo governo. Ocorre que os cargos que podem abrigar companheiros são a metade disso — é já é um escândalo. O petista também não contra-argumentou. Era quase um diálogo de surdos.
E justamente por isso o resultado acabou sendo mais satisfatório para Lula, já que suas fragilidades não foram expostas. E é ele quem está bem à frente nas pesquisas. O comando da campanha de Alckmin e ele próprio, conforme deixa claro na sabatina da Folha, não acredita que sejam 20 pontos. A nove dias da eleição, mesmo que seja a metade, um debate, nas condições em que se deu o do SBT, não terá o condão de mudar nada.
Lula fez uma pergunta que ele sabe que tangencia a delinqüência política e intelectual: aonde foi parar o dinheiro da venda das estatais? Era a hora de Alckmin contra-atacar — aí, sim, com números, muitos —, trazendo à luz as virtudes da privatização, acusando a demagogia do PT e, por que não?, as mentiras espalhadas pelo próprio Lula. A resposta veio, mas fraca. Se Lula falou tanta bobagem, por que não se queimou? Porque elas não foram exploradas por seu adversário, excessivamente cordato nesta quinta. Alckmin foi mais duro em marcar a sua diferença em relação a Lula no que diz respeito ao corte de gastos e à política fiscal. Mas tais assuntos, convenha-se, são quase etéreos para a larga maioria.
Então...
Bem, então temos um presidente que está prestes a se reeleger e que pode, a qualquer momento, ser colhido pelo trem da legalidade — da Constituição à Lei Eleitoral. A menos que se ignore o Estado de Direito e se transforme a urna em tribunal, condição que faria de Lula, na prática, um ditador. Teríamos um presidente da República a quem tudo seria permitido. É isso ou é a crise, já que os petistas deixam claro que não aceitarão qualquer veredicto que não seja a tal “vontade do povo”. Resumindo: é crise ou crise.
Por isso eu defendia, e defendo ainda, que o comando tucano, se é que se pode falar de um, seja muito realista em relação às possibilidades de Alckmin. Tanto nos dois debates que há pela frente como nos programas eleitorais, não se pode abrir mão de denunciar o petismo em todas as suas frentes: dos homens do presidente envolvidos com lambanças às mentiras e mistificações do governo. Um eventual novo mandato de Lula tem de ser marcado, desde já, pelo carimbo dos escândalos e por sua precariedade legal. Perder a eleição, o mais provável a essa altura, não implica uma derrota política. Porque a política sobrevive ao dia 29.
O bom-mocismo, agora como antes, só privilegia os bandidos do filme. Na guerra, o mocinho também atira. Se não atira, morre.