Cotidiano
L.R.Guimarães
Julho 7, 2008
Certo dia, vi uma cena engraçada, que de tão comum já não me choca mais. Estava sentado em um banco de praça, um senhor de mais ou menos sessenta anos que me lembrava um político recém apossado. Calmamente ele dava aos pombos pipocas e estes, como um número de circo bem ensaiado, quando tinham que esperar mais do que trinta segundos entre um arremesso e outro, agitavam as asas e piavam. E essa manhã, aparentemente comum em cidades em que existam praças com bancos, transcorria lenta e harmoniosamente. O senhor sentado em seu banco, os exigentes pombos aos seus pés, os transeuntes passando apressados e eu a observar tudo isso com infinita paciência. Às vezes acho que é justamente essa paciência que me forma escritor. Há uma espécie de alerta em meu cérebro que revela o que deve e o que não deve virar um registro; e as cenas que se seguiram fizeram soar este alerta.
Uma hora se passara desde o início de minha observação, mas quando tudo parecia ter se tornado imutável, o surpreendente aconteceu: como se tivessem surgido dos bueiros próximos à praça, crianças maltrapilhas começaram a superpovoá-la. Então a algazarra estava formada. Os primeiros a sentir a turbulenta presença foram os pombos, que já satisfeitos com as pipocas, alçaram vôo e pousaram no batente da igreja (toda boa praça que suporte essa cena fica em frente a uma igreja!). A avalanche infante era, em si, pequena, porém seu potencial de abalo era imenso e logo as pessoas que estavam na praça se viram cercadas.
Um dos menores do grupo se destacou da turba suja e adiantou-se contra o honorável senhor que continuava sentado com suas pipocas nas mãos:
- Ô tio, me dá um pouco de cinco minutos.
- E posso saber por que você quer cinco minutos?
- Porque eu tô precisando. Me dá?
- Cinco minutos? Só se você me disser para quê.
- Para viver. Tô precisando deles para viver. Os meus já estão no fim.
- Ah! Para isso eu não tenho cinco minutos não. E agora vai embora antes que eu chame a polícia.
Então o sexagenário levantou-se lentamente e saiu. Quando passou pela lixeira localizada perto da saída da praça percebeu que ainda carregava os pacotes de pipoca. Então, como um ato corriqueiro, jogou-os na lixeira e continuou seu caminho assobiando e sem olhar para trás.
In: www.sobrecadeiras.wordpress.com
L.R.Guimarães
Julho 7, 2008
Certo dia, vi uma cena engraçada, que de tão comum já não me choca mais. Estava sentado em um banco de praça, um senhor de mais ou menos sessenta anos que me lembrava um político recém apossado. Calmamente ele dava aos pombos pipocas e estes, como um número de circo bem ensaiado, quando tinham que esperar mais do que trinta segundos entre um arremesso e outro, agitavam as asas e piavam. E essa manhã, aparentemente comum em cidades em que existam praças com bancos, transcorria lenta e harmoniosamente. O senhor sentado em seu banco, os exigentes pombos aos seus pés, os transeuntes passando apressados e eu a observar tudo isso com infinita paciência. Às vezes acho que é justamente essa paciência que me forma escritor. Há uma espécie de alerta em meu cérebro que revela o que deve e o que não deve virar um registro; e as cenas que se seguiram fizeram soar este alerta.
Uma hora se passara desde o início de minha observação, mas quando tudo parecia ter se tornado imutável, o surpreendente aconteceu: como se tivessem surgido dos bueiros próximos à praça, crianças maltrapilhas começaram a superpovoá-la. Então a algazarra estava formada. Os primeiros a sentir a turbulenta presença foram os pombos, que já satisfeitos com as pipocas, alçaram vôo e pousaram no batente da igreja (toda boa praça que suporte essa cena fica em frente a uma igreja!). A avalanche infante era, em si, pequena, porém seu potencial de abalo era imenso e logo as pessoas que estavam na praça se viram cercadas.
Um dos menores do grupo se destacou da turba suja e adiantou-se contra o honorável senhor que continuava sentado com suas pipocas nas mãos:
- Ô tio, me dá um pouco de cinco minutos.
- E posso saber por que você quer cinco minutos?
- Porque eu tô precisando. Me dá?
- Cinco minutos? Só se você me disser para quê.
- Para viver. Tô precisando deles para viver. Os meus já estão no fim.
- Ah! Para isso eu não tenho cinco minutos não. E agora vai embora antes que eu chame a polícia.
Então o sexagenário levantou-se lentamente e saiu. Quando passou pela lixeira localizada perto da saída da praça percebeu que ainda carregava os pacotes de pipoca. Então, como um ato corriqueiro, jogou-os na lixeira e continuou seu caminho assobiando e sem olhar para trás.
In: www.sobrecadeiras.wordpress.com