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Notícias Coutinho, ex-atacante do Santos e da Seleção, morre aos 75 anos

Fúria da cidade

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Simplesmente Coutinho

O adeus ao craque que, na Copa de 1970, disse não para um dos times mais importantes da história

Bruno Doro e Napoleão de Almeida Do UOL, em São Paulo

O primeiro a partir

Coutinho até hoje carrega um recorde no Santos. Com 14 anos, 11 meses e 6 dias, ele disputou uma partida profissional pelo clube. Foi o mais jovem jogador a usar o uniforme do time principal em uma partida oficial do clube. Pelé, Robinho, Neymar, ninguém fez isso tão novo.

Talvez por isso que ele tenha partido tão cedo. Ontem (11), o ataque mais famoso do futebol, aquele formado por Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe, perdeu seu primeiro integrante. Coutinho morreu aos 75 anos, vítima de um infarto no miocárdio.

Campeão mundial pela seleção brasileira em 1962, bicampeão mundial de clubes pelo Santos em 1962 e 1963, o currículo ainda poderia ser maior, como você vai descobrir agora, em um trecho da biografia "Coutinho, o Rei da Área", do jornalista e narrador esportivo Carlos Fernando Schinner.

Coutinho na Copa de 70?

As ditaduras ameaçavam a liberdade na América Latina. O general linha-dura Emílio Garrastazu Médici assumira a presidência da nação em 30 de outubro de 1969, em clima turbulento. Prometia combater a esquerda a ferro e fogo, na base da repressão, tudo pela "segurança nacional".

Em meio às turbulências políticas, a seleção brasileira preparava-se para a Copa do México. Sem o técnico Aymoré Moreira, que não aguentou as pressões, estávamos começando mal o ciclo preparatório para competição.

Foi quando o presidente da CBD, João Havelange, resolveu convidar um de seus maiores desafetos, o técnico-jornalista João Saldanha, para assumir o espinhoso cargo de treinador. Saldanha, um comunista convicto, iria confrontar suas ideias políticas com as do presidente Médici e a cúpula militar. Sabia que seu cargo tinha prazo de validade. Além disso, Médici adorava futebol, era um gremista fanático, e gostava de palpitar sobre a escalação do selecionado.

Homem polêmico e incapaz de levar desaforo para casa, Saldanha - o João Sem Medo - estava muito preocupado com as consequências do regime militar. Mesmo assim, aceitou o convite. No dia 3 de março de 1969, anunciou a primeira convocação de suas "feras", como costumava dizer. Do Santos, chamou nove jogadores: Claudio, Carlos Alberto, Djalma Dias, Joel, Rildo, Clodoaldo, Toninho Guerreiro, Pelé e Edu.

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Gerência de Memória/CBF

Saldanha tentava bravamente permanecer no cargo, apesar dos protestos pelos maus resultados do time na fase de preparação. Foi num momento de emergência que acabou por convocar o centroavante Coutinho. O fato é pouco conhecido pelo público.

Tudo aconteceu numa bela manhã ensolarada de quinta-feira. Coutinho jogava bola na praia com os amigos, próximo ao Canal 2, em Santos. Toda semana, a 'turma do doutor Miguel' se reunia. O doutor Miguel era quem promovia as 'peladas de praia`, levava a bola e as camisas para dividir os times. Sagrada também era a cervejinha após o jogo, em um barzinho próximo à orla, na Rua Floriano Peixoto.

Para Coutinho, aquela era a melhor rotina do mundo: futebol de praia e cervejinha com os amigos. Participavam da tradicional pelada os companheiros Lima, Ismael, Joel Camargo, Muricy, Terto, Samaroni, entre outros. Era chegar e jogar.


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Folhapress

De repente, dentro do barzinho, eis que surge um sujeito magro e falante, vestindo camisa social sem gravata. Aproximou-se dos rapazes e, sem pedir licença, se dirigiu a Coutinho, que estava de costas:

"Preciso falar contigo, é urgente".

Descontraído e sem entender direito o que se passava, Coutinho se surpreendeu, virou-se e reconheceu o estranho no bar:

"E aí, professor, o que tá fazendo aqui? Tá perdido? "

O professor em questão era o técnico João Saldanha, em busca de um camisa 9 para a seleção de 70, que disputaria a Copa em poucos meses.

Ocorre que Tostão, jogador chave no esquema tático de Saldanha, para formar o ataque ao lado de Gerson, Jairzinho, Pelé e Edu, sofrera uma grave contusão e estava ameaçado de ser cortado. O problema fora uma bolada no olho esquerdo, o que comprometia a visão e, pior, seu futuro no futebol.

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Reprodução/Hellou.co.uk

Sem se impressionar com a imagem decadente de Coutinho, Saldanha o convidou para vestir a camisa 9 do scratch:

Eu vim do Rio atrás de você. Preciso de você para compor o ataque da copa, pois o Tostão tá machucado. O pior é que eu não vejo ninguém para substituí-lo."

Àquela altura do campeonato, Coutinho estava mais preocupado em tomar uma gelada com os amigos do que jogar futebol profissionalmente. Sem camisa e visivelmente fora de forma, disse educadamente a Saldanha que não queria mais falar em seleção. Agradeceu a lembrança e o convite. Constrangido, o treinador ainda pediu que Coutinho indicasse alguém para a vaga, caso Tostão tivesse que ser cortado.

Sem pensar duas vezes, o craque bateu de primeira: sugeriu o nome do também cruzeirense Dirceu Lopes, "desde que se adaptasse à posição", como fez questão de frisar. Lembre-se que os meias ofensivos e atacantes da seleção de 1970 não eram fixos no esquema tático adotado, tal a qualidade dos craques. Era comum se identificar a posição do jogador pelo número da camisa: 7 deveria ser o ponta-direita, 11 o ponta-esquerda, 8 era o meia-direita, 10, o meia-esquerda. A camisa 9 era do centroavante.

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Samerson Gonçalves/UOL

Com a negativa de Coutinho, Toninho Guerreiro (1942-1990) também foi cotado por Saldanha para assumir a posição no ataque. Mas os médicos da seleção diagnosticaram "uma estranha sinusite no jogador", falou-se até em bronquite.

Foi apenas o pretexto para o corte de Toninho e a convocação de Dario, o Dadá Maravilha, atendendo o desejo do presidente Médici. Porém, Tostão recuperou-se a tempo e deu um show no ataque do Brasil, durante a Copa do México.

Saldanha acabou por não aguentar as pressões e deixou o comando da seleção no dia 17 de março, pouco mais de um ano depois de assumir a função, após empate em 1 a 1 contra o Bangu, em amistoso. Foi substituído por Zagallo, velho companheiro de Pelé e Garrincha nas copas de 1958 e 1962, o que sempre tornou a relação meio estranha do técnico com os jogadores.

Ricardo Nogueira/Folhapress
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Biógrafo relembra: "Copa com essa barriga?"

O trecho acima é um dos capítulos da biografia de 304 páginas escrita por Cacá Fernando, como o hoje narrador se apresenta no Bandsports, na base da insistência. Afinal, Coutinho era uma das personalidades mais ariscas daquele quinteto do Santos, sempre arredio com os jornalistas.

"Ele nunca teve muita paciência. Era irônico, lacônico. Pra eu chegar nele e dizer 'quero escrever sua biografia'... No primeiro encontro, ele disse que 'vários já tentaram'. Eu disse a ele: 'Você pode até não gostar do meu trabalho, mas eu vou escrever como se fosse sobre o meu pai'", lembra Cacá, amigo de infância de Rosângela, a filha do jogador que o convenceu a aceitar o livro, publicado em 2012 pela Editora e Livraria Realejo.

A história acima, da Copa de 70, é uma das que o autor guarda com mais carinho justamente por ser um episódio que poucos conhecem. "O Coutinho já estava gordo, quase aposentado. Ele jogava bola na praia e depois ia com os amigos tomar cerveja. Um dia ele jogou e foi tomar cerveja. E o João Saldanha vai atrás dele no bar e fala: 'E aí, topa jogar a Copa?' E ele diz, 'Ô professor, vê se com essa barriga aqui eu vou jogar copa do mundo?' E o Saldanha insistiu: 'Mas eu preciso de um cara que faça gol'", conta.

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Bruno Freitas/UOL

Coutinho deixou centenário dos 100 anos para ficar no bar

A história da Copa de 70 não foi a única envolvendo Coutinho, um bar e a recusa de participar de um evento importante. No centenário do clube, em 2012, enquanto Pelé concedia entrevista e abria as comemorações do aniversário no salão nobre da Vila Belmiro, o antigo camisa 9 estava do lado de fora, jogando baralho em um bar à frente do estádio.

Eu gosto de ficar lá no bar, gosto de jogar tranca com meus amigos, qual o problema? Cada um faz o que quer, eu gosto de jogar baralho. Tem gente que gosta de festa, eu sou discreto".

Na época, dizia não saber dizer se tinha sido convidado ou não para o evento. "Não sei se fui convidado. Eu sou de ficar escondido, mas o pessoal foi lá no bar, pediram autógrafos. Eu assinava em cima da minha foto". O livro em questão era "Santos, 100 anos de Futebol e Arte".

Outro detalhe daquele ano: o craque não tinha cedido sua imagem ao filme em homenagem aos 100 anos do clube e nem a um livro lançado sobre os maiores jogadores do clube, intitulado "Os Dez Mais do Santos".

Reprodução
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O melhor parceiro do Rei

Coutinho pode ter sido reticente, mas isso não o faz menos importante. Pelé, por exemplo, sempre ressaltou o entendimento com o parceiro de ataque. Tanto que, ao falar sobre a morte do companheiro, disse que os dois iriam "fazer tabelinha no Céu".

"O grande feito dele com Pelé foram as tabelinhas. As tabelinhas mágicas", contou Cacá, que entrevistou Pelé para falar sobre Coutinho. "No livro, o Pelé atribui 50% dos gols que ele marcou pelo Santos à parceria com o Coutinho". Segundo o Rei (e também Coutinho), dois jogos marcaram a vida deles: o primeiro foi contra o Benfica em 1962, quando o Santos ganhou o primeiro mundial vencendo por 5 a 2. O jogo foi marcante para Coutinho porque estava atuando em um Mundial, o que não tinha acontecido na Copa do Mundo do Chile, em 1962 - já que contundiu o joelho um mês antes do torneio, fez parte da delegação, mas não entrou em campo.

"O segundo grande jogo foi contra o Boca, na Bombonera, em 63. O estádio os chamava de macacos, saíram perdendo de 1 a 0 no primeiro tempo. Aí o Lula passa um sabão e eles voltam pro segundo tempo e viram pra 2 a 1. Aí o Coutinho marcou o gol e comemorou dando um soco no ar, em homenagem ao Pelé", lembra Cacá.

Outro detalhe: na Copa de 1962, mesmo sem jogar, ele fez uma grande parceria com o melhor jogador daquele torneio, Garrincha. "O Garrincha chamava ele de Carvãozinho. Ficavam no mesmo quarto. De tarde, sem nada para fazer, sem saco para jogar cartas, eles iam caçar passarinhos com estilingue. Naquela época, era possível", relembrou o biógrafo.

A nova geração não sabe, não tem noção, do valor deles. Nunca fez uma tabelinha no videogame com Pelé e Coutinho

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Carlos Fernando Schinner, autor de "Coutinho, o gênio da área", da Editora e Livraria Realejo


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Ricardo Saibun/Santos FC

As dificuldades em biografar Coutinho

Como contar a vida de alguém que viveu o auge de sua carreira nos 1950 e 1960, que era avesso às entrevistas e acabava, quase sempre, à sombra de Pelé? "Eu tive não só que pesquisar os arquivos do Santos, mas fui até o Milton Neves, com as fotos do Terceiro Tempo, usei o arquivo do Guilherme Guarche, que é historiador do Santos, do jornal A Tribuna", lembra.

Outra fonte foram os jornaleiros. "Comprei em bancas uns DVDs que tinham os gols do Santos em P&B por que não havia outra fonte. Eu adquiri um método em que eu escrevia tudo em ordem cronológica e depois embaralhava a história. Porque ler tudo em ordem é chato. Foram umas 12 sessões (de entrevistas)", conta, antes de admitir uma tragédia: "Estava tudo em um gravador em que a pilha derreteu e me escorreu tudo. Era digital, perdi".

Natural de Piracicaba, Antonio Wilson Honório, o Coutinho, jogou pelo Santos entre 1958 e 1968 e depois em 1970. Foram 451 partidas oficiais e 16 não oficiais, com 368 gols oficiais e 4 não oficiais. Além dos títulos mundiais e da Libertadores, ele conquistou cinco vezes o Campeonato Brasileiro (1961, 1962, 1963, 1964 e 1965) e seis vezes o Paulistão (1960, 1961, 1962, 1964, 1965 e 1967).

Nos últimos anos da carreira, passou também por Vitória, Portuguesa e Bangu, entre outras equipes. Em 1973, aposentou-se dos gramados jogando pelo Saad, de São Caetano do Sul (SP). Coutinho também foi técnico do Santos em 1981 e em 1995. Sob o comando dele, o time disputou 17 jogos, com 5 vitórias, 7 empates e 5 derrotas.

Pedro Ernesto Guerra Azevedo/Santos
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Publicado em 12 de março de 2019.
 
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