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[Crônica] Robertx Canta Roberto

Bruce Torres

Let's be alone together.
O maior baque do mundo que levei na minha vida foi descobrir que meus pais não sabiam de metade das coisas que eu achava que eles sabiam. Olhando pros cabelos que viriam a ser brancos, tão bonitos, dos meus queridos, meus velhos, imaginei que eles continham toda a sabedoria e conhecimento que alguém podia acumular em uma vida – e que me serviria para lidar com o que quer que fosse imoral, ilegal ou engordasse. E desde criança, aprendi que não devia mentir, mas se omitindo nisso, eles se esqueceram de dizer a verdade.


Na falta desses arautos e guias, procuramos pelos substitutos mais audazes, geralmente um Jesus Cristo, uma Nossa Senhora ou qualquer outro cabeludo ou cabeluda. Mas e quando esse arauto é o Rei e você se impressiona com sua honestidade e seu conhecimento de mundo? Afinal, lá se vão mais de cinquenta anos crescendo e aparecendo. E para ser tão especial que aparece apenas uma vez por ano a todos, bem, é de se pensar que esse é mesmo o cara. Seu sorriso faz você querer entrar num calhambeque e partir a 120, 150, 200...


Só é uma pena que todo esse tremor na verdade esconda algo realmente terrível.


Dos botões aos gritos de “todos estão surdos”, ficamos a ver navios com sua incapacidade de ser honesto para com quem o tinha como o homem que deixaria flores por onde pisasse. Para ele, não havia eu-e-você-você-e-eu, apenas ego-id-superego. Quando notamos a falsidade do cabeludo dos cabelos brancos, bonitos, percebemos que as emoções já não são as mesmas. E com isso vem o segundo grande baque, a perda do herói que projetamos.


Ora, eu mesmo um ser perturbado com tantos problemas sobre Sentido da Vida, Razão de Viver, Expressar Sentimentos, acabara de ver que alguém que eu tinha como inspiração era apenas mais um hipócrita, que chegava na TV sorrindo com seu desejo de mudar o mundo fazendo todos cantar la-la-la-la-la, apenas mais um que se esquecia, convenientemente, de me dizer a verdade.


Dia desses, no cruzamento da Avenida João Dias com a Rua Missionários, próximo à Igreja Universal do Reino de Deus, acabei por avistar alguém que me fez refletir sobre tudo isso. Robertx era cabeludx, barrigudx, desleixadx e desbocadx. Seus cachos loiros, por tintura ou descoloração, me lembraram justamente da figura do sonho da canção do la-la-la-la-la que eu tanto odiava após ter ouvido um certo lusitano Roberto, cabeludo, de cachos loiros, cantar em lealdade ao Rei.


Nunca se esqueça, nenhum segundo, que eu tenho o Amor maior do mundo...


Cantando para ninguém em particular, Robertx cantava isso como um mantra. Era impossível saber a quem elx se referia, se é que elx dedicava isso a alguém. E seria difícil perguntar, já que ora e outra elx soltava palavrões para quem fazia troça delx. É que somos condicionados a achar aquilo que não conhecemos como indesejável e passível de zombaria – geralmente resultado do aprendizado de outros cabelos brancos, bonitos.


Da Igreja saíram os fieis e estes se dirigiram para o ponto de ônibus em que eu estava. Mas a carga positiva que extravasava ali não vinha deles – vinha de alguém que chorava, sofria, que cantava para ficar em paz com a vida, que cantava pela fé que o fazia otimista demais. Nem as zoações e nem a vida conseguiram arrebatar delx aquela força estranha. E como elx me ensinou, apenas sendo elx mesmx ali, é possível transformar aquilo que alguém deixou, que sempre existirá, nunca passará, independente das dificuldades, em um momento continuamente lindo.

Nota 1: Desconheço o nome real da pessoa mencionada. Me chamem de Ryszard Kapuściński.

Nota 2: Como eu disse, seria impossível abordá-lx. Por isso, resolvi utilizar uma grafia para manter a neutralidade dos gêneros.
 
Bem ar de crônica mesmo! Conheci muitas "figuras" assim ao trabalhar na rua em pleno centro de São Paulo, inclusive eu era uma dessas "figuras" e aprendi muito sobre a vida aí. Sempre as olhei pensando o que fazem no dia a dia além da rua, o que vai em seus corações, quais suas histórias.

Às vezes a gente esquece de ver os outros como humanos, mas ao se deparar com situações assim, a gente acaba resgatando essa humanidade.
 

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