Fúria da cidade
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Do UOL, no Rio
O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB) afirmou hoje em depoimento ao juiz federal Marcelo Bretas --responsável pelas ações em primeira instância da Lava Jato no Rio-- que intermediou a compra de votos junto a membros do COI (Comitê Olímpico Internacional) para que o Rio de Janeiro pudesse sediar os Jogos Olímpicos de 2016.
De acordo com o ex-governador, entre os votos comprados está o do nadador Alexander Popov, bicampeão olímpico nas provas de 50 m e 100 m livres em 1992 e 1996, e o do ucraniano Serguei Bubka, campeão olímpico em 1988 no salto com vara. De acordo com Cabral, nove dos 95 membros votantes foram comprados ao todo por US$ 2 milhões.
O depósito teria sido feito no exterior, no ano de 2008, pelo empresário Arthur Soares --conhecido como Rei Arthur, devido ao fato de ser o maior fornecedor de mão de obra do estado-- ao presidente da Federação Internacional de Atletismo, Lamine Diack, que distribuiria o dinheiro aos membros comprados.
Cabral e Soares --o empresário está foragido-- são réus no processo oriundo da Operação Unfair Play, desdobramento da Lava Jato no Rio.
Cabral afirmou que o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes (hoje no DEM, na época no MDB) e os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Michel Temer (MDB) foram informados após a compra dos votos. O ex-governador não apontou, contudo, envolvimento ativo dos políticos citados na negociata.
A reportagem do UOL está procurando as defesas de todos os acusados por Cabral (veja abaixo).
Cabral afirmou que Arthur Soares não pediu vantagens específicas para fazer o depósito, mas que os valores repassados a membros do COI foram debitados da propina que o ex-governador recebia mensalmente do empresário. Em seu último depoimento, Cabral já havia dito que o empresário pagou propina a ele ao longo dos seus dois mandatos, além de ter contribuído para campanhas por meio de caixa 2.
No entanto, o ex-governador sempre havia negado a compra dos votos para que o Rio sediasse a Olimpíada de 2016. Com a realização dos Jogos Olímpicos, várias obras públicas foram realizadas no Rio.
Cabral diz que Nuzman propôs propina por votos
De acordo com Cabral, a candidatura do Rio à sede dos Jogos Olímpicos começou em 2008, segundo ano de seu primeiro mandato frente ao governo do estado.
"O então presidente do COB [Comitê Olímpico Brasileiro], Carlos Arthur Nuzman, e o ex-presidente da Fifa João Havelange me visitaram depois da realização dos Jogos Pan e Parapanamericano de 2007 no Rio. Eles me solicitaram um dossiê à candidatura do Rio à Olimpíada", contou em depoimento.
Na primeira fase da disputa, sete cidades lançaram suas candidaturas. No entanto, apenas quatro passariam à fase final. "Precisávamos de um número mínimo de votos. Montamos um time muito profissional e o presidente Lula foi acionado para que, sempre que visitasse um país, pedisse o apoio dos delegados daquele país à candidatura do Rio. De maneira muito profissional, fomos à frente", disse.
Em 2009, o Rio passou à final com Chicago, Madri e Tóquio. "Nesta época, eu estava inseguro, pois o COI é muito 'europeuzado'. Nuzman me ligou e pediu uma reunião de emergência. Ele foi junto do Leo Gryner [ex-diretor de Operações do Rio 2016] à minha casa e disse que podíamos ganhar."
Nuzman disse que o presidente da Federação Internacional de Atletismo, Lamine Diack, se abria a vantagens indevidas. Leo Gryner havia falado com o filho dele, Papa Diack, que assegurava cinco a seis votos, em troca de US$ 1,5 milhão, segundo Cabral.
O ex-governador afirmou não ter tido dificuldades para levantar o valor.
Perguntei [ao Nuzman] qual era a garantia que tínhamos desses votos favoráveis. Ele me disse que tradicionalmente este tipo de compra não costumava falhar. Perguntei de onde viriam estes votos e ele me disse que esses votos vinham de membros africanos do COI, mas também do Comitê Internacional de Atletismo. Serguei Bubka, ucraniano, teria recebido propina. O nadador Alexander Popov também teria recebido propina.
Cabral afirmou ter dito a Nuzman: "Presidente, não vou me meter nisto. Mas vou arrumar um empresário com contas no exterior e vai viabilizar este pagamento. Chamei o Arthur Soares na minha casa, expliquei a necessidade desse dinheiro para obtenção de votos e ele fez este primeiro depósito".
Em setembro daquele ano, em um novo encontro, desta vez em Paris, Nuzman e Diack teriam pedido mais US$ 500 mil para garantir até nove votos ao Rio.
"Eu fui ao lançamento do Guia Michelin em Paris. Este encontro ficou famoso pelo episódio conhecido como "A Farra dos Guardanapos". Fui chamado pelo Gryner e pelo Nuzman num canto, que me disseram que o Diack conseguiria chegar a nove votos comprados, mas para isto precisaria de mais US$ 500 mil".
Mais uma vez, o empresário teria sido acionado, segundo relato de Cabral. "Liguei novamente para o Arthur Soares e disse que precisava deste dinheiro até o dia 3 de outubro para a compra de votos. Em 29 de setembro de 2008, o depósito foi feito. Ele me mandou o comprovante de depósito."
Por 66 votos a 32, o Rio venceu Madri, na rodada final, e foi escolhido sede dos Jogos Olímpicos de 2016.
Cabral diz ter contado a Lula e Paes após compra
Questionado pelo juiz Bretas se algum político sabia desses depósitos para a compra de votos, Cabral afirmou que Paes, Lula, Temer e o então funcionário do COB e ex-deputado estadual Carlos Alberto Osório (PSDB) sabiam da negociata.
"Em 2008, eu pedi para que o Paes fosse a um evento no exterior, me representando, e ele disse que não poderia. Fiquei irritado com ele e expliquei que eu havia pago por esses votos, que era necessário ele ir, que havia interesses. Lula, Temer e Osório souberam na véspera da apresentação final do Brasil como sede da Olimpíada. Nervoso, tive uma crise de choro, de ansiedade. Lula me perguntou o porquê da minha ansiedade na frente dos demais e eu contei que já havia feito este esforço. Ele respondeu: 'Se já está feito, eu não quero saber. Se calme", afirmou.
De acordo com Cabral, o Rio poderia ter sido escolhido sede da Olimpíada sem o pagamento de propina, mas ele preferiu pagar por uma questão de "segurança".
"A candidatura foi seríssima. A escolha envolveu uma articulação séria. Mas tive medo de não passarmos para as fases seguintes e, por isso, pedi este depósito. Depois desta primeira fase, sabia que o Rio venceria, já que vários membros do COI diziam que o Rio seria a sua segunda opção."
Outro lado
A reportagem procurou Lula e Carlos Arthur Nuzman sobre as declarações de Cabral, mas eles ainda não se manifestaram.
Procurado pelo UOL, o ex-prefeito Eduardo Paes negou as denúncias de Cabral. "Não só não participei [do esquema de compra de votos] como não sabia. E não me contaram porque sabem que eu não concordaria. Simples assim", afirmou. "Nuzman jamais me procuraria para algo assim", afirmou ele.
A defesa do ex-diretor de Operações da Rio 2016 também negou as acusações, destacando que Cabral não apresenta provas. "Ficou claro que Sérgio Cabral falta com a verdade e não apresenta qualquer prova de seus relatos, mantendo-se íntegra a prova produzida na instrução criminal que isenta Leonardo Gryner de qualquer responsabilidade! Se houve compra de votos, Leonardo não participou!", diz comunicado de sua defesa.
Lamine Diack e seu filho Papa Massata Diack --apontado como responsável por operacionalizar o pagamento de propinas-- sempre negaram as acusações. Em entrevista ao jornal americano The New York Times, em 2017, Papa negou as acusações. Segundo ele, seu pai votou na candidatura de Tóquio, uma das três cidades adversárias do Rio. "Quem quer que diga o contrário está mentindo."
Desde fevereiro, Cabral tem mudado a linha de defesa
Preso desde novembro de 2016 e condenado a 198 anos e seis meses de prisão em processos derivados da Lava Jato, Cabral foi denunciado 29 vezes. Ele trocou a sua defesa em dezembro. Antes, ele assumia o caixa 2 em campanhas, mas jamais falava em corrupção. Após a troca de advogados, mudou a estratégia.
Em fevereiro, Cabral admitiu pela primeira vez o recebimento de propina durante seus dois mandatos e apontou o ex-governador Luiz Fernando Pezão (MDB) como recebedor de valores indevidos.
Em abril, também em depoimento a Bretas, chegou a pedir desculpas à população pelos esquemas de corrupção e citou ao menos seis políticos que teriam participado de negociatas. "A fronteira entre o legítimo e o ilegítimo vai se perdendo, você vai fragilizando os seus conceitos éticos, de regras e princípios", afirmou ele.
Questionado pelo juiz quanto ao porquê de seguir recebendo propina, mesmo depois de já ter recebido mais de R$ 100 milhões em valores indevidos, Cabral disse que se tratava de uma questão de "amor ao poder". "Tem pessoas que falam comigo: 'Você poderia ter sido presidente do Brasil, poderia ter dado mais colaboração ao Brasil'. Poderia se eu não tivesse errado."
https://noticias.uol.com.br/politic...-votos-para-realizacao-da-olimpiada-no-rj.htm
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Nenhuma surpresa, apenas a confirmação daquilo que era esperado.