Cantona
Tudo é História
Celular é uma coisa muito legal. Principalmente quando seu dono, num acesso de raiva, berra aos montes, não dando importância que sua conversa, até então particular, ganhe atenta platéia.
Era um homem alto, o que estava na plataforma aguardando pelo trem. Chovia. E agora, contando pra vocês, encontro mais uma atenuante para o acesso de fúria que o acometeu. Sim, pois esperar o trem da CPTM é tarefa ingrata. Esperar o trem da CPTM, com chuva, é castigo que não se aplica. Eis que toca o celular. Toque comum, sem frescuras, o que nos fez crer na seriedade e equilíbrio do sujeito.
"Alô ", foi tudo que ouvi, a princípio. A conversa transcorria normalmente. Posso jurar que chegou a rir, em determinado momento. Então, se levantou. Desatou o nó da gravata. Seu rosto ganhou tons vermelhos, as veias do pescoço saltaram e ele começou a gesticular. Falava, também, com as mãos. Palavrões pontuavam suas frases e as tornavam cômicas. Um espetáculo que juntou gente. Numa plataforma, esperando pela pontualidade inexistente de um transporte público capenga, que só funciona na PSDBlândia da propaganda, a cena divertia, até.
- Eu contratei o seguro da carga - gritava. Paguei à vista o boleto que vocês me mandaram. Não, eu não quero a devolução do dinheiro que paguei. Quero o valor da carga. Não é pra isso que serve o seguro? Os pintos chegaram mortos, minha filha. Ouviu bem, os pintos chegaram MOR-TOS! Cê tá brincando? Repete! Repete que eu não entendi bem! Vá à merda! Alô, alô... A vaca desligou - gritou, dirigindo-se a mim.
Afastei-me, prudentemente. Ele continuo, dessa vez me tomando como interlocutor. Disse que comprou uma grande quantidade de ovos fertilizados e segurou, por uma fortuna - e deu ênfase na palavra fortuna - a carga. No caminho pra estas bandas, o avião se demorou em algum aeroporto, a incubadora deu pane, e os pintos que nasceram durante a viagem chegaram mortos. Acionou a Seguradora, confiando no contrato firmado. Realmente, o homem tinha cara de honesto, desses que ainda creem nas instituições públicas e privadas. Decepcionou-se. No telefonema recebido, foi informado que não seria ressarcido pela encomenda avariada.
- Qual motivo? - perguntei.
- Alegam que o contrato garantia a cobertura de ovos, não de pintos.
O que nos faz acreditar que seguro só é bom quando a gente não precisa.
E que interpretação de texto também é uma coisa muito legal.
Era um homem alto, o que estava na plataforma aguardando pelo trem. Chovia. E agora, contando pra vocês, encontro mais uma atenuante para o acesso de fúria que o acometeu. Sim, pois esperar o trem da CPTM é tarefa ingrata. Esperar o trem da CPTM, com chuva, é castigo que não se aplica. Eis que toca o celular. Toque comum, sem frescuras, o que nos fez crer na seriedade e equilíbrio do sujeito.
"Alô ", foi tudo que ouvi, a princípio. A conversa transcorria normalmente. Posso jurar que chegou a rir, em determinado momento. Então, se levantou. Desatou o nó da gravata. Seu rosto ganhou tons vermelhos, as veias do pescoço saltaram e ele começou a gesticular. Falava, também, com as mãos. Palavrões pontuavam suas frases e as tornavam cômicas. Um espetáculo que juntou gente. Numa plataforma, esperando pela pontualidade inexistente de um transporte público capenga, que só funciona na PSDBlândia da propaganda, a cena divertia, até.
- Eu contratei o seguro da carga - gritava. Paguei à vista o boleto que vocês me mandaram. Não, eu não quero a devolução do dinheiro que paguei. Quero o valor da carga. Não é pra isso que serve o seguro? Os pintos chegaram mortos, minha filha. Ouviu bem, os pintos chegaram MOR-TOS! Cê tá brincando? Repete! Repete que eu não entendi bem! Vá à merda! Alô, alô... A vaca desligou - gritou, dirigindo-se a mim.
Afastei-me, prudentemente. Ele continuo, dessa vez me tomando como interlocutor. Disse que comprou uma grande quantidade de ovos fertilizados e segurou, por uma fortuna - e deu ênfase na palavra fortuna - a carga. No caminho pra estas bandas, o avião se demorou em algum aeroporto, a incubadora deu pane, e os pintos que nasceram durante a viagem chegaram mortos. Acionou a Seguradora, confiando no contrato firmado. Realmente, o homem tinha cara de honesto, desses que ainda creem nas instituições públicas e privadas. Decepcionou-se. No telefonema recebido, foi informado que não seria ressarcido pela encomenda avariada.
- Qual motivo? - perguntei.
- Alegam que o contrato garantia a cobertura de ovos, não de pintos.
O que nos faz acreditar que seguro só é bom quando a gente não precisa.
E que interpretação de texto também é uma coisa muito legal.