Jacques Austerlitz
(Rodrigo)

DAVID FOSTER WALLACE
David Foster Wallace (21 de fevereiro de 1962 – 12 de setembro de 2008), usualmente referido pelo acrônimo DFW, foi um novelista, contista e ensaísta norte-americano. Um dos mais importantes e influentes de sua geração. Difícil, experimental, inclinado a testar ou mesmo torturar o leitor com virtuosismo técnico, exibicionismo vocabular, enumerações eciclopédicas, notas de rodapé em cascata e orações subordinadas que serpenteiam por páginas. Seus livros assustam pela extensão, pela linguagem, pela densidade e pela complexidade, mas também são capazes de estabelecer uma ligação íntima com o leitor.
Sua vida foi um mapa que acabava no destino errado. Wallace foi um estudante A, jogou futebol americano, jogou tênis, escreveu uma tese em Filosofia e um romance durante a graduação em Amherst, fez mestrado em escrita criativa, publicou o romance escrito, fez uma cidade de de histéricos, contundentes e malisiosos crísticos cairem de amor por ele. Publicou um romance de mil páginas, recebeu o único prêmio que se ganha nos Estados Unidos por ser um gênio, escreveu ensaios que traziam a mais apurada visão do que significa estar vivo no mundo contemporâneo, escreveu contos inventivos, estranhos e fragmentários, foi professor de escrita criativa, se casou, tentou viver sem a influência da medicação para depressão que tomava desde os 20 anos e, aos 46 anos de idade, se enforcou no pátio da casa onde morava.
(Composto de: The Lost Years & Last Days of David Foster Wallace, de David Lipsky; prefácio a Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo, de Daniel Galera; Wikipedia)
Textos recomendados sobre David Foster Wallace:
Too Much Information, de John Jeremiah Sullivan (em inglês)
David Foster Wallace era “nerd e dândi”, diz biógrafo, de Benjamin Markovits (traduzido por Rodrigo Leite)
The Lost Years & Last Days of David Foster Wallace, de David Lipsky (em inglês)
David Lipsky acompanhou por alguns dias David Foster Wallace, durante a tour de lançamento do Infinite Jest. Este texto foi publicado logo após o suicídio, e serviria como base do afterword do livro "Although of Course you End up Becoming Yourself: A Road Trip with David Foster Wallace", que apresenta transcrições das conversas entre Lipsky e Wallace, durante a tour.
The Unfinished: David Foster Wallace’s struggle to surpass “Infinite Jest”, de D.T. Max (em inglês)
Texto base da biografia “Every Love Story is a Ghost Story: A Life of David Foster Wallace”, de D.T. Max.
Just Kids, de Evan Hughes (em inglês)
Texto sobre David Foster Wallace e outros autores da sua geração (Eugenides, Franzen, Karr).
Death is not the end, de Jon Baskin (em inglês)
Farther away, de Jonathan Franzen (em inglês) [disponível em português, no livro Como ficar sozinho]
Biografia
Nasceu em Ithaca, Nova York, filho de James Donald Wallace e Sally Foster Wallace. Pouco após seu nascimento, sua família mudou-se para o centro de Illinois, onde seu pai foi efetivado como instrutor de filosofia na universidade estadual e sua mãe se formou em Letras, tornando-se professora da Universidade de Parkland algum tempo depois. Durante a adolescência, Wallace foi um jogador de tênis federado, chegando a ganhar alguns torneios regionais.
Formou-se com dupla graduação em Língua Inglesa (Letras) e Filosofia, com foco em lógica modal e matemática. Sua tese em filosofia rendeu-lhe o prêmio Gail Kennedy Memorial, formando-se summa cum laude em 1985. Procurou obter um mestrado em artes na Universidade do Arizona, o que conseguiu em 1987, ano da publicação de seu primeiro livro, The Broom of The System.
Em 1992, inscreveu-se para e ganhou uma cadeira no Departamento de Letras na Universidade de Illinois.
Em 1996, é publicado Infinite Jest, considerada sua obra-prima. Wallace ministrou um ou dois cursos por ano na Universidade de Pomona, concentrando-se mais em escrever.
Em 12 de setembro de 2008, David Foster Wallace foi encontrado enforcado. Segundo seu pai, ele sofria de depressão há mais de 20 anos, mas esta vinha se tornando mais severa nos meses que precederam seu suicídio.
(Fonte: Wikipédia)
Obras
Romances
The Broom of the System (1987)
Primeiro romance, publicado em 1987, quando Wallace tinha 24 anos. Escrito sob forte influência de Pynchon e de Delillo (sobretudo nos diálogos), a história se passa em 1990, quase toda em Cleveland, fronteira com o Great Ohio Desert (G.O.D.), uma área artificial, coberta de areia negra, que pretendia restaurar o sentido sinistro da vida no Meio-oeste americadno. A confusa heroína é Lenore Stonecipher Beadsman, que, apesar da proximidade com o sinistro G.O.D., tem uma vida ridícula. O irmão dela, Stonecipher Beadsman IV, é chamado de Anticristo. O avô dela projetou um subúrbio em Cleaveland com o exato desenho do corpo de Jayne Mansfield. O namorado dela, Rick Vigorous, a segunda metade da firma de publicidade Frequent and Vigourous, é louco por Lenora, mas impotente quando está com ela, então cota a ela histórias como forma de substituir o sexo. O periquito dela, Vlad o Empalador, tem um extenso vocabulário. A pobre Lenore também sofre influência da bisavó, que foi aluna de Wittgenstein e que ensinou a bisneta que palavras criam realidade. O enredo da história envolve o desaparecimento da bisavó, junto com o precioso caderno de notas das aulas de Wittgenstein.
Infinite Jest (1996) [a ser publicado pela Companhia das Letras, em 2013, com tradução de Caetano Waldrigues Galindo]
Uma gigantesca comédia sobre a busca da felicidade. “Infinite Jest” é o nome de um filme que dizem ser tão divertido que qualquer pessoa que assistir a ele perde todo o desejo de fazer qualquer outra coisa. Pessoas morrem felizes, assistindo a uma repetição sem fim. O livro se passa em um absurdo e estranho futuro, em que cada ano é patrocinado por uma grande corporação diferente. Grande parte da ação se dá no Ano da Fralda Geriátrica Depend, quando os Estados Unidos e o Canadá transformaram-se na Organização das Nações da América do Norte, desencadeando uma torrente de terrorismo anti-O.N.A.N.ista por parte de separatistas de Quebec; problemas com drogas são comuns, o nordeste do continente é um depósito de lixo tóxico gigante, e "cartuchos de entretenimento" são a atividade de lazer predominante. Enquanto o romance se desenrola, vários indivíduos, organizações e governos, governistas e assassinos em cadeiras de rodas tentam obter a cópia-mestre do “Infinite Jest”, cada um seus próprios propósitos, enquanto os habitantes de uma casa de passagem e de uma academia de tênis esforçam-se cada vez mais desesperadamente para controlar os danos do filme. O amplo elenco serve a uma história que acelera até uma deslumbrante, desoladora e inesquecível conclusão.
Tendo como principais cenários a Casa de passagem Ennet e a Academia Enfield de Tênis, e nos apresentando a mais cativantemente disfuncional família da ficção recente, Infinite Jest traz personagens como o viciado em recuperação Don Gately e o fundador da A.E.T., James Incandenza (também conhecido como “O próprio” [Himself]), que suicidou-se após produzir o misterioso filme Infinite Jest IV, deixando três filhos: o jovem e introvertido tenista Hal, Orin, estrela do futebol americano, e o deformado Mario. O livro explora questões essenciais sobre o que é entretenimento e por que ele veio a tão dominar nossas vidas, sobre como nosso desejo de entretenimento afeta nossa necessidade de nos conectarmos com outras pessoas, e sobre o que os prazeres que escolhemos dizem sobre quem somos.
Leia trechos em português:
Pgs. 157 a 169
Pgs. 242 a 258
The Pale King (2011) (póstumo, inacabado) [a ser publicado pela Companhia das Letras, sem data definida]
Os agentes do Centro de Examinação da IRS¹ em Peoria, Illinois, parecem suficientemente comuns para o recém chegado trainee David Foster Wallace. Mas enquanto ele imerge em uma rotina tão tediosa e repetitiva que novos empregados recebem treinamento de sobrevivência ao tédio, ele compreende a extraordinária variedade de personalidades atraídas por esse estranho serviço. E ele chega em um momento em que forças dentro da IRS estão tramando para eliminar até mesmo o pouco de humanidade e de dignidade que o trabalho ainda tem.
The Pale King estava inacabado quando David Foster Wallace morreu, mas é um romance profundamente convincente e satisfatório, hilário e destemido e tão original quanto qualquer outra coisa que Wallace já fez. O romance lida diretamente com questões substanciais — questões sobre o significado da vida e os valores do emprego e da sociedade — e tem personagens imaginados com a força interior e a generosidade que eram dons únicos de Wallace. Ao longo do caminho, o livro sugere uma nova ideia de heroismo e impõe infinito respeito por um dos autores mais audaciosos do nosso tempo.
Situado em um centro de processamento de declarações de imposto da IRS em Illinois em meados dos anos 1980, The Pale King é a história de um grupo de processadores iniciantes e suas tentativas de fazer o seu trabalho frente a um tédio esmagador. “The Pale King deve ser o primeiro romance a transformar contadores e agentes da IRS em heróis”, diz Bonnie Nadell, agente literária de longa data de Wallace. Michael Pietsch, editor da Little, Brown responsável pela publicação de The Pale King, diz: “Wallace toma agonizantes eventos diários como esperar em filas, engarrafamentos e horríveis passeios de ônibus — coisas que todos odiamos — e os transforma em momentos de riso e de compreensão. Mesmo que David não tenha terminado o romance, o livro oferece uma experiência de leitura surpreendentemente completa e satisfatória, que demonstra seus extraordinários talentos imaginativos e sua mistura de comédia e profunda tristeza em cenas da vida cotidiana.”
¹ Internal Revenue Service
Primeiro parágrafo:
Passadas as planícies de flanela e os diagramas de asfalto e as linhas de ferrugem enviesada do céu, e passado o rio marrom-tabaco circundado por árvores chorosas e moedas da luz do sol entre elas na água rio abaixo, até o lugar além do quebra-vento, onde campos não cultivados chiam estridentemente no calor matinal: sorgo forrageiro, ançarinha-branca, erva-serra, alegra-campo, noz-grama, hortelã, quinquilho selvagem, dente-de-leão, rabo-muscadínia, couve-espinha, arnica silvestre, hera-terrestre, malvão, erva-moura, tasna, aveia silvestre, ervilhaca, grama de açougueiro, feijões voluntariamente invaginados, todas as cabeças suavemente acenando com a brisa da manhã como a mão macia de uma mãe na sua bochecha. Uma seta de estorninhos em disparada do sapé do quebra-vento. O brilho do orvalho que fica onde está e evapora o dia inteiro. Um girassol, quatro ou mais, um caído, e cavalos à distância rígidos sobre as patas e imóveis como brinquedos. Todos acenando com a cabeça. Sons elétricos de insetos em seus afazeres. Luz do sol cor de malte e céu pálido e verticilos de cirro tão altos que não fazem sombra. Insetos só afazeres o tempo todo. Crostas ferrosas de quartzo e chert e xisto em granito. Terra muito antiga. O horizonte trêmulo, disforme. Nós somos todos irmãos.
Leia trecho em português:
Pgs. 394 a 407, em versão preliminar à do livro.
Contos
Girl with Curious Hair (1989)
Primeira coletânea de contos de Wallace, com grande influência pós-modernista, sobretudo de John Barth.
Contos:
Little Expressionless Animals
Luckily the Account Representative Knew CPR
Girl with Curious Hair
Lyndon
John Billy
Here and There
My Appearance
Say Never
Everything Is Green
Westward the Course of Empire Takes Its Way
Brief Interviews with Hideous Men (1999) [Breves entrevistas com homens hediondos, Companhia das Letras, 2005; trad. José Rubens Siqueira]
Breves entrevistas com homens hediondos foi lançado em 1999 nos Estados Unidos. Primeira obra de ficção do autor depois de Infinite jest, o livro foi aguardado com grande expectativa e recebido com críticas entusiasmadas. Nos 23 contos que compõem o volume, Wallace explora alguns de seus temas favoritos, como dependência de drogas, depressão, sexo, relacionamentos românticos, a mídia e as barreiras de comunicação que impedem as pessoas de compartilharem seus sentimentos.
Sua capacidade de penetrar minuciosamente nos tormentos psicológicos dos personagens, aliada a um estilo irônico, bem-humorado, intelectualizado e repleto de experimentalismo formal, levou o New York Times a defini-lo como "um dos grandes talentos de sua geração, um virtuose que parece capaz de fazer qualquer coisa".
Contos:
Uma história radicalmente condensada da vida pós-industrial (A Radically Condensed History of Postindustrial Life) (leia em português)
A morte não é o fim (Death Is Not the End)
Para sempre em cima (Forever Overhead) (leia em português)
Breves entrevistas com homens hediondos (Brief Interviews with Hideous Men) (leia trechos em português)
Mais um exemplo da porosidade de certas fronteiras (XI) (Yet Another Example of the Porousness of Certain Borders (XI))
A pessoa deprimida (The Depressed Person)
O diabo é um homem ocupado (The Devil Is a Busy Man)
Pense (Think)
Sem querer dizer nada (Signifying Nothing)
Breves entrevistas com homens hediondos (Brief Interviews with Hideous Men)
Datum Centurio (idem)
Octeto (Octet)
Adult World (I) (idem)
Adult World (II) (idem)
O diabo é um homem ocupado (The Devil Is a Busy Man)
Igreja não feita com mãos (Church Not Made with Hands)
Mais um exemplo da porosidade de certas fronteiras (VI) (Yet Another Example of the Porousness of Certain Borders (VI))
Breves entrevistas com homens hediondos (Brief Interviews with Hideous Men)
Tri-Stan: eu vendi Sissee Nar para Ecko (Tri-Stan: I Sold Sissee Nar to Ecko)
Em seu leito de morte, segurando sua mão, o pai do novo aclamado joem autor da Off-Broadway implora uma bênção (On His Deathbed, Holding Your Hand, the Acclaimed New Young Off-Broadway Playwright's Father Begs a Boon)
Suicídio como uma espécie de presente (Suicide as a Sort of Present)
Breves entrevistas com homens hediondos (Brief Interviews with Hideous Men)
Mais um exemplo da porosidade de certas fronteiras (XXIV) (Yet Another Example of the Porousness of Certain Borders (XXIV))
Oblivion: Stories (2004)
Último livro de ficção publicado em vida por Wallace, considerado por alguns como o livro mais cerebral, denso e difícil do autor, ainda que não seja tão formalmente revolucionário quanto Breves entrevistas com homens hediondos.
Contos:
Mister Squishy
The Soul Is Not a Smithy
Incarnations of Burned Children (leia em português, em "texto selecionado")
Another Pioneer
Good Old Neon (leia em português)
Philosophy and the Mirror of Nature (leia em português)
Oblivion
The Suffering Channel
Não-ficção
Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo (2012) [Companhia das Letras, trad. de Daniel Galera e Daniel Pellizzari]
Coletânea de seis textos de não-ficção de Wallace, selecionados por Daniel Galera, como forma de apresentação dos textos de não-ficção do autor aos leitores brasileiros.
Ensaios:
Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo (Getting Away from Already Being Pretty Much Away from It All, publicado em A Supposedly Fun Thing I'll Never Do Again)
Uma coisa supostamente divertida que eu nunca mais vou fazer (A Supposedly Fun Thing I'll Never Do Again, publicado no livro homônimo)
Alguns comentários sobre a graça de Kafka dos quais provavelmente não se omitiu o bastante (Some Remarks on Kafka's Funniness from Which Probably Not Enough Has Been Removed, publicado em Consider the Lobster)
Pense na lagosta (Consider teh Lobster, publicado no livro homônimo)
Isto é água (This Is Water, peça única do livro homônimo) (leia versão editada, em português, em outra tradução) (ouça o discurso: parte 1, parte 2)
Federer como uma experiência religiosa (Federer Both Flesh and Not, publicado na coletânea póstuma Both Flesh and Not; anteriormente publicado como Federer as a Religious Experience)
A Supposedly Fun Thing I'll Never Do Again (essays) (1997)
Primeira coletânea de não-ficção de Wallace, com os famosos “texto do navio” e “texto da ironia na TV”.
Ensaios:
Derivative Sport in Tornado Alley
E Unibus Pluram: Television and U.S. Fiction (leia em inglês) (leia trechos em português)
Getting Away from Already Being Pretty Much Away from It All
Greatly Exaggerated
David Lynch Keeps His Head
Tennis Player Michael Joyce's Professional Artistry as a Paradigm of Certain Stuff about Choice, Freedom, Discipline, Joy, Grotesquerie, and Human Completeness
A Supposedly Fun Thing I'll Never Do Again
Consider the Lobster (essays) (2005)
Segunda coletânea de não-ficção.
Ensaios:
Big Red Son
Certainly the End of Something or Other, One Would Sort of Have to Think
Some Remarks on Kafka's Funniness from Which Probably Not Enough Has Been Removed
Authority and American Usage
The View from Mrs. Thompson's
How Tracy Austin Broke My Heart
Up, Simba
Consider the Lobster
Joseph Frank's Dostoevsky
Host
Both Flesh and Not (essays) (2012)
Coletânea póstuma de não-ficção, com muitos ensaios ainda da fase pré-Infinite Jest.
Federer Both Flesh and Not (leia em inglês, versão editada)
Fictional Futures and the Conspicuously Young
The Empty Plenum: David Markson’s Wittgenstein’s Mistress
Mr. Cogito
Democracy and Commerce at the U.S. Open
Back in New Fire
The (As It Were) Seminal Importance of Terminator 2
The Nature of Fun
Overlooked: Five direly underappreciated U.S. novels >1960
Rhetoric and the Math Melodrama
The Best of the Prose Poem
Twenty-Four Word Notes
Borges on the Couch
Deciderization 2007—A Special Report
Just Asking
Outros livros de não-ficção
Signifying Rappers: Rap and Race In the Urban Present (1990), co-autoria de Mark Costello
Up, Simba! (2000)
Everything and More (2003)
McCain's Promise: Aboard the Straight Talk Express with John McCain and a Whole Bunch of Actual Reporters, Thinking About Hope (paperback reprint of Up, Simba!) (2008)
This Is Water (2009)
Fate, Time, and Language: An Essay on Free Will, Eds. S. Cahn and M. Eckert, Columbia University Press (2011)
Texto selecionado
Encarnações de crianças queimadas
Trad. Caetano W. Galindo, disponível no ensaio Um tipo americano de tristeza
O papai estava do lado de fora da casa instalando uma porta para o inquilino quando ouviu os gritos da criança e a voz da mamãe vindo aguda entre eles. Ele sabia se mexer bem rápido e a varanda dos fundos dava para a cozinha e antes da porta de tela bater atrás dele o papai tinha abarcado a cena toda, a panela virada nas lajotas do chão na frente do fogão e o jato azul do queimador e no chão a poça de água fumegando ainda enquanto os seus muitos braços se estendiam, o bebê com a fralda frouxa permanecia rígido, de pé com vapor saindo do cabelo e o peito e os ombros rubros e os olhos revirados e a boca bem aberta e parecendo de alguma maneira separada dos sons que saíam, a mamãe com um joelho no chão com o pano de prato tocando inutilmente o bebê e acrescentando aos gritos dele os seus próprios, histérica a ponto de estar quase congelada. O joelho dela e as solinhas macias dos pés descalços estavam ainda na poça fumegante, e a primeira ação do papai foi pegar a criança por baixo dos braços e levantá-la dali e levá-la para a pia, de onde arremessou os pratos já batendo na torneira para deixar a água fria do poço correr sobre os pés do menino enquanto com as mãos em concha ele juntava e jogava ou arremessava mais água fria sobre a cabeça e os ombros e o peito, querendo primeiro ver o vapor parar de sair dele, a mamãe por cima do seu ombro invocando Deus até que ele a mandou buscar toalhas e gaze se é que eles tinham, o papai movendo-se rapidamente e muito bem e a sua mente de homem vazia de tudo que não fosse objetivo, ainda inconsciente de como se movia suavemente ou de que tinha parado de ouvir os gritos agudos porque ouvi-los o deixaria congelado e tornaria impossível o que tinha de ser feito para ajudar o seu próprio filho, cujos gritos eram regulares como a respiração e seguiam tão longos que já tinham se tornado uma coisa na cozinha, algo mais que ele tinha de contornar agilmente. A porta do lado do inquilino pendia torta apenas da dobradiça superior e se movia levemente com o vento, e um pássaro no carvalho do outro lado da rua parecia observar a porta com a cabeça posta de lado enquanto os gritos vinham ainda do lado de dentro. As piores queimaduras pareciam ser o braço e o ombro direitos, o vermelho do peito e da barriga estava desbotando em cor-de-rosa sob a água fria e as solas macias dos pés não tinham bolhas que o papai pudesse ver, mas o bebê ainda cerrava as mãozinhas e gritava a não ser talvez agora apenas por reflexo, por medo, o papai viria a saber mais tarde que tinha pensado que poderia ser isso, com o rostinho distendido e veias exíguas saltando nas têmporas e o papai continuava dizendo que ele estava aqui ele estava aqui, a adrenalina baixando e uma fúria contra a mamãe por permitir que essa coisa acontecesse apenas começando a se formar em fiapos no mais fundo da sua mente e ainda a horas de se ver expressa. Quando a mamãe voltou ele não tinha certeza se devia enrolar a criança em uma toalha ou não mas ele molhou a toalha e enrolou, bem apertada como um cueiro, e ergueu o seu bebê da pia e o pôs no canto da mesa da cozinha para acalmá-lo enquanto a mamãe tentava verificar a sola dos pés com uma mão oscilando na área da boca e pronunciando palavras sem rumo enquanto o papai se curvou e ficou cara a cara com a criança na borda axadrezada da mesa repetindo o fato de que ele estava aqui e tentando acalmar os gritos do bebê mas ainda a criança gritava sem fôlego, um som alto puro e brilhante que seria capaz de fazer parar o seu coração e os seus lábios pequenininhos e as gengivas tingidas agora com o azul claro de uma chama baixa o papai pensou, gritando como se quase ainda sofrendo sob a panela virada. Um minuto, dois assim que pareceram muito mais longos, com a mamãe ao lado do papai falando como um bebê diante do rosto da criança e a cotovia no ramo com a cabeça de lado e a dobradiça ficando com um risco branco por causa do peso da porta inclinada ate que o primeiro fiapo de vapor foi visto preguiçoso saindo da borda da toalha enrolada e os olhos dos pais se encontraram e se alargaram - a fralda, que quando eles abriram a toalha e reclinaram o seu menininho no pano axadrezado e soltaram os adesivos amolecidos e tentaram remover, resistiu um pouco com novos gritos agudos e estava quente, a fralda do seu bebê queimou as mãos dos dois e eles viram onde a água de verdade tinha caído e empoçado e ficado queimando o seu menininho o tempo todo enquanto ele gritava pedindo que eles ajudassem e eles não tinham, não tinham pensando nisso e quando eles a tiraram e viram o estado do que estava lá a mamãe disse o primeiro nome do Deus deles e agarrou a mesa para não perder o pé enquanto o papai se virou e esmurrou o ar da cozinha e amaldiçoou tanto a si próprio quanto ao mundo pelo que não seria a última vez enquanto o seu filho podia agora estar dormindo não fosse pelo ritmo da sua respiração e os minúsculos movimentos bruscos das mãos no ar que encimava o lugar onde estava deitado, mãos do tamanho do polegar de um adulto que tinham agarrado o polegar do papai no berço enquanto ele observava a boca do papai se mexer cantando, com a cabeça de lado e parecendo olhar através dele, bem longe, alguma coisa que os seus olhos faziam o papai sentir que o deixava solitário de uma maneira estranha. Se você nunca chorou e deseja, tenha um filho. Rasgue o peito e não sei que mais seja, uma criança e a música estalada que o papai ouve de novo como se a mulher do rádio estivesse quase ali com ele olhando para baixo vendo o que eles fizeram, apesar de que horas depois o que o papai vai ser mais incapaz de perdoar é o quanto ele queria um cigarro bem naquele momento enquanto eles colocavam na criança como podiam uma fralda de gaze e duas toalhas de mão cruzadas e papai o erguia como um recém nascido com o crânio na palma de uma das mãos e corria com ele para a caminhonete modificada e deixava borracha especial por todo o caminho até o centro da cidade e o pronto-socorro da clínica com a porta do inquilino aberta pendurada daquele jeito o dia inteiro até que a dobradiça cedeu mas aí já era tarde demais, quando não parava e eles não conseguiam fazer parar a criança tinha aprendido a sair e observar todo o resto se desdobrar de um ponto lá no alto, e o que quer que se tenha perdido nunca a partir dali teria importância, e o corpo da criança se expandiu e caminhou pela terra e recebeu sua paga e viveu sua vida desocupado, coisa entre as coisas, a alma que era dele agora uma certa quantidade de vapor nos céus, caindo como a chuva e depois subindo, o sol para cima e para baixo como um ioiô.
Sites recomendados
Coluna quinzenal do Caetano Galindo, sobre a tradução do Infinite Jest
The Howling Fantods
Infinite Summer